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Claudia nas décadas de 1970-1980 - Feminismo, antifeminismo e a superação de um suposto passado radical

Claudia in the 1970’s-1980’s - Feminism, Antifeminism and the Overcoming of a So-called Radical Past

Resumo:

Observando números da Revista Claudia publicados no Brasil entre 1970 e 1990, esse artigo busca compreender, de um ponto de vista historiográfico, a proliferação de discursos antifeministas na publicação a partir da segunda metade da década de 1980. O antifeminismo como ideia corrente nunca abandonou totalmente a revista. Contudo, discursos de rejeição de um suposto passado radical do movimento foram difundidos na publicação no período, inclusive por mulheres diretamente associadas à história dos feminismos dessa geração, o que instigou o desenvolvimento desta análise. É, portanto, a partir dessa observação, com base em bibliografia de referência sobre a temática e em parte da produção impressa dos feminismos do período, que o artigo se constrói.

Palavras-chave:
Revista Claudia; história do feminismo; antifeminismo

Abstract:

This article seeks to understand, from a historiographic perspective, the proliferation of anti-feminist discourses published in Revista Claudia from the second half of the 1980’s onwards. Antifeminism as a current idea was never completely abandoned by the magazine. However, discourses of rejection of a so-called radical past of the movement were propagated by the publication during this period. Articles with such content were also written by women who were directly associated with feminisms at that time, which motivated the development of this analysis. This article uses both bibliographic references about the thematic and printed material made by different feminist movements at that time.

Keywords:
Claudia Magazine; History of Feminism; Antifeminism

Então, quem disse que você não é feminista? (Carmen da SILVA, 1976SILVA, Carmen da. “O que seria do mundo sem nós, mulheres?”. Claudia. São Paulo, nº 219, Ano XIX, dezembro de 1979, p. 309-315., p. 175)

Os olhares feministas sobre a grande imprensa e a cultura de massa são variados, às vezes paradoxais. Por um lado, temos posições, como aquelas observadas por Amy E. Farrel (2004FARREL, Amy Erdman. A Ms. Magazine e a promessa do feminismo popular. São Paulo: Barracuda, 2004., p. 39), de que quaisquer que fossem as diferenças que caracterizassem as pioneiras no movimento feminista norte-americano - e havia muitas -, o que unia muitas delas era a raiva que sentiam da grande mídia. Por outro, Françoise Thébaud (1991THÉBAUD, Françoise. “Introdução”. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres no Ocidente. Porto: Edições Afrontamento, 1991., p. 313), pensando no século XX, se afasta de uma perspectiva totalmente negativa da cultura de massas e pensa como pode ter atuado junto às mulheres como uma via de transformação cultural e comportamental.

Este artigo é parte dos resultados de observação de dados e reflexões construídas durante pesquisa realizada entre os anos de 2011 e 2015. Nela foram analisados, de um ponto de vista feminista e historiográfico, 168 dos 240 números da Revista Claudia publicados entre 1970 e 1989.1 1 Alguns números dos anos 1960, assim como de 1990, também foram observados, mas não de forma sistemática. Números consultados e coletados em diferentes acervos: 101, 104, 106-111, 116, 118-123, 125-131, 133-136, 138, 139, 141-145, 147-154, 156, 159, 161-165, 167-169, 171, 174-185, 187-190, 192-232, 234, 236-238, 240-244, 246-248, 252-255, 257-259, 262, 264, 265, 272, 274, 282, 284, 299-302, 304-310, 312, 314, 315, 317-319, 322-332, 334, 339. O objetivo geral da pesquisa foi estudar os debates sobre o trabalho doméstico na revista, incluindo os debates feministas e também os antifeministas ou não feministas.2 2 Entende-se aqui que antifeminismo é, grosso modo, a oposição a algumas ou todas as formas de feminismo. Feminismo é entendido genericamente como movimento e/ou filosofia que busca a equidade de direitos entre homens e mulheres. A figura de Carmen da Silva,3 3 Carmen da Silva (Rio Grande/RS, 31 de dezembro de 1919 - Volta Redonda/RJ, 29 de abril de 1985) foi uma psicanalista, jornalista e escritora brasileira, uma das precursoras do feminismo de sua geração no país. Escreveu na coluna “A arte de ser mulher” na Revista Claudia por mais de 21 anos, ininterruptamente, desde julho de 1963 até 1985, quando faleceu. colunista que abordou desde 1963 a “questão da mulher” na publicação e que, em princípios da década de 1970, identificou-se abertamente como feminista, certamente é central para pensarmos na associação que muitas vezes é feita entre a Revista Claudia e o feminismo.

