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A atuação e presença das mulheres nas revistas médicas paulistas: 1898-1930

The Role and the Presence of Women in the Medical Journals in São Paulo: 1898-1930

Resumo:

Este artigo tem como objetivo analisar a participação de mulheres no campo médico paulista entre os anos de 1898 e 1930. Para tanto, foram analisados os dois periódicos médicos de maior circulação nesse período: a Revista Médica de São Paulo e os Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia. Partindo da análise das fontes, buscou-se refletir de que maneira foram estabelecidas relações entre os discursos sobre gênero, política e ciência na imprensa médica paulista. Nesse sentido, buscamos discutir a inserção profissional das médicas em áreas que, inicialmente, se mostrariam mais permeáveis à presença de mulheres, tais como a benemerência, além da ginecologia, obstetrícia e pediatria. Analisamos também o uso estratégico do recurso ao laboratório - e sua aparente neutralidade - no momento em que essas profissionais tentaram adentrar outras áreas e defrontar os tabus vinculados ao contanto com corpos masculinos.

Palavras-chave:
Gênero; revistas médicas paulistas; médicas; Primeira República; história das ciências

Abstract:

This article aims to analyze the participation of women in paulista’s medical field between 1898 and 1930. To achieve this purpose, we have analyzed two medical journals of large circulation in this period: the São Paulo’s Medical Journal and Paulista’s Annals of Medicine and Surgery. Starting from the documental analyze, we achieve to think the complexes relations established among gendered, political and scientific discourses in paulistas’s medical press. We also sought to discuss the professional insertion of women in some fields that initially would be more permeable to them, such as charity, gynecology, obstetrics and pediatrics. Besides that, we will discuss the strategical mobilization of seeming neutrality that rounds the laboratorial activities, as a resource that women physicians used to insert themselves in some fields, deceiving the taboo involving male bodies.

Keywords:
Gender; Paulista’s Medical Journals; Women Doctors; First Republic; History of Sciences

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar a participação de mulheres no campo médico paulista a partir de fins do século XIX e primeiro terço do século XX. Essa descrição se dará por meio da análise de duas publicações médicas de grande relevância para a área: a Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático e Medicina, Cirurgia e Hygiene, desde seu primeiro fascículo, de janeiro de 1898, até seu último número, em julho de 1914,1 1 A Revista Médica de São Paulo foi consultada na íntegra, entre os anos de 1889 e 1914, e pode ser encontrada na biblioteca da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). e os Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, desde sua criação, em 1914, até 1930.2 2 Dos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, de circulação entre 1914 e 2003, foram consultados os fascículos relativos ao período entre 1914 e 1930. Esta publicação encontra-se disponível na biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP).

Tal descrição se dará a partir de três eixos: primeiro, a busca por estudos publicados por mulheres com formação médica; segundo, a análise de artigos que indiquem a presença de mulheres em eventos públicos e em atividades da área médica e, por fim, publicações que discutam abertamente a entrada de mulheres no ensino superior, em áreas relacionadas à saúde.

A pesquisa se justifica tendo em vista a relevância do periodismo médico à análise de questões pertinentes à história da medicina e à produção de conhecimento científico de maneira geral. Tais fontes nos permitem investigar como, no período republicano, a produção de conhecimentos na área médica relacionou-se com um processo político mais amplo: a gestão do corpo social, desde a definição médica de saúde, quanto dos modos de vida e hábitos quotidianos da população.

O aporte do conhecimento científico convergia com o projeto republicano de construir uma nação saudável e instruída, capaz de abandonar a herança imperial e dirigir-se rumo ao progresso. A saúde, como parte integrante deste projeto, passava também por transformações face aos debates e disputas quanto ao caráter científico das ações de saúde. Higiene e medicina experimental eram os campos de maior disputa em período recente que, na virada para o século XX, se estabilizaram em prol da ação da medicina científica. A imprensa médica em São Paulo nos permite acompanhar os agentes que disputavam espaços de poder, assim como defendiam diferentes teorias e concepções terapêuticas naquele mesmo período. As revistas médicas dessa área podem ser vistas como a fonte mais acabada de construção do campo médico paulista, na medida em que foram um dos espaços de maior destaque para a formação daquela identidade, registrando temas capazes de dar centralidade às atividades médicas e servindo para divulgar novos dados, outros personagens e diferentes procedimentos entre aqueles profissionais (Márcia Regina Barros SILVA, 2010SILVA, Márcia Regina Barros. “Periódicos médicos em São Paulo entre 1889 e 1950”. In: MONTEIRO, Yara (Org.). História da saúde: olhares e veredas. São Paulo: Instituto de Saúde, 2010. p. 277-298.). Esse sentido é destacado também por James Silva (2009SILVA, James. Doença, Fotografia e Representação: Revistas Médicas Em São Paulo e Paris, 1869-1925. São Paulo: EDUSP, 2009.), quando indica que:

A Revista Médica de São Paulo fazia questão de frisar o alto caráter que distinguia seu perfil editorial, nunca se deixando confundir com a imprensa mundana, seja pelo quilate de suas opiniões, seja por sua recusa em abordar temas do cotidiano, mas, ao mesmo tempo, mantinha uma política que visava congregar o maior número possível de colaboradores, de quaisquer domínios médicos e de todas as procedências (p. 185).

Inserindo-se como porta-voz dos modernos métodos terapêuticos na área da saúde pública, e também na medicina clínica, a Revista Médica de São Paulo também se mostrou uma fonte relevante para o entendimento sobre o início da constituição do ensino médico no Estado, pois foi nela que se deram discussões importantes sobre o novo curso superior que se fundaria em 1912 - pretendido por um grupo específico de médicos paulistas. Já a revista Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia contribuiu para a compreensão sobre o próprio sentido dessa nova instituição de ensino, pois essa publicação contou com artigos escritos por professores da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, e veiculou trabalhos produzidos a partir da Faculdade e dos espaços de atenção e ensino em que se desenvolvia o curso paulista, como o Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A continuidade entre as revistas está ligada justamente à discussão sobre a criação de uma faculdade de medicina e aos debates dirigidos pelos seus professores que, na Revista Médica - que circulou em período anterior à fundação da nova escola médica -, congregava um universo maior de autores, o que se alterou substancialmente nos Anais Paulistas, em que a maioria dos artigos era produzida pelos professores da Faculdade (SILVA, 2014SILVA, Márcia Regina Barros. O laboratório e a República: saúde pública, ensino médico e produção de conhecimento em São Paulo (1891-1933). Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPESP, 2014.).

Consideramos que, embora as revistas médicas se posicionassem como meras porta-vozes de um saber neutro, elas estavam perpassadas por questões políticas e controvérsias científicas (Bruno LATOUR, 1994LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos. São Paulo: Editora 34, 1994.). Sendo assim, deseja-se identificar as pesquisas e atividades realizadas por essa comunidade de especialistas em formação, analisando quais questões de gênero (Donna HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. “Saberes Localizados: A questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, n. 05, p. 07-41, 1995.) permeavam as ações realizadas durante os primeiros anos da República recém instalada.

A intenção aqui é considerar gênero enquanto categoria de análise histórica, ou seja, não se pretende delimitar uma causalidade geral para a circulação de mulheres e para a publicação de seus trabalhos no meio científico paulista; deseja-se verificar de que maneira se estabeleceram as relações de gênero nas pesquisas e atividades desempenhadas nesta comunidade científica em formação. Desta forma, a circulação de mulheres nos espaços paulistas de ciência, mesmo que em pequeno número, foi considerada enquanto acontecimento articulado às demandas dessa comunidade científica em crescimento, bem como aos projetos políticos e concepções sociais que compunham o período analisado.

Quem poderia atuar na medicina paulista

Em conformidade com o projeto político de cunho modernizador desencadeado entre o fim do século XIX e a década de 1920, destacava-se, em São Paulo, o surgimento de novas instituições de saúde pública, assim como o estabelecimento do ensino médico, farmacêutico, odontológico e o aumento dos espaços profissionais nessas mesmas áreas.3 3 São exemplos de espaços científicos criados nesse período: o novo hospital da Santa Casa de Misericórdia (1885), o Serviço Sanitário de São Paulo (1892), a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1895), a inauguração da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1912) e a Escola Paulista de Medicina (1933) (SILVA, 2007). Verifica-se também a articulação do “binômio família/cidade como base de estruturação do estado nacional, sendo uma vista como extensão da outra” (Nara AZEVEDO; Luís Otavio FERREIRA, 2006AZEVEDO, Nara; FERREIRA, Luís Otávio. “Modernização, políticas públicas e sistema de gênero no Brasil: educação e profissionalização feminina entre as décadas de 1920 e 1940”. Cadernos Pagu, n. 27, p. 213-254, 2006., p. 288), muito embora a efetivação desses projetos políticos não tenha sido acompanhada por um estreitamento de relações entre as camadas populares e os setores dirigentes (Luciana MURARI, 2009MURARI, Luciana. Natureza e cultura no Brasil (1870-1922). São Paulo: Alameda, 2009.).

Nesse período, os temas da saúde e da educação adquiriram centralidade nos debates políticos, sendo ambos considerados as novas bases sobre a qual se edificara uma nação moderna e renovada.4 4 Cabe destacar que os debates parlamentares, na passagem para o século XX, dispensaram atenção ao ensino básico, sendo o ensino superior menos discutido e alvo de maiores controvérsias e disputas de poder (SILVA, 2014). Nesse mesmo momento também se iniciava a valorização do papel social da mulher-mãe-esposa, considerada a partir de então como aquela que poderia gerenciar a família, célula primordial da força republicana. A mulher adquiria, assim, posicionamento estratégico na proposta de formação dos futuros cidadãos - sinônimo de riqueza nacional neste novo período político. De acordo com Ana Paula Vosne Martins (2004MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do Feminino à medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.), nesse momento, grande número de médicos e intelectuais voltou-se à educação feminina e ao estudo de seu corpo, visando à compatibilização dos hábitos das brasileiras aos modelos de mãe e esposa instruídas pelas noções da higiene e da boa saúde, já que “O quadro da vida familiar brasileira do início do século XX parecia completamente inadequado aos princípios higienistas” (MARTINS, 2004MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do Feminino à medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004., p. 226).

Outro ponto de interesse para compreender esses processos foi a maior atenção médica despendida ao corpo da mulher. Fabíola Rohden (2009ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.) - em sua análise das “Teses de Doutoramento da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre 1833 e 1940” - discute essa relação, percebendo a formulação de um discurso indenitário para cada gênero. De acordo com Rohden (2009), “orientava os métodos dos ginecologistas a hipótese de que as mulheres eram dominadas por seus órgãos reprodutivos e de que todas as suas doenças em última instância tinham origem nessa parte do corpo” (p. 43). A autora aponta que tais abordagens almejavam, por meio de um argumento biológico, definir o temperamento, as competências e o lugar social relativo a mulheres e homens: “a medicina tinha a tarefa de decodificar os sinais emitidos, presentes em corpos de homens e mulheres” (ROHDEN, 2009ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009., p. 25). Com isto, é possível confirmar que se avista uma proposta classificatória para adequar o corpo e que foi traçada pela medicina do período tanto para o caso do Rio de Janeiro, como apontado pela autora, quanto para o caso paulista, como será verificado a seguir.

