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“Estará nas pílulas anticoncepcionais a solução?” Debate na mídia entre 1960-1970

"Is the Birth Control Pills the Solution?" Media Debate Between 1960-1970

Resumo:

O artigo apresenta o debate social sobre pílulas anticoncepcionais, veiculado em O Globo, nos anos 1960 e 1970. Realizamos uma pesquisa sócio-histórica, utilizando o método de estudo de controvérsias. A segurança e a oportunidade dessas tecnologias no Brasil foram as principais questões dos conflitos que envolveram médicos, Igreja, autoridades públicas e entidades de planejamento familiar. Após anos de ambiguidade, o Estado entra efetivamente no debate e, recuperando a ideia de “paternidade responsável”, difundida pela Igreja Católica, contribui para a estabilização das controvérsias. O centro dos debates se desloca de questões malthusianas para uma perspectiva neomalthusiana liberal-conservadora que relaciona o direito de decidir sobre a prole e à responsabilidade moral e cívica de limitar o número de filhos àquele que se possa criar.

Palavras-chaves:
contraceptivos orais; pílula anticoncepcional; planejamento familiar; controvérsias; mídia

Abstract:

The article presents the social debate on birth control pills, broadcast in O Globo, in the 1960s and 1970s conducted research historical partner, using the controversial study method. Safety and opportunity the spread of this technology in Brazil were the main issues of conflicts involving doctors, church, public authorities and family planning organizations. After years of ambiguity, the State enters the debate effectively and recovering the Catholic idea of "responsible parenthood", contributes to stabilization of controversies. The center of the debate moves from Malthusian issues for a liberal-conservative neo-Malthusian perspective that speaks of the right to decide on the offspring and the moral and civic responsibility not to have more children than those who can create.

Key words:
Oral Contraceptives; Birth Control Pill; Family Planning; Controversy; Media

Introdução

No início do século XX, a hipótese da existência de secreções internas que regulariam quimicamente o organismo, levantada no século anterior por alguns fisiologistas, começava a se materializar. Em 1905, o fisiologista britânico Ernst Starling introduziu o conceito de “hormônios” como mensageiros químicos, substâncias que seriam produzidas por determinados órgãos e, circulando pela corrente sanguínea, exerceriam seus efeitos regulatórios sobre outros órgãos. Não tardou para que se chegasse ao conceito de “hormônios sexuais”, com o reconhecimento de que as gônadas masculinas e femininas também produziam tais secreções. Em centros de pesquisa europeus, nas décadas de 1920 e 1930, os hormônios sexuais foram identificados e sintetizados. Uma associação sem precedentes do mundo científico, com a indústria farmacêutica, possibilitou o desenvolvimento e produção em larga escala de produtos de base hormonal, que foram comercializados como drogas para tratamentos de condições diversas - desordens menstruais, infertilidade, menopausa, impotência - e, finalmente, para controle da fecundidade feminina (Elizabeth WATKINS, 1998WATKINS, Elizabeth Siegel. On the Pill: A Social history of oral contraceptives, 1950-1970. JHU Press: Baltimore and London, 1998.; Nelly OUDSHOORN, 1994OUDSHOORN, Nelly. Beyond the natural body. An archeology of sex hormones. London and New York: Routledge, 1994.).

Nos Estados Unidos, na década de 1950, uma coalização que reuniu cientistas, ginecologistas, feministas, filantropos e indústria farmacêutica empreendeu esforços para o desenvolvimento de um contraceptivo hormonal oral e, em 1960, o órgão americano Food and Drug Administration (FDA) autorizou a comercialização da primeira marca de pílula anticoncepcional, o Enovid ®. Apresentada como o primeiro método de controle da fecundidade elaborado com base na fisiologia da reprodução e com garantia de eficácia superior a 90% - maior do que qualquer outro método conhecido até o momento -, a “pílula” foi considerada uma inflexão na história da anticoncepção e, rapidamente, se difundiu pelo mundo, tornando-se um dos principais recursos utilizados pelas mulheres para evitar gravidez (WATKINS, 1998WATKINS, Elizabeth Siegel. On the Pill: A Social history of oral contraceptives, 1950-1970. JHU Press: Baltimore and London, 1998.).

As pílulas anticoncepcionais já circulavam no mercado brasileiro, pelo menos, desde 1962 (Pamella Liz Nunes PEREIRA, 2016PEREIRA, Pamella Liz Nunes. Os discursos sobre a pílula anticoncepcional na revista Cláudia no período de 1960 a 1985. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências). Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.; Joana Maria PEDRO, 2003PEDRO, Joana Maria. “A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 239-260, julho. 2003.), embora, na época, a Lei de Contravenções Penais proibisse anunciar produtos destinados a provocar o aborto ou evitar a gravidez e prevalecessem normas pró-natalistas (Délcio FONSECA SOBRINHO, 1993FONSECA SOBRINHO, Délcio. Estado e população: uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1993.). Anunciadas como reguladores de ciclos e indicadas para tratamento de desordens ginecológicas, houve uma rápida e ampla difusão dessas drogas: em 1966, cerca de 6 milhões de cartelas foram vendidas e, em 1974, 38 milhões; o número de laboratórios produtores de anticoncepcionais no país aumentou de quatro, em meados da década de 1960, para 16, em 1975 (Raimar RICHERS e Eduardo Buarque de ALMEIDA, 1975RICHERS, Raimar; ALMEIDA, Eduardo Augusto Buarque de. "O planejamento familiar e o mercado de anticoncepcionais no Brasil." Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 15, n. 4, p. 07-21, jul/ago. 1975.); em 1986, 50% de todas as mulheres brasileiras entre 15 e 44 anos e 62% das que viviam em união já haviam utilizado pílulas em algum momento da vida (BEMFAM, 1987BEMFAM. Pesquisa Nacional sobre Saúde Materno-infantil e Planejamento Familiar - 1986. Brasil, 1987.).

Nas décadas de 1960 e 1970, o país foi marcado pelo autoritarismo político (ditadura militar), por mudanças socioeconômicas e culturais significativas, com aceleração dos processos de industrialização e urbanização, incremento da participação das mulheres no mercado de trabalho, aumento da escolaridade geral e feminina, e pelo boom da indústria farmacêutica multinacional.1 1 A partir dos anos de 1950, uma política econômica desenvolvimentista e liberal propiciou a abertura do mercado farmacêutico nacional a empresas estrangeiras, acelerou a entrada de laboratórios farmacêuticos multinacionais no país e provocou uma desnacionalização desse setor da indústria (José Gomes TEMPORÃO, 1986; Jacob FRENKEL et al, 1978). À época, a maioria da população não tinha acesso a serviços de saúde, as taxas de fecundidade eram elevadas, assim como as de mortalidade materna e infantil. Foi nesse contexto que as pílulas anticoncepcionais foram introduzidas, difundindo-se por intermédio de entidades privadas de planejamento familiar, consultórios médicos privados e balcões das farmácias (Cristiane Vanessa da SILVA, 2017SILVA, Cristiane Vanessa da. Histórias de utilização de pílulas anticoncepcionais no Brasil, na década de 1960. 2017. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.; PEREIRA 2016PEREIRA, Pamella Liz Nunes. Os discursos sobre a pílula anticoncepcional na revista Cláudia no período de 1960 a 1985. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências). Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. e PEDRO, 2003).

As preocupações mundiais com o crescimento populacional, que emergiram em meados do século XX, e a pressão internacional pela adoção de políticas de controle demográfico em desenvolvimento, também se fizeram sentir no Brasil. Nas décadas de 1960 e 1970, a questão da “crise demográfica” e a equação fecundidade-pobreza-desenvolvimento provocaram entre nós calorosos debates, envolvendo médicos, religiosos, parlamentares, autoridades civis e militares, empresários, setores de esquerda e, mais tardiamente, feministas - atores que mobilizaram razões diversas para apoiarem ou se oporem tanto às estratégias de controle populacional, quanto às pílulas anticoncepcionais e outros métodos contraceptivos (FONSECA SOBRINHO, 1993FONSECA SOBRINHO, Délcio. Estado e população: uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1993.). De forma semelhante a outros países (Teresa ORTIZ-GÓMEZ e Agata IGNACIUK, 2013ORTIZ-GÓMEZ, Teresa; IGNACIUK, Agata. “‘Pregnancy and labour cause more deaths than oral contraceptives': The debate on the pill in the Spanish press in the 1960s and 1970s”. Public Understanding of Science, London, v. 24, n. 6, p. 658-671, ago. 2013.), a imprensa brasileira desempenhou importante papel na difusão de informações sobre as novas tecnologias contraceptivas e foi lócus privilegiado dos debates sobre as pílulas, o “planejamento familiar” e o problema populacional (Tânia Maria DIAS, 2015DIAS, Tânia Maria. Controvérsias e estabilização: o debate sobre as pílulas anticoncepcionais no diário O Globo, nas décadas de 1960 e 1970. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências). Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.; Joana Maria PEDRO, 2010PEDRO, Joana Maria. “A trajetória da pílula anticoncepcional no Brasil (1960-1980)”. In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org). História da saúde: olhares e veredas. São Paulo: Instituto de Saúde, 2010. p. 151-156.).

