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Editorial

EDITORIAL

Neste segundo semestre de 2014, uma equipe do Instituto de Estudos de Gênero e da Revista Estudos Feministas da UFSC esteve presente no 12º Women's Worlds Congress (Congresso Mundos de Mulheres), realizado em Hyderabad, na Índia, entre 17 e 22 de agosto, com o tema "Gender in a changing world" (Gênero em um mundo em transformação). Além de participar do congresso, a equipe foi para a Índia com o intuito de anunciar a sua próxima edição, que será realizada de 30 de julho a 4 de agosto de 2017, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, junto ao Fazendo Gênero 11, com o tema "Transformações, Conexões, Deslocamentos". Convidamos a todos/as para visitar a página do encontro: www.fazendogenero.ufsc.br e assinar a newsletter para receber todas informações referentes a esse importante evento.

O Women's Worlds Congress é realizado desde 1981 a cada três anos, em diferentes partes do mundo. Esta é a primeira vez que ele será realizado na América Latina. É um congresso diferente em vários sentidos: congrega feministas acadêmicas com feministas militantes de diversos movimentos e articulações; é realizado autonomamente, sem a condução de uma organização ou associação, apenas com um conselho consultivo internacional formado por organizadoras dos eventos precedentes; e busca a circulação de saberes e reivindicações, o compartilhamento de informações e perspectivas, a criação de redes e solidariedades.

A experiência de nosso grupo na Índia foi ímpar. Conversamos com organizadoras de eventos precedentes, como as coreanas e as canadenses, observamos a dinâmica do congresso, a presença de pessoas que vêm participando do evento regularmente ao longo de muitos anos, enfim, uma diversidade de mulheres de muitos mundos ali, apresentando seus trabalhos, suas demandas, suas realidades, suas perspectivas teóricas e políticas. Estamos organizando, para breve, uma exposição de fotos, que esperamos apresentar na UFSC e online, e também estamos nos organizando para receber essas feministas todas em Florianópolis, em 2017. Vamos precisar de todo o apoio possível e esperamos contar com uma extensa rede, formada por núcleos, institutos e ONGs do Brasil e da América do Sul, para divulgação, apoio institucional e financeiro, conexão com movimentos de mulheres e feministas das diversas regiões, construção de projetos, compartilhamento de soluções e ideias para a execução do congresso.

No Brasil, vivemos campanha eleitoral na qual se destacam candidatas mulheres para a Presidência da República. As análises dessa eleição, de seus resultados, da verbalização escancarada da homofobia por candidatos em horários eleitorais gratuitos, nos meios de comunicação, certamente ocuparão as páginas dos periódicos acadêmicos a partir de 2015. Muitas das reivindicações feministas estão ainda à espera de ações políticas efetivas por parte dos três poderes no país, o que nos torna particularmente implicadas nas eleições.

Neste número da REF, contamos com oito artigos abrangendo diversos temas, além de uma seção Debates e um significativo número de resenhas, evidenciando o vigor editorial da produção no campo dos estudos feministas e de gênero. O artigo que abre esta edição, "Mulheres que denunciam violência sexual intrafamiliar", é resultado de trabalho de pesquisa em equipe realizado por Luíza Barros Santoucy, Viviane Amaral dos Santos, Maria Inês Gandolfo Conceição e Liana Fortunato Costa. Através da análise cuidadosa de entrevistas com mães que denunciaram membros da família por violência sexual cometida contra seus filhos, a equipe aborda como essa experiência, do sofrimento e da necessidade da denúncia, levou essas mulheres a mudanças importantes no seu comportamento diante da vida, da família e das instituições.

Em "Imaginário, trabalho e sexualidade entre os coletores de caranguejo do Salgado Paraense", Flávio Leonel Abreu da Silveira e Camilla da Silva Souza apresentam um estudo etnográfico e de caráter antropológico sobre a população de coletores de caranguejo do Pará, enfocando as práticas sexuais envolvendo pessoas do mesmo sexo, especialmente os espaços de masculinidades, e, ao mesmo tempo, discutindo a paisagem e o imaginário da região. Nas densas florestas de mangues da região bragantina, seres "encantados" marcam uma "topografia fantástica", como protetores da floresta, dos seres marinhos e dos campos, ao mesmo tempo marcando os comportamentos e modelos que constroem as masculinidades e práticas sexuais.

O artigo de Carlos Magno Gomes, "O femicídio na ficção de autoria feminina brasileira", analisa a construção do homicídio de mulheres nas obras "A língua do p", de Clarice Lispector, e "Venha ver o pôr do sol", de Lygia Fagundes Telles, valendo-se de abordagens conceituais de teóricas feministas sobre as violências contra mulheres, desde as sutilezas da violência simbólica ao femicídio.

