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Voltando à discussão sobre capitalismo e patriarcado

Going Back to the Discussion on Capitalism and Patriarchy

Resumo:

O debate teórico no feminismo dos anos 1960 e 1970 tinha, como um dos seus eixos, a relação entre dominação burguesa e dominação masculina. Mas em boa parte das discussões atuais, ao menos naquelas com maior visibilidade, a questão tem sido pouco explorada. A emergência dos feminismos negros, indígenas e transgêneros leva ao reconhecimento da diversidade da condição das mulheres, mas “classe” é uma categoria que não é incorporada - ou é incorporada de forma muito marginal - ao debate. O artigo analisa as razões e as consequências deste esquecimento, revisitando as contribuições de autoras como Christine Delphy, Zillah Eisenstein, Heidi Hartmann e Iris Marion Young. Ainda que nenhuma delas tenha produzido um modelo inteiramente convincente da relação mútua entre capitalismo e dominação masculina, elas avançaram na compreensão de processos cruciais.

Palavras-chave:
capitalismo; patriarcado; classe; gênero; dominação

Abstract:

One of the axes in feminist theoretical debate of the 1960s and 1970s was the relationship between bourgeois domination and male domination. But in much of nowadays discussions, at least those with greater visibility, the issue has been little explored. The emergence of black, indigenous and transgender feminisms leads to the recognition of the diversity in women's condition, but “class” is a category that is not incorporated - or is incorporated very marginally - to the debate. The article analyzes the reasons and consequences of this oblivion, revisiting the contributions of authors like Christine Delphy, Zillah Eisenstein, Heidi Hartmann, and Iris Marion Young. Although none of them has produced an entirely convincing model of the mutual relationship between capitalism and male domination, they advanced the understanding of critical processes.

Keywords:
Capitalism; Patriarchy; Class; Gender; Domination

No feminismo ocidental da chamada “segundo onda”, aquele que emerge nos anos 1960 e 1970, uma preocupação difundida era definir sua relação com duas correntes teóricas: a psicanálise e o marxismo.1 1 Este artigo integra a pesquisa “Teoria democrática, dominação política e desigualdades sociais”, apoiada pelo CNPq com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa. Agradeço a leitura prévia, os comentários, as críticas e as sugestões de Regina Dalcastagnè e de Flávia Biroli. O pensamento de Freud podia ser aproveitado, a despeito de sua evidente misoginia, como abrindo caminhos para entender a construção da sexualidade feminina numa sociedade marcada pela dominação masculina (Juliet MITCHELL, 1974MITCHELL, Juliet. Psychoanalysis and feminism: Freud, Reich, Laing, and women. New York: Pantheon Books, 1974.). Ou, ao contrário, era denunciado como base de uma contrarrevolução sexual, contribuindo para emparedar as mulheres na imagem convencional da feminilidade e nos papéis subalternos que dela derivam - os psicanalistas sendo “os mastins da ordem patriarcal”, como depois escreveu Christine DELPHY (2013rDELPHY, Christine. “Critique de la raison naturelle”. L’enemmi principal, v. 2 (“Penser le genre”). Paris: Syllepse, 2013a [2011].a [2001], p. 20). Esta última é a posição externada com clareza e veemência num dos livros fundantes da própria “segunda onda”, A mística feminina - do original The feminine mystique -, de Betty FRIEDAN (2001FRIEDAN, Betty. The feminine mystique. New York: Norton, 2001 [1963]. [1963]).

Já o marxismo sempre professou seu compromisso com a igualdade entre os sexos. No entanto, ao estabelecer a centralidade absoluta da diferença de classes como fonte última de todas as formas de opressão social, permitia que se negasse relevância às demandas feministas ou mesmo, na pior das hipóteses, que elas fossem consideradas um tipo de diversionismo nefasto. Ainda que a contribuição do marxismo clássico à discussão da submissão feminina não possa ser negligenciada (cf. Joana El-Jaick ANDRADE, 2009ANDRADE, Joana El-Jaick. “A social-democracia clássica e a emancipação feminina”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 2, p. 159-191, 2009.), pensadoras e ativistas que depois se tornaram ícones feministas, como Clara Zetkin ou Alexandra Kollontai, recusavam o rótulo, julgando-o burguês. No Brasil, no final dos anos 1960, uma autora marxista como Heleith SAFFIOTI ainda externava tal posição. No livro que teve tanta repercussão na reflexão feminista internacional da época, A mulher na sociedade de classes, ela escrevia: “Se esta obra não se dirige apenas às mulheres, não assume, de outra parte, a defesa dos elementos do sexo feminino. Não é, portanto, feminista” (SAFFIOTI, 2013SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013 [1969]. [1969], p. 34). E um motivo central é a afirmação da superioridade explicativa da classe em relação ao sexo. Os problemas das mulheres, afirmava ela, “são problemas de classes sociais manifestando-se diferentemente nas categorias de sexo” (SAFFIOTI, 2013 [1969], p. 106).2 2 Para uma discussão da evolução de Saffioti em sua relação com o feminismo, cf. Celi Regina Jardim PINTO (2014).

A questão que então se impôs a boa parte do feminismo dos anos 1960 e 1970 era como produzir uma análise que levasse em conta tanto classe quanto sexo ou gênero; ou, dito de outra forma, que fosse capaz de compreender a sociedade como sendo, a um só tempo, capitalista e patriarcal. Autoras com pegada teórica mais forte e compromisso com um ideal feminista socialista buscaram construir modelos que fossem sensíveis às questões de gênero dentro do enquadramento marxista, que estabelecessem capitalismo e patriarcado como mecanismos de dominação cruzados, operando na mesma sociedade (as chamadas “teorias de sistemas duais”) ou mesmo, que entendessem a esfera doméstica como dotada de um modo de produção próprio, operando em paralelo com a economia capitalista. Mas mesmo aquelas com foco de análise mais circunscrito ou voltadas a pesquisas empíricas, tivessem ou não uma inclinação pró-socialista, tendiam a incorporar a variável “classe”, com destaque, em suas reflexões.

O feminismo brasileiro das décadas de 1960 a 1980 serve de exemplo. Uma abordagem feminista emergiu no interior do pensamento marxista, como é o caso de Heleieth Saffioti, já mencionada, ou de Heloneida STUDARTSTUDART, Heloneida. Mulher, objeto de cama e mesa. Petrópolis: Vozes , 1974., cujo best-seller Mulher, objeto de cama e mesa, com cerca de 300 mil exemplares vendidos desde 1974, cumpriu papel importante, oferecendo um primeiro contato com discussões feministas para gerações de leitoras e leitores.3 3 Sobre a trajetória de Studart, cf. Cecília CUNHA (2008). Mesmo um importante estudo sobre a sexualidade das mulheres apresentava o subtítulo “Corpo e classe social no Brasil” e, de fato, organizava a discussão de acordo com este recorte, separando os dados relativos às burguesas, às operárias e às camponesas (Rose Marie MURARO, 1983MURARO Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1983.). E uma das áreas centrais de pesquisa sobre gênero foi a sociologia do trabalho. Textos fundadores, como aqueles postumamente reunidos em livro de Elizabeth SOUZA-LOBO (1991SOUZA-LOBO, Elizabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Brasiliense, 1991.), ajudavam a definir uma compreensão do mundo social em que a divisão sexual do trabalho, logo, a relação entre gênero e classe, ocupava uma posição de destaque. Ou seja: a reflexão feminista que emergiu no Brasil na segunda metade do século XX esteve, assim como aquela que era produzida na Europa e na América do Norte, preocupada centralmente com a relação entre gênero e classe social.

A partir da última década do século passado, a centralidade desta relação começou a refluir. É possível ver, neste movimento, o efeito de transformações internas ao pensamento feminista, em particular a influência crescente do pós-estruturalismo e da teoria queer, mas também um reflexo da derrocada do socialismo real, com o paulatino abandono da esperança em uma sociedade pós-capitalista, e da concomitante retração do marxismo nas ciências sociais de maneira geral. O fato é que, ao mesmo tempo em que a reflexão feminista procurou se tornar mais sensível às múltiplas diferenças e aos diversos padrões de opressão social, a desigualdade de classe e a exploração capitalista passaram para o segundo plano. O feminismo marxista é colocado, cada vez mais, como uma corrente à parte - é mais uma vertente secundária do marxismo do que um braço do feminismo teórico. Seu diálogo com outras perspectivas teóricas feministas é, em geral, escasso, com prejuízos de lado a lado.