Os meios de comunicação têm sido reconhecidos como importante instância nas dinâmicas de regulação da sexualidade e da reprodução, modulando conhecimentos e práticas e produzindo sentidos nesse âmbito, seja como atores que disputam pontos de vistas e interesses, seja como espaços de negociação e canais por onde fluem as disputas políticas (Maria Teresa CITELI, 2001CITELI, Maria Teresa . “Saúde reprodutiva: mídia, ciências e humanidades”. In: OLIVEIRA, Maria Coleta; BALTAR, Maria Izabel. (Orgs.). Saúde reprodutiva na esfera pública e política na América Latina. Campinas: Unicamp/Nepo, 2001, p. 237-262. e 2002CITELI, Maria Teresa . “A reprodução humana na pauta dos jornais brasileiros (1996-2000)”. In: OLIVEIRA, Fátima et al (Orgs.). Olhar sobre a mídia. Belo Horizonte: Mazza, 2002. p. 184-213.; Claudia LAUDANO, 2001LAUDANO, Claudia. “Direitos reprodutivos e aborto na mídia”. In: OLIVEIRA, Maria Coleta; BALTAR, Maria Izabel. (Orgs.). Saúde reprodutiva na esfera pública e política na América Latina. Campinas: Unicamp/Nepo, 2001, p. 209-236.; Jacira MELO, 2001MELO, Jacira. “Aborto na imprensa brasileira”. In: OLIVEIRA, Maria Coleta; BALTAR, Maria Izabel. (Orgs.). Saúde reprodutiva na esfera pública e política na América Latina . Campinas: Unicamp/Nepo, 2001. p. 263-277.). Diante disso, com o objetivo de estudar o debate social sobre as pílulas anticoncepcionais nas décadas de 1960 e 1970, analisamos matérias veiculadas em um jornal diário de grande circulação nacional, O Globo. Investigamos as controvérsias que circundaram a introdução e difusão desses produtos no Brasil e discutimos as associações, traduções e marcos normativos e políticos que possibilitaram a estabilização das pílulas anticoncepcionais como produtos desejados, oportunos e bons para a sociedade brasileira. Argumentamos que a estabilização do uso das pílulas anticoncepcionais se deu em uma ótica pós-neomalthusiana, de caráter liberal-conservador que, no marco político-ideológico e normativo da “paternidade responsável”, articula ideias aparentemente em tensão, como a liberdade de decisão do indivíduo ou casal sobre a reprodução e o dever moral e responsabilidade cívica dos mesmos de planejar o número dos filhos e formar uma prole pequena.

Método

Realizamos uma pesquisa sócio-histórica, utilizando o método de estudo de controvérsias. A investigação de episódios de controvérsia, na tradição dos estudos sociais das ciências e das tecnologias, possibilita o exercício do estranhamento dos diferentes pontos de vista, modos de agir e estratégias dos grupos que se opõem, a revisitação das teses brandidas pelos concorrentes, o afastamento da auto-evidência dos acontecimentos, o escrutínio daquilo que foi construído como “o certo” e a revelação do caráter instável, contingente, político e histórico de uma nova “verdade” que se estabelece quando o objeto de disputa se estabiliza e a “caixa preta” se fecha (Bruno LATOUR, 2012LATOUR B. Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: EDUFBA-EDUSC, 2012.).

A literatura tem demonstrado o papel dos meios de comunicação na construção de sentidos, mudanças, rupturas da realidade e na legitimação de novos modos de viver. Eles são por si mesmos atores que veiculam interesses, ideias e valores e produzem efeitos na vida social. Contudo, revistas, jornais e outros veículos são também fóruns ou pontos de encontro e interação entre variados atores sociais, que discutem entre si, com os próprios veículos de informação e com seus públicos. Os meios funcionam como moderadores entre o interesse de grupos específicos (inclusive seus) e sua audiência (Maria Helena CAPELATO, 2014CAPELATO, Maria Helena. “História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo” In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Marieta de Moraes (Orgs.). História do tempo presente. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 299-315, 2014.; Jesús MARTÍN-BARBERO, 2013MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013. p. 196-206.; Ivia MAKSUD, 2008MAKSUD, Ivia. “Sexualidade e Mídia: discursos jornalísticos sobre o ‘sexual' e vida privada”. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 4, p. 663-671, out/dez. 2008.). Considerando particularmente as décadas estudadas, os jornais impressos foram importantes dispositivos agenciadores de interesses e opiniões, difusores de informações e novidades e espaços articuladores de ideias e de atores.

Criado em 1925, O Globo é um periódico tradicional com vasta tiragem, relevante atuação política no plano nacional e representante da “grande imprensa” brasileira (CAPELATO, 2014CAPELATO, Maria Helena. “História do tempo presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo” In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Marieta de Moraes (Orgs.). História do tempo presente. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 299-315, 2014.). De orientação política conservadora, esse jornal se manifestava favoravelmente à adoção de políticas de controle de fertilidade, nas décadas em questão. Serviu de meio para a divulgação das pílulas anticoncepcionais e ajudou a moldar a opinião pública da época sobre as questões referentes ao planejamento familiar e aos métodos contraceptivos, propalando a necessidade de um novo padrão de família, com reduzido número de filhos, embasado em ideias neomalthusianas (Hélio AGUINAGA, 1996AGUINAGA, Hélio.A saga do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.).

O material do estudo é composto de matérias sobre pílulas anticoncepcionais, publicadas em O Globo, nas décadas de 1960 e 1970, e foi levantado através do acervo digital do jornal, com a utilização do descritor “pílula”. Delimitando a busca entre 01 de janeiro de 1960 e 31 de dezembro de 1979, capturamos inicialmente 955 matérias. Após uma primeira leitura, selecionamos para análise somente matérias que versavam sobre produtos farmacêuticos hormonais de administração oral, simples ou combinados, usados regularmente para fins contraceptivos, compondo assim um corpus de 756 matérias.

Na primeira etapa da análise, examinamos o material a partir dos três eixos de controvérsias que já haviam sido indicados na literatura sobre a história das pílulas anticoncepcionais: eficácia, segurança e oportunidade (Lara MARKS, 2001MARKS, Lara. Sexual chemistry: a history of the contraceptive pill. EUA: Yale University Press, 2001.; WATKINS, 1998WATKINS, Elizabeth Siegel. On the Pill: A Social history of oral contraceptives, 1950-1970. JHU Press: Baltimore and London, 1998.; OUDSHOORN, 1990OUDSHOORN, Nelly. "On the making of sex hormones: Research materials and the production of knowledge." Social Studies of Science, SAGE: London, Newbury Park and New Delhi, v. 20, n. 1, p. 5-33, fev. 1990.). Exploramos, em uma perspectiva sincrônica e diacrônica, o campo das controvérsias, incluindo atores participantes, marcos cognitivos-ideológicos, argumentos e retóricas, conflitos, negociações, alianças e oposições e os enredos sobre as pílulas anticoncepcionais construídos ao longo do período estudado.

Em etapa posterior da análise, discutimos o processo de inflexão dos debates, com encerramento de um ciclo de controvérsias e transmutações dos argumentos dos opositores e o desenvolvimento dos marcos normativos e processos políticos e as novas associações - no sentido latouriano de produção de redes de interação e agenciamentos (LATOUR, 2012LATOUR B. Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: EDUFBA-EDUSC, 2012.) - que possibilitaram a estabilização do uso das pílulas anticoncepcionais no país.

A pílula anticoncepcional nas páginas de O Globo: um panorama geral

A primeira matéria sobre a pílula anticoncepcional foi publicada em fevereiro de 1960, cinco meses antes do órgão americano FDA aprovar a comercialização da primeira formulação desse produto nos EUA. Nesse ano, uma pequena nota, comprada de uma agência de notícias europeia, noticiava:

Pela primeira vez na Inglaterra, pílulas anticoncepcionais vão ser distribuídas a voluntárias por uma associação de Birmingham. Essa é a primeira experiência do gênero realizada na Europa, em larga escala. O número de mulheres voluntárias não será revelado. Durante experiências análogas efetuadas nos Estados Unidos e em Porto Rico, ter-se-ia registrado sucesso de quase cem por cento (O GLOBO, 1960aO GLOBO. Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1960a, p. 8., p. 8).