O artigo seguinte, "La política de cuidados em Uruguay: "un avance para la igualdad de género?", de autoria de Rosario Aguirre Cuns, trata das estratégias feministas e das bases estruturais da construção do direito ao cuidado como nova ação de políticas públicas no Uruguay, país que vivencia uma segunda administração de esquerda e possui um legado histórico de institucionalização de políticas sociais. A autora analisa o processo em curso, de ampliação da rede de proteção social, refletindo sobre a necessidade de articulação de diferentes discursos e responsabilidades públicas e privadas frente aos direitos de cuidar e ser cuidado, prática tradicionalmente atribuída a mulheres.

O texto de Maria Bernadete Ramos Flores, intitulado "Androginia e Surrealismo a propósito de Frida e Ismael - velhos mitos: eterno feminino", procura, como diz o próprio subtítulo, apontar para velhos mitos e o eterno feminino. A pesquisadora identifica a androginia em vários trabalhos de Frida Kahlo no México e de Ismael Nery no Brasil. Em Frida, o mito, segundo sua leitura, vai do lesbianismo e do desejo de inversão dos tradicionais papéis de gênero à dissolução de sua própria identidade; e em Ismael, está na duplicidade de seus autorretratos e na iconografia dos casais amorosos, fusão dos sexos como parte do mundo das ideias.

Em "Uma etnografia sobre o atendimento psicoterapêutico a transexuais", Marcos de Jesus Oliveira analisa as formas de poder/saber que regulam a prática psicoterápica em grupo destinada a pessoas transexuais. Por meio de observação participante em sessões terapêuticas grupais, ele problematiza como foi reconstituída a "microfísica do poder" da clínica, cuja direção, conclui ele, parece tentar conformar as subjetividades ali produzidas a certos ideais regulatórios e disciplinares.

O artigo de Yenisey Valles Acosta e José María Infante Bonfiglio, "Mujeres y acción colectiva para la regularización de la tierra: un caso de Monterrey, México", apresenta uma pesquisa em desenvolvimento que busca aprofundar a observação das práticas no processo de regularização da terra, o que lhes permite compreender como se dá a ação e a construção de uma cidadania feminina para a gestão da terra, especialmente no que se refere a novos espaços de socialização.

Dagmar Estermann Meyer, Carin Klein, Maria Cláudia Dal'Igna e Luiz Fernando Alvarenga, no artigo "Vulnerabilidade, gênero e políticas sociais: a feminização da inclusão social", buscaram mostrar, em uma pesquisa realizada com gestores/as e técnicos/as vinculados/as a secretarias municipais, que promover inclusão social pressupõe desenvolver e desempenhar um conjunto de capacidades representadas como sendo, destacam eles, 'da ordem do feminino', constitutivas da feminização que as políticas incorporam e fazem funcionar.

Mais uma vez, lamentamos a perda de uma companheira feminista e partilhamos do adeus emocionado de Jorge Lyra e Benedito Medrado à Fúlvia Rosemberg.

Neste número apresentamos a entrevista concedida a Miriam Pillar Grossi e Vinicius Kauê Ferreira, pela teórica francesa queer Marie-Hélène Bourcier, quando de sua estada na UFSC entre junho e julho de 2014.

Na seção Debates, Claudia de Lima Costa traz novamente o tema do descolonialismo, provocando o diálogo em torno do texto de Maria Lugones, que propõe uma releitura da modernidade capitalista colonial, em que a introdução da perspectiva colonial de gênero e, nela, a marcação da diferença colonial, subverte as práticas cotidianas e as próprias compreensões sobre raça, gênero, sexualidades. São chamadas para o debate Karina Bidaseca, que reflete sobre as peregrinações dos feminismos negros no pensamento de Lugones, e Cláudia Pons Cardoso, que discute o pensamento de Lélia Gonzalez, intelectual brasileira negra defensora de um feminismo afrolatino-americano, como fonte de inspiração para ações políticas feministas descolonizadoras.

Ao encerrar nosso último número de 2014, temos a certeza de que ajudamos a formar uma geração de leitoras e leitores. É desse modo que vemos o significativo número de resenhas de livros, não só publicados no Brasil, mas também em outros países: França, Estados Unidos e Colômbia. Das onze resenhas selecionadas pelos critérios estabelecidos, não só na ordem recebida para a submissão, mas na data da publicação do livro resenhado, temos abordagens diversificadas apontando para a importância dessas publicações em nossas bibliotecas e em nossas bibliografias, nas quais temas tão fulcrais se fazem presentes: corpos e reprodução; teorias dos cuidados (care); novas domesticidades; feminismos contemporâneos; educação como prática de liberdade; a nação heterossexual; vidas de homem; gênero e educação física; consumo e homossexualidade; competições de beleza entre mulheres e a contemporânea prática de crossdressing.

Cristina Scheibe Wolff; Mara Coelho de Souza Lago; Tânia Regina Oliveira Ramos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2014
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