De acordo com Joan Scott (1986SCOTT, Joan Wallach. “Gender: A Useful Category of Historical Analysis”. The American Historical Review, v. 91, n. 05, p. 1053-1075, 1986.), escrevendo em fins dos anos 1980, já era possível destacar que a categoria ‘mulher’ não se apresenta mais como conceito estável e universal - baseado em uma suposta evidência biológica -, mas sim como objeto de disputa política e de poder. Nesse sentido, faz-se necessária, de acordo com a autora, uma abordagem crítica e histórica dos processos de constituição da identidade feminina, levando em consideração uma gama mais variada de entendimentos (SCOTT, 1986SCOTT, Joan Wallach. “Gender: A Useful Category of Historical Analysis”. The American Historical Review, v. 91, n. 05, p. 1053-1075, 1986.):

These concepts are expressed in religious, educational, scientific, legal, and political doctrines and typically take the form of a fixed binary opposition, categorically and unequivocally asserting the meaning of male and female, masculine and feminine. In fact, these normative statements depend on the refusal or repression of alternative possibilities, and, sometimes, overt contests about them take place (at what moments and under that circumstances ought to be a concern of historians). The position that emerges as dominant, however, is stated as the only possible one (p. 1067-1068).

A questão específica do corpo também se apresenta na discussão acerca do exercício profissional de mulheres, principalmente na história da medicina. Em seu estudo, Mônica Raissa Schpun (1997SCHPUN, Mônica Raissa. Les Années Folles à São Paulo: Hommes et Femmes au temps de La explosion urbaine (1920-1929). Paris: Éditions L’Harmattan, 1997.) enfatizou o tabu em relação ao exercício profissional de mulheres na medicina nos primeiros anos do século XX. Tal aspecto decorreria tanto do status valorizado adquirido pela profissão no Brasil, quanto do perceptível problema de uma mulher entrar em contato com outros corpos e tê-los como objeto de trabalho e pesquisa:

Si le stéréotiype du féminin insiste très souvent sur le rôle de l’infirmière, sur l’importance des soins aux malades, dans um sens ambigu qui mélange soin physique et réconfort spirituel, l’exercise du métier de médecin est un privilège masculin. Il ne s’agit pas seulement de préserver un champ d’activité très valorisé et dont la formation assure un haut degré de connaissances; il y a aussi le tabou de toucher et d’étudier le corps, d’avoir celui-ci comme objet de travail (p. 139).

Nesse sentido, os estudos de Maria Lucia Mott (2005MOTT, Maria Lucia. “Gênero, medicina e filantropia: Maria Rennotte e as mulheres na construção danação”. Cadernos Pagu, n. 24, p. 41-67, 2005.) se propõem a compreender a possibilidade de uma brecha à atuação das mulheres em áreas consideradas apropriadas ao temperamento feminino, tais como a pediatria e a benemerência. Segundo Mott (2005), a ginecologia também representaria uma especialidade mais aceitável à atuação de mulheres, pois:

A dificuldade em procurar um médico por parte do sexo feminino, em expor o próprio corpo, ou de suas filhas a um profissional masculino, somada à proibição de pais e maridos que os corpos de suas esposas e filhas fossem tocados por outro homem, faziam com que muitas doentes ficassem sem tratamento, sendo, portanto, valorizado o serviço prestado pelas médicas (p. 50).5 5 Sobre o tema, ver também Patrícia de FREITAS (2008).

Consideramos que, por meio da análise da Revista Médica de São Paulo e dos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, certos aspectos das relações de gênero presentes na comunidade científica paulista podem se tornar acessíveis: a progressiva circulação e formação de mulheres em profissões produtoras de discursos científicos, assim como as leituras médicas sobre o corpo ‘feminino’. Tais perspectivas serão avaliadas a partir de suas relações tanto com o projeto político republicano de formação de mães instruídas - difusoras do saber higiênico - quanto com o crescimento da comunidade científica paulista. Tal percurso, como já dito, considerará os debates contidos em artigos publicados por médicas, a presença em eventos científicos de destaque, bem como a existência de publicações que discutem explicitamente a entrada feminina no ensino superior.

Mulheres nas premiações, associações e eventos científicos divulgados pelo periodismo médico

A Revista Médica de São Paulo e os Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, além de apresentarem artigos sobre terapêuticas e pesquisas médicas diversas, foram duas publicações que mantiveram intensas relações de proximidade e reciprocidade com corporações e instituições médico sanitárias, publicando atas de reunião de sociedades e associações, textos e notícias oficiais de funcionamento produzidos por tais instituições, noticiários e cronológicos sobre a área.

Tais fontes se mostram interessantes à análise das relações de gênero estabelecidas nesses espaços de debates científicos em São Paulo, pois atuavam como uma vitrine das atividades individuais e coletivas sobre a saúde. Além dos artigos publicados por médicas, serão seguidas de perto informações acerca da composição corporativa de instituições nas quais pudemos observar a atuação de mulheres, tais como a Liga Paulista Contra a Tuberculose e a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, que divulgavam suas atas de reuniões e de atividades nos periódicos paulistas. Também serão especialmente analisadas as pesquisas apresentadas por mulheres no Primeiro Congresso Médico Paulista (1916), além de outros eventos científicos divulgados por essas mesmas publicações.

A primeira citada, a Liga Paulista Contra a Tuberculose, publicava artigos frequentes na Revista Médica de São Paulo. Este grupo defendia a urgência de uma campanha efetiva contra a tuberculose, por meio da propagação de hábitos considerados higiênicos e assentados nos princípios da nova área da bacteriologia. Iniciativas deste tipo eram defendidas por médicos em geral. Um exemplo foi o artigo publicado pelo médico Coriolano Burgos (1900BURGOS, Coriolano. “Liga Paulista Contra a Tuberculose”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 03, n. 05, p. 239-246, 1900a.a), em artigo de outubro de 1900, que destacava a ação da Liga como parte constituinte de uma cruzada civilizadora. Tal exemplo resume muito bem a vinculação entre regras gerais de comportamento saudável e as mais recentes conquistas da medicina experimental, o que servia para unir demandas por formação básica para a população com o tipo de sociedade almejada para o futuro do país. Burgos (1900a) apontava que “é na escola que se deve começar a grande obra da regeneração da raça. Começando aí o trabalho, parece-nos que não é só contra a tuberculose que se dirige a cruzada civilizadora” (p. 240).

Destacamos que os debates sobre tuberculose ocuparam as páginas na Revista Médica durante todo o período analisado. Tal publicação esforçava-se por trazer explicações sobre possíveis causas da enfermidade, métodos profiláticos baseados na higiene, assim como estatísticas que apontavam a incidência desta enfermidade na população. Em fevereiro de 1908, em artigo intitulado “Liga Paulista Contra a Tuberculose”, era descrita a assembleia ordinária da instituição “para o fim de ouvir a leitura do relatório e das ocorrências do ano findo, tomar conhecimento do parecer da comissão de contas e proceder à eleição da nova diretoria” (LIGA, 1908LIGA Paulista Contra a Tuberculose. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 11, n. 03, p. 63-64, 1908., p. 64), sendo importante apontar que, em meio às iniciativas ali apresentadas, destacava-se a presença de uma Comissão de Senhoras - composta por oito integrantes - único setor da Liga que concentrava a atuação de mulheres: “Viscondessa da Cunha Bueno, Dona Isabel Ferreira, Dona Ana de Morais Burchardt, Dona Annita Tibiriçá, Dona Camila Partureau de Oliveira, Dona Paulina de Souza Queiroz, Dona Elisa de Barros Cavalcanti, Dona Ana Junqueira de Azevedo Marques” (LIGA, 1908, p. 64).

Segundo Ana Margarida Furtado Arruda ROSEMBERG (2008ROSEMBERG, Ana Margarida Furtado Arruda. Guerra à peste branca Clemente Ferreira e a “Liga Paulista contra tuberculose” 1899-1947. 2008. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo.), desde 1907 a Liga Paulista Contra a Tuberculose cogitava implantar uma comissão de senhoras da alta sociedade paulistana para efetivar a criação do programa denominado Obra de Preservação dos Filhos de Tuberculosos Pobres. Segundo a autora, “a finalidade desta obra era amparar, proteger e preservar do contágio familiar, da contaminação doméstica, as crianças das famílias dos pectários frequentadores dos dispensários da Liga” (p. 56).

Conforme verificou Michelle Perrot (2005PERROT, Michelle. As Mulheres ou Os Silêncios da História. Bauru: EDUSC, 2005.), de modo geral, a partir da segunda metade do XIX, a inserção de mulheres das classes médias e altas no âmbito da filantropia possibilitou uma saída para ambientes externos ao lar, introduzindo-as, a serviço da nação, em tarefas que anteriormente se voltavam ao benefício familiar. Nesse mesmo sentido, a Comissão de Senhoras da Liga Paulista Contra a Tuberculose colocava como responsabilidade deste setor o tratamento dos filhos de pessoas contaminadas com a tuberculose, estabelecendo às mulheres de uma determinada classe social funções que, embora externas ao ambiente doméstico, não entravam em disputa ou desacordo com a função de mãe e esposa. Tais iniciativas também resguardavam essas mulheres em campos delimitados de ação e de discurso considerados pela sociedade do período como de interesse eminentemente feminino. Por meio da Revista Médica podia-se acompanhar esse processo, tanto de respaldo das atividades da Liga, quanto de atenção ao conhecimento produzido para esse fim.

Outro espaço ligado à medicina em que foi possível verificar a presença de mulheres a partir do período proposto foi a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Tanto a Revisa Médica de S. Paulo quanto os Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia publicavam regularmente atas das reuniões da Sociedade. Em tais sessões destacaram-se as participações das médicas Maria Renotte e Olga Bovero Caporali. A primeira esteve presente em duas reuniões da Sociedade, cujas atas foram divulgadas pela Revista Médica de São Paulo, uma em agosto de 1912 (SOCIEDADES, 1912SOCIEDADES Científicas. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 13, n. 03, p. 113-119, 15 de março de 1912.) e outra em janeiro de 1913 (SOCIEDADES, 1913SOCIEDADES de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 15, n. 15, p. 310-312, agosto de 1913.). A segunda, Olga Bovero Caporali, aparecia nos Anais Paulistas apresentando, em setembro de 1917, seu estudo intitulado: “Mongolismo” (Olga Bovero CAPORALI, 1917CAPORALI, Olga Bovero. “Mongolismo”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 08, n. 09, p. 220, setembro de 1917.).