A publicação, concebida dentro de um ideal de modernização conservadora (Ana Rita Fonteles DUARTE, 2005DUARTE, Ana Rita Fonteles. Carmen da Silva: o feminismo na imprensa brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005., p. 109; Anette GOLDBERG, 1987GOLDBERG, Anette. Feminismo e autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de liberação em ideologia liberalizante. Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), UFRJ, 1987., p. 25), trouxe conteúdo feminista dentro e também fora da coluna assinada por Carmen: “A arte de ser mulher”. A pesquisa, de forma geral, identificou destacado pioneirismo da publicação em discutir o trabalho doméstico como um problema para as mulheres no Brasil naquela geração, principalmente por se tratar de um veículo de imprensa comercial.

Ao considerarmos como olhamos para o passado com questões contemporâneas do presente, os antifeminismos que enfrentamos hoje movem indagações sobre determinado antifeminismo observado no final dos anos 1980 na Revista Claudia, e sua posição de superação de um suposto passado radical do movimento. Percebe-se um determinado apagamento ou uma deliberada rejeição do feminismo, em especial em Claudia, mas que supostamente pode ser observado em outras fontes daquele período, e que se percebe no Brasil a partir da década de 1990. O feminismo se tornou algo velho, ultrapassado, perdeu sua aura de novidade, expressão tão fortemente explorada pelas publicações para mulheres (Dulcília BUITONI, 1981BUITONI, Dulcília H. S. Mulher de papel: a representação da mulher na imprensa feminina brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 1981.; Carla BASSANEZI, 1996BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem-mulher 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.).

Podemos perceber que essas questões ainda vigoravam anos mais tarde na apresentação comercial de Claudia, no site da Editora Abril (Apud Nara WIDHOLZER, 2005WIDHOLZER, Nara. A publicidade como pedagogia cultural e tecnologia de gênero: abordagem lingüístico-discursiva. In: FUNCK, Susana Bornéo; WIDHOLZER, Nara. Gênero em discursos da mídia. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005.), em 2002.

Adulta, contemporânea, alto astral, a leitora de CLAUDIA quer crescer pessoal e profissionalmente. (...) Exigente no que escolhe para si e sua família, gosta de se cuidar, de se sentir bonita, amada. (...) Consumidora inteligente, tem a atenção voltada para os melhores produtos e serviços que o mercado oferece para elevar sua cada vez mais alta qualidade de vida. (...) Sente-se menos culpada em não exercer mais somente o papel de provedora da educação, da saúde e do amor familiar (...). Por isso acumula tarefas e não se sente estressada por isso. (Grifos de Nara Widholzer)

Em anos em que o feminismo esteve bastante fora de moda, a figura da supermulher pôde ser mais explorada pela editora, e o acúmulo de jornadas - sem efeitos colaterais! - foi vendido com um discurso positivo, assim como a noção de qualidade de vida atrelada ao consumo. Em 2016, no site da Abril, todas as revistas voltadas a mulheres ficavam concentradas sob o título “M de Mulher”,4 4 Disponível em http://mdemulher.abril.com.br/. Acesso em 13/01/2016. Nesses links, apresentam-se notícias que a editoria relaciona com feminismo, porque ligadas a debates sobre os direitos específicos das mulheres. uma seção especial, na qual havia inclusive um link intitulado “Feminismo”.5 5 Disponível em http://mdemulher.abril.com.br/tudo-sobre/feminismo. Acesso em 13/01/2016. Curioso observar que em junho de 2015 o link “Feminismo” estava em destaque no “M de Mulher”, mas em janeiro de 2016 não foi mais encontrado na página principal, apesar de ele ainda estar acessível caso o endereço da página fosse copiado e colado. Isto é, não é um link fixo, um botão para se clicar no site, como é o caso de “Moda”, por exemplo. O espaço do feminismo na página ainda está em negociação. Em 2017, a Claudia tinha uma página com suas notícias fora da “M de Mulher”, mas nela o feminismo também não é uma seção temática fixa.

Apesar disso, o feminismo certamente retornou ao amplo debate público, está em alta, e a chamada primavera das mulheres de 2015, marcada por manifestações e debates públicos sobre diferentes reivindicações feministas, reiterou essa constatação. O citado retorno do feminismo pode ser percebido, também, na mudança de postura da Editora Abril, que não traz mais em seu site discursos como o supracitado de 2002 e que, possivelmente, encontraria resistência de parte das leitoras se o fizesse.