No caso brasileiro, consolidou-se a visão de que, nos anos 1970 e 1980, as organizações da esquerda anatematizavam o feminismo como um “desvio pequeno-burguês” que comprometia a luta contra a ditadura militar e pelo socialismo (PINTO, 2003PINTO, Celi Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003., p. 45). É uma leitura que reflete a frustração com os limites do marxismo ortodoxo, mas parcial, ao deixar de lado o esforço que muitas feministas revolucionárias fizeram, no interior destas organizações para reposicionar a opressão das mulheres nas suas plataformas políticas - enfrentando, é verdade, a oposição de muitos dirigentes homens, ciosos de seus privilégios e pouco sensíveis à temática. Ignora, também, o papel de militantes comunistas, como Zuleika Alambert ou a própria Heloneida Studart, na difusão de uma consciência feminista no Brasil, ainda durante a ditadura. No limite, é uma leitura que pressupõe que o feminismo precisava se “emancipar” do socialismo (algo que é explícito, por exemplo, em Margareth RAGO, 2003RAGO, Margareth. “Os feminismos no Brasil: dos ‘anos de chumbo’ à era global”. Labrys, n. 3, 2003. Disponível em: Disponível em: http://www.labrys.net.br/labrys3/web/bras/marga1.htm . Acesso em: 11/05/2015.
http://www.labrys.net.br/labrys3/web/bra...
), ao passo que essas pioneiras queriam afirmar um compromisso duplo, em que gênero e classe estivessem presentes.

De maneira apenas ilustrativa, é possível observar que os dois periódicos feministas brasileiros na base Scielo - Revista Estudos Feministas e Cadernos Pagu - publicaram, no ano de 2014, 71 artigos com resumos. Uma busca nestes resumos e nas palavras-chave que os acompanham indica a presença do conceito de classe social em apenas dois deles. Referências ao capitalismo se limitam a duas menções à modernidade ou à modernização capitalistas e a uma inclusão de “capital” como palavra-chave de um texto. Ou, então, que, entre todos os textos postados no blog “Blogueiras feministas” entre seu início, em 2010, até o final de 2014, apenas 6,7% estejam classificados na categoria “Trabalho e economia”, muito abaixo de questões como mídia, violência, relacionamentos, diversidade ou política.4 4 A coleta dos dados foi feita por Illyusha Khristie Lima Bites Montezuma, a quem agradeço.

Não se trata de negar a priori relevância a outras temáticas que surgem vinculadas ao feminismo e aos estudos de gênero, mas de reivindicar a continuidade da importância da relação entre classe e gênero para explicar o mundo social e, dentro dele, a posição das mulheres. O declínio da esperança no socialismo pode gerar desânimo em quem empreende a crítica da ordem capitalista, mas é necessário recusar a conclusão de que nada resulta deste esforço “além de um ataque agudo de depressão”, como disse certa vez Anne PHILLIPS (1999PHILLIPS, Anne. Which equalities matter? London: Polity, 1999., p. 17). Talvez não resulte a planta baixa de uma sociedade renovada, mas, certamente, permite uma compreensão mais clara e mais completa do mundo com o qual temos que lidar e das formas de dominação que enfrentamos.

Do outro lado, “gênero” nunca se estabeleceu como um conceito nativo no pensamento marxista, sendo quase sempre encaixado em análises que, a rigor, dele prescindiriam. Um exemplo ilustrativo é a série de coletâneas Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, organizada por Ricardo ANTUNES (2006ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006., 2013______ (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013., 2014______ (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014.). Os três volumes reúnem mais de 90 artigos que tratam das transformações gerais do trabalho no mundo capitalista e discutem, em detalhe, setores produtivos brasileiros. À parte um texto que discute a feminização do telemarketing (Claudia Mazzei NOGUEIRA, 2006NOGUEIRA, Claudia Mazzei. “A feminização do trabalho no mundo do telemarketing”. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.) e outro, sobre músicos de orquestras (Liliana Rolfen Petrilli SEGNINI, 2006SEGNINI, Liliana Rolfen Petrilli. “Acordes dissonantes: assalariamento e relações de gênero em orquestras”. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.), ambos no primeiro volume, “gênero” aparece, no máximo, como uma categoria lateral. E o que é mais relevante: o trabalho doméstico não remunerado não é levado em conta, em nenhum artigo, como variável relevante, seja para explicar as posições de mulheres e de homens nas relações de trabalho, seja como componente invisibilizado dos processos de exploração.

São apenas ilustrações - seria necessário um trabalho de fôlego para entender a presença da classe no feminismo e do gênero no marxismo contemporâneos. Mas elas reforçam a impressão de que existe, já faz algumas décadas, um movimento de refluxo da preocupação com o impacto cruzado destas duas clivagens. Creio que tal refluxo prejudica não só nossa capacidade de entender a complexidade do mundo social, mas também de compreender as maneiras pelas quais gênero e classe impregnam as estruturas da sociedade e impactam a vida das pessoas.5 5 Nos últimos anos, emergiram correntes no feminismo teórico anglo-saxão que buscam reverter esta ausência da classe – e que, por sua centralidade na divisão internacional do trabalho intelectual, estão tendo impacto em todo o mundo. O debate ganhou maior visibilidade a partir da polêmica denúncia que Nancy FRASER (2017) fez às políticas de identidade, com chamamento à retomada da discussão a partir do eixo de classe.

Na próxima seção deste artigo, discuto brevemente os conceitos de capitalismo e de patriarcado, indicando os problemas que parte da literatura percebe neste último. A seção seguinte discute algumas das contribuições do feminismo dos anos 1960 e 1970 ao debate, a partir de nomes como Heidi Hartmann, Christine Delphy e Iris Marion Young. Na conclusão, por fim, destaco que, a despeito das limitações indicadas nas críticas que sofreram, as teorias então produzidas tocam em aspectos cruciais, de uma maneira mais profunda do que a mera afirmação ritual da “interseccionalidade” das formas de opressão é capaz de fazer. No entanto, devido às alterações do capitalismo em sua fase mais recente, é necessário não apenas aprimorar, mas também atualizar a reflexão iniciada décadas atrás.

Capitalismo, patriarcado

Trabalho, neste texto, com o entendimento de que o conceito de capitalismo é relativamente pouco polêmico. Ainda que a datação histórica do capitalismo, seus padrões evolutivos e sua convivência com outras formações sociais sejam objetos de controvérsia, a caracterização geral do modo de produção capitalista é consensual. Ela inclui a separação entre trabalhadores e instrumentos de trabalho, a propriedade privada dos meios de produção, o controle privado do investimento, a apropriação privada da riqueza, o assalariamento de uma mão de obra formalmente livre e a produção de bens voltada precipuamente para a troca mercantil.

Para seus defensores, é o predomínio do mercado - apresentado como espaço do exercício da autonomia individual e das interações humanas não coercitivas - que concentra as virtudes da sociedade capitalista. Seus críticos observam como a autonomia da maior parte dos indivíduos é limitada pelas condições materiais de suas vidas. O assalariamento aparece, então, não como uma opção livremente elegida, mas como uma necessidade que obriga os não proprietários a se submeterem ao arbítrio de outrem. O trabalho é “alienado”, isto é, despido de seu significado intrínseco, e produz uma riqueza que é apropriada por outros. O capitalismo se caracteriza pela “exploração do homem pelo homem”, expressão que também indica a adesão acrítica, por parte dos pensadores socialistas iniciais, à ideia de que o gênero masculino expressa o humano universal.

Mas indica, também, a incorporação ambígua das mulheres no modo de produção capitalista. Por um lado, os impedimentos legais a que as mulheres controlassem a propriedade impedia que elas exercessem plenamente o papel de burguesas - seu pertencimento de classe era derivado daquele de maridos ou pais. Na classe trabalhadora, a situação era mais complexa. Por motivos que incluíam necessidades tanto tecnológicas quanto de maior controle sobre a força de trabalho (Stephen MARGLIN, 1989MARGLIN, Stephen. “Origens e funções do parcelamento de tarefas (para que servem os patrões?)”. In: GORZ, André (Org.). Crítica da divisão do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1989 [1973]. [1973]), o capitalismo transferiu a maior parte da produção das unidades domésticas para as manufaturas. Nem por isso as mulheres ficaram de fora do trabalho assalariado. Mas, dada a imposição do modelo da família burguesa, tal situação, por mais corriqueira que fosse, era percebida como uma anomalia. Para a burguesia, o trabalho das mulheres operárias era mais um indício da inferioridade moral das “classes baixas”. Mesmo para os operários (de ambos os sexos), a “respeitabilidade” da organização doméstica burguesa e pequeno-burguesa aparecia, muitas vezes, como um ideal a ser alcançado.

Em suma, as mulheres foram incorporadas de forma marginal à produção capitalista. Formavam o último estoque do exército industrial de reserva, chamadas a assumir postos de trabalho em momentos de escassez de braços (como durante as guerras), mas sempre as primeiras a serem dispensadas. Seus salários eram, como continuam sendo, inferiores, bem como seu status profissional. Os arranjos familiares, as convenções morais dominantes e o funcionamento do mercado de trabalho agiam em conjunto para que sua posição na estrutura de classes assumisse características diferentes daquelas dos homens. Correspondendo a isso, a reflexão sobre a ordem capitalista e as classes sociais, no marxismo, mas não só nele, sempre pressupôs que o universo dos homens era que determinava a compreensão de toda a sociedade, uma percepção que o feminismo logo denunciaria como parcial e insuficiente.