Outras breves notícias apareceram entre 1960 e 1964, mas a partir de 1965, aumenta significativamente o número de matérias sobre “pílulas anticoncepcionais” e “planejamento familiar”, na esteira do debate sobre a “questão demográfica”. Em meados dessa década, o International Planned Parenthood Federation (IPPF) começou a atuar no Brasil e financiou a criação das primeiras entidades de planejamento familiar, como a Sociedade Civil do Bem-estar Familiar no Brasil (BEMFAM) (Ana Maria COSTA, 2009COSTA, Ana Maria. “Planejamento familiar no Brasil”. Revista Bioética, v. 4, n. 2, 2009. Disponível em: Disponível em: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/416 . Acesso em 03/08/2016.
http://revistabioetica.cfm.org.br/index....
). Especialmente entre 1968 e 1970, há uma grande concentração de matérias, em virtude dos debates travados no Concílio Vaticano II e da publicação da Encíclica “Humanae Vitae”, que proibia o uso de meios não naturais para controle da fertilidade.2 2 Em 1968, o Papa Paulo VI lançou a Encíclica “Humanae Vitae”, que regulamentou a postura da Igreja Católica em relação ao aborto e outras medidas que se relacionavam com a vida sexual humana. Gerou polêmica, porque definiu-se que a contracepção, por meios artificiais, ficava proibida pela Igreja Católica. Aos casais católicos seriam permitidos somente os métodos “naturais”. A partir dos anos 1970, muitas matérias trataram das controvérsias sobre efeitos colaterais das pílulas anticoncepcionais, refletindo os debates internacionais, e veicularam discussões sobre a regulamentação desses produtos no país. Em 1977, o lançamento do Programa de Prevenção à Gravidez de Alto Risco (PPGAR), pelo Ministério da Saúde, e uma maior participação do Estado no debate sobre a regulamentação dos métodos contraceptivos, reaqueceu os debates na imprensa.

O conjunto do material analisado é composto por reportagens, notas, notícias, entrevistas e colunas, de cunho informativo e opinativo. A principal coluna a abordar as pílulas anticoncepcionais foi O que você deve saber de medicina, assinada por médicos norte-americanos3 3 Walter Clement Alvarez e H.L. Herschensohn: segundo informações encontradas em edições de O Globo, eram médicos americanos que escreviam a coluna O que você deve saber sobre medicina. e publicada durante todo o período estudado, que difundia informações sobre reprodução e contracepção e esclareciam dúvidas em relação à eficácia e à segurança dos contraceptivos. Outras colunas destacadas foram Serviço Social e Globe Trotter, assinadas pelas jornalistas brasileiras Leonor AmorimAMORIM, Leonor. O GLOBO. Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1964a, p. 2. 4 4 Leonor Amorim foi assistente social e jornalista, chefe do Serviço Social de O Globo, segundo informações encontradas em edições do jornal, dos anos de 1960. e Elsie Lessa5 5 Elsie Lessa, jornalista e cronista, escreveu para O Globo desde 1952 até 2000, ano de sua morte. Sua coluna foi publicada diariamente por 16 anos e, depois, passou a quinzenal. Disponível em: http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/cronistas-e-colunistas/elsie-lessa-10926342. Acessado em 03 de dezembro de 2017. , respectivamente, onde o assunto das pílulas anticoncepcionais foi tratado principalmente à luz dos problemas socioeconômicos e demográficos. A coluna Orientações para Gestante e Curso de Noivas, do ginecologista Fernando Veloso, esclarecia as mulheres sobre questões gerais dos contraceptivos: como e para que usar, mecanismo de funcionamento, questões sobre eficácia e segurança das pílulas.

As matérias jornalísticas, em maioria, não eram assinadas. Principalmente na década de 1960, encontramos grande concentração de matérias compradas de agências de notícias estrangeiras ou reescritas com informações destas. A partir de 1970, esse tipo de matéria diminui, indicando a consolidação de um campo de discussão sobre contraceptivos e planejamento familiar genuinamente nacional.

A sessão Carta dos leitores não se destacou no debate da pílula, porém, um personagem apareceu com frequência nesse espaço (e em outros): Mário Victor de Assis Pacheco, médico, presidente da Associação Médica da Guanabara, ferrenho opositor dos projetos de controle demográfico no Brasil. Entre os autores de artigos de opinião, destacou-se Glycon de Paiva. Engenheiro, economista, empresário e ativista anticomunista, Paiva foi defensor das propostas de implantação de políticas de controle populacional no país.

Com variações segundo as conjunturas, ao longo do período analisado, O Globo vocalizou principalmente as opiniões de médicos, representantes da Igreja Católica, parlamentares, empresários e autoridades de ministérios como Fazenda, Planejamento e Saúde. No contexto de autoritarismo político-militar, setores de esquerda, movimentos sociais e grupos feministas quase não tiveram voz nos debates do jornal conservador, nem mesmo na última metade da década de 1970, quando mais espaços se abriram para a participação desses grupos nos debates públicos (Claudia BONAN, 2002BONAN, Claudia. Reflexividade, sexualidade e reprodução: processos políticos no Brasil e no Chile. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Humanas). Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.).

Consensos, incertezas e expectativas: com a palavra a ciência e a medicina

Nos primeiros anos da década de 1960, as matérias sobre as pílulas anticoncepcionais exaltavam a novidade técnico-científica, propalando seu alto desempenho contraceptivo: “sucesso de quase cem por cento” (O GLOBO, 1960a, p. 8). Sem críticas ou controvérsias, a eficácia dos novos produtos foi reiterada pelo jornal durante as duas décadas; não havia dúvidas que “jamais o controle de natalidade esteve tão ao alcance de todos e jamais foi tão eficaz” (O GLOBO, 1969aO GLOBO. Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 1969a, p. 14., p. 14). Com fé irrestrita na ciência, os textos jornalísticos se mostravam confiantes no aperfeiçoamento dos novos contraceptivos: “estão sendo feitas pesquisas para desenvolver outros métodos melhores do que as pílulas anticoncepcionais existentes até hoje” (O GLOBO, 1972aO GLOBO. Rio de Janeiro, 08 de novembro de 1972a, p. 5., p. 5).

Os discursos positivos sobre o desempenho das pílulas anticoncepcionais contribuíram para um ambiente propício à sua aceitabilidade, credibilidade e difusão. As falhas do método eram atribuídas primordialmente às mulheres, que o usavam de modo errôneo: [há] pouca dúvida sobre a eficiência dos métodos anticoncepcionais: os erros humanos é que os levam a falhar”. (O GLOBO, 1963aO GLOBO. Rio de Janeiro, 02 de setembro de 1963a, p. 15-16., p. 15-16); “a desvantagem é que muitas mulheres se esquecem em várias ocasiões de tomar a pílula anticoncepcional e ela deixa de ser eficiente” (O GLOBO, 1969aHERSCHENSOHN, H.L.. O que você precisa saber de medicina. O GLOBO. Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1969a, p. 14., p. 14).

Ao contrário da eficácia ou desempenho contraceptivo das pílulas - que não foram motivos de celeumas que merecessem a atenção do jornal - a segurança do produto e as possíveis vantagens ou desvantagens de sua difusão na sociedade brasileira foram alvos de controvérsias. O problema da segurança das pílulas anticoncepcionais para a saúde das usuárias e de sua prole foi destacado no jornal, em 1961. Na coluna O que você deve saber de medicina, o Dr. Herschensohn perguntava-se: “serão as pílulas anticoncepcionais absolutamente inofensivas?”, “poderá essa forma de prática anticoncepcional prejudicar a criança?” (H. L. HERSCHENSOHN, O GLOBO 1961aHERSCHENSOHN, H.L.. O que você precisa saber de medicina. O GLOBO. Rio de Janeiro, 08 de maio de 1961a, p. 20., p. 20). Os possíveis efeitos nefastos da pílula fizeram também parte da retórica de atores que, por motivos outros, faziam oposição ao método. Em 1962, Dom Jaime Câmara declarava:

‘A propósito devo fazer uma grave denúncia à opinião pública. Alguns laboratórios estão introduzindo no Brasil e promovendo a venda em larga escala, a preços elevadíssimos, de pílulas que teriam efeito anticoncepcional. Acrescente-se ainda que não se pode garantir a inocuidade dessas substâncias e seus possíveis efeitos secundários tardios sobre o organismo e, principalmente, sobre os órgãos da reprodução' (O GLOBO, 1962aO GLOBO. Rio de Janeiro, 21 de julho de 1962a, p. 2., p. 2).