A médica Maria Renotte discutia com os demais presentes - na sessão de 15 de julho de 1912 - diferentes procedimentos para o tratamento de “endometrites crônicas” (SOCIEDADES, 1912, p. 311), um tema que era discutido nas reuniões da Sociedade, sem solução aparente. A médica sugeria naquele momento o uso de “velas de colargol” que, segundo ela, minimizariam a dor das pacientes acometidas por tal doença, questionando, juntamente com outros colegas, o uso de métodos mais invasivos, como a “cauterização da mucosa uterina” (Idem). Após as explanações de diferentes procedimentos utilizados naqueles casos, o médico Morais de Barros, com o intuito de encaminhar o fim da discussão, findou por não apontar possíveis contribuições do trabalho de Renotte, finalizando a sessão com as seguintes palavras: “ainda pende de solução o problema das endometrites crônicas e que os processos correntes mesmo os mais preconizados dão resultado em porcentagem relativamente pequena de casos” (Idem).

Em artigo publicado doze anos antes, em maio de 1900, o médico Coriolano Burgos, o mesmo do exemplo anterior, já colocava a urgência do tratamento do mesmo problema relativo às endometrites, e dos partos, segundo os saberes bacteriológicos ministrados por médicos formados, considerados por Burgos mais apropriados à manutenção da boa saúde. Segundo Burgos (1900bBURGOS, Coriolano. “Endometrites Crônicas”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 03, n. 10, p. 93-96, 1900b.):

Parece-nos que devem nos merecer mais atenção as endometrites em geral deante desta disseminação fácil, como nos ensina a Bacteriologia, deante de certos conhecimentos básicos de higiene, especialmente por parte das parteiras, que em sua maioria entre nós, são uma verdadeira negação da higiene individual. Não é muito difícil afirmar-se que é nesses factos de reside a frequência das endometrites entre nós (p. 95).

Nesse sentido, percebemos que Maria Renotte posicionava-se a favor de tratamentos ginecológicos atualizados, situados em meio ao projeto de ação médica que visava à imposição e à hegemonia, aquele da medicina bacteriológica. A bacteriologia preconizava, naquele período, que os tratamentos médicos deveriam enfocar-se no mundo dos infinitamente pequenos: as bactérias e micróbios, que, progressivamente, se tornavam objeto de discussão e estudo em laboratórios de análises clínicas e de pesquisa experimental. Tal controvérsia entre a abordagem microbiológica e a clínica povoou as páginas da Revista Médica em diversos momentos:

A Revista Médica sediou inúmeras controvérsias sobre temas variados, mas principalmente foi palco para aquelas relacionadas à defesa da microbiologia para o conhecimento sobre doenças epidêmicas e formas de combatê-las. Ademais, não deixou de ser arena também para os que reagiam à noção de medicina de laboratório, com denúncias de excesso de crença nas correlações entre microbiologia e diagnóstico. [...]. Esperava-se definir o contexto profissional, mas também se almejava encontrar a melhor explicação para as doenças e suas consequências (SILVA, 2014SILVA, Márcia Regina Barros. O laboratório e a República: saúde pública, ensino médico e produção de conhecimento em São Paulo (1891-1933). Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPESP, 2014., p. 128).

Àquela altura, saberes populares e qualquer outro conhecimento que não se baseasse nos conceitos científicos, da higiene aos métodos para o bom parto, eram citados como ultrapassados e, sobretudo, tornaram-se objeto de críticas da comunidade médica em formação, conforme observamos na fala de Coriolano Burgos. Associado a esse entendimento, Burgos apontou também a atuação das parteiras como responsáveis pelo contágio causador das endometrites.

Estudos como os de Maria Lúcia Mott, já citados, nos permitem discutir como esta crítica se inseria em uma disputa mais ampla, envolvendo médicos e parteiras a partir da segunda metade do século XIX. A autora discute a “construção da imagem da parteira ignorante” (MOTT, 1999MOTT, Maria Lúcia. “A parteira ignorante: um erro de diagnóstico médico?”. Revista Estudos Feministas, v. 7, n. 1 e 2, p. 25-36, 1999., p. 25) pelo discurso médico do período, que buscou descreditar a atuação destas profissionais para, consequentemente, ocupar seu espaço de atuação. Mott destaca, por meio da análise de documentos jurídicos, artigos de época e registros de profissionais, como as parteiras possuíam experiência no amparo ao parto, em contraposição aos médicos formados que, na maioria das vezes, possuíam uma formação teórica, baseada em manuais de anatomia e manequins improvisados. Frente a esta situação, a autora destacou:

Segundo a reflexão feita por alguns autores que analisaram e questionaram o estereótipo da parteira ignorante, deve ainda ser lembrada a influência que a disputa pelo campo profissional teve na construção dessa imagem. No século XIX, segundo Jane Donegan, a parturição começava a se tornar um campo atraente para os médicos, sobretudo o atendimento de partos normais, categoria na qual o índice de insucesso era em geral muito pequeno. Para um profissional, um parto bem-sucedido poderia significar tornar-se médico da família sendo requisitado sempre que necessário para cuidar de diferentes doenças que ocorressem a qualquer dos membros (MOTT, 1999MOTT, Maria Lúcia. “A parteira ignorante: um erro de diagnóstico médico?”. Revista Estudos Feministas, v. 7, n. 1 e 2, p. 25-36, 1999., p. 25).

A oposição de Coriolano Burgos à atuação das parteiras tinha como objetivo substituir essas profissionais pelos médicos e seus conhecimentos, defendidos pelo periodismo como mais especializados e modernos. É por isso que é possível atentar como a disputa por espaço e poder propiciava um campo estratégico ao exercício profissional das médicas que, como Maria Renotte, começavam a se estabelecer nas cidades. Nossa percepção é a de que essas profissionais atuariam nos cuidados com o parto e com as crianças desvalidas, ou seja, em áreas consideradas propícias à atuação das mulheres - possivelmente pela similaridade com atividades domésticas. Destacamos ainda que a atuação das médicas nessas especialidades poderia garantir a mobilização dos saberes e métodos científicos defendidos pelos médicos (como a bacteriologia), conforme será possível verificar nos textos publicados nas revistas médicas discutidas a seguir.

A primeira referência à Olga Bovero Caporali surgiu nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, nas atas de sessão da Sociedade de Medicina e Cirurgia referentes à reunião de setembro de 1917 na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A médica realizou explanação intitulada “Mongolismo” (CAPORALI, 1917CAPORALI, Olga Bovero. “Mongolismo”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 08, n. 09, p. 220, setembro de 1917.), referente a observações e tratamentos realizados em um paciente de cinco anos de idade. Ao citar as causas da enfermidade abordada, a pesquisadora referia-se à “etiologia do mal em cuja balança pesam um fator thyreoideo e outro heredo-syphilitico”, afirmando ter iniciado conduta “pluriglandular alternando-a com uma cura iódica reconstituinte” (Ibid., p. 220). Pode-se destacar aqui dois aspectos importantes: o tratamento ter sido realizado em uma criança e a sífilis, que fora considerada a causadora da enfermidade, aspecto esse que será mais bem discutido adiante. Até o momento, destacamos que a idade do paciente citado por Caporali reforça a noção de que as médicas atuariam predominantemente em casos que envolvessem a saúde infantil.

Relacionando os temas da ginecologia - no caso de Renotte - e da pediatria pensada em função da hereditariedade como fator associado nos casos de sífilis, verifica-se primeiramente, no estudo de Caporali, a ação clínica estabelecida por estas médicas em corpos de mulheres ou de crianças, demonstrando a existência de um espaço definido para sua atuação nestas áreas. A temática da sífilis, que colocaria mais diretamente o envolvimento de Caporali com questões relacionadas aos órgãos sexuais, é apenas abordada como fator hereditário, sem maiores aprofundamentos.

Assim como a Comissão de Senhoras - no âmbito das ações caritativas -, os estudos das médicas em questão estão inseridos no projeto político e sanitário apoiado na Primeira República, segundo o qual os saberes médicos e seus métodos científicos avançariam progressivamente sobre a gestão do corpo social. É possível ressaltar, portanto, a intrínseca relação entre a mobilização destes conhecimentos e o programa de fortalecimento do cidadão e do progresso pretendido no período republicano.

Tal dinâmica também poderá ser observada nos documentos relativos ao Primeiro Congresso Médico Paulista, divulgados pelos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia ao longo do segundo semestre de 1916. Nos discursos de justificativa sobre a importância do evento, apresentavam-se, dentre os aspectos que deveriam ser colocados em pauta, aqueles pertinentes à saúde pública, com o fim de fortalecer e expandir espaços e profissionais na área.6 6 Estudos como os de Marta de ALMEIDA (2003) apontam os diálogos entre a instalação do regime republicano e a maneira como os médicos, suas instituições e eventos se inseriram nessa nova realidade política. A autora cita, mais precisamente, os desafios que circundaram a realização de outro encontro, o Terceiro Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia (1900): “O sonho estava semeado, mas para se inserirem na nova ordem política e social, buscaram alianças e cargos públicos, principalmente aqueles ligados à administração sanitária e à direção de estabelecimentos como hospitais, faculdades e institutos” (p. 215).

Esse congresso não se restringiu ao público médico, contando também com a participação de outros profissionais, tais como farmacêuticos(as), dentistas, parteiras, engenheiros sanitários e veterinários. Nos discursos de justificativa sobre a importância do Congresso, apresentavam-se aspectos que deveriam ser colocados em pauta, em geral aqueles pertinentes à saúde pública, com o fim de fortalecer e expandir espaços e profissionais na área. Dentre os aproximados 856 inscritos, o Congresso contou com doze mulheres, inscritas em diferentes modalidades: quatro médicas: Casemira Loureiro, Maria Renotte, Maria da Glória Waltz e Estelinha Jorge (sendo as duas primeiras de São Paulo e as seguintes do Rio de Janeiro); três farmacêuticas: Anita Tibiriçá, Josephina Silveira e Maria Marques Silveira (São Paulo); uma dentista: Ana Carvalho Palma (Santa Rita do Passa Quatro) e quatro parteiras - todas provenientes da capital paulista: Leonor H. Ferroni, Maria Tavares Elston, Maria José de Barros e Rosa Bagéc (ANAIS, 1907ANAIS do Primeiro Congresso Médico. Lista Geral dos Membros do Congresso. In: Sessão de obras do “O Estado” S. Paulo, v. 01, 1907.).

Dentre os trabalhos apresentados e publicados nos Anais do Primeiro Congresso Médico Paulista, apenas dois foram escritos por médicas: “Os Estabelecimentos de Beneficência com a Medicina Social”, apresentado na seção de Hygiene, Demografia e Engenharia Sanitária por Maria Renotte (1917) e “Ophtalmia Purulenta dos recém-nascidos”, apresentado na seção de Obstetrícia pela médica Maria da Glória Waltz (1917WALTZ, Maria da Glória. “Ophtalmia Purulenta dos recém nascidos”. Anais do Primeiro Congresso Médico Paulista. In: Sessão de obras do “O Estado” S. Paulo, v. 03, p. 141-153, 1917.).