O conceito de patriarcado, por sua vez, está envolvido em maior polêmica. O discurso feminista corrente tende a usá-lo de forma despreocupada, servindo quase como um sinônimo de dominação masculina. Kate MILLETT (2000MILLETT, Kate. (2000 [1969]). Sexual politics. Urbana: University of Illinois Press, 2000 [1969]. [1969]) dizia que o fato de que vivemos sob o patriarcado

é evidente uma vez que se lembra que forças armadas, indústria, tecnologia, universidades, ciência, cargos políticos e finança - em suma, cada caminho para o poder dentro da sociedade, incluindo a força coercitiva da polícia, está inteiramente em mãos masculinas (p. 25).

Seria patriarcal, assim, qualquer sociedade estruturada pela dominação dos homens sobre as mulheres.

No entanto, “patriarcado” é um termo que possui uma trajetória própria na história das ideias sociais e torná-lo coextensivo à dominação masculina não é isento de consequências. No que se refere à ordem política geral, o patriarcado remete a uma doutrina absolutista específica, associada em particular ao livro póstumo de Robert FILMER (1991FILMER, Robert. Patriarcha: the naturall power of kinges defended against the unnatural liberty of the people. In: ______. Patriarcha and other writings. Cambridge: Cambridge University Press, 1991 [1680]. [1680]). Ele vê o poder monárquico como sendo uma derivação direta do poder paterno, transmitido por direito de progenitura a partir de Adão. Trata-se de uma percepção que toma como base o modelo da família patriarcal, entendida como aquela em que a autoridade do pai e marido é total e que é composta não apenas por um núcleo consanguíneo direto, mas incorpora mais de uma geração e, também, um contingente de agregados e serviçais.6 6 A relação entre a família patriarcal brasileira, tal como descrita no pensamento social nativo, e as questões de gênero é discutida por Neuma AGUIAR (2000).

Mas tais descrições não são condizentes nem com a organização política, nem com a organização familiar atuais, o que leva muitas feministas a preferir entender o patriarcado sendo apenas uma manifestação histórica e datada da dominação masculina. Jean Bethke ELSHTAIN (1993ELSHTAIN, Jean Bethke. Public man, private woman: women in social and political thought. Princeton: Princeton University Press, 1993 [1981]. [1981]) julga que a vida em uma

sociedade capitalista avançada e pluralista está tão distante dos contornos do caso paradigmático [o patriarcado de Filmer] que rotular a ambos como ‘patriarcal’ é embaralhar e distorcer a realidade (p. 215),

assim como colocar sob a mesma categoria a família nuclear atual, em que há formalmente maior equilíbrio de direitos entre marido e mulher, e a estrutura familiar própria do patriarcado propriamente dito. O recurso ao patriarcado como categoria explicativa invocaria uma essência trans-histórica e invariável, permanecendo numa generalização insensível às diferenças nos arranjos sociais específicos e, com frequência, insinuando que a dominação masculina está ancorada na reprodução biológica - que é, afinal, o fato invariante das sociedades humanas (cf. Michèle BARRETT, 1988BARRETT, Michèle. Women’s oppression today: the Marxist/feminist encounter. London: Verso, 1988a [1980].a [1980], p. 12-14).7 7 Essa crítica está presente também em Joan SCOTT (1999 [1989], p. 34) e Gayle RUBIN (1997 [1985], p. 33).

Mesmo as evidências de Millett, citadas antes, não descrevem com exatidão a situação atual. Não é verdade que os recursos de poder estão inteiramente em mãos masculinas. Há mulheres, mesmo que poucas, que ocupam posições de poder na política, na economia ou na ciência. O problema é ilustrativo da dificuldade geral com o conceito de patriarcado, que estimula uma percepção personalizada da hierarquia entre os gêneros. No entanto, muitas vezes estão operando padrões impessoais de atribuições de vantagens e de desvantagens, na forma de predisposições socialmente difundidas. Uma eventual paridade de mulheres com homens nos espaços de poder, por exemplo, não significaria necessariamente a superação da dominação masculina. As estruturas desta dominação podem continuar atribuindo ônus diferenciados de acordo com sexo ou gênero, mesmo que as vias de acesso às posições privilegiadas estejam franqueadas àquelas que têm como pagar o preço.

Em suma, as relações de subordinação direta de uma mulher particular a um homem particular, próprias do patriarcado histórico, foram em grande medida substituídas por estas estruturas impessoais de atribuição de vantagens e oportunidades que operam em prejuízo do gênero feminino (Susan Moller OKIN, 1989OKIN, Susan Moller. Justice, gender, and the family. New York: Basic Books, 1989., p. 138-139). Também os arranjos matrimoniais contemporâneos se adéquam mal ao modelo patriarcal, de autoridade absoluta do homem. São, antes, uma “parceria desigual”, marcada pela vulnerabilidade maior das mulheres (FRASER, 1997FRASER, Nancy. Justice interruptus: critical reflections on the “postsocialist” condition. New York: Routledge, 1997., p. 229). Ou seja, na família como na sociedade mais ampla, as instituições patriarcais sofreram transformações, mas a dominação masculina - uma categoria mais abrangente e menos específica - permanece.

Para outras autoras, porém, patriarcado é o conceito capaz de “capturar a profundidade, penetração ampla (pervasiveness) e interconectividade dos diferentes aspectos da subordinação das mulheres” (Sylvia WALBY, 1990WALBY, Sylvia. Theorizing patriarchy. Oxford: Blackwell, 1990., p. 2). Ainda que marcando a distinção entre o patriarcado moderno e suas formas anteriores, Carole PATEMAN (1988PATEMAN, Carole. The sexual contract. Stanford: Stanford University Press, 1988.) faz uma defesa enfática da manutenção do conceito: “Se o problema não tem nome, o patriarcado pode facilmente deslizar de novo para a obscuridade, sob as categorias convencionais da análise política” (p. 20). Há uma diferença entre sua justificativa, ancorada numa conveniência política, e posições como a de Silvia Walby, também citada, que apostam de forma mais franca no potencial analítico e explicativo do conceito. É a conveniência política que faz Michèle Barrett recuar de sua crítica anterior ao caráter anistórico da aplicação do rótulo “patriarcal” à sociedade contemporânea, aderindo a seu uso “simbólico”, como forma de afirmar que se reconhece “o caráter independente da opressão das mulheres e evitar explicações que a reduzam a outros fatores” (BARRETT, 1988BARRETT, Michèle. “Introduction to the 1988 edition”. In: ______. Women’s oppression today: the Marxist/feminist encounter. London: Verso, 1988b.b, p. xiii).

Em textos anteriores, procurei evitar a utilização de “patriarcado” e “patriarcal”, exatamente por julgar que são imprecisos e tendem a pressupor continuidades, em vez de iluminar a maleabilidade da dominação masculina (Luis Felipe MIGUEL e Flávia BIROLI, 2014MIGUEL, Luis Felipe e BIROLI, Flávia. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo , 2014.). Aqui, curvo-me a eles, não apenas por admitir a conveniência política de seu uso, como rótulo expressivo para a denúncia da desigualdade de gênero, mas, sobretudo, porque é nesses termos que, em geral, trabalham as autoras que discuto aqui.

Gênero e classe

O feminismo do século XIX e princípios do século XX, que teve na luta pelo direito ao voto sua bandeira mais emblemática, foi, sobretudo, um movimento de mulheres das classes mais abastadas. Ainda que muitas sufragistas manifestassem seu apoio à abolição da escravatura nos Estados Unidos, seu programa consistia, em primeiro lugar, na extensão às mulheres dos direitos que o liberalismo concedia aos homens. A crítica aos limites do liberalismo, num momento em que mesmo na letra da lei vários destes direitos eram negados aos trabalhadores de ambos os sexos, estava fora do alcance da maior parte do discurso sufragista.

Assim como o pensamento liberal nasceu vendo no homem proprietário o sujeito “universal”, as primeiras feministas tendiam a pensar a categoria “mulher” a partir de suas própria posição social. Para defender o acesso das mulheres à esfera pública, John Stuart MILL (2001MILL, John Stuart. “Primeros ensayos sobre matrimonio y divorcio: ensayo de John Stuart Mill”. In: ______; MILL, Taylor. Ensayos sobre la igualdad sexual. Madrid: Cátedra; València: Universitat de València, 2001 [c. 1832].) explicava que suas responsabilidades no lar não eram suficientes para impedi-las de lidar com outras questões: “Quanto à supervisão da casa, se não significa nada mais do que comprovar que os criados cumpram seus deveres, não é uma ocupação”. Em seguida, admite que há circunstâncias em que “a senhora de família fará o trabalho dos criados” (p. 105), mas isso é menos importante, pois ocorrerá apenas “na categoria em que não existem meios de contratar criados, e em nenhum outro lugar” (MILL, 2001 [c. 1832], p. 105). Trata-se do mesmo escritor que logo se tornaria um severo crítico das limitações que a sociedade capitalista impunha aos trabalhadores, chegando mesmo a defender uma forma de socialismo. O viés de classe age menos por uma decisão consciente e mais pela incapacidade de sair de sua própria posição social e ver o mundo pelas circunstâncias de outros.