As discussões locais sobre possíveis riscos dos compostos hormonais para a saúde feminina acompanharam os debates estrangeiros. A questão da segurança foi elemento chave das controvérsias sobre as pílulas nos Estados Unidos e na Europa, nas primeiras décadas de sua comercialização, e as preocupações com os efeitos colaterais impulsionaram as pesquisas para aprimoramento do produto (MARKS, 2001MARKS, Lara. Sexual chemistry: a history of the contraceptive pill. EUA: Yale University Press, 2001.; WATKINS, 1998WATKINS, Elizabeth Siegel. On the Pill: A Social history of oral contraceptives, 1950-1970. JHU Press: Baltimore and London, 1998.). Notícias sobre pesquisas clínicas realizadas no Brasil para estudo de segurança e efeitos colaterais ou para inovação dos contraceptivos hormonais não apareceram no jornal, embora se saiba que testes clínicos com esses compostos foram realizados no Brasil nessas décadas (Daniela Tonelli MANICA, 2009MANICA, Daniela Tonelli. Contracepção, natureza e cultura: embates e sentidos na etnografia de uma trajetória. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.).

Seguindo as polêmicas internacionais, os debates foram centrados nos riscos de doenças graves e fatais, como câncer de mama, tromboembolismo e acidentes cardiovasculares.

‘Sou contra as drogas anticoncepcionais, até agora, a ciência ainda não determinou se são prejudiciais ao organismo, embora alguns cientistas entendam serem elas capazes de ação cancerígena' - A afirmação é do médico Dr. Osvaldo de Morais (O GLOBO, 1966aO GLOBO. Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1966a, p. 2., p. 2).

Conforme, Dr. Jaime de Queirós Lima, ‘a principal consequência da ingestão das pílulas anticoncepcionais é o aparecimento de doenças da mama, do útero (endométrio) e do ovário' (O GLOBO, 1967aO GLOBO. Rio de Janeiro, 04 de julho de 1967a, p. 2., p. 2).

A falta de certezas entre médicos e cientistas sobre a relação de causalidade entre os contraceptivos hormonais e aquelas doenças se refletiu na flutuação de matérias favoráveis e contrárias às pílulas anticoncepcionais.

Para Humberto Gueiros - Ginecologista e obstetra do Hospital dos Bancários: ‘eu a prescrevo, mas levei muito tempo sem ter coragem de fazê-lo. Não vejo o menor problema em sua aplicação' (O GLOBO, 1966a, p. 2).

Para José Sobrinho Salazar - Ginecologista e obstetra do Hospital Beneficência Portuguesa: ‘não recomendo como anticoncepcional, pois o medicamento ainda não me parece oferecer segurança suficiente' (O GLOBO, 1966a, p. 2).

Efeitos colaterais dos hormônios sintéticos - como náuseas, dores de cabeça, ganho de peso, e sangramentos - eram conhecidos desde as primeiras pesquisas com mulheres em Porto Rico, nos anos 1950 (WATKINS, 1998WATKINS, Elizabeth Siegel. On the Pill: A Social history of oral contraceptives, 1950-1970. JHU Press: Baltimore and London, 1998.) e continuaram a instigar discussões entre grupos que eram favoráveis e contrários aos contraceptivos. Os defensores da pílula anticoncepcional não negavam de modo absoluto os riscos potenciais dos produtos, mas os efeitos “secundários”, para eles, eram temporários, de menor importância, não representando riscos aumentados e permanentes à saúde feminina. Para alguns, grande parte dos efeitos era de origem psicossomática, “males menores” que podiam ser comparados àqueles da gravidez e da menstruação. Numa reiteração de normas de gênero, desconfortos relacionados à vida reprodutiva foram representados como aspectos naturais da feminilidade, inevitáveis e suportáveis e predispostos de controle (Ana Paula Vosne MARTINS, 2005MARTINS, Ana Paula Vosne. “A ciência dos partos: visões do corpo feminino na constituição da obstetrícia científica no século XIX”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 3, p. 645-665, set/dez. 2005.).

Para um médico: ‘eu pessoalmente posso afirmar que até hoje não encontrei nada em relação a esses hipotéticos males. O que a pílula faz, às vezes, é causar no organismo feminino pequenas perturbações que a gravidez ocasiona em muito maior escala' (O GLOBO, 1970aO GLOBO. Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1970a, p. 8., p. 8).

Dúvidas e divergências sobre a segurança das pílulas anticoncepcionais não frearam sua rápida difusão, mas alimentaram o debate sobre a necessidade de regulação de sua circulação. Como artefatos tecnocientíficos direcionados ao controle da fecundidade, esses medicamentos deveriam ser normatizados com base em critérios científicos e normas da medicina. As matérias do jornal reafirmavam a posição privilegiada dos médicos na circulação dos novos produtos contraceptivos, através da orientação, prescrição e do controle de seu uso, revelando a contribuição da mídia para a medicalização da fecundidade e do corpo feminino.

Para Otávio R. Lima: ‘desde o quinto Congresso de Ginecologia, em 1965, que os ginecologistas têm solicitado ao governo que considere a pílula anticoncepcional entre os medicamentos que exigem receita médica. O problema inexplicavelmente está sem solução até hoje' (O GLOBO, 1970a, p. 8).

Para Dr Paulo Belfort Aguiar: ‘a pílula não é o espantalho que estão pintando atualmente, principalmente através da imprensa leiga. O importante é que a mulher se submeta a exame ginecológico completo, senão de 6 em 6 meses, pelo menos anualmente, e que use a pílula somente com assistência médica' (O GLOBO, 1970aO GLOBO. Rio de Janeiro, 09 de abril de 1970a, p. 3., p. 3)

Em virtude das incertezas sobre a segurança das pílulas que dominavam a comunidade científica internacional, seus defensores utilizavam o argumento do iminente aprimoramento desses produtos, como forma de referendar o seu uso. Diversas matérias, em tom otimista, apresentavam resultados favoráveis de novas pesquisas sobre contraceptivos hormonais, desenvolvidas principalmente nos EUA e na Inglaterra. A expectativa de melhoramento das pílulas se mostrou como um discurso útil ao incremento de sua credibilidade e aceitabilidade. No jornal, o doutor Philip Corfman declarou que havia uma verdadeira “explosão de investigações científicas para desenvolver novos métodos que fossem completamente sadios e efetivos no controle de natalidade” (O GLOBO, 1971aO GLOBO. Rio de Janeiro, 30 de julho de 1971a, p. 8., p. 8).

Estará nas pílulas a solução para os males do país? A grande controvérsia

Possíveis implicações e sentidos da introdução dos novos métodos contraceptivos no Brasil - nos planos sociais, econômicos, comportamentais e morais - foram motivos de acirrados debates e conflitos, envolvendo um leque variado de atores. A oportunidade que poderiam representar esses produtos para o enfrentamento da velha questão do “subdesenvolvimento” e da nova questão da “crise demográfica” foi um dos principais alvos das controvérsias. Preocupações neomalthusianas - que articulavam alta fecundidade com escassez, miséria, violência, instabilidade social e política - apareceram em O Globo já nos primeiros anos da década de 1960. Em reportagem intitulada “Estará Nas Pílulas a Solução? ”, sem nenhuma assinatura específica, o jornal fazia alarme dos efeitos nefastos da superpopulação para o país e o planeta, deixando transparecer sua própria posição.

O que é certo é que hoje já não se pode ter filhos na mesma medida que antigamente. A limitação é uma imposição econômica e social. Dentro de mais alguns anos não haverá mais espaço nem alimento na face da terra se a população mundial continuar a multiplicar-se no mesmo ritmo (O GLOBO, 1964aO GLOBO. Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1964a, p. 7., p. 7).

Nessa mesma matéria, o psiquiatra Dr. Heitor Peres reivindicava a autoridade e o papel dos médicos no enfrentamento do “problema demográfico”.

Disse Dr. Peres: ‘nós médicos é que podemos avaliar os problemas relacionados à natalidade. São sempre os filhos que pagam pela inconsequência de terem nascido. A solução que me parece mais admissível é a do emprego das pílulas anticoncepcionais, pois não obrigam o afastamento do casal nem anulam vidas já nascidas' (O GLOBO, 1964a, p. 7).

Continuando a reportagem, Dr. Waldir Tostes, ginecologista católico, foi chamado a opinar. Expunha sua visão otimista em relação à aprovação dos métodos modernos pela Igreja. Entretanto, corroborando preocupações morais das autoridades religiosas, preconizava uma aliança religião-medicina na vigilância dos costumes sexuais, por meio do dispositivo da “prescrição médica”.

Disse Dr. Tostes: ‘nós, médicos católicos, estamos aguardando com muito interesse o resultado do Concílio Ecumênico. Só então poderemos aconselhar, com maior liberdade, métodos mais eficientes de limitação de filhos, sem criar dramas de consciência. [Mas] a medicação anovulatória só deveria ser vendida nas farmácias sob prescrição médica, de forma a coibir os abusos e o relaxamento dos costumes' (O GLOBO,1964a, p. 7).