No trabalho apresentado por Maria Renotte, mais uma vez a aspiração por um corpo social saudável tornava-se objeto do discurso médico. Nesse sentido, a médica exaltava as altas taxas de mortalidade infantil, aliadas à falta de instituições públicas voltadas ao tratamento de crianças e trabalhadores doentes:

É de certo por ter-se lembrado de que o Brasil é imenso e que há vastas extensões de terras anda incultas; que há carência de braços para torná-las produtivas; é com certeza por não se ter esquecido que as crianças de hoje serão os cidadãos de amanhã; os defensores de vossos direitos e de vossa integridade [...] (RENOTTE, 1917RENOTTE, Maria. “Os Estabelecimentos de Beneficência com a Medicina Social”. Anais do Primeiro Congresso Médico Paulista. In: Sessão de obras do “O Estado” S. Paulo, v. 03, p. 212-216, 1917., p. 212).

Ela também elogiava as ações de benemerência organizadas por mulheres de elite: “A Associação Patriótica das Senhoras Brasileiras ergueu, com o auxílio dos tostões do pequeno mundo das escolas, o hospital destinado a preencher a lacuna até ora existente (não esquecer de mencionar a Créche Baroneza de Limeira)” (RENOTTE, 1917, p. 213). Mais uma vez, portanto, mulheres envolvidas em ações de benemerência estiveram presentes em artigos que abordavam a situação da saúde pública, demonstrando os objetivos comuns entre as ações de filantropia e as aspirações médicas do período. Nesse mesmo estudo, apresentado no Primeiro Congresso Médico, Renotte defendia que a boa manutenção do corpo social republicano se efetivaria por meio do aumento da influência do saber médico sobre os corpos dos trabalhadores e dos futuros cidadãos. Em meio a tais perspectivas, Maria Renotte (1917) enaltecia a utilidade em se unirem estudos médicos e ações promovidas pela filantropia:

Porque além do benefício prestado ao desprovido da fortuna ela permite que o estudante adquira conhecimento e que o mestre aplique e estenda as suas práticas e talentos. [...] Porque sobre a classe médica repousando a maior das responsabilidades, isto é, o destino da nação, o qual depende da saúde geral, ela deve estudar todos os meios tendendo a facilitar recursos aos que sofrem física e pecuniariamente (p. 215-216).

Desse modo, Renotte defendeu de forma programática a medicina como suporte das transformações sociais, assim como frisou as aspirações mútuas da benemerência e do saber médico na conformação de um corpo social saudável e organizado, conforme preconizado pelos projetos republicanos.

Tais objetivos também se mostram presentes no trabalho “Ophtalmia Purulenta dos recém-nascidos”, apresentado no mesmo Congresso por Maria da Glória Waltz, interna da Maternidade das Laranjeiras. Nesse estudo a médica abordava uma enfermidade que não poucas vezes resultava em cegueira. Tal desfecho era considerado pela autora como evitável e diretamente relacionado à forma como as mães cuidavam dos olhos de seus filhos.

Apesar de considerar a conjuntivite em recém-nascidos evitável, Maria Waltz pensava ser um desafio atuar na cura dessa moléstia em maternidades, que majoritariamente atendiam a pacientes pobres:

Depois, é nas Maternidades que nossa labuta é maior e isso por quê? Ora, os verdadeiros clientes são os pobres, os desprotegidos da fortuna. (...). Em nosso meio o pobre é por índole desasseado e conhecedor de simpatias ensinadas pelo curandeiro. Assim não é raro encontrarmos mães abrindo os olhos dos filhinhos com mãos sujas e injectando leite, pelo simples fato d’uma vizinha ter filhos que não são cegos, por ter usado este preconceito, ensinado pelo charlatão do bairro. Outras, com carinhos que consideramos deshumanos, com mãos e com roupas portadoras da sua infecção gonocócica, estão abrindo e fechando os olhos dos inocentes, com o intuito de verem a cor, o jeito, etc, vão deste modo infectar o filho (WALTZ, 1917WALTZ, Maria da Glória. “Ophtalmia Purulenta dos recém nascidos”. Anais do Primeiro Congresso Médico Paulista. In: Sessão de obras do “O Estado” S. Paulo, v. 03, p. 141-153, 1917., p. 143).

A tensão entre saberes e práticas populares e o conhecimento médico se mostra patente neste artigo, pois Maria da Glória Waltz criticava a relação estabelecida entre as mães pobres - observadas ao longo desse estudo de caso - e seus filhos. Interpretando as práticas ensinadas por vizinhas e curandeiros como método de contágio ocular e não uma forma de demonstrar afetividade, em meio a suas observações, a médica chegava a acusar as mães de incorrerem em um ato que iria contra a natureza humana.

Em outro dos casos apresentados, a médica relatou a súbita piora de um dos bebês enfermos, seguida da confissão da mãe, que dissera ter colocado um pouco de seu leite nos olhos do filho: “disse-nos fazer assim, porque isso lhe foi ensinado por uma comadre, e que realmente verificara a piora, desde que fez uso. Fortemente aconselhada ficou sob nossa guarda em maior rigor” (WALTZ, 1917, p. 147). Percebe-se claramente que a médica se colocava no papel de proteger o recém-nascido dos cuidados de sua mãe, para, em seguida, dar continuidade ao tratamento considerado ideal pelo saber médico.

Em relação aos casos considerados tardios, quando o bebê desenvolvia enfermidade após o sexto ou sétimo dia de vida, Maria Waltz relatou a diminuição dos riscos de cegueira. Porém ressalvou que “ora o estado geral pode ter influência sobre a marcha. O perigo está justamente dos débeis, nos prematuros e nos heredo-syfiliticos. Estes são os casos, nos quais o mesmo tratamento feito a tempo não evita sempre as complicações [...]” (WALTZ, 1917, p. 148). Percebe-se que mais uma vez a questão da hereditariedade da sífilis era trazida ao discurso como causa de doenças e complicações na saúde dos pequenos cidadãos mas, apesar disso, o aspecto etiológico continuava não analisado em profundidade, nem no trabalho de Maria da Glória Waltz nem na explanação anterior de Olga Bovero Caporali sobre o mongolismo.

Tanto a apresentação “Os Estabelecimentos de Beneficência com a Medicina Social”, de Maria Renotte, quanto “Ophtalmia Purulenta dos recém-nascidos”, de Maria da Glória Waltz, baseavam-se no entendimento de que o discurso médico e higiênico seria o único portador da verdade científica e que, consequentemente, promoveriam ações civilizadoras, sobrepujando as outras práticas não condizentes com esse modelo de progresso. A primeira defendia a união entre as ações beneficentes e o exercício profissional do médico como forma de garantir melhores cuidados em relação à infância, formando adultos saudáveis e capazes. Já Waltz, pretendendo livrar os pequenos da cegueira, buscava salvá-los tanto dos agentes etiológicos quanto das práticas de cura e cuidado utilizadas pelas mães. Em ambos os estudos as médicas envolvem-se na área de saúde da criança, e no caso de Renotte, no âmbito da benemerência.

Ao longo desta análise, percebeu-se, em concordância com os estudos de Maria Lucia Mott (2005MOTT, Maria Lucia. “Gênero, medicina e filantropia: Maria Rennotte e as mulheres na construção danação”. Cadernos Pagu, n. 24, p. 41-67, 2005.), uma concentração de mulheres atuando nas áreas de injunção entre medicina e benemerência. Já fora do âmbito da filantropia, a circulação das médicas no meio científico pôde ser acompanhada em atividades vinculadas ao tratamento de enfermidades em crianças e mulheres, situando-se, em geral, enquanto contraponto aos saberes populares sobre: o mundo infantil, cuidados com o parto e complicações uterinas de modo geral. Mott também indicava que a presença de médicas nestas áreas específicas de saber - ginecologia e pediatria - poderia amenizar o problema de se ter uma mulher lidando de forma direta com corpos estranhos, já que esses corpos seriam essencialmente de crianças desvalidas ou de outras senhoras.

Nesse sentido, as enfermidades que envolviam temas polêmicos relativos à sexualidade, como a questão da sífilis, não eram abordadas em corpos adultos, mas sim em crianças. Os casos de crianças “heredo-sifiliticas” demonstravam, neste primeiro momento, um afastamento tanto de corpos masculinos quanto de doenças ligadas à questão sexual. Porém, cabe destacar que as discussões acerca de complicações infantis desencadeadas pelo contágio da sífilis inserem-se, também, nos projetos de formação da boa saúde republicana, pois como aponta a historiografia:

O problema da sífilis era considerado, sobretudo, com base na noção de degeneração. Passando de pai para filho, a doença era apresentada como uma grave ameaça ao futuro da raça e a ela se atribui uma série de males cuja definição pode ser considerada imprecisa. A hereditariedade sifilítica foi mesmo responsabilizada pela perversão instintiva ou psicopatia infantil (CARRARA In ROHDEN, 2009ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009., p. 50).

Mulheres autoras de artigos

Por meio da análise realizada acima, acompanhamos a ação de mulheres em espaços voltados à saúde e à produção de conhecimento, demonstrando a aderência destas profissionais aos projetos republicanos, duplamente assentados na saúde e na educação (SILVA, 2014SILVA, Márcia Regina Barros. O laboratório e a República: saúde pública, ensino médico e produção de conhecimento em São Paulo (1891-1933). Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPESP, 2014.). Agora discutiremos de que maneira as relações de gênero se estabeleceram nos relatos das médicas sobre suas experiências clínicas, em artigos científicos, também publicados naqueles periódicos.

Os artigos publicados por mulheres7 7 Os artigos citados se constituem na totalidade de artigos assinados por mulheres nos dois periódicos médicos paulistas em todos os anos consultados. nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia e na Revista Médica de São Paulo inseriram-se em locais de destaque das revistas. Este foi o caso de duas publicações apresentadas na capa da Revista Médica de S. Paulo, “Gravidez Hysterica”, de Judith Santos (1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 07, n. 14, p. 305-307, julho de 1904a.a; 1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica (Continuação)”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 07, n. 16, p. 379-384, agosto de 1904b.b), e “A Ureia no Sangue e sua Significação Fisio-patológica”, escrito pela médica C. Chiaves, em conjunto com o também médico Antônio Carini em 1912CARINI, Antônio; CHIAVES, C. “A Ureia no Sangue e sua Significação Fisio-patológica”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 15, n. 15, p. 295-299, agosto de 1912. (Antônio CARINI; C. CHIAVES, 1912CARINI, Antônio; CHIAVES, C. “A Ureia no Sangue e sua Significação Fisio-patológica”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 15, n. 15, p. 295-299, agosto de 1912.). Outros dois trabalhos de médicas constaram do corpo dos Anais Paulistas: “Alguns novos signais de Hemiplegia orgânica”, de Olga Bovero Caporali (1914CAPORALI, Olga Bovero. “Alguns novos signaes de hemiplegia orgânica – observações clínicas pela doutora Olga Bovero Caporali”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 03, n. 05, p. 102-117, novembro de 1914.), e “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”, de Carmen Escobar Pires (1930PIRES, Carmen Escobar. “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 21, n. 12, p. 323-328, 1930.).