Militantes socialistas, comunistas e anarquistas preocupadas com a condição feminina apresentavam um retrato diferente, mas, em geral, buscavam se distanciar do sufragismo burguês. Assim, a comunista Clara Zetkin (cf. Tony CLIFF, 1981CLIFF, Tony. “Clara Zetkin and the German socialist feminist movement”. International Socialism, n. 13, p. 29-72, 1981.) se esforçava para dar destaque às demandas das mulheres, mas julgava que a barreira de classe era intransponível e recusava com veemência qualquer colaboração com o movimento sufragista. Já Emma GOLDMAN (2013GOLDMAN, Emma. Anarchism and other essays. North Charleston: Create Space, 2013 [1911]. [1911]), uma das mais eloquentes defensoras da igualdade entre os sexos, criticava a própria ideia de sufrágio, de um ponto de vista anarquista. O projeto sufragista seria apenas inserir as mulheres de uma nova forma na mesma ordem social opressora. Da mesma maneira, Alexandra KOLLONTAI (1977KOLLONTAI, Alexandra. “The social basis of the women question”. In: ______. Selected writings. New York: Norton, 1977 [1909]. [1909]) denunciava as feministas, que “buscam igualdade nos quadros da atual sociedade” (p. 59), sem desafiar prerrogativas e privilégios.

Uma interessante reflexão sobre a relação cruzada entre classe e gênero, no pensamento socialista do início do século XX, aparece em “Mulher trabalhadora e mãe”, panfleto escrito por Kollontai (1977______. “Working woman and mother”, In: ______. Selected writings. New York: Norton, 1977 [1914]. [1914]). Ela contrasta o significado da maternidade para diferentes mulheres hipotéticas: a esposa do capitalista, cercada de mimos e de criados; sua aia, talvez engravidada pelo patrão, demitida assim que não consegue mais esconder a gestação; a lavadeira, para quem a barriga de vários meses significa um fardo a mais num ofício já muito pesado; a operária da fábrica, obrigada a trabalhar até a véspera do parto. Fica claro que não é possível unificar experiências tão díspares e pensar as mulheres sem levar em conta as classes sociais. Mas ela não faz o esforço inverso, que seria discutir como um mesmo fato - por exemplo, a expectativa de ter um filho - incide de forma diferente sobre mulheres e homens de um mesmo estrato social.

É a percepção de que classe, afinal, possui centralidade e poder explicativo maiores do que gênero. A parcela do feminismo da “segunda onda” de que trato aqui acompanhou as pensadoras comunistas e anarquistas em sua recusa a universalizar o ponto de vista das mulheres burguesas. Mas, ao mesmo tempo, buscava enfatizar a relevância específica da desigualdade entre os sexos para explicar a dinâmica social. Tratava-se de entender como o pertencimento de classe gera especificidades nas vivências das mulheres e, ao mesmo tempo, como a divisão de gênero atravessava as classes sociais.

Para tanto, era necessário negar a ideia de que um tipo de desigualdade estava na raiz da outra (ou de todas as outras). A divisão de classe não podia ser entendida como sendo a causa geradora da dominação sobre as mulheres, da maneira como era sugerido pelo texto fundador de Friedrich ENGELS (1985ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985 [1884]. [1884]) e por boa parte dos marxistas que o seguiram.8 8 Embora algumas feministas, entre elas Gayle Rubin (1997 [1975], p. 31-32), resgatem aspectos da contribuição de Engels, como a distinção entre “relações de sexualidade” e “relações de produção”, que fogem de tal determinismo e permitem avançar numa compreensão mais complexa da relação entre classe e gênero. Mas tampouco era possível simplesmente inverter a equação e determinar que o sexismo é “raiz e paradigma das várias formas de opressão”, como disse Mary DALY (1993DALY, Mary. Beyond God the father: toward a philosophy of women’s liberation. Boston: Beacon Press, 1993 [1973]. [1973]), ou que a guerra dos sexos é mais abrangente que o conflito de classes porque “recua além da história registrada e chega ao reino animal em si mesmo”, nas palavras de Sulamith FIRESTONE (1970FIRESTONE, Sulamith. The dialectic of sex: the case for feminist revolution. New York: Farrar, Strauss and Giroux, 1970., p. 4). Dominação masculina e dominação de classe aparecem como dois fenômenos relativamente independentes, que possuem origens e mecanismos de reprodução em alguma medida distintos.

Distintos, porém atuando de forma complementar. A percepção de uma sociedade capitalista e patriarcal não é a simples sobreposição de duas formas de dominação, muito menos a existência de esferas separadas (a economia, o lar) em que uma ou outra imperariam. O desafio era entender os padrões complexos pelos quais gênero e classe se associam para produzir as estruturas do mundo social, estabelecendo constrangimentos diferenciados de acordo com o pertencimento de grupo que afetam mulheres, trabalhadores e, de maneira específica, mulheres trabalhadoras.

A partir, sobretudo, dos anos 1980, o feminismo negro acrescentou o racismo à equação. De fato, embora raça e classe costumem manter um grau significativo de associação, mais elevado do que aquele que existe entre gênero e classe, o racismo estrutural possui uma incidência própria, irredutível à desigualdade de classe, e a posição social da mulher negra é específica. Já na primeira metade do século XX, comunistas negras estadunidenses desenvolveram a ideia da “tripla opressão” que afetava a trabalhadora negra, a quem viam como a parcela mais explorada da sociedade (cf. Erik S. McDUFFIE, 2011McDUFFIE, Erik S. Sojourning for freedom: black women, American communism, and the making of black left feminism. Durham: Duke University Press, 2011.), mas suas discussões não penetraram no mainstream do pensamento feminista posterior. Quando a questão retoma centralidade, nos escritos de bell hooks (1981hooks, bell. Ain’t a woman? Black women and feminism. Cambridge (MA): South End Press, 1981., 2000______. Feminist theory: from margin to center. Cambridge (MA): South End Press, 2000 [1984]. [1984]), Elizabeth SPELMAN (1988SPELMAN, Elizabeth. Inessential woman: problems of exclusion in feminist thought. Boston: Beacon, 1988.) e tantas outras, ela tende a ser apropriada de uma maneira que raça não se soma ao par gênero/classe anterior, e, sim, substitui o polo “classe”. Ainda que tanto hooks quanto Spelman realcem a condição de trabalhadoras das mulheres negras, o discurso posterior sobre a interseccionalidade da opressão é muito mais atento à sobreposição entre gênero e raça, deixando as clivagens de classe, quando muito, como um pano de fundo difuso, ancorado na premissa de que, em sociedades racistas, negras e negros tendem a ser mais pobres, ocupar profissões menos especializadas e controlar uma parcela menor da propriedade.

Mas isso não autoriza a equivaler desigualdade racial e desigualdade de classe, não apenas porque deixaria a descoberto o contingente de trabalhadoras e trabalhadores brancos como porque implicaria retirar de foco, uma vez mais, aquilo que os teóricos do racismo estrutural se preocuparam em enfatizar: que as desigualdades de raça e de classe podem se interpenetrar, mas operam por mecanismos independentes (cf. Charles MILLS, 1997MILLS, Charles. The racial contract. Ithaca: Cornell University Press, 1997.). Assim, embora a preocupação com as questões raciais seja um acréscimo importante à complexidade da reflexão feminista, não justifica o refluxo da atenção à classe.

O entendimento do vínculo entre gênero e classe passa por aquilo que Heidi HARTMANN (1997______. “The unhappy marriage of Marxism and feminism: towards a more progressive union”. In: NICOLSON, Linda (Ed.). The second wave: a reader in feminist theory. New York: Routledge, 1997 [1979]. [1979]) chamou de “o infeliz casamento entre marxismo e feminismo” (p. 97), que reproduziria a relação entre marido e mulher na common law inglesa: “marxismo e feminismo são um e esse um é o marxismo” (p. 97). Diante da força analítica da tradição marxista, o feminismo se viu constrangido a simplesmente tentar encaixar a variável “gênero” num arcabouço conceitual que fora produzido para e já era integralmente ocupado por “classe”. O desafio, segundo a própria Hartmann, não é chegar ao divórcio entre feminismo e marxismo, mas a uma relação conjugal equilibrada e igualitária, com o entendimento de que as estruturas de dominação de gênero e as estruturas de dominação de classe são igualmente importantes na determinação da situação das mulheres nas sociedades capitalistas patriarcais.

Ela propõe, assim, um tipo de “teoria de sistemas duais”, em que patriarcado e capitalismo aparecem como sistemas de dominação relativamente independentes. Anterior às relações de produção capitalistas, o patriarcado se viu ameaçado por elas, que empurravam “todas as mulheres e crianças para a força de trabalho e portanto destruíam a família e a base do poder dos homens sobre as mulheres” (HARTMANN, 1979HARTMANN, Heidi. “Capitalism, patriarchy, and job segregation by sex”. In: EISENSTEIN, Zillah R. (Ed.). Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism . New York: Monthly Review Press , 1979., p. 207; cf., também, HARTMANN, 1997 [1979], p. 104). A acomodação entre os dois se deu graças à segregação do trabalho por sexo, com o pagamento de salários menores às mulheres. Com isso, elas eram incentivadas a se casar e os homens se beneficiavam tanto do salário mais alto quanto dos serviços domésticos realizados por suas mulheres (HARTMANN, 1979, p. 208). Na leitura de outra teórica dual, o fato de que o capital não buscou integrar completamente a mão de obra feminina, mais barata, no mercado de trabalho indica “deferência à hierarquia patriarcal” (Zillah EISENSTEIN, 1979EISENSTEIN, Zillah. “Developing a theory of capitalist patriarchy and socialist feminism”. In: ______ (Ed.). Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism. New York: Monthly Review Press, 1979., p. 28-29).