Em sua coluna Globe Trotter, Elsie Lessa foi uma das mais veementes defensoras das pílulas anticoncepcionais e do controle de natalidade. Escrevendo para O Globo durante quase cinco décadas, foi, de certa forma, porta-voz do jornal para esses assuntos. Suas posições são emblemáticas das articulações neomalthusinas mais duras entre fecundidade, pobreza, criminalidade, marginalidade, incivilidade e irracionalidade sexual.

Não entendo bem a razão porque tantos deputados, jornalistas ou padres têm tão arrepiada e agressivamente combatido o projeto de controle de natalidade, como se estivessem nos ameaçando com uma bomba atômica, com desembarque de aviões inimigos, ou coisas afins. Essa população que se multiplica em miséria e desvalimento é uma população que vai encher os leitos dos hospitais, as cadeias e asilos, filhos sem mãe, nem pai, os que chegam à idade adulta, pois a maioria a mortalidade infantil ceifa nos primeiros meses de vida, representando um infinito ônus a sociedade. Não é o caso de combater a natalidade, mas controlar, o que é grande benefício. Nós que vivemos no Rio de Janeiro,e São Paulo, nas grandes capitais brasileiras, chamadas civilizadas, olhamos em roda e vemos as pobres empregadas domésticas, às voltas com os justos apelos do sexo, sem o controle da razão, nem da educação, a desovarem anualmente filhos sem pai, largados na marginalidade das favelas, por conta de uma mulher a quem pagam pensão. Os pais que em geral não se lembraram de casar (um para cada filho) estão ‘capinando longe', no dizer delas mesmas, nessa desordenado e, melancólica sementeira humana, ao sabor das urgências do sexo (Elsie LESSA, O GLOBO,1966LESSA, Elsie. “Globe Trotter”. O GLOBO. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1966a, p. 1.a, p. 1).

Defensores das políticas neomalthusianas ainda esgrimiram o argumento de que o acesso dos “mais pobres” às pílulas anticoncepcionais seria também uma questão “humana” e de “justiça”: uma contracepção eficaz, com utilização dos novos métodos, reduziria problemas sanitários (mortalidade materna e infantil), que afetavam principalmente essas camadas sociais e, assim, melhoraria sua qualidade de vida.

Não seria mais humano, mais razoável, distribuir as famosas pílulas, com algumas instruções para o uso e minorar os problemas dessas mães com filhos sem pais, freguesas de caderno dos hospitais para indigentes, das fazedoras de anjo dos subúrbios, dos atropelados da sorte? (LESSA, O GLOBO,1966LESSA, Elsie. “Globe Trotter”. O GLOBO. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1966a, p. 1.a, p. 1).

Afinal, perguntamos, para aonde vamos? Qual será o futuro de uma sociedade em que de um lado, ricos, talentosos e sadios jovens controlam a natalidade, num sentimento egoístico de desamor até para consigo mesmos e de outro, os pobres e miseráveis de recursos financeiros e intelectuais geram progressivamente deficientes ou incapacitados (O GLOBO,1964aO GLOBO. Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1964a, p. 2., p. 2)

Em meados dos anos de 1960, surge entre ginecologistas brasileiros um movimento contra o “aborto criminoso”, visto como prática moralmente condenável e perigosa para a saúde das mulheres (BONAN, 2002BONAN, Claudia. Reflexividade, sexualidade e reprodução: processos políticos no Brasil e no Chile. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Humanas). Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.). As pílulas anticoncepcionais foram consideradas uma boa oportunidade para enfrentamento desse problema médico, social e moral.

Médicos da Marinha: ‘o planejamento da família que muitos chamam de controle de natalidade é, em verdade, um controle do aborto criminoso, e não prejudicará o crescimento da população, evitando, isto sim, famílias excessivamente numerosas que não possuem condições econômicas para o sustento da prole' (O GLOBO,1966aO GLOBO. Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1966a, p. 2., p. 2)

A retórica pró-pílula se compôs também pelo apelo ao seu potencial como recurso terapêutico. Os compostos hormonais orais foram apresentados como uma nova oportunidade para tratamentos de distúrbios ginecológicos e endócrinos, como problemas menstruais, acnes, cólicas menstruais, endometriose e outros. A despreocupação com uma gestação acidental também foi vista como oportunidade de maior satisfação no plano da vida sexual do casal.

As pílulas exercem efeitos benéficos em outros casos, como alívio da tensão pré-menstrual, a regularização do período da menstruação e, principalmente, uma satisfação maior nas relações maritais dada a despreocupação quanto a uma gravidez não desejada (Walter Clement ALVAREZ, O GLOBO,1966ALVAREZ, Walter C.. “O que você precisa saber de medicina”. O GLOBO. Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 1966a, p. 12.a, p. 12)

Os opositores da “solução pílula” para os problemas demográficos, socioeconômicos e sanitários se apresentaram desde a primeira hora. O jornal também deu voz a esse lado da contenda que reunia, principalmente, autoridades católicas e outros grupos de médicos e militares. Embora suas posições fossem diferentes daquelas do próprio jornal, esses atores pertenciam às elites religiosas, médicas e dirigentes com as quais o diário mantinha relações de lealdade e de afinidade, no que respeita a uma agenda social e moral conservadora. Um dos argumentos dos detratores das pílulas e do projeto de controle populacional foi que eles representavam uma ameaça à soberania nacional.

Segundo Dom José Castro Pinto: ‘diminuir a população seria enfraquecer a Pátria sob todos os aspectos, a partir do militar, isto é, da defesa, incluindo os demais, como econômicos, sociais, culturais, religiosos e de desenvolvimento' (O GLOBO,1966aO GLOBO. Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1966a, p. 5., p. 5)

Para Milton José Lobato - Secretário Geral da Associação Médica do Estado da Guanabara (AMEG): ‘qualquer medida com a finalidade de deter o incremento da população brasileira significa orientação impatriótica, contrariando frontalmente o interesse nacional' (...) A legislação brasileira proíbe expressamente o anúncio e a prática de medidas anticoncepcionais; o Código de Ética, à luz de uma sadia interpretação, alheia às influências estranhas, desaconselha e condena os médicos comprometidos em programas de limitação de natalidade, ainda quando com a denominação de “planejamento familiar” (O GLOBO,1966a, p. 5)

As autoridades católicas viam os métodos como “ilícitos” e “indignos”, um atentado contra valores morais e religiosos que regiam a família e a sexualidade: “uma ameaça aos bons costumes e a sociedade” (O GLOBO,1968aO GLOBO. Rio de Janeiro, 14 de junho de 1968a, p. 2., p. 2)

O próprio Papa, em sua fala do último Natal, reiterou firmemente o preceito da Igreja de que a prevenção da natalidade não é a solução legítima da “explosão demográfica” do mundo. Ajuntou o Pontífice: ‘Em vez de aumentar o pão na mesa das refeições desse mundo famélico, como hoje podem fazer as modernas técnicas de produção, alguns estão pensando em termos de diminuir, por meios ilícitos, o número dos que comem com eles, isto é indigno da civilização' (O GLOBO,1964aO GLOBO. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1964a, p. 8., p. 8)

Como se vê, partidários e opositores das pílulas anticoncepcionais e do controle demográfico apelavam para razões de justiça social, de desenvolvimento econômico e social, de segurança do país, de ordem sanitária e de ordem moral para defender seus pontos de vista. Ao longo do tempo, o debate agregou outros sentidos e direções que, como veremos adiante, foram fundamentais para o surgimento de um novo marco normativo e político - sob o mote do “planejamento responsável” - que congregou uma gama ampla de atores e permitiu a estabilização das pílulas anticoncepcionais.

Opondo-se também às atividades das entidades privadas de planejamento familiar, estavam grupos de esquerda e setores católicos ligados à teologia da libertação que denunciavam que problemas como fome, miséria e subdesenvolvimento não seriam solucionados com a redução da natalidade, mas sim com redistribuição de renda e bens sociais (BONAN, 2002BONAN, Claudia. Reflexividade, sexualidade e reprodução: processos políticos no Brasil e no Chile. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Humanas). Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.). Contudo, suas vozes pouco se fizeram presentes nas páginas do jornal conservador, no contexto de um regime autoritário.

