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O heterocentrismo, a norma soberana que nos rege

RESENHAS

O heterocentrismo, a norma soberana que nos rege

Ana Maria Mujica Rodriguez

Universidade Federal de Santa Catarina

La Nación Heterosexual. Análisis del discurso jurídico y régimen heterosexual desde la antropología de la dominación. Bogotá, D.C: Brecha lésbica y en la frontera, 2013. 197 p. OCHY, Curiel

Editado no ano de 2012 pela Brecha lésbica y en la frontera e lançado no Fazendo Gênero 2013 em Florianópolis, Santa Catarina, o Livro La Nación Heterosexual: análisis del discurso jurí-dico y el régimen heterosexual desde la antro-pología de la dominación traz análises críticas e reflexões sobre a Antropologia da dominação da heterossexualidade como regime político que perpassa a lógica jurídica e a construção da Constituição Política de Colômbia de 1991.

A autora Rosa Ynés (Ochy) Curiel nasceu na República Dominicana e atualmente reside na Colômbia. Mestre em Antropologia Social, especialista em Educação Superior e Licenciada em Serviço Social. É professora e Coordenadora curricular da Pós-graduação da Faculdade de Estudos de Gênero, da Universidade Nacional de Colômbia e ativista descolonial, lésbico-feminista, autônoma e antirracista dos movimentos da América Latina e o Caribe.

O livro consta de sete capítulos, a introdução e um epílogo. A sua construção foi fruto de uma pesquisa feita entre janeiro de 2009 até abril de 2010. Nessa pesquisa, foram analisados vários textos de interesse para conhecer tanto o processo de elaboração da Constituição quanto a participação, as propostas e as posições dos diferentes grupos sociais sobre esse documento. Entre os textos analisados estiveram: a Cons-tituição, as Atas da Assembleia Nacional Constituinte e as várias entrevistas em profundida-de realizadas. A metodologia utilizada foi a análise crítica do discurso, a partir de uma perspectiva teórico-política do lesbianismo feminista e da teoria marxista de Antonio Gramsci. A autora traz uma explicação mais aprofundada das suas perspectivas teóricas e metodologia na terceira parte da introdução.

No primeiro capítulo: "El Sentido Político de la Heterosexualidad", é discutido o conceito da heterossexualidade através dos aportes do lesbianismo feminista, principalmente de Adrienne Rich e Monique Wittig, assim como seu caráter político - para além de ser só uma prática sexual, a heterossexualidade é vista como um regime político que afeta as interações sociais, sobretudo aquelas que constituem a nação.

No segundo capítulo: "El contexto del texto Constitucional de 1991", foi apresentado um pa-norama da realidade socioeconômica e política no momento da chegada do Neoliberalismo na América Latina, que coloca o mercado e a economia como centros da vida social. O capítulo também analisa como na Colômbia esse fenômeno acontece paralelamente aos processos de paz com os grupos armados para o cessar da violência política e da construção de um novo "contrato social". E, finalmente, explora como essas relações e grupos sociais e políticos influenciaram a constituição da Assembleia Nacional Constituinte no país.

Em "La adopción de un nuevo pacto social", a autora analisa a participação das mulheres e de feministas no contexto prévio e durante o processo constituinte, e os efeitos que teve essa participação - se o discutido foi inserido na constituição, a atuação desses grupos permitiu uma maior visibilidade das mulheres em geral e de outros grupos sociais excluídos.

No quarto capítulo "La Constitución Política: Un contrato heterosexual", é analisada a superposição entre o contrato social e a heteros-sexualidade por meio das noções de povo, de unidade da nação, de pacto social e de repre-sentação: produtos da hegemonia de certos grupos políticos por privilégios de "sexo", "raça" e "classe".

No seguinte capítulo, "La diferencia sexual como fundamento del pacto heterosexual", são conceituadas a "diferença sexual" e as cate-gorias socialmente construídas de "mulher" e "homem", com base no pensamento de várias teóricas feministas, como Margared Mead, Simone de Beauvoir, Joan Scott e Gayle Rubin, entre outras, e analisado o modo como esses paradigmas são assumidos dentro do texto da Constituição.

Em "La concepción heterosexual de familia en la Constitución", a autora continua a análise do texto da Constituição, abordando o conceito de família, como pilar central do regime heteros-sexual. Fazendo ênfases na contraposição entre a conceituação de família segundo a Constitui-ção e a realidade social.

Finalmente, no capítulo "El Estado-nación multi y pluricultural", é contextualizada a impor-tância, que surgiu dentro do processo constituinte, de plasmar na Constituição de 1991 a diversidade étnica e cultural do país. Fato que foi analisado como uma ganância política para diferentes grupos sociais e que permitiu a emergência de outros movimentos antes não existentes, como o LGBT. No mesmo capítulo, foram apontadas outras reflexões sobre o multiculturalismo e o risco existente de serem essencializadas certas identi-dades na procura desses grupos pela construção de uma autenticidade cultural e sexual que fosse reconhecida pelo Estado. Esse processo teria um impacto significativo, sobretudo em mulheres e lésbicas, em função do regime heterossexual.

O livro termina com o Epílogo "Los derechos de las parejas del mismo sexo", no qual se fala sobre a Sentencia c-029/09 que emitiu a Corte Constitucional da Colômbia sobre os direitos dos casais do mesmo sexo. A autora fez algumas crí-ticas a respeito da normatização da sexualidade, mas também ressaltou pontos positivos, como a desnaturalização da ordem social e a criação de novas formas de parentesco que quebram esse regime heterossexual imerso na Constituição.

La Nación Heterosexual permite refletir sobre como a linguagem dos discursos políticos e/ou os textos produzidos dentro dessa área são aplicáveis às outras, uma vez que carregam toda uma construção de significados permeados pelos paradigmas socioeconômicos, políticos e cultu-rais vigentes, normatizando e limitando condutas e identidades - nesse caso, pressupondo a hete-rossexualidade como natural, única e inflexível. Ao visibilizar o caráter rígido desses discursos jurídico-legais, se põe em evidência quais são os grupos sociais excluídos desse pacto social. Isso permite pensar em estratégias críticas que visem à ruptura desses paradigmas e à inclusão e ao respeito das diversidades, redefinindo discursos e políticas, de maneira a evitar sua reprodução em outras áreas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2014
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