Nas duas revistas também constam reproduções de fragmentos de trabalhos divulgados em outras publicações da imprensa especializada, nacional e internacional, que foram inseridos em locais específicos da revista. Nos Anais Paulistas foram inseridos artigos na seção “Revistas e Análises”: “Sobre um caso de meningite suppurada de evolução super-aguda devida ao pneumobacillo de Friedländer”, de Pierre Eugène Ménétrier e Thérèse Bertrand-Fontaine (1924MÉNÉTRIER, Pierre Eugène; BERTRAND-FONTAINE, Therèse. “Sobre um caso de meningite suppurada de evolução super-aguda devida ao pneumobacillo de Friedländer”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 15, n. 3, p. 62-63, 1924.), e “Tellúrio novo elemento agindo curativamente na syphilis”, de Constantin Levaditi, Madame Nicolau e Mademoiselle Manin (1927LEVADITI, Constantin; NICOLAU, Madame; MANIN, Mademoiselle. “Tellurio novo elemento agindo curativamente na syphilis”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 18, n. 5, p. 99, 1927.). Na seção “Imprensa Médica” encontrava-se também o artigo “Sobre a Frequencia dos vários signaes diagnósticos da meningite tuberculosa”, da doutora Agnese Coari (1927COARI, Agnese. “Frequência dos vários signaes diagnósticos da meningite tuberculosa”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 18, n. 7, p. 138, 1927.). Na Revista Médica de S. Paulo de 1905 publicou-se um resumo em português do artigo escrito por Marie de VILLEJUIF e Madeleine PELLETIER (1905)VILLEJUIF, Marie de; PELLETIER, Madeleine. “O soro marinho na terapêutica dos alienados”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 08, n. 14, p. 315, 1905., “O soro marinho na terapêutica dos alienados”, trabalho apresentado originalmente na Société de Biologie de Paris em 20 de maio de 1903.

Serve-nos de ponto de partida o artigo “Gravidez Hystérica”, de Judith Santos, publicado em duas partes na Revista Médica de São Paulo: em julho e agosto de 1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica (Continuação)”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 07, n. 16, p. 379-384, agosto de 1904b.. Nessa publicação, a médica descreveu cinco estudos de caso de mulheres que lhe procuraram em sua clínica no Rio de Janeiro alegando-se grávidas e queixando-se de fortes dores abdominais. Santos (1904a) considerou que:

São mais comuns do que se pensa os casos de gravidez falsa, autossugestiva ou fantástica em mulheres, de ordinário hystericas, impressionáveis ou que têm grande desejo ou receio de ter filhos. Para que entretanto essas manifestações tenham logar, parece, senão indispensável, muito frequente a existência de uma lesão somática do aparelho genital (p. 305).

Em relação ao primeiro caso, Judith Santos argumentou que a paciente já apresentava complicações uterinas anteriores e era estéril, até que “ultimamente agravaram-se seus sofrimentos; cansada de consultar médicos e tomar remédios, recorreu a um curandeiro que garantiu como todo o charlatão curá-la em pouco tempo da moléstia e da esterilidade, dando-lhe umas ervas para usar em chá e banhos” (1904a). Mais uma vez a crítica às práticas externas aos saberes médicos tornava-se presente no discurso, pois Judith Santos considerou que os curandeiros prometeriam resolver problemas sem solução, como engravidar uma mulher estéril, e tal sugestão, aliada às complicações uterinas, teria desencadeado um processo de histeria e, consequentemente, os sintomas de gravidez.

A estreita relação entre o estado emocional das enfermas e os problemas somáticos apresentados foi considerada pela médica tanto na descrição das doenças quanto nas diretrizes estabelecidas para o tratamento. As pacientes foram descritas ao longo do artigo tanto pelo viés de seus problemas pessoais, usualmente vinculados à saudade e perda de maridos ou filhos, quanto pelas observações anatômicas: inchaço abdominal, presença ou não de menstruação etc. Tal injunção de sintomas também se mostrava quando Judith Santos (1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica (Continuação)”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 07, n. 16, p. 379-384, agosto de 1904b.b) descrevia alguns tratamentos empreendidos:

Declarei a minha paciente que não havia gravidez e receitei-lhe uma poção anti-histérica. Dias depois tive notícias dela e soube que passava bem, que não sentia mais os movimentos fetais e que o ventre diminuíra de volume. A simples cessação da pseudo-prenez após o efeito sugestivo da minha afirmação categórica, ou o efeito medicamentoso, indica a procedência nervosa, deles, quer fossem reais, quer meramente subjetivos ou supostos os movimentos (p. 379).

Todas as pacientes citadas no artigo de Judith Santos foram enquadradas como portadoras de desordens psicológicas e ginecológicas mutuamente, como no seguinte exemplo: “a senhora de quem se trata procede de família neuropática, cuja tara se denuncia por numerosos casos de histeria compulsiva e estigmas diversos de degeneração; entretanto ela própria não tem tido manifestações dessa ordem” (SANTOS, 1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica (Continuação)”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 07, n. 16, p. 379-384, agosto de 1904b.b, p. 381).

Em relação a este tipo de abordagem das doenças ginecológicas, a antropóloga Fabíola Rohden (2009ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.) indica que a relação estabelecida entre patologias ‘de mulheres’ e desordens em seus órgãos reprodutivos foi muito frequente no discurso médico desde fins do século XIX até a metade do século XX:

Além disso, é significativo o número de teses que tratam de doenças como a histeria e a clorose. Estas duas perturbações, cujas definições se caracterizam pela fluidez dos sintomas e por sua associação com a vida sexual ou reprodutiva das mulheres, constitui um exemplo paradigmático de como a medicina tratava as ‘doenças femininas’. Ambas são apresentadas com base na noção, bastante frequente na época, de que desordens nos órgãos genitais poderiam gerar perturbações em toda a economia corporal feminina, causando inclusive problemas mentais (p. 113).

Outro aspecto importante deste artigo pode ser constatado no terceiro estudo de caso descrito por Judith Santos (1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica (Continuação)”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 07, n. 16, p. 379-384, agosto de 1904b.b), no qual uma jovem de vinte anos e recém-casada:

Conta que após 15 dias do casamento o marido saiu em viagem e ainda não voltou, facto que a torna triste e apreensiva. Diz que sente o ventre aumentado, a roupa apertada, tem vômitos biliosos pela manhã, extremo fastio, tudo lhe enjoa, não tem sido menstruada desde que se casou. Já consultou dois médicos que confirmaram a gravidez, mas não a examinaram por acanhamento dela (p. 380).

Ao longo das descrições empreendidas por Judith Santos, nota-se também que o pudor das pacientes no momento do exame médico não poucas vezes incorria em erros no diagnóstico, pois a maioria das mulheres atendidas por Santos havia procurado um médico anteriormente, e este lhe teria confirmado a gravidez.

Em contrapartida aos interesses da comunidade científica do período, os saberes e práticas de vizinhas e parteiras mostravam-se mais adequados às jovens do início do século XX, pois nesses casos o corpo era examinado e cuidado por outras mulheres. Em concordância com os apontamentos de Maria Lucia Mott (2005MOTT, Maria Lucia. “Gênero, medicina e filantropia: Maria Rennotte e as mulheres na construção danação”. Cadernos Pagu, n. 24, p. 41-67, 2005.), novamente percebemos que a ginecologia mostrou-se, nesse período, enquanto área permeável à atuação das médicas. Nesse sentido, as análises dos relatos de Judith Santos demonstram que a presença de mulheres especialistas em ginecologia seria estrategicamente interessante na superação dos embaraços que envolviam o exame clínico, possibilitando, assim, uma maior recepção das práticas médicas oficiais no exame dos corpos femininos que, não poucas vezes, preferiam os cuidados de vizinhas e comadres aos tratamentos empreendidos por médicos homens desconhecidos.

Ao longo do artigo observado, verifica-se que Santos (1904SANTOS, Judith. “Gravidez Hysterica (Continuação)”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene , v. 07, n. 16, p. 379-384, agosto de 1904b.b) não atuava sozinha na clínica em questão, pois, ao relatar seu quarto estudo de caso, colocou: “qual não foi sua decepção quando depois de um rápido exame de meu pai, lhe foi notificada a ausência completa de gravidez” (p. 380). Percebe-se, então, que o exercício dessa mulher na clínica médica pertencente ao pai poderia facilitar sua atuação e inserção profissional.

Outro artigo que aborda a questão da ginecologia é o “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”, de Carmen Escobar Pires, publicado nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia em dezembro de 1930PIRES, Carmen Escobar. “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 21, n. 12, p. 323-328, 1930.. Tal publicação inseria-se em um número especial da revista dedicado aos trinta anos de exercício profissional do médico e professor Rubião Meira.

Carmen Escobar Pires iniciava seu artigo colocando a raridade de publicações acerca das peritonites gonocócicas, mesmo frente ao número acentuado de casos: “E é considerando esta raridade que nos animamos a fazer, de público, a comunicação de mais dois casos que se verificaram - um na 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa, onde trabalhamos, outro na Maternidade, clínica particular do Dr. Ayres Netto” (PIRES, 1930PIRES, Carmen Escobar. “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 21, n. 12, p. 323-328, 1930., p. 323).

Ao longo desta publicação, a médica realizou balanço bibliográfico dos estudos da ação do gonococo, bem como de seu contágio, ponderando que:

A infecção do peritônio geralmente é favorecida pela menstruação, parto, puerpérios e abortos. Um dos casos que apresentamos foi favorecido pelo trabalho de parto e teve [como] agente patogênico exclusivamente o gonococco. Também têm valor certas influências mecânicas, como movimentos da doente, exames ginecológicos e manobras intra-uterinas, principalmente esta última causa, como verificamos, na outra nossa doente, em que a peritonite sobreveio após um aborto provocado (PIRES, 1930PIRES, Carmen Escobar. “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 21, n. 12, p. 323-328, 1930.).

Em ambos os casos relatados, as pacientes faleceram poucos dias após terem dado entrada nas maternidades. Em relação a esse aspecto, a médica argumentou que aquela enfermidade era facilmente confundida com infecções abdominais de outra ordem, que requereriam uma rápida intervenção cirúrgica. Nesse sentido, Pires (1930PIRES, Carmen Escobar. “Trabalho da 1ª clínica cirúrgica de Mulheres da Santa Casa de São Paulo (Serviço do Dr. Ayres Netto)”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 21, n. 12, p. 323-328, 1930.) destacou:

A tendência atual é para a abstenção operatória e há vários casos trazidos a público, curados sem intervenção cirúrgica. Mas como sabemos os sintomas nem sempre oferecem detalhes de diferença absolutamente seguros para que se possa firmar a natureza gonococcica da peritonite. Só quando há certeza absoluta é que podemos aconselhar o tratamento médico e geralmente a operação é feita antes do diagnóstico (p. 325).