As discussões sobre direitos e liberdades concernentes à sexualidade e à reprodução foram praticamente inexistentes em O Globo, no período estudado. Os movimentos feministas que haviam se reorganizado em meados da década de 1970, e passaram a disputar novas perspectivas (direitos, autonomia) nos debates sobre fecundidade, contracepção e planejamento familiar, não estiveram presentes no jornal.6 6 A experiência brasileira se distingue daquelas de países como Estados Unidos, Inglaterra e França, onde movimentos feministas, desde a década de 1960, tiveram forte participação política nesses debates (Joana Maria PEDRO, 2003). Uma pequena quantidade de notas compradas de agências internacionais mencionava as reivindicações feministas de países estrangeiros, como a que dizia que “aos gritos de ‘aborto livre' e ‘pílulas grátis', 250 jovens feministas francesas percorriam as ruas de Paris protestando contra o dia das mães” (O GLOBO, 1971aO GLOBO. Rio de Janeiro, 07 de junho de 1971a, p. 10., p. 10)

O Estado brasileiro, o “bêbado e o equilibrista”

Durante a década de 1960, o Estado brasileiro não se posicionou de maneira unívoca e clara nas controvérsias. Ao contrário, sua postura oscilou entre se omitir e se equilibrar - não sem grande ambiguidade e contradições - nas polêmicas em torno das novas tecnologias contraceptivas, do planejamento familiar e da questão demográfica (FONSECA SOBRINHO, 1993FONSECA SOBRINHO, Délcio. Estado e população: uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1993.). As matérias encontradas no jornal O Globo noticiavam a ambivalência de posições governamentais e os diversos grupos de opiniões sobre as questões relacionadas à pílula anticoncepcional.

Em 1967, antes da publicação da Encíclica Humana Vitae, com a qual a Igreja Católica se posicionou definitivamente contra os novos métodos contraceptivos, o Dr. Olavo Pereira de Cordis, do gabinete do Ministério da Saúde, dizia na Câmara dos Deputados que havia uma tendência favorável ao planejamento familiar, mas em consonância com as posições católicas.

‘O pensamento das autoridades sanitárias do País é a mesma do qual se aproxima a Igreja: admitir o uso de anovulatórios desde que por livre vontade dos casais, mas não os meios mecânicos de impedir à fecundação, que podem trazer malefícios a saúde' e ‘quanto ao planejamento da família, ou limitação de filhos', afirmou que se recomenda para as famílias pobres, que não podem criar com conforto prole numerosa. ‘Nunca, porém, devemos admitir a limitação forçada' - concluiu, acrescentando que o ‘planejamento da família deve ser admitido apenas como as autoridades religiosas o têm admitido ou estão propensas a admitir: espontâneo, para que todos os filhos tenham as mesmas oportunidades na vida; e por meio dos anovulatórios' (O GLOBO,1967aO GLOBO. Rio de Janeiro, 27 de abril de 1967a, p. 2., p. 2).

Em 1968, no auge do acirramento dos debates do Concilio Vaticano II, o presidente brasileiro Costa e Silva reagiu ao fato da Organização dos Estados Americanos ter falado em nome do Brasil, quando condenou a posição contrária da Igreja Católica aos produtos contraceptivos. Do lado do legislativo, como resposta a cobranças de médicos brasileiros pela regulamentação das pílulas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados aprovou “o projeto, que estabelece normas médicas, para todo o País, disciplinadoras do planejamento familiar”; O Globo (1968aO GLOBO. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1968a, p. 16., p. 16). Esse projeto nunca foi a plenário e não se tornou lei. As ambiguidades e divisões que percorriam todos os poderes do Estado prosseguiram, apesar dos protestos daqueles que defendiam a necessidade urgente do planejamento familiar no país, como disse Otávio R. Lima: ‘já chegou a hora de o governo brasileiro manifestar-se sobre o controle de natalidade, oficialmente, para orientar principalmente os mais pobres, que não podem se valer da consulta ou conselho médico' (O GLOBO,1970a, p. 8)

Nos anos de 1970, a questão da regulação dos métodos contraceptivos concentrou cada vez mais as controvérsias - em detrimento dos efeitos colaterais e dos problemas políticos e morais -, sendo o Estado cada vez mais instado a participar. As discussões sobre o controle médico da utilização de pílulas anticoncepcionais levou o Ministério da Saúde a publicar portaria que estabelecia a obrigatoriedade de apresentação da receita médica para a venda de pílulas.

Disse o Prof. Silvio Sertã - médico assessor do Ministro da Saúde: ‘o médico, segundo portaria ministerial, fica responsável pela receita que der, judicialmente e perante o Conselho Regional de Medicina' (O GLOBO,1970aO GLOBO. Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1970a, p. 13., p. 13)

O papel regulador do Estado foi saudado como bem-vindo, mas com a ressalva de que não deveria dificultar o acesso aos métodos contraceptivos. Os defensores do planejamento familiar e dos anticoncepcionais queixaram-se de restrições introduzidas pela portaria ministerial e se prontificaram a garantir o acesso às pílulas para aquelas mulheres que tivessem dificuldades nos serviços médicos.

Disse Otávio R. Lima - presidente da BEMFAM: ‘a decisão do Ministro Rocha Lagoa, segundo a qual a pílula só pode ser vendida nas farmácias mediante receita e responsabilidade do médico, em relação à saúde da cliente, criou problemas novos para as camadas mais pobres da população, impossibilitadas de pagar consulta médica'. A BEMFAM, por isso, procura suprir a dificuldade, oferecendo às interessadas os seus serviços gratuitamente' (O GLOBO,1970aO GLOBO. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1970a, p. 5., p. 5).

A julgar pelas matérias do jornal, a portaria ministerial não surtiu efeito imediatamente, pois “as farmácias ainda não tomaram conhecimento do assunto e continuavam a vender a pílula sem observar a nova legislação” (O GLOBO,1970aO GLOBO. Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 1970a, p. 3., p. 3). Em 1974, o próprio ministro da saúde Almeida Machado considerava revogar a portaria, que acabaria “com uma farsa, porque ‘a maioria das farmácias não respeita a portaria'” (O GLOBO,1974aO GLOBO. Rio de Janeiro, 03 de setembro de 1974a, p. 5., p. 5).

A prescrição médica, a comercialização e a publicidade dos métodos contraceptivos foram assuntos que também ocuparam a agenda parlamentar. Em 1972 e 1974 houve iniciativas no sentido de regulação dessas práticas, mas somente em 1979 foram realizadas mudanças legislativas significativas.7 7 A alteração do Art. 20 da Lei de Contravenções Penais, em 1979, que retirava o termo “ou evitar a gravidez” e as iniciativas de criação de programas de saúde que incluíam o planejamento familiar e a distribuição de métodos contraceptivos à população de baixa renda representavam bem essas mudanças.

Esta nas mãos da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados um projeto para alterar o Art. 20 do Código Penal Brasileiro, responsável pela proibição da venda livre das pílulas anticoncepcionais. Segundo determina a nova lei, será proibido vender anticoncepcionais sem receita médica, proibição essa que se estenderá à divulgação dos mesmos produtos pelos meios publicitários. O projeto afirma que ‘através da divulgação pode-se educar a população feminina no sentido de procurar seu médico, consultar-se e saber que pílula ou processo adotar corretamente' (Ibrahim SUED,1974SUED, Ibrahim. O GLOBO. Rio de Janeiro, 21 de maio de 1974a, p. 26. a8 8 Ibrahim Sued, nascido em 1924, no Rio de Janeiro, foi importante jornalista e colunista social brasileiro. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/ibrahim-sued-reporter/evolucao.htm. Acesso em 03 de dezembro de 2017. , p. 26).

Em meados da década de 1970, as matérias do jornal refletiam as mudanças em curso no debate internacional e nacional sobre população e desenvolvimento. As posições do Brasil na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada em Bucareste,9 9 Segundo, Sônia CORRÊA, Paulo de Martinho JANNUZZI, e José Eustáquio Diniz ALVES, (2003) a Conferência Mundial da População das Nações Unidas, realizada em Bucareste no ano de 1974, foi a primeira conferência de representantes dos governos dos diversos países membros das Nações Unidas para discutirem não só as relações entre os problemas demográficos e o desenvolvimento socioeconômico, como também as políticas de população a serem elaboradas para se promover o desenvolvimento e o bem-estar das populações. em 1974 - onde os países do Terceiro Mundo (inclusive o Brasil) se posicionaram contra políticas de controle demográficas impositivas e defenderam a tese que a aceleração do desenvolvimento social e econômico era melhor medida para a redução das taxas de natalidade - foram noticiadas em O Globo e passaram a ser referências para o debate nacional nos anos seguintes.

Em matéria publicada em 1978, assinada pela jornalista Joana Angélica, o jornal explicava didaticamente os princípios que regiam o posicionamento do governo brasileiro na Conferência de Bucareste.