É importante, no âmbito das teorias duais, ressaltar tanto o fundamento independente de capitalismo e de patriarcado quanto a interdependência construída historicamente entre os dois sistemas de dominação. Hartmann observa como a exclusão das mulheres da indústria reforçou sua subordinação, ampliando o controle dos homens sobre a tecnologia e a produção material - mas ressalta que a dominação masculina preexistia e também “influenciou a direção e a forma que o desenvolvimento capitalista tomou” (HARTMANN, 1979, p. 216-217). Por outro lado, a desvalorização das tarefas de cuidado providas pelas mulheres permite ao capitalismo evitar o confronto entre a prioridade dada pelo capital ao valor de troca e a demanda social por valores de uso (HARTMANN, 1997 [1979], p. 111).

Uma vertente das teorias de sistemas duais, exemplificada pela obra de Juliet Mitchell (1974MITCHELL, Juliet. Psychoanalysis and feminism: Freud, Reich, Laing, and women. New York: Pantheon Books, 1974.), julga que a dominação de classe operaria nas relações de produção e a dominação patriarcal, na ideologia. Hartmann, ao contrário, se preocupa em ancorar também o patriarcado no mundo material. Ela o define como

um conjunto de relações sociais entre os homens, que tem uma base material e que, embora seja hierárquico, estabelece ou cria interdependência e solidariedade entre os homens, permitindo que eles dominem as mulheres (HARTMANN, 1997______. “The unhappy marriage of Marxism and feminism: towards a more progressive union”. In: NICOLSON, Linda (Ed.). The second wave: a reader in feminist theory. New York: Routledge, 1997 [1979]. [1979], p. 101).

As teorias duais de Hartmann e de Eisenstein foram criticadas por presumir uma disjunção entre formas de opressão que, no entanto, ocorrem de forma simultânea: “a premissa de que as relações patriarcais designam um sistema de relações distinto e independente das relações de produção descritas pelo marxismo tradicional” (Iris Marion YOUNG, 1981YOUNG, Iris Marion. “Beyond the unhappy marriage: a critique of the dual systems theory”. In: SARGENT, Linda (Ed.). Women and revolution: a discussion of the unhappy marriage between feminism and Marxism. Boston: South End Press , 1981., p. 45). Em vez disso, seria necessário desenvolver uma teoria unificada, capaz de “compreender o patriarcado capitalista como um sistema único em que a opressão das mulheres é um atributo central” (a fórmula é reprisada em YOUNG, 1990______. “Socialist feminism and the limits of dual systems theory”. In: ______. Throwing like a girl and other essays in feminist philosophy and social theory. Bloomington: Indiana University Press, 1990a [1980].a [1980], p. 30, e YOUNG, 1981, p. 44).

Zillah Eisenstein se afirmou injustiçada pela crítica de Young, uma vez que seu pensamento não seria dualista e ela sempre teria enfatizado a interação “dialética” entre capitalismo e patriarcado (EISENSTEIN, 1982______. “The sexual politics of the new right: understanding the ‘crisis of liberalism’ for the 1980s”. Signs, v. 7, n. 3, p. 567-88, 1982., p. 582). Mas, à parte fórmulas retóricas, como a que indica que o

patriarcado capitalista, por definição, rompe as dicotomias de classe e sexo, esferas privada e pública, trabalho doméstico e assalariado, família e economia, pessoal e político e ideologia e condições materiais (EISENSTEIN, 1979EISENSTEIN, Zillah. “Developing a theory of capitalist patriarchy and socialist feminism”. In: ______ (Ed.). Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism. New York: Monthly Review Press, 1979., p. 23),

fica uma distinção marcante entre a exploração, vinculada às relações econômicas capitalistas, e a opressão, que se refere às mulheres e às minorias (EISENSTEIN, 1979EISENSTEIN, Zillah. “Developing a theory of capitalist patriarchy and socialist feminism”. In: ______ (Ed.). Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism. New York: Monthly Review Press, 1979., p. 22). A teoria de Eisenstein, tal como a de Hartmann, apresenta capitalismo e patriarcado como dois sistemas relativamente independentes que se combinam no mundo social concreto.

Não creio que um modelo assim seja necessariamente errado. A crítica de Young curiosamente lembra aquela que a autora, anos mais tarde, faria à distinção elaborada por Nancy Fraser entre “redistribuição” e “reconhecimento” (YOUNG, 1997______. “Unruly categories: a critique of Nancy Fraser’s dual systems theory”. New Left Review, n. 222, p. 147-1460, 1997.). Em ambas, há um parti pris contra qualquer forma de dualidade teórica, que é bem pouco explicado. É claro que, na prática social, capitalismo e patriarcado incidem juntos sobre a vida das pessoas. Tratá-los como um sistema único ou duplo não implica a pretensão de desvelar uma verdade essencial: como estratégia analítica, pode ser útil distingui-los - ou pode não ser, e a questão deve ser discutida a partir dos méritos de cada uma das abordagens. Por outro lado, do ponto de vista histórico, o entendimento de que dominação masculina e capitalismo possuem origens diferentes é irrefutável, o que parece dar alguma validade à ideia de que há, de fato, um sistema dual.

É mais relevante o segundo aspecto da crítica de Iris Marion Young (1981YOUNG, Iris Marion. “Beyond the unhappy marriage: a critique of the dual systems theory”. In: SARGENT, Linda (Ed.). Women and revolution: a discussion of the unhappy marriage between feminism and Marxism. Boston: South End Press , 1981.). Ela afirma que as teorias duais aceitam a análise marxista tradicional das relações de produção, que é cega às questões de gênero (p. 49). Se gênero é apenas um elemento secundário, ou, como diz Young (1990a [1980], p. 24), um enxerto no relato marxista convencional, fica tacitamente endossada a percepção de que a variável “classe” tem primazia (YOUNG, 1990a [1980], p. 29). Mesmo as teorias duais que procuram dar base material ao patriarcado teriam avançado de forma insuficiente.

Parte do problema reside, certamente, no descompasso quanto à robustez teórica dos dois sistemas que as teorias duais pretendem conjugar. Está bem estabelecido o entendimento de que o capitalismo é um sistema. A partir das relações de produção que impõe, o capitalismo organiza e integra uma teia de interações sociais, a tal ponto que é improvável que se possa fazer uma análise de qualquer aspecto do mundo social sem remeter, de alguma forma e em alguma medida, a ele. Mas mesmo a tentativa mais ambiciosa de descrever o patriarcado como sistema, por Sylvia Walby, falha em apresentá-lo como uma totalidade estruturada, capaz de se fazer sentir como tal nos diferentes espaços da vida social. A noção de que o patriarcado tradicional, “privado”, cedeu lugar a um “patriarcado público”, em que as mulheres não são excluídas da esfera pública e, sim, condenadas a uma posição subordinada nele (WALBY, 1990, p. 178), pode responder à crítica à anistoricidade do conceito, mas não é suficiente para estabelecer o patriarcado como um sistema. Pelo contrário, emerge uma percepção de que padrões de dominação masculina estão, sim, sempre presentes, mas parecem responder a dinâmicas diversas em cada espaço social (para uma crítica circunstanciada, cf. Anna POLLERT, 1996POLLERT, Anna. “Gender and class revisited: or, the poverty of ‘patriarchy’”. Sociology, v. 30, n. 4, p. 639-659, 1996.).

Para Young, somente rompendo com o discurso da dualidade de sistemas de opressão seria possível entender a centralidade da dominação de gênero na organização do mundo material. Antes de chegar às indicações da própria Young sobre como avançar nessa direção, cabe observar que outra vertente buscou o mesmo resultado aprofundando a dualidade, em vez de recusando-a. Haveria uma forma particular de exploração definida por linhas de sexo ou gênero, em paralelo e irredutível à exploração de classe. Entendê-la seria o projeto de um materialismo feminista, que deveria “expandir a narrativa marxista para incluir toda a atividade humana, em vez de focar apenas nas atividades mais características dos homens no capitalismo” (Nanci C. M. HARTSOCK, 1998HARTSOCK, Nancy C. M. “The feminist standpoint: developing the ground for a specifically feminist historical materialism”. In: ______. The feminist standpoint revisited and other essays. Boulder: Westview, 1998 [1983]. [1983], p. 105). A própria Hartsock enfatizou a relevância das tarefas de cuidado doméstico e criação das crianças. Ann FERGUSON (1979FERGUSON, Ann. “Women as a new revolutionary class”. In: WALKER, Pat (Ed.). Between labor and capital. Boston: South End Press, 1979.) identificou uma classe “de sexo”, em paralelo à classe econômica individual e à classe econômica por vínculo familiar, caracterizada pela exploração do “trabalho sexual-afetivo” das mulheres pelos homens, sem reciprocidade. Mas a versão mais poderosa desta abordagem está na obra de Christine Delphy (2013______. “L’ennemi principal”. L’ennemi principal, v. 1 (“Économie politique du patriarcat”). Paris: Syllepse, 2013b [1970].b [1970]), que foca exclusivamente no trabalho material e apresenta a ideia de que, nas sociedades contemporâneas, convivem dois modos de produção distintos.