Carmen Escobar Pires abordou de forma rápida o primeiro caso, no qual a paciente realizara um aborto dias antes de ser internada. Em meio a esse relato, a médica ressaltou, de antemão, o estado civil da paciente, que era solteira, porém se percebe que tal descrição não foi realizada no segundo caso, cedido pelo médico Ayres Netto, no qual a paciente havia dado a luz havia poucos dias e sofria de fortes dores abdominais.

Mais uma vez era colocada em cena a atuação de uma médica na área de ginecologia, no entanto, diferentemente do exemplo de Judith Santos, Carmen Pires não exerceu sua profissão em uma clínica particular próxima aos olhares familiares, mas sim na clínica cirúrgica de uma instituição. Novamente a questão da infecção em corpos de mulheres vinculava-se à boa manutenção de seus órgãos reprodutivos. Tais partes do corpo foram sempre colocadas em estado de atenção pelo saber médico que, em diálogo com o projeto político e sanitário em andamento, visava à garantia da boa manutenção do parto, da menstruação, bem como seria encarregado, ainda, de cuidar e vigiar casos de aborto e seus desdobramentos clínicos.

Entretanto, a temática da ginecologia não se mostrou única nos artigos publicados por mulheres. Nesse sentido, constam: “Alguns novos signaes de hemiplegia orgânica observações clínicas pela doutora Olga Bovero Caporali”, publicado nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia em novembro de 1914CAPORALI, Olga Bovero. “Alguns novos signaes de hemiplegia orgânica – observações clínicas pela doutora Olga Bovero Caporali”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 03, n. 05, p. 102-117, novembro de 1914.; e “Ureia do Sangue e sua significação physio-patológica”, publicação conjunta do médico Antônio Carini e da doutora C. Chiaves na Revista Médica de São Paulo, edição de agosto de 1912CARINI, Antônio; CHIAVES, C. “A Ureia no Sangue e sua Significação Fisio-patológica”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 15, n. 15, p. 295-299, agosto de 1912..

Em relação à primeira publicação, Olga Bovero Caporali propôs-se a estudar as hemiplegias de tipo orgânico, colocando como objetivo compreender o mecanismo físico e patológico desta enfermidade, dividindo seu estudo entre observação dos membros superiores e inferiores. Vê-se que essa médica se distanciou da temática da ginecologia, abordando as paralisias musculares - hemiplegias - de tipo orgânico que se diferenciavam das paralisias consideradas oriundas da histeria. Nesse sentido, dentre a vasta bibliografia mobilizada, Caporali (1914) citou os estudos de Joseph Babisnki - discípulo de Jean-Martin Charcot:

O próprio Babinski e outros autores descreveram uma série de novos sintomas que se encontram nos doentes de paralisia orgânica e não nos histéricos. De alguns desses sintomas quis ocupar-me, não para estudá-los como sintomas diferenciais entre as duas espécies de hemiplegia, [...] mas sim para conhecer a sua frequência nos casos de paralisia orgânica e para compreender seu mecanismo físico-patológico (p. 102).

Logo no início de seu artigo, a médica informava onde havia realizado os estudos apresentados: “A maioria dos casos examinados pertence ao ambulatório da clínica Neuro-Patológica de Turin, no qual efetuei meu trabalho” (CAPORALI, 1914, p. 103). Mais uma vez percebemos a atuação profissional de uma médica fora do consultório ou da clínica particular, porém, diferentemente dos demais casos apresentados, Caporali demonstra sua atuação na área de neurologia.

Ao relatar sua experiência clínica, Olga Bovero Caporali não identificava o histórico, a procedência ou o sexo de seus pacientes; ela mencionava apenas as partes do corpo dos enfermos - pernas e braços - submetidas a alongamentos e exercícios. Os resultados obtidos nesse estudo também foram relatados ‘em números’, sobre o prisma epidemiológico, ou seja, a autora não propôs métodos de tratamento, apenas relacionou os dados relatados com a bibliografia em questão: “O fenômeno de Neri é bastante mais raro (10 casos sobre 19) e sempre me apareceu pouco evidente” (1914, p. 114). No final dessa publicação, a médica colocou claramente seu objetivo: viabilizar suas observações clínicas frente à conformação de um saber científico que definisse as diferenças entre os sintomas das hemiplegias de tipo orgânico e aquelas de tipo histérico (CAPORALI, 1914):

Nem serve recorrer ao auxílio da anamnese porque, naturalmente, nem o doente nem sua família sabem dizer coisa alguma do comportamento dos reflexos, do pulso, da temperatura, durante aquele acesso que pode ter sido um ictus apopléticus8 8 A médica utiliza o termo ictus appléticus para conceituar o que hoje se conhece como acidente vascular cerebral. ou um acesso histérico. Nestes casos, pois, a pesquisa dos sintomas, que lembrei no presente trabalho, pode ser um auxílio valioso para afirmar o diagnóstico de hemiplegia orgânica ou de hemiplegia hystérica (p. 116).

Esta publicação de Olga Bovero Caporali abordou aspectos que na época figurariam na especialidade da neurologia, assim como seu estudo “Mongolismo”, citado anteriormente. Porém, diferentemente do trabalho anterior, apresentado à Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em setembro de 1917, Caporali abordou uma enfermidade desvinculada do corpo infantil e, para tanto, deveria apresentar outras estratégias discursivas.

Da mesma forma, em outro artigo, publicado conjuntamente pela médica C. Chiaves e pelo médico Antônio Carini, “Ureia do Sangue e sua significação physio-patológica”, também não foi abordada a questão dos cuidados com mulheres e crianças. Neste artigo eram citados somente dados químicos sobre a proporção de ureia nos sangues coletados e analisados. Essa publicação era resultado de pesquisas realizadas no Instituto Pasteur, demonstrando novamente a presença de médicas em grandes instituições de saúde pública e da medicina paulista daquele momento.

Ao longo desse artigo, conforme citado, o histórico dos pacientes também não foi colocado em questão, havendo apenas descrições sobre a coleta de urina e sangue: Dez minutos mais tarde aplicam-se no paciente duas ventosas escarificadas de modo a recolher quase 40 gramas de sangue. Depois de uma meia hora do começo da experiência, recolhem-se com cuidado as urinas que se acumularam na bexiga, marcando exatamente o tempo” (CARINI; CHIAVES, 1912CARINI, Antônio; CHIAVES, C. “A Ureia no Sangue e sua Significação Fisio-patológica”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 15, n. 15, p. 295-299, agosto de 1912., p. 298). Tal perspectiva - assim como aquela apresentada acima por Caporali - estava de acordo com uma mudança mais ampla que ocorria na medicina naquele momento, segundo a qual o lugar do laboratório na prática médica passaria a alterar com cada vez mais frequência o tipo de intervenção a que o paciente viria a ser submetido. Logo, a medicina à beira do leito passaria a dar lugar a uma prática cada vez mais afastada do corpo humano e exercida nos laboratórios (SILVA, 2014SILVA, Márcia Regina Barros. O laboratório e a República: saúde pública, ensino médico e produção de conhecimento em São Paulo (1891-1933). Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPESP, 2014.).

Esse distanciamento dos corpos dos pacientes foi estrategicamente evocado nos artigos publicados por mulheres fora das temáticas da ginecologia e pediatria - ou mesmo naqueles que abordaram enfermidades ligadas aos órgãos sexuais. Mais um exemplo desta postura foi colocado em cena no artigo “Tellurio novo elemento agindo curativamente na syphilis”, publicado conjuntamente por Constantin Levaditi, Madame Nicolau e Mademoiselle Manin (LEVADITI et al., 1927LEVADITI, Constantin; NICOLAU, Madame; MANIN, Mademoiselle. “Tellurio novo elemento agindo curativamente na syphilis”. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, v. 18, n. 5, p. 99, 1927.). Tal publicação abordou a questão da sífilis analisando a ação de um composto químico em sua possível cura, não relatando, contudo, nenhum dado acerca dos pacientes, nem mesmo o histórico dos enfermos.

Outro argumento que pode contribuir para esse entendimento encontra-se no trabalho de Lilia Blima Schraiber (1997SCHRAIBER, Lilia Blima. “Histórias de médicos: vida de trabalho entre a prática liberal e a medicina tecnológica”. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 4, n. 2, p. 345-363, 1997.). Ao buscar novas reflexões acerca do exercício da prática médica em um período próximo ao estudado aqui, esta pesquisadora realizou diversas entrevistas com médicos e médicas que haviam se formado entre os anos de 1930 e 1955. Em meio aos entrevistados, destaca-se a presença de Emília,9 9 Lília Blima Schraiber não revelou o nome completo da médica entrevistada, referindo-se a ela apenas como Emília. formada em 1931 pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Essa médica, ao descrever sua formação científica, narrou:

Quando cursávamos anatomia, o professor era o Bovero. Era um grande professor contratado no estrangeiro. Então ele dizia: ‘Na semana que vem, as moças não vêm à aula, porque nós vamos dar órgãos genitais masculinos’. O Flamínio Fávero depois dizia: ‘Na semana que vem, as moças não vêm à aula, porque nós vamos dar moléstias... desvios da sexualidade’ (SCHRAIBER, 1996, p. 347).

A mesma entrevistada também indicou as interdições que envolviam a atuação das médicas: “Para começar, médica, mesmo clínica geral, não examinava homem” (SCHRAIBER, 1996). Desta forma, consideramos que as mulheres, ao se vincularem à perspectiva laboratorial, campo em expansão no universo médico, demonstravam a adoção de um comportamento estratégico. O recurso ao laboratório seria mais um espaço que possibilitaria às mulheres médicas exercerem sua profissão, ainda mais em enfermidades que envolvessem corpos masculinos ou questões sexuais, como era o caso da sífilis.

Por meio da análise de artigos publicados por mulheres nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia e na Revista Médica de São Paulo, percebe-se que as questões de gênero presentes no meio científico paulista não se mostravam apenas nas temáticas escolhidas pelas pesquisadoras, mas também na forma como as enfermidades eram abordadas e explanadas nas publicações. Observou-se que não eram apenas as áreas da pediatria e da ginecologia que serviam de especialidades de estudo e trabalho para as médicas, pois apenas nos escritos de Carmen Escobar Pires e Judith Santos, por exemplo, a saúde da mulher constitui o tema central. Esses dois artigos abordam a ginecologia por meio de concepções universalistas sobre o comportamento e o corpo das mulheres, evocando a sensibilidade e a maternidade como características a serem mantidas em equilíbrio por meio de uma ‘boa gestão’ dos órgãos reprodutivos femininos.