Em agosto de 1974, na Conferência Mundial de População promovida pela ONU em Bucareste foi a seguinte a posição do Governo brasileiro: não interferir no controle de natalidade; estender a todas as classes as informações e os meios para isso; adotar medidas para reduzir a mortalidade e integrar socialmente os grupos marginalizados; e não admitir interferências estrangeiras na política demográfica do país (O GLOBO, 1978aANGÉLICA, Joana. O GLOBO. Rio de Janeiro, 05 de março de 1978a, p. 1., p. 1).

Entre 1975 e 1979, o Estado brasileiro entrou definitivamente no campo das disputas políticas em torno do “problema demográfico” e do “planejamento familiar”. Nesse período, a conjuntura nacional foi marcada por certa distensão política e reorganização e protagonismo político de movimentos sociais (mulheres, negros, indígenas, sanitaristas, educadores). Com discursos majoritariamente contrários às políticas coercitivas de limitação demográfica, as autoridades estatais reconheciam a necessidade de incluir medidas de assistência ao planejamento familiar nas políticas de saúde, justificando-se pelas questões sanitárias (mortalidade materna), questões de justiça social (acesso de todos) e direito a escolhas reprodutivas (direito das famílias decidirem), porém sem abandonar de todo a equação natalidade-população-desenvolvimento.

O Ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen afirmou ‘A planificação da família no Brasil não significaria em Estado-Herodes, limitando o acesso à vida. Significaria, apenas, estender às classes mais pobres uma opção que já é exercida pelas mais ricas.' Em sua opinião, isso traria ainda a vantagem de melhorar a distribuição de renda no país (O GLOBO, 1978aO GLOBO. Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1978a, p. 1., p. 1).

Segundo Presidente Geisel a explosão demográfica no Brasil é um ‘problema muito sério', representa ‘sobrecarga extraordinária' para as responsabilidades e as despesas governamentais. Geisel entende que a limitação da natalidade não deve ser imposta pelo estado, ficando apenas ao arbítrio do casal decidir em face das informações de planejamento familiar, incluindo naturalmente o uso da pílula anticoncepcional, que órgãos especializados do governo teriam a obrigação de prestar, orientando os pais interessados (O GLOBO,1978a, p. 1).

Nesse último período, as discussões sobre o planejamento familiar se deslocavam paulatinamente da esfera exclusiva da economia para a da saúde. Nesse contexto é que foram criados pelo Ministério da Saúde o Programa de Saúde Materno Infantil (PSMI-1975), o Programa de Prevenção de Gravidez de Alto Risco (PPGAR-1997) e o Programa Nacional de Paternidade Responsável (1979) que também foram objetos de matérias jornalistas.

Almeida Machado garantiu que PPGAR não se trata de controle de natalidade para ‘sustar a explosão demográfica' nem para eliminar a ‘pobreza como alguns argumentam'. Pede que não se confunda prevenção de gravidez de alto risco com controle demográfico. O programa visa apenas reduzir a mortalidade materna e poderá contribuir inclusive para aumentar a população do país. Disse ‘as multinacionais que já declararam vender 10 milhões de caixas de anovulatórios por ano não ficarão mais ricos só de venderem cerca de 140 mil a mais, correspondente as 13400 mulheres que deverão ser beneficiadas com a PPGAR' (O GLOBO,1977aO GLOBO. Rio de Janeiro, 03 de agosto de 1977a, p. 6., p. 6).

Nos últimos anos da década de 1970, a categoria “paternidade responsável” - recuperada do debate do Concílio Vaticano II - passou a ser um marco normativo-discursivo chave nas discussões sobre planejamento familiar e pílulas anticoncepcionais. Foi com esse marco que o Estado adentra definitivamente nesse campo. A ideia de “paternidade responsável” se demonstrou potente para reunir vários participantes do debate, contribuindo para a confluência de posições diferentes, inclusive conflitantes e, principalmente, fazendo uma ponte entre o Estado e a Igreja Católica. No final dos anos de 1970, as autoridades católicas, embora ainda oposicionistas das pílulas anticoncepcionais, se abriram à ideia de uma política da fecundidade, com uma “alternativa humanista”.

Para a CNBB: ‘o problema da miséria não se resolve com pílulas e sim com justiça social, com profundas e radicais reformas. Aqui reside para nós o ponto central do problema: dar à família condições de vida dignas, dentro das quais o homem e a mulher unidos pelo amor possam preservar o último reduto de sua liberdade e orientar-se pelas exigências éticas de uma fecundidade responsável' (O GLOBO,1977aO GLOBO. Rio de Janeiro, 03 de junho de 1977a, p. 2., p. 2).

O jornal O Globo deu grande ênfase ao projeto de “paternidade responsável”, participando entusiasmadamente da concertação de pontos de vista e interesses que permitiram a estabilização das controvérsias que rondaram o planejamento familiar e as pílulas anticoncepcionais. A responsabilidade reprodutiva - não a imposição coercitiva do controle da fecundidade, mas a razoabilidade reprodutiva, em nome do desenvolvimento e do bem-estar individual e coletivo - foi acordada como princípio fundamental para uma prática de planejamento familiar que pudesse conter o aborto criminoso, a pobreza e o atraso, melhorar indicadores sanitários maternos e infantis, sem o risco de dissolução dos valores morais e dos papéis femininos.

A estabilização liberal-conservadora

Os debates sociais suscitados pela difusão das pílulas anticoncepcionais no Brasil, veiculados por O Globo, nas duas primeiras décadas, reuniram, basicamente, atores com posições dominantes no status quo: médicos, autoridades públicas, religiosos, militares, parlamentares e a própria imprensa. A quase totalidade das vozes que opinavam - e, nas instituições, decidiam - sobre assuntos relacionados à vida sexual e reprodutiva das mulheres era do sexo masculino.

As controvérsias envolvendo as pílulas anticoncepcionais - que no jornal O Globo tiveram cunho mais político do que científico - colocaram em disputa perspectivas conservadoras, como o neomalthusianismo, o nacionalismo e o dogmatismo católico. Em que pese discussões de aspectos médico-científicos e sanitários, a maior parte dos debates veiculados no jornal refletiu preocupações autoritárias e elitistas com a fecundidade das populações pobres, suas ameaças ao desenvolvimento econômico e à estabilidade política, e com a manutenção de uma ordem moral e sexual conservadora - perspectivas reproduzidas inclusive, pelas duas principais mulheres que participam do debate nesse jornal, Elsie Lessa e Leonor Amorim.

As condições para a estabilização das controvérsias se deram com a entrada definitiva do Estado brasileiro nos debates sobre pílulas e planejamento familiar, encampando o discurso vaticanista da “paternidade responsável” e traçando-o, como marco político-ideológico e normativo para uma nova concertação em torno daqueles temas controversos. A imagem-objetivo da paternidade responsável convocava vários dos atores veteranos das controvérsias, e foi amplamente reverberada e saudada por O Globo. Na análise do material jornalístico, podem ser percebidas mudanças ocorridas nos termos dos debates, no final da década dos anos 1970, com relativo deslocamento dos pressupostos neomalthusianos, para duas outras questões concatenadas: a) a articulação entre fecundidade, contracepção e saúde, na perspectiva do desenvolvimento de uma política de saúde pública que pudesse incorporar os métodos contraceptivos; b) uma redefinição da noção de “planejamento familiar” em uma lógica dual, onde, por um lado, se reconhecia a prerrogativa/direito dos casais/famílias de decidirem sobre a prole e, por outro, se cobrava a responsabilidade moral e cívica dos mesmos de não terem mais filhos do que aqueles que pudessem criar.

A participação do Estado com o discurso normativo da paternidade responsável foi fundamental para o deslocamento dos debates para uma perspectiva pós-neomalthusiana liberal-conservadora. Embora o marco da paternidade responsável apontasse para o planejamento familiar como direito e como questão de saúde, persistia a relação entre crescimento demográfico e desenvolvimento econômico e se responsabilizava as classes populares, com seu suposto número elevado de filhos, pelas suas condições de pobreza. Os determinantes socioeconômicos da pobreza restavam, assim, intactos.

Considerações finais

Na década de 1980, período da transição democrática brasileira, com forte participação dos movimentos feministas e sanitaristas, o debate sobre população, desenvolvimento e fecundidade foi reformulado. Questões referentes aos direitos das mulheres à saúde, à assistência integral e às decisões reprodutivas se fizeram presentes na agenda pública e se expressaram na criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), em 1983 (BONAN, 2002BONAN, Claudia. Reflexividade, sexualidade e reprodução: processos políticos no Brasil e no Chile. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Humanas). Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.). Na década de 1990, com a redemocratização do país, já sob uma nova Constituição Federal (1988) - que, em seu capítulo 226, estabeleceu o planejamento familiar como direito fundamental e proibiu coerções nesse âmbito - e com uma conjuntura internacional favorável,10 10 Com o Ciclo Social da ONU, na década de 1990, e, especialmente nas Conferências Internacionais do Cairo (III Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, 1994) e Pequim (IV Conferência Mundial da Mulher, 1995), as noções de saúde reprodutiva e de direitos reprodutivos foram consagradas. (CORRÊA, JANNUZZI e ALVES, 2003). a noção de direitos reprodutivos angariou legitimidade, sendo inclusive incorporada em instrumentos jurídicos e normativos que regulam as políticas públicas.