O argumento de Delphy se desdobra em dois passos principais, um indicando a similaridade entre trabalho doméstico e trabalho assalariado, o outro apontando a diferença na forma em que ocorre a exploração de uma e outra atividades. O primeiro passo, assim, é estabelecer que o trabalho desempenhado pelas mulheres no espaço doméstico não é qualitativamente diferente daquele desempenhado pelos trabalhadores nas empresas. Numa percepção marxista tradicional, o trabalho na família geraria apenas valores de uso, ao passo que o trabalho assalariado geraria valores de troca. Delphy esforça-se por demonstrar que se trata do mesmo trabalho, que é apenas apropriado de forma diferente. Se uma mulher faz um pão para ser consumido por sua família, o mesmo pão, se não for aproveitado em casa, pode ser vendido no mercado. E se ela não o fizer, um pão idêntico será comprado do padeiro. Ou, então: o cuidado de uma criança numa creche é um serviço remunerável, mas quando a mesma criança é cuidada em casa pela mãe, pela avó ou por uma irmã mais velha, não se julga que haja um trabalho não pago envolvido. Em suma,

a exclusão do trabalho das mulheres do domínio da troca não resulta da natureza de sua produção, uma vez que seu trabalho gratuito se aplica: 1) à produção de bens e serviços que chegam ao mercado e nele são trocados (na agricultura, no artesanato, no comércio); 2) à produção de bens e serviços que são remunerados quando efetuados fora da família e não remunerados na família (DELPHY, 2013______. “L’ennemi principal”. L’ennemi principal, v. 1 (“Économie politique du patriarcat”). Paris: Syllepse, 2013b [1970].b [1970], p. 42).

Há um curto-circuito: a ausência de reconhecimento do caráter produtivo do trabalho doméstico permite à tradição marxista deixar em segundo plano as relações de gênero e, ao mesmo tempo, a primazia dada à classe exige que se mantenha a distinção radical entre o trabalho assalariado e o trabalho realizado no lar. Com isso, a discussão simplesmente não avança. Um exemplo significativo está na obra de Erik Olin Wright, um dos principais teóricos contemporâneos das classes sociais. Embora aberto à preocupação com as questões de gênero, ele limita-se a sumarizar a posição de Delphy numa nota de rodapé, afirmando, em seguida, que “não acredito que ela amplie nossa capacidade de explicar tais processos” (WRIGHT, 1997______. Class counts: comparative studies in class analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1997., p. 26), sem qualquer argumentação, e concluindo: “deixaremos essas questões de lado” (WRIGHT, 1997, p. 26).

Uma crítica mais circunstanciada foi feita por Maxine MOLYNEUX (1979MOLYNEUX, Maxine. “Beyond the domestic labour debate”. New Left Review, n. 116, p. 3-27, 1979.). Parte dela está ultrapassada, na medida em que o principal reparo feito a Delphy é seu distanciamento da ortodoxia marxista. Seu ponto principal, contra Delphy e contra o economista John Harrison, é que o trabalho doméstico é um trabalho concreto, e, portanto, não pode ser considerado equivalente ao trabalho abstrato próprio da economia capitalista e do qual se extrai a mais-valia (MOLYNEUX, 1979, p. 9). No entanto, o que Delphy está dizendo é que o trabalho doméstico também pode ser apropriado como trabalho abstrato, apenas mudando as circunstâncias que o cercam. O próprio Karl MARX (2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política, livro I. São Paulo: Boitempo , 2013 [1867]. [1867]), aliás, já indicava que todo trabalho é concreto, “dispêndio de força humana de trabalho numa forma específica” (p. 124), adquirindo seu caráter de trabalho abstrato, logo, intercambiável, no momento da troca mercantil.

O trabalho das mulheres no ambiente doméstico gera uma riqueza em valores de uso ou valores de troca, que tende a ser apropriada pelos homens mesmo quando seus produtos são vendidos no mercado (caso, por exemplo, de boa parte da produção agrícola familiar). Engendra, portanto, uma forma de exploração. O segundo passo de Delphy é demonstrar que esta exploração possui características diferentes daquela que ocorre entre capitalistas e trabalhadores. Enquanto o pagamento do trabalhador está vinculado à remuneração corrente, naquela sociedade, ao tipo e à qualidade do trabalho que ele realiza (o que lhe dá a oportunidade, ou, ao menos, a esperança de melhorar suas condições materiais por meio da qualificação profissional), o que a mulher recebe depende apenas da riqueza e generosidade do marido (DELPHY, 2013b [1970], p. 46). Pelos mesmos serviços, mulheres receberão recompensas muito diversas, dependendo da situação de seus casamentos.9 9 Delphy (2013b [1970], p. 46) reconhece que as mulheres burguesas tendem a ter suas tarefas de trabalho doméstico reduzidas em favor das tarefas de representação social. Isso não afeta, porém, o ponto central, que é que o ganho da mulher não tem relação com as tarefas desempenhadas.

Por isso, diz a pensadora francesa, é errôneo anexar as mulheres às classes sociais de seus maridos. A mulher casada comum burguês não é uma burguesa, pois “seu nível de vida não depende das relações de produção de classe com os proletários, mas das relações de produção servis com seu marido” (DELPHY, 2013______. “L’ennemi principal”. L’ennemi principal, v. 1 (“Économie politique du patriarcat”). Paris: Syllepse, 2013b [1970].b [1970], p. 47). Ao fazer do casamento um substituto das relações de produção como critério de pertencimento de classe, a sociologia tradicional (marxista, mas não só) mascara a existência de um segundo modo de produção nas sociedades contemporâneas, ao lado do capitalismo: o modo de produção familiar ou patriarcal (DELPHY, 2013b [1970], p. 49).

A noção de que as mulheres são exploradas pelos maridos, transferindo a eles trabalho, também foi alvo de crítica. Como “as crianças também se apropriam de uma grande parte do trabalho da dona-de-casa”, elas formariam, seguindo o raciocínio de Delphy, uma outra classe exploradora. Assim, “o argumento feminista estrito dos homens como exploradores levaria de fato à conclusão implausível de que [...] um menino de um mês de idade seria explorador, uma menina de um mês, não”, como disse ironicamente Molyneux (1979MOLYNEUX, Maxine. “Beyond the domestic labour debate”. New Left Review, n. 116, p. 3-27, 1979., p. 18). É uma crítica malévola. Não é difícil admitir que o cuidado com as crianças é uma responsabilidade coletiva dos adultos que, sendo assumida apenas pelas mulheres, lhes dá um fardo extra. Quando as mulheres cuidam sozinhas dos filhos, são os homens que se beneficiam deste trabalho adicional delas, que resulta em menos trabalho para eles.

O que falta a Delphy, como observaram suas críticas mais consistentes, é uma análise sistemática da relação entre os dois modos de produção (BARRETT, 1988BARRETT, Michèle. “Introduction to the 1988 edition”. In: ______. Women’s oppression today: the Marxist/feminist encounter. London: Verso, 1988b.a [1980], p 14). Mas a principal vulnerabilidade de abordagens como a dela é que, num momento em que uma parcela majoritária das mulheres participa do mercado de trabalho, ela é incapaz de compreender a dominação masculina fora da família (WALBY, 1990WALBY, Sylvia. Theorizing patriarchy. Oxford: Blackwell, 1990., p. 12; cf., também, HARTMANN, 1997______. “The unhappy marriage of Marxism and feminism: towards a more progressive union”. In: NICOLSON, Linda (Ed.). The second wave: a reader in feminist theory. New York: Routledge, 1997 [1979]. [1979], p. 99). Em um trecho de seu artigo, a questão é tratada lateralmente. Observa-se que o trabalho assalariado não apenas não libera a mulher do trabalho doméstico, como não deve atrapalhá-lo e que uma parte do salário da mulher é considerado “nulo”, apenas servindo para aquirir aquilo que ela deveria fazer gratuitamente no lar (DELPHY, 2013b [1970], p. 44). É insuficiente para atacar o cerne da questão.

É possível anotar, também, como as crescentes taxas de divórcio modificam a dinâmica da relação conjugal que, em sua narrativa, é crucial para o funcionamento do modo de produção patriarcal. De resto, como os críticos de Delphy não deixaram de observar, nem todas as mulheres estão submetidas ao casamento, os contratos de casamento são diferentes entre si e ficar solteira não significa escapar da dominação masculina (MOLYNEUX, 1979MOLYNEUX, Maxine. “Beyond the domestic labour debate”. New Left Review, n. 116, p. 3-27, 1979.; BARRETT e Mary McINTOSH, 1979______ e Mary McINTOSH. “Christine Delphy: towards a materialist feminism?”. Feminist Review, n. 1, p. 95-106, 1979.). Em suma, ao centrar sua compreensão da dominação nas formas de exploração que se dariam na família, a teoria acaba demasiado dependente de um modelo de casamento tradicional que não corresponde à experiência de todas as mulheres.