Coloca-se que as publicações que abordavam a ginecologia continham o histórico das pacientes e os exames clínicos realizados, enquanto que nos demais artigos as análises das enfermidades, os métodos de cura e tratamento relatados não demonstravam a existência de contato corporal das médicas com pacientes homens. Tal distanciamento coloca-se estrategicamente em conformidade com a expansão de uma prática médica que se realizaria mais afastada no corpo do paciente, baseando-se na análise dos dados coletados e não em uma relação de proximidade com o corpo enfermo. Ao longo da análise desses artigos percebeu-se que tal postura científica poderia apontar uma brecha à atuação de mulheres fora da ginecologia e pediatria, pois a análise de dados laboratoriais amenizaria o tabu da proximidade de uma mulher cientista com corpos masculinos.

Leituras da presença feminina no ensino superior em saúde

A entrada de mulheres no ensino superior em saúde foi especialmente discutida na Revista Médica de São Paulo. Esses artigos abordaram, principalmente, a utilidade na formação de mulheres em enfermagem, farmácia e odontologia. O primeiro artigo encontrado sobre o tema foi publicado na Revista Médica de São Paulo, escrito por Moisés Amaral (1906AMARAL, Moisés. “A profissão de enfermeira. A necessidade de difundir-se seu ensino”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 06, p. 112-118, 1906.), e intitulado “A profissão de enfermeira. A necessidade de difundir-se seu ensino”. A este se seguiram mais dois artigos sobre o mesmo tema: “A mulher nas escolas superiores”, de Victor Godinho (1906GODINHO, Victor. “A mulher nas escolas superiores”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 10, p. 201-205, 1906.), e trechos de discursos compilados no artigo “Escola de Pharmacia” (ESCOLA, 1907).

O artigo de Moisés Amaral, publicado em março de 1906AMARAL, Moisés. “A profissão de enfermeira. A necessidade de difundir-se seu ensino”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 06, p. 112-118, 1906., exaltava a importância de instituições de ensino superior voltadas especificamente à enfermagem. Destacamos que este trabalho teve como coautora a médica argentina Cecíclia Grieson e fora originalmente apresentado no 2º Congresso Médico Latino-Americano, realizado em Buenos Aires, em 1904 (ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Marta de. Das Cordilheiras dos Andes à Isla de Cuba, passando pelo Brasil: os congressos médicos latino-americanos e brasileiros (1888-1929). 2003. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo., p. 135).

Moisés Amaral considerava que a ausência de profissionais diplomados abria espaço à ação de pessoas não regularmente habilitadas, argumentando que “pela absoluta carência de cuidadores entendidos, o público viu-se na necessidade de recorrer a certos praticantes dos hospitais. Alguns desses que prestaram atenção à recomendação dos médicos adquiriram tal perícia que lhes deu um verdadeiro renome” (AMARAL, 1906AMARAL, Moisés. “A profissão de enfermeira. A necessidade de difundir-se seu ensino”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 06, p. 112-118, 1906., p. 115).

Ao longo de sua publicação, Amaral (1906AMARAL, Moisés. “A profissão de enfermeira. A necessidade de difundir-se seu ensino”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 06, p. 112-118, 1906.) destacou a importância de se abastecer as escolas de enfermagem com alunas, baseando seu argumento na concepção de que as mulheres teriam habilidades naturais voltadas ao cuidado e altruísmo:

Acreditou-se sempre, e não sem razão, que a mulher era a chamada a velar ao lado do leito dos enfermos e a contribuir com sua paciência, com sua abnegação e sua suavidade ao êxito das prescrições médicas. Quem melhor do que o anjo do lar, com sua sensibilidade esquisita, com sua caridade inesgotável saberá encontrar o consolo para as dores humanas? À mulher cabe mais propriamente e por muitos títulos consagrar-se a esta nobre e humanitária profissão de enfermeira (p. 113).

Percebe-se novamente o estímulo dos setores médicos para que mulheres ocupassem funções antes exercidas por leigos, assim como exercessem atividades consideradas semelhantes àquelas desempenhadas nos recônditos do lar. No decorrer do artigo, a formação de enfermeiras foi citada tanto como opção à formação e instrução de moças das camadas urbanas em crescimento, quanto como estratégia do setor médico para exercer uma tutela cada vez maior às atividades e saberes desempenhados nos hospitais.

Conforme discutimos anteriormente, a proximidade entre as políticas públicas, expansão da influência dos saberes médicos e a manutenção da saúde em geral compunham um importante dispositivo10 10 Dispositivo está sendo usado segundo a abordagem de Michel FOUCAULT (2012), para quem o dispositivo não tem uma materialidade estabelecida ou objetos privilegiados, constituindo-se, assim, enquanto conjunto heterogêneo e relacional que baseia – e perpetua – um campo de saber específico. de governo no período republicano. Tal aspecto pode ser percebido quando Moisés Amaral mencionou como os conhecimentos científicos deveriam ser ministrados às enfermeiras em formação, enfatizando que as alunas não deveriam desenvolver saberes que as levassem a assumir a dianteira nas práticas de cura do paciente, realçando a função desta profissional como auxiliar do médico.

De acordo com o autor, a escola de enfermagem deveria vigiar as práticas e interesses das alunas, não lhes fornecendo grande carga de discussão teórica, a fim de garantir a posição subalterna que essas profissionais deveriam ocupar na hierarquia corporativa nos centros de saúde:11 11 Tal tipo de indicação será uma constante quando da criação do primeiro curso superior de enfermagem em São Paulo (ver em SILVA, 2003, p. 161-169).

Não se deve criar uma classe híbrida de semi-médicos, semi-cirurgiões, e semi-parteiras; mas deve-se formar ao lado dos médicos, dos cirurgiões e dos tocólogos uma falange, tão preciosa como indispensável, de ajudantes ilustrados, e incutir-lhes uma instrução técnica capaz, graças ao ensino estritamente apropriado, de sorte que elas possam estar em toda parte e sempre à altura de sua profissão (AMARAL, 1906AMARAL, Moisés. “A profissão de enfermeira. A necessidade de difundir-se seu ensino”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 06, p. 112-118, 1906., p. 116).

A fim de estimular, nos termos citados acima, a formação de enfermeiras, o autor mencionou ações de personagens célebres como Florence de Nightingale. Tanto as palavras elogiosas de Moisés Amaral à Nightingale, quanto aquelas referentes à paciência, abnegação e suavidade ‘femininas’ relacionavam-se, novamente, às considerações de que as mulheres teriam características inatas voltadas ao cuidado e ao auxílio. Ao longo dessa publicação, Amaral deixou claro que as habilidades consideradas femininas seriam interessantes para se conformar uma auxiliar ilustrada, resignada e que não interferisse na hierarquia profissional - encabeçada pelo médico - cujo fortalecimento era visado.

Há outros dois momentos em que as aptidões consideradas ‘naturalmente femininas’ aparecem como elogio à atuação profissional de mulheres: o primeiro, no artigo publicado em maio de 1906, denominado “A Mulher nas Escolas Superiores”, de Victor Godinho, e o segundo, “Escola de Pharmácia” - publicado na seção “Notícias” em janeiro de 1907. Os dois artigos constituíam discursos proferidos pela ocasião das seguintes premiações: Prêmio Braulio Gomes e Prêmio Revista Médica.

O artigo “A Mulher nas Escolas Superiores”, de Victor Godinho, resultou do discurso de entrega do Prêmio Braulio Gomes à farmacêutica Leonor da Costa, em maio de 1906. Nele Godinho abordou a questão das mulheres nas instituições de ensino superior de maneira mais tolerante, não indicando uma hierarquização dos conhecimentos que deveriam ser transmitidos às alunas, mas comentando a grande concentração de mulheres na Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo:12 12 Cabe destacar a Escola de Pharmacia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo enquanto espaço de ensino que se mostrou permeável à presença de mulheres. Tal dinâmica pode ser observada nos discursos de fundação da escola (1898-1899), nos quais se falava abertamente sobre as vantagens que a presença de alunas traria à instituição. Ver Isabella Bonaventura de OLIVEIRA (2016). “Nesses oito anos escolares temos tido matriculados 1721 alunos, dos quais 309 no sexo feminino” (GODINHO, 1906GODINHO, Victor. “A mulher nas escolas superiores”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 10, p. 201-205, 1906., p. 204).

O autor também destacou o interesse demonstrado pelas mulheres das camadas urbanas nos estudos de ciência (GODINHO, 1906GODINHO, Victor. “A mulher nas escolas superiores”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 10, p. 201-205, 1906.):

Nós bem sabíamos que as senhoras de hoje não se conformam mais com o papel secundário que por tanto tempo tiveram na esfera da intelectualidade, mas estávamos longe de supor que fosse tão acentuada a sede de conhecimento das moças do nosso meio social. A grande presença delas é uma das funções características da Escola de Farmácia de São Paulo (p. 201).

Tal consideração dialoga com as proposições de Mônica Raissa Schpun (1997SCHPUN, Mônica Raissa. Les Années Folles à São Paulo: Hommes et Femmes au temps de La explosion urbaine (1920-1929). Paris: Éditions L’Harmattan, 1997.) acerca do crescente interesse de mulheres das camadas médias urbanas em se tornarem profissionais. A historiadora considera que a aquisição de “determinados” conhecimentos e a obtenção de uma profissão liberal tornavam tais mulheres não apenas mais atrativas ao casamento, como à convivência urbana por sua circulação em cafés e saraus, leitura de romances e folhetins etc.

Victor Godinho, assim como Moisés Amaral, exaltou, em seu discurso, as ‘grandes figuras femininas’ do passado e destacou suas qualidades: Elas puderam conduzir com bravura exércitos ao campo da vitória, como Joana D’arc, ao subir ao patíbulo com a altivez de Maria Antonieta. E se elas podiam afrontar até a morte porque não poderiam ter o heroísmo de lutar pela vida, como os homens, em todos os ramos da atividade humana? (GODINHO, 1906GODINHO, Victor. “A mulher nas escolas superiores”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 10, p. 201-205, 1906., p. 202). O autor ainda enalteceu as trajetórias e conquistas das mulheres em relação ao acesso à educação superior, citando diretamente as escolas médicas norte-americanas e inglesas.

Embora Godinho (1906GODINHO, Victor. “A mulher nas escolas superiores”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 10, p. 201-205, 1906.) tenha mencionado exemplos de mulheres envolvidas em ações guerreiras e políticas, as questões do desprendimento, bondade e maternidade novamente aparecem como características inerentes a qualquer atuação das mulheres. E novamente o destaque voltava-se às grandes mães e esposas da história:

A história ainda glorificou Lucrecia, a esposa fiel e Cornélia a mãe venturosa, cuja aventura consistiu em rejeitar um trono oferecido por Ptolomeu para dedicar toda sua solicitude na educação de seus filhos, fazendo deles cidadãos dos mais prestantes da antiga Roma. Mas hoje apesar de todas as senhoras serem Lucrécias e Cornélias, não conseguem mais atravessar os umbrais da imortalidade.