Entretanto, o marco político-ideológico liberal-conservador parece ter se entranhado na cultura material das instituições e dos serviços de saúde reprodutiva, impondo aos sujeitos uma obrigação moral e cívica de não terem filhos “que não possam criar”. Essas formulações, que chegaram até os dias atuais, são permeadas por vieses de classe, de gênero e étnico-raciais: em primeiro lugar, é às mulheres que se exige responsabilidade sobre a regulação da prole; em segundo, é às mulheres pobres e negras que se dirigem os discursos da responsabilidade de não ter muitos filhos, de não “sobrecarregar” o Estado e a sociedade, de serem capazes de alimentar, educar e prover cuidados à prole. Como nota Emilia Sanabria (2010SANABRIA, Emilia. “From sub-to super-citizenship: sex hormones and the body politic in Brazil.” Ethnos, Salibury, U.K., v. 75, n. 4, p. 377-401, fev. 2010.), enquanto para as classes médias e altas a saúde reprodutiva é ligada a noções de autonomia e escolha individual e a provisão de bens e serviços de saúde se dá via mercado, para as camadas populares há o apelo e a exigência do cumprimento da “boa cidadania”: os termos “direito” e “responsabilidade” são fundidos nos discursos sobre “planejamento familiar”, e uma “procriação responsável” é o que se exige como contrapartida para a oferta dos serviços públicos de saúde reprodutiva (Emilia SANABRIA, 2010SANABRIA, Emilia. “From sub-to super-citizenship: sex hormones and the body politic in Brazil.” Ethnos, Salibury, U.K., v. 75, n. 4, p. 377-401, fev. 2010.).

A análise dos materiais de O Globo corrobora estudos que discutem o papel que tem desempenhado a mídia como intermediadora dos debates e artífice da construção de significados compartilhados, no que se refere à sexualidade e à reprodução (Mauro BRIGUEIRO e MAKSUD, 2009BRIGUEIRO, Mauro; MAKSUD, Ivia. “Aparição do Viagra na cena pública brasileira: discursos sobre corpo, gênero e sexualidade na mídia”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 71-88, janeiro/abril. 2009.; Rozana Aparecida de SOUZA e Elaine Reis BRANDÃO, 2012SOUZA, Rozana Aparecida de; BRANDÃO, Elaine Reis. “À sombra do aborto: o debate social sobre a anticoncepção de emergência na mídia impressa brasileira (2005-2009)”. Interface, Botucatu, [online], v. 16, n. 40, pp. 161-175, jan/mar. 2012. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/icse/2012nahead/aop1512 . Acesso em 03/08/2016.
http://www.scielo.br/pdf/icse/2012nahead...
; PEREIRA, 2016PEREIRA, Pamella Liz Nunes. Os discursos sobre a pílula anticoncepcional na revista Cláudia no período de 1960 a 1985. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências). Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.). No curso das controvérsias sobre as pílulas anticoncepcionais, vozes e enfoques veiculados pelo jornal refletiam interesses políticos e posições ideológicas hegemônicas da época e demonstram a importância que teve esse meio como promotor de questões que compuseram o repertório dos debates públicos. O otimismo em relação aos resultados favoráveis das pílulas, a crença no seu rápido aprimoramento e a mitigação de seus efeitos adversos revelam uma posição em defesa da ampliação do uso do produto, quando de sua chegada ao país. De forma semelhante, a ausência de discussões sobre direitos reprodutivos e sexuais no periódico indicava sua proximidade com posições mais conservadoras, em relação à ordem moral e sexual. Por fim, a adesão ao projeto de “paternidade responsável”, concertado pelo governo no final da década de 1970, revelou a ação ativa desse jornal na busca de estabilização do uso dos anticoncepcionais, a partir de um uso normalizado.

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  • 1
    A partir dos anos de 1950, uma política econômica desenvolvimentista e liberal propiciou a abertura do mercado farmacêutico nacional a empresas estrangeiras, acelerou a entrada de laboratórios farmacêuticos multinacionais no país e provocou uma desnacionalização desse setor da indústria (José Gomes TEMPORÃO, 1986TEMPORÃO, José Gomes. A propaganda de medicamentos e o mito da saúde. Rio de Janeiro: Graal; 1986.; Jacob FRENKEL et al, 1978FRENKEL, Jacob et al. Tecnologia e Competição na Indústria Farmacêutica Brasileira. Rio de Janeiro: Finep. Mimeo; 1978.).
  • 2
    Em 1968, o Papa Paulo VI lançou a Encíclica “Humanae Vitae”, que regulamentou a postura da Igreja Católica em relação ao aborto e outras medidas que se relacionavam com a vida sexual humana. Gerou polêmica, porque definiu-se que a contracepção, por meios artificiais, ficava proibida pela Igreja Católica. Aos casais católicos seriam permitidos somente os métodos “naturais”.
  • 3
    Walter Clement Alvarez e H.L. Herschensohn: segundo informações encontradas em edições de O Globo, eram médicos americanos que escreviam a coluna O que você deve saber sobre medicina.
  • 4
    Leonor Amorim foi assistente social e jornalista, chefe do Serviço Social de O Globo, segundo informações encontradas em edições do jornal, dos anos de 1960.
  • 5
    Elsie Lessa, jornalista e cronista, escreveu para O Globo desde 1952 até 2000, ano de sua morte. Sua coluna foi publicada diariamente por 16 anos e, depois, passou a quinzenal. Disponível em: http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/cronistas-e-colunistas/elsie-lessa-10926342. Acessado em 03 de dezembro de 2017.
  • 6
    A experiência brasileira se distingue daquelas de países como Estados Unidos, Inglaterra e França, onde movimentos feministas, desde a década de 1960, tiveram forte participação política nesses debates (Joana Maria PEDRO, 2003PEDRO, Joana Maria. “As representações do corpo feminino nas práticas contraceptivas, abortivas e no infanticídio - Século XX”. In: MATOS, Maria Izilda Santos; SOIHET, Rachel (Orgs). O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora Unesp, 2003; p. 157-174.).
  • 7
    A alteração do Art. 20 da Lei de Contravenções Penais, em 1979, que retirava o termo “ou evitar a gravidez” e as iniciativas de criação de programas de saúde que incluíam o planejamento familiar e a distribuição de métodos contraceptivos à população de baixa renda representavam bem essas mudanças.
  • 8
    Ibrahim Sued, nascido em 1924, no Rio de Janeiro, foi importante jornalista e colunista social brasileiro. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/ibrahim-sued-reporter/evolucao.htm. Acesso em 03 de dezembro de 2017.
  • 9
    Segundo, Sônia CORRÊA, Paulo de Martinho JANNUZZI, e José Eustáquio Diniz ALVES, (2003) a Conferência Mundial da População das Nações Unidas, realizada em Bucareste no ano de 1974, foi a primeira conferência de representantes dos governos dos diversos países membros das Nações Unidas para discutirem não só as relações entre os problemas demográficos e o desenvolvimento socioeconômico, como também as políticas de população a serem elaboradas para se promover o desenvolvimento e o bem-estar das populações.
  • 10
    Com o Ciclo Social da ONU, na década de 1990, e, especialmente nas Conferências Internacionais do Cairo (III Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, 1994) e Pequim (IV Conferência Mundial da Mulher, 1995), as noções de saúde reprodutiva e de direitos reprodutivos foram consagradas. (CORRÊA, JANNUZZI e ALVES, 2003CORRÊA, Sônia; JANNUZZI, Paulo de Martinho; ALVES, José Eustáquio Diniz. "Direitos e saúde sexual e reprodutiva: marco teórico-conceitual e sistema de indicadores." In: CAVENAGHI, Suzana. (Org). Indicadores municipais de saúde sexual e reprodutiva. Rio de Janeiro: ABEP, 2003, p. 27-62.).
  • Tânia Maria Dias (taniamariad07@gmail.com) é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Claudia Bonan (cbonan@globo.com) é doutora em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais UFRJ (2002) e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Andreza Rodrigues Nakano (andrezaenfermeira@gmail.com) é doutora em Ciências pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Professora da Escola de Enfermagem Ana Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2016
  • Revisado
    04 Dez 2017
  • Aceito
    23 Fev 2018
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