A força do texto de Delphy, por outro lado, está na centralidade que dá à divisão do trabalho como fator explicativo das hierarquizações sociais. Seu argumento em favor do reconhecimento da atividade realizada na esfera doméstica como trabalho, em igualdade de condições com aquele efetivado nas empresas, é poderoso. De alguma maneira, a proposta de Delphy conversa com aquilo que Iris Marion Young propôs, tenuemente, como caminho para entender de forma simultânea as dominações de classe e de gênero.

Nos dois textos que dedicou à crítica às teorias duais, em outros aspectos bastantes semelhantes, Young adotou estratégias diversas quando chegou à parte mais propositiva de sua reflexão. Em “Socialist feminism and the limits of dual systems theory”, ela admite que “não estou preparada aqui para oferecer nem mesmo as linhas gerais” (YOUNG, 1990______. Throwing like a girl and other essays in feminist philosophy and social theory. Bloomington: Indiana University Press, 1990b.a [1980], p. 32) da teoria unificada pela qual advoga e limita-se a defender uma abordagem materialista histórica feminista que seja efetivamente materialista, vinculando a consciência às relações sociais reais, e efetivamente histórica, evitando explicações que se pretendam válidas para todas as sociedades (YOUNG, 1990a [1980], p. 33). Mas, em “Beyond the unhappy marriage”, há um argumento desenvolvido em favor do foco na divisão do trabalho para entender a dinâmica tanto de capitalismo como de patriarcado.

Ela propõe reduzir a preocupação em estabelecer uma homologia rigorosa entre a classe trabalhadora e as mulheres, admitindo que a categoria “classe”, da maneira como foi construída pelo marxismo, é insensível a gênero. O caminho para uma abordagem materialista da condição feminina sob o patriarcado é fazer da divisão do trabalho uma categoria pelo menos tão fundamental quanto classe (YOUNG, 1981YOUNG, Iris Marion. “Beyond the unhappy marriage: a critique of the dual systems theory”. In: SARGENT, Linda (Ed.). Women and revolution: a discussion of the unhappy marriage between feminism and Marxism. Boston: South End Press , 1981., p. 50). Embora não tenha sido refinada pelo marxismo posterior a Marx, a divisão do trabalho seria uma categoria mais concreta e mais abrangente do que classe. Vários problemas com os quais a análise de classes se debate, como a posição de profissionais assalariados ou de funcionários públicos, encontram um caminho de solução por meio da análise da divisão do trabalho (YOUNG, 1981, p. 51-5).10 10 É possível dizer que este é o caminho de Erik Olinb WRIGHT (1985, 1997) quando, embora sem abandonar a linguagem da “classe”, acrescenta a posse de qualificações e o exercício de autoridade a seu quadro de posições no capitalismo. A divisão do trabalho passa ao primeiro plano. Mas ele continua incapaz de levar em consideração o trabalho doméstico não remunerado.

Como gênero é um aspecto central da divisão do trabalho, tal abordagem faz com que as preocupações feministas se tornem nativas de qualquer descrição bem informada do mundo social. Afinal, a divisão sexual do trabalho - ou “divisão do trabalho por gênero”, como prefere Young - foi a primeira forma histórica da divisão do trabalho. As divisões posteriores, como entre trabalho manual e intelectual, são transformações dentro da divisão primária por gênero (YOUNG, 1981, p. 53). Em suma, conclui a autora, a divisão do trabalho não explica toda a situação das mulheres em uma determinada sociedade, mas qualquer explicação deve passar por ela (YOUNG, 1981, p. 56).

Pouco depois, Young abandonou seu compromisso com o que chamava de “feminismo socialista”, argumentando que, nos Estados Unidos, o socialismo é “terrivelmente abstrato” (YOUNG, 1990b, p. 5). Em vez de ver o capitalismo como adversário, a aposta devia ser na busca de mudança institucional contra a opressão. Mesmo o rótulo “feminista” se tornou bem menos central na obra posterior da autora. Não acredito, porém, que o foco nos padrões sobrepostos de dominação de classe e de gênero, ou nos efeitos da divisão social do trabalho em seus múltiplos eixos vinculados a gênero, classe e raça, interesse apenas a “feministas socialistas”. Interessa a qualquer investigação sobre a sociedade contemporânea, a qualquer projeto de emancipação humana e a qualquer busca de entendimento da posição das mulheres, naquilo que as une e naquilo que as divide no mundo social. É, portanto, um elemento necessário para qualquer teoria feminista e para qualquer teoria crítica.

Conclusão

Ao sumarizar o debate feminista-marxista dos anos 1970, Johanna BRENNER (2000BRENNER, Johanna. Women and the politics of class. New York: Monthly Review Press, 2000.) indica as duas questões teóricas centrais que o animaram: o grau de independência da opressão das mulheres em relação à “operação geral” do modo de produção capitalista e o grau em que esta opressão está fundada numa base ideológica ou material (p. 11). São questões que continuam em aberto e que, na verdade, avançaram pouco daqueles anos para cá.

Creio que há uma terceira questão geral, que diz respeito à plasticidade ou à resiliência do patriarcado. Isto é, a dominação masculina se vincula a um tipo de relação entre mulheres e homens que é capaz de persistir, a despeito das mudanças de modos de produção e dentro do próprio modo de produção capitalista - ou, ao contrário, ela se metamorfoseia incessantemente, assumindo características novas a cada momento, e exatamente por isso é tão difícil de combater? De acordo com esta última percepção, a relação entre mulheres e homens muda, sim, mas sempre mantendo um padrão de atribuição de vantagens a eles.

O debate teórico continua válido, mas também é necessário entender como as transformações das últimas décadas - no capitalismo, mas também na organização familiar e na posição das mulheres na esfera pública - afetam os modelos esboçados naquele momento. Aprofundou-se a tendência, que antes já se verificava, de incorporação da mão de obra feminina no mercado de trabalho. É possível dizer que a operação do capitalismo contemporâneo presume a família com dois salários. Com isso, o modelo do homem provedor precisa ser relativizado. Tal modelo continua atuante, seja como representação simbólica, seja pelo fato de que os salários dos homens continuam sendo maiores. Mas o nível de consumo e bem-estar das famílias, em seus diferentes arranjos, está objetivamente vinculado também ao salário da mulher.

A presença das mulheres no mercado de trabalho coloca novas facetas à questão das tarefas domésticas - que continuam sendo responsabilidade delas. Permanece a transferência de trabalho de mulheres para homens e a dupla jornada significa que há um fardo desigualmente distribuído. Mas há também o impacto na posição feminina no trabalho assalariado.

Muitas vezes, o foco está nas mulheres em cargos executivos ou de alta qualificação. Sob o “novo espírito do capitalismo” (Luc BOLTANSKI e Ève CHIAPELLO, 1999BOLTANSKI, Luc e CHIAPELLO, Ève. Le nouvel esprit du capitalisme. Paris: Gallimard, 1999.), as empresas buscam profissionais que se engajem ativa e criativamente nas funções que desempenham, o que exige uma disponibilidade quase ilimitada de tempo e de energia. A responsabilidade pela casa e pelas crianças torna as mulheres muito menos competitivas, bloqueando sua ascensão profissional. Ao mesmo tempo, aquelas que vencem tal desafio tornam-se heroínas da ideologia da “compatibilização entre trabalho e lar”, que não contesta a divisão sexual das tarefas domésticas e impõe às mulheres uma carga quase impossível de ser vencida. Em países como o Brasil, para algumas mulheres é possível transformar parte do trabalho doméstico de atividade manual para atividade de gestão, com a contratação de uma mão de obra mal remunerada - outras mulheres, mais pobres e, em geral, negras. O trabalho doméstico remunerado funde, de maneira significativa, classe, gênero e raça. As “patroas” continuam responsáveis pelo lar, o que quer dizer que cabe a elas garantir o bom funcionamento da estrutura doméstica, incluído aí o trabalho da empregada. Nesse caso, há uma situação tanto de subordinação, diante do homem, quanto de ocupação de posição similar à do burguês, diante da trabalhadora doméstica, de uma maneira que o modelo de Delphy, por exemplo, não contempla.11 11 Cabe lembrar que em muitos países capitalistas desenvolvidos vem ocorrendo, nas últimas décadas, um retorno do trabalho doméstico remunerado – tal como no Brasil, exercido quase que exclusivamente por mulheres, dos grupos raciais e/ou nacionais subalternos.