A questão da presença de mulheres no ensino superior também esteve presente no artigo Escola de Pharmácia, de 1907ESCOLA de Pharmácia. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 10, n. 01, p. 16-18, 1907.. Tal artigo, publicado na seção Notícias, relatou de forma sintética a solenidade de entrega dos prêmios Bráulio Gomes e Revista Médica, entregues respectivamente à farmacêutica Alice Teixeira e à dentista Beatriz Miranda de Azevedo naquele ano.

Dentre os votos de parabéns e sucesso às premiadas, destacou-se a fala do bacharel Buarque de Holanda. Este farmacêutico citou a inteligência como uma qualidade comum a homens e mulheres, não variando conforme o gênero. Contudo, Holanda também enfatizou a existência de qualidades específicas - e inerentes - às mulheres, colocando que

a evolução da sociedade veio a provar que a inteligência é um privilégio sim, mas da espécie humana e igualmente distribuída entre os sexos. Como, porém, a fraqueza é uma força e a bondade, só ela torna grandes os feitos humanos, é claro que há um grande déficit no orçamento pouco generoso dos homens e um saldo evidente no de suas dignas companheiras (HOLANDA In ESCOLA, 1907, p. 17-18).

Percebe-se que nenhum dos artigos aborda a presença da mulher na medicina, discutindo-se apenas a entrada de alunas em cursos como enfermagem, farmácia e odontologia. Os discursos citados acima relacionam a entrada feminina nas profissões da área da saúde às categorias do cuidado com o paciente, desprendimento e sensibilidade, ou seja, qualidades que não se confrontam com a condição feminina na dinâmica doméstica e familiar, endossando-a. Victor Godinho enaltecia os atributos maternais como enriquecedores à prática médica. Segundo ele, as mulheres envolvidas no ensino superior “sentiram que podiam acrescer os predicados do cultivo intelectual às suas qualidades de esposas carinhosas e de mãe solícitas” (GODINHO, 1906GODINHO, Victor. “A mulher nas escolas superiores”. Revista Médica de São Paulo: Jornal Prático de Medicina, Cirurgia e Hygiene, v. 09, n. 10, p. 201-205, 1906., p. 203). Em contrapartida, Moisés Amaral mostrou-se mais vigilante aos possíveis problemas que a entrada de mulheres no campo de saber da enfermagem poderia acarretar à ordem corporativa do hospital, ressaltando que as enfermeiras deveriam resignar-se a perpetuar as ordens delegadas pelo médico, real portador do saber hospitalar.

Apontamentos finais

Ao longo deste artigo, tanto a Revista Médica de S. Paulo quanto os Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia foram analisados na tentativa de pontuar de que maneira as questões de gênero estiveram presentes na imprensa médica paulista da Primeira República. Tais aspectos foram acompanhados nos artigos escritos por médicas, nos debates sobre a entrada de mulheres no ensino superior, assim como nos artigos que abordaram a participação de mulheres em grupos de pesquisa científica e, particularmente, nos primórdios das políticas higienistas, em instâncias como a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, a Liga Paulista Contra a Tuberculose e o Primeiro Congresso Médico Paulista.

Verificou-se, em um primeiro momento, que a circulação de mulheres nos espaços da ciência paulista esteve permeada pelo discurso de exaltação às suas “habilidades domésticas” e a ações vinculadas ao lar - junto às crianças e outras mulheres. Ao longo dos artigos analisados, ressalta-se que características como cuidado, delicadeza, maternidade e sensibilidade passaram a ser estimuladas como uma forma de contribuição das ‘mulheres’ - consideradas enquanto grupo homogêneo e biologicamente determinado - às atividades profissionais vinculadas à saúde. Tal aspecto apresenta-se, por exemplo, nas ações desempenhadas pela Comissão de Senhoras da Liga Paulista Contra a Tuberculose, setor reservado à atuação de mulheres e que visava, dentro do projeto político higienista apoiado pela Liga, à proteção e ao cuidado de crianças pobres, filhas de doentes assistidos nas instituições existentes.

Tanto quanto apontado pela bibliografia, observamos aqui também como as habilidades consideradas “naturalmente femininas” foram colocadas a serviço do projeto republicando, acrescido, no caso da medicina, à expansão de um saber científico sobre as dinâmicas sociais e sobre cuidados com a saúde da criança e da mulher. Sendo assim, tanto o estímulo à presença de mulheres em profissões vinculadas à saúde, quanto em órgãos de benemerência, visava à propagação dos saberes médicos e higiênicos que, além de se colocarem como contraponto aos conhecimentos populares em circulação, também inauguravam o acesso aos serviços oferecidos neste momento de início da assistência médico-hospitalar.

Por outro lado, percebe-se também que as pesquisas publicadas por médicas na Revista Médica de São Paulo e nos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, além de abordarem temas relacionados à ginecologia e enfermidades em crianças - como era de se esperar por sua proximidade com o ambiente doméstico - também discutiam questões relativas a uma variedade de doenças, tais como as doenças nervosas, renais, e aquelas vinculadas à tuberculose e, em alguns casos, a questão da sífilis, contribuindo, assim, às discussões do período ligadas ao crescimento urbano e suas mazelas.

Tais temáticas foram abordadas pelas médicas em concordância com o novo posicionamento médico científico que tinha como objetivo se formar no período, o da medicina de laboratório, a qual se mostrou nos artigos como um instrumento estratégico. Desta forma, as médicas conseguiram fazer circular na imprensa especializada estudos que não se vinculavam apenas à saúde feminina e infantil, mantendo, por outro lado, uma “respeitosa distância” da publicação de resultados de exames que poderiam ser considerados indiscretos. Nesse sentido, o tabu da relação de uma médica com um corpo masculino, ou doenças venéreas, poderia ser contornado por meio da explanação de dados laboratoriais, considerados neutros, ou desprovidos de sexualidade. Embora as pesquisas encaminhadas no espaço do laboratório - distanciadas dos corpos dos pacientes - se baseassem em uma perspectiva de neutralidade, elas tampouco se mostraram alheias às questões de gênero colocadas em seu período histórico, pois favoreceram a circulação das médicas por outras temáticas - além da ginecologia e pediatria.

Finalmente, mesmo que o número de mulheres possíveis de acompanhar nesse universo seja ainda muito pequeno, percebeu-se que sua circulação nos debates científicos paulistas entre 1898 e 1930 estava fortemente imbricada à proposta de expansão da influência do saber médico nas práticas de cura e no estímulo para que tais mulheres também se tornassem veículos de propagação desses saberes - tanto junto às famílias brasileiras, quanto no atendimento de pacientes no espaço hospitalar. Ressalta-se que, embora a temática da ginecologia e da pediatria estivesse presente em diversos momentos em que as mulheres aparecem no periodismo científico, as médicas não se restringiram a esses campos de atuação, na medida que essas profissionais mobilizaram estratégias discursivas, e o próprio ethos da neutralidade do laboratório, para conseguirem publicar seus estudos nos espaços científicos mais importantes daquele momento.

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  • 1
    A Revista Médica de São Paulo foi consultada na íntegra, entre os anos de 1889 e 1914, e pode ser encontrada na biblioteca da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
  • 2
    Dos Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia, de circulação entre 1914 e 2003, foram consultados os fascículos relativos ao período entre 1914 e 1930. Esta publicação encontra-se disponível na biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP).
  • 3
    São exemplos de espaços científicos criados nesse período: o novo hospital da Santa Casa de Misericórdia (1885), o Serviço Sanitário de São Paulo (1892), a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1895), a inauguração da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1912) e a Escola Paulista de Medicina (1933) (SILVA, 2007SILVA, Márcia Regina Barros. “O processo de urbanização paulista: a medicina e o crescimento da cidade moderna”. Revista Brasileira de História, v. 27, n. 53, 2007, p. 243-266.).
  • 4
    Cabe destacar que os debates parlamentares, na passagem para o século XX, dispensaram atenção ao ensino básico, sendo o ensino superior menos discutido e alvo de maiores controvérsias e disputas de poder (SILVA, 2014).
  • 5
    Sobre o tema, ver também Patrícia de FREITAS (2008FREITAS, Patrícia de. “‘A mulher é seu útero’. A criação da moderna medicina feminina no Brasil”. Antíteses, v. 1, n. 1, p. 174-187, 2008.).
  • 6
    Estudos como os de Marta de ALMEIDA (2003) apontam os diálogos entre a instalação do regime republicano e a maneira como os médicos, suas instituições e eventos se inseriram nessa nova realidade política. A autora cita, mais precisamente, os desafios que circundaram a realização de outro encontro, o Terceiro Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia (1900): “O sonho estava semeado, mas para se inserirem na nova ordem política e social, buscaram alianças e cargos públicos, principalmente aqueles ligados à administração sanitária e à direção de estabelecimentos como hospitais, faculdades e institutos” (p. 215).
  • 7
    Os artigos citados se constituem na totalidade de artigos assinados por mulheres nos dois periódicos médicos paulistas em todos os anos consultados.
  • 8
    A médica utiliza o termo ictus appléticus para conceituar o que hoje se conhece como acidente vascular cerebral.
  • 9
    Lília Blima Schraiber não revelou o nome completo da médica entrevistada, referindo-se a ela apenas como Emília.
  • 10
    Dispositivo está sendo usado segundo a abordagem de Michel FOUCAULT (2012FOUCAULT, Michel. “Capítulo XVI sobre a história da sexualidade”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2012. p. 243-276.), para quem o dispositivo não tem uma materialidade estabelecida ou objetos privilegiados, constituindo-se, assim, enquanto conjunto heterogêneo e relacional que baseia – e perpetua – um campo de saber específico.
  • 11
    Tal tipo de indicação será uma constante quando da criação do primeiro curso superior de enfermagem em São Paulo (ver em SILVA, 2003SILVA, Márcia Regina Barros. Estratégia da ciência: a história da Escola Paulista de Medicina (1933-1956). Bragança Paulista: EDUSF, 2003., p. 161-169).
  • 12
    Cabe destacar a Escola de Pharmacia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo enquanto espaço de ensino que se mostrou permeável à presença de mulheres. Tal dinâmica pode ser observada nos discursos de fundação da escola (1898-1899), nos quais se falava abertamente sobre as vantagens que a presença de alunas traria à instituição. Ver Isabella Bonaventura de OLIVEIRA (2016OLIVEIRA, Isabella Bonaventura de. “Pensar relações não-inocentes: Farmácia e Odontologia em São Paulo por um viés de gênero (1985-1906)”. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 11, n. 01, p. 200-213, 2016.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2016
  • Revisado
    17 Abr 2017
  • Aceito
    28 Ago 2017
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