À carga do trabalho doméstico se acrescenta, para as profissionais (mas, também, em diferentes graus, para mulheres em ocupações mais subalternas), os imperativos da apresentação pessoal, muito mais exigentes para as mulheres do que para os homens. As “práticas da beleza” (Sheila JEFFREYS, 2005JEFFREYS, Sheila. Beauty and misogyny: harmful cultural practices in the West. London: Routledge, 2005.. cf., também, Naomi WOLF, 2002WOLF, Naomi. The beauty myth: how images of beauty are used against women. New York: Harper Perennial, 2002 [1991]. [1991]) tanto impõem custos adicionais às mulheres (tempo e dinheiro destinados à sua autoprodução) quanto reforçam a compreensão sexista de que elas devem ser avaliadas, em primeiro lugar, pela aparência.

Para as trabalhadoras menos qualificadas, o impacto da responsabilidade pela gestão doméstica é diferente, mas, nem por isso, menos significativo. Com menos tempo livre, têm menos possibilidades de qualificação profissional. Também têm menos acesso à atividade sindical e aos espaços informais em que se forja a solidariedade entre os trabalhadores. Há vários círculos viciosos nessa situação: as mulheres estão concentradas nas ocupações menos especializadas e, sobretudo, como a literatura que cruza sociologia do trabalho com gênero mostra, atividades que exigem uma expertise vista socialmente como típica das mulheres não são entendidas como trabalho qualificado. Operar um torno aparece como exigindo mais qualificação do que operar uma máquina de costura. O próprio movimento sindical, nas categorias com forte presença de mão de obra de ambos os sexos, tende a priorizar as demandas dos homens, aceitas como “universais”, ao passo que as necessidades das mulheres são lidas como se fossem localizadas e específicas. Perpetua-se uma situação de melhor remuneração para os homens, reforçando tanto a concentração das mulheres no trabalho assalariado mais precário quanto a hierarquia no lar.

As práticas da beleza, por sua vez, compõem um discurso público de reforço da objetificação das mulheres - que pode ser entendido também como uma reação à crescente contestação da dupla moral sexual, de maneira a permitir uma expressão mais livre da sexualidade feminina mantendo o controle masculino sobre ela. Nisso, um papel-chave é desempenhado pela publicidade comercial, que é hoje um dispositivo central na reprodução do capitalismo, incentivando o consumo conspícuo, promovendo a obsolescência precoce dos produtos e, de maneira mais geral, produzindo a demanda necessária ao funcionamento do sistema (André GORZ, 1988GORZ, André. Métamorphoses du travail: quète du sens. Critique de la raison économique. Paris: Galilée, 1988.). A exploração do corpo feminino é um dos elementos basilares do discurso publicitário. Se é verdade que, antes de vender o produto, a propaganda vende a própria ideia de consumo (Torben VESTERGAARD e Kim SCHRØDER, 1988VESTERGAARD, Torben e SCHRØDER, Kim. A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1988 [1985]. [1985]), está embutida aí a ideia de consumo do corpo feminino. Trata-se de uma arena em que a confluência dos interesses da reprodução capitalista e da manutenção da dominação masculina é marcante.

Ao mesmo tempo, as décadas que nos separam dos anos 1970 foram de acelerada transformação na estrutura familiar dos países ocidentais, para além da ampliação da presença feminina no mercado de trabalho. Ocorreu um aumento expressivo da taxa de divórcios e também de segundos casamentos, resultando numa multiplicidade de arranjos entre cônjuges e filhos de mais de um relacionamento. É também crescente a proporção de famílias monoparentais, em geral “chefiadas” por mulheres. Apesar da forte oposição, em muitos países, os casais homossexuais obtiveram reconhecimento legal. Em suma: a família convencional, que nunca correspondeu a um modelo adotado universalmente, está cada vez mais na posição de uma composição possível entre outras.

O Estado, que sempre operou presumindo que a família nuclear burguesa era a regra, adapta-se lentamente a tal situação - e num momento de refluxo de suas políticas de bem-estar social, na maior parte dos países. Tais processos também impactam a situação das mulheres, sua relação com os homens e com o mercado. Zillah Eisenstein (1979EISENSTEIN, Zillah. “Developing a theory of capitalist patriarchy and socialist feminism”. In: ______ (Ed.). Capitalist patriarchy and the case for socialist feminism. New York: Monthly Review Press, 1979., p. 33) afirmava que qualquer tentativa de situar as mulheres na estrutura de classes deveria considerar separadamente as mulheres que trabalhavam apenas em casa (donas de casa), as que também trabalhavam fora em ocupações não especializadas, as que trabalhavam fora em ocupações especializadas, as ricas que simplesmente não trabalhavam, as desempregadas e as que dependiam da assistência social pública. O modelo que ela esboça, que ainda exige que cada uma dessas categorias seja destrinchada em múltiplas dimensões (sexualidade, consumo etc.), parece enredado demais para ser operacionalizável. Mas chama a atenção para o fato de que família, conjugalidade, assalariamento, acesso à propriedade e relação com o Estado, além dos próprios estereótipos de gênero, sobredeterminam as posições das mulheres e afetam sua posição tanto dentro do capitalismo como do patriarcado.

Sem recuperar a agenda irrealizada da teoria feminista dos anos 1970, não é possível progredir na reflexão crítica não só sobre a posição das mulheres, mas sobre a sociedade contemporânea em geral. Dominação masculina e dominação de classe são dois eixos centrais da estrutura social. Qualquer descrição densa do mundo social, para não falar na busca por sua transformação, precisa avançar na compreensão de sua inter-relação.

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  • 1
    Este artigo integra a pesquisa “Teoria democrática, dominação política e desigualdades sociais”, apoiada pelo CNPq com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa. Agradeço a leitura prévia, os comentários, as críticas e as sugestões de Regina Dalcastagnè e de Flávia Biroli.
  • 2
    Para uma discussão da evolução de Saffioti em sua relação com o feminismo, cf. Celi Regina Jardim PINTO (2014______. “O feminismo bem-comportado de Heleieth Saffioti (presença do marxismo)”. Revista Estudos Feministas, v. 22, n. 1, p. 321-333, 2014.).
  • 3
    Sobre a trajetória de Studart, cf. Cecília CUNHA (2008CUNHA, Cecília. “Uma escritora feminista: fragmentos de uma vida”. Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, 2008, p. 271-276.).
  • 4
    A coleta dos dados foi feita por Illyusha Khristie Lima Bites Montezuma, a quem agradeço.
  • 5
    Nos últimos anos, emergiram correntes no feminismo teórico anglo-saxão que buscam reverter esta ausência da classe – e que, por sua centralidade na divisão internacional do trabalho intelectual, estão tendo impacto em todo o mundo. O debate ganhou maior visibilidade a partir da polêmica denúncia que Nancy FRASER (2017______. “The end of progressive neoliberalism”. Dissent, jan. 2017. Disponível em: https://www.dissentmagazine.org/online_articles/progressive-neoliberalism-reactionary-populism-nancy-fraser. Acesso em: 18/02/2017.
    https://www.dissentmagazine.org/online_a...
    ) fez às políticas de identidade, com chamamento à retomada da discussão a partir do eixo de classe.
  • 6
    A relação entre a família patriarcal brasileira, tal como descrita no pensamento social nativo, e as questões de gênero é discutida por Neuma AGUIAR (2000AGUIAR, Neuma. “Patriarcado, sociedade e patrimonialismo”. Sociedade e Estado, v. 15, n. 2, p. 303-330, 2000.).
  • 7
    Essa crítica está presente também em Joan SCOTT (1999SCOTT, Joan. Gender and the politics of history. New York: Columbia University Press, 1999 [1989]. [1989], p. 34) e Gayle RUBIN (1997 [1985], p. 33).
  • 8
    Embora algumas feministas, entre elas Gayle Rubin (1997RUBIN, Gayle. “The traffic of women: notes on the ‘political economy’ of sex”. In: NICHOLSON, Linda (Ed.). The second wave: a reader in feminist theory . New York: Routledge , 1997 [1975]. [1975], p. 31-32), resgatem aspectos da contribuição de Engels, como a distinção entre “relações de sexualidade” e “relações de produção”, que fogem de tal determinismo e permitem avançar numa compreensão mais complexa da relação entre classe e gênero.
  • 9
    Delphy (2013b [1970], p. 46) reconhece que as mulheres burguesas tendem a ter suas tarefas de trabalho doméstico reduzidas em favor das tarefas de representação social. Isso não afeta, porém, o ponto central, que é que o ganho da mulher não tem relação com as tarefas desempenhadas.
  • 10
    É possível dizer que este é o caminho de Erik Olinb WRIGHT (1985WRIGHT, Erik Olin. Classes. London: Verso , 1985., 1997) quando, embora sem abandonar a linguagem da “classe”, acrescenta a posse de qualificações e o exercício de autoridade a seu quadro de posições no capitalismo. A divisão do trabalho passa ao primeiro plano. Mas ele continua incapaz de levar em consideração o trabalho doméstico não remunerado.
  • 11
    Cabe lembrar que em muitos países capitalistas desenvolvidos vem ocorrendo, nas últimas décadas, um retorno do trabalho doméstico remunerado – tal como no Brasil, exercido quase que exclusivamente por mulheres, dos grupos raciais e/ou nacionais subalternos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2015
  • Aceito
    09 Fev 2017
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