Que feminismo é esse? A sororidade no discurso feminista em Claudia

Por que o trabalho doméstico foi tão importante para os feminismos6 6 Utiliza-se o plural em feminismos para marcar que não se trata de um movimento homogêneo ou de ideias sempre alinhadas. Pelo contrário, sob o “guarda-chuva” dos feminismos se agrupam múltiplas vertentes e visões às vezes conflitantes do que seria feminismo. Essa percepção é presente ao observarmos tanto os feminismos contemporâneos quanto os do passado. que emergiram nas décadas de 1960 e 70 no Ocidente? Quando os feminismos se voltam à noção de sororidade ligada à ideia de casta sexual, de destino social definido pelo dado de nascimento baseado no sexo, é esperado que os grupos foquem nas questões comuns, aquelas questões que entendem que afetam todas as mulheres, independente de seus marcadores ou situações sociais. Além da sexualidade e a ampla gama de questões a ela ligada - cerceamento da liberdade e vigilância sobre as mulheres em inúmeros sentidos, obsessão com a autoimagem, falta de autonomia reprodutiva e sobre o próprio corpo, entre outras -, o trabalho doméstico foi apontado nas discussões dos feminismos do período como tópico comum que afetava todas as mulheres.

Deste ponto de vista, das classes abastadas às desfavorecidas, em lares de diferentes etnias, no meio rural ou urbano, aquilo que era considerado doméstico e reprodutivo foi associado às mulheres, independente da sua participação na esfera produtiva. Certamente que em todas essas variações demográficas o doméstico se alterava, e as tarefas e funções que as donas de casa ou mães de família nesses diferentes contextos executavam poderiam variar enormemente. Mas, às vezes, nem tanto, e foi principalmente nos pontos comuns que os feminismos, em princípios da década de 1970, focaram.7 7 Se não é possível generalizar a figura doméstica feminina a todas as sociedades conhecidas, ao menos é possível generalizá-la, a partir da modernidade e da ênfase dada à separação de esferas pública e privada, nas sociedades industriais.

Por mais que a irmandade, baseada nos problemas compartilhados de opressão das mulheres, seja indicada como uma característica do feminismo radical do período analisado, ela marcou presença, de modo transversal, nos feminismos que se manifestaram na Revista Claudia. Se uma linha mais liberal ou mesmo marxista do feminismo não utilizou a sororidade (a noção de solidariedade entre mulheres) para ressaltar a superioridade feminina com bases essencialistas, certamente o fez como ponto aglutinador, politicamente falando, das mulheres; como característica identitária. Em julho de 1971, Carmen da Silva se refere às diversas manifestações das mulheres nos EUA em 1970 focando nesse ponto.

Que mulheres? Estudantes, operárias, espôsas de grevistas ou de empregados, mães de soldados, viúvas de guerra?

Nada disso: apenas mulheres. Êsse era o dado comum e não a idade, raça, religião, classe social, situação cultural, profissional ou familiar. Era na qualidade de mulheres que elas contestavam e reivindicavam.

(...) O Ocidente pasmou: manifestações feministas a estas alturas! (...) (sic) (SILVA, 1971SILVA, Carmen da. “O que é uma mulher livre”. Claudia. São Paulo, nº 118, Ano X, julho de 1971.)

O Ocidente pasmou tanto que, conforme a pesquisa realizada na Revista Claudia, o feminismo foi uma temática demasiado polêmica para ser sequer citada na publicidade, em especial na publicidade associada ao trabalho doméstico, até meados da década de 1970. Mesmo nos anos em que o feminismo esteve em voga e se apresentou como mais vendável, período que poderíamos concentrar na Década da Mulher instituída pela ONU (1976-1985), as empresas tomaram cuidado para abordá-lo indiretamente, através de expressões como “nova mulher” ou usando o humor, ou ainda explicando sua visão conciliadora - entre homens e mulheres e das mulheres com a família - de feminismo. Até hoje podemos perceber que um movimento que Dolores Hayden (1981HAYDEN, Dolores. “Good homes make contented workers”. In: HAYDEN, Dolores. The Grand Domestic Revolution: A History of Feminist Designs for American Homes, Neighborhoods, and Cities. Cambridge, MA: MIT Press, 1981., p. 284) identificou nos EUA a partir da década de 1920, e que atinge seu ápice por lá nas décadas de 1950 e 60, um arranjo matrimonial que poderíamos traduzir como ‘Senhor Proprietário da Casa e Senhora Consumidora’, tem apelo na publicidade. Na década de 1970 no Brasil, quando parecia certo que a industrialização chegou para ficar, as agências publicitárias exploraram bastante esse padrão, e ofereceram subsequente resistência para incorporar diferentes imagens de feminilidade em seus anúncios.

Essa resistência se evidencia ao observarmos os anos de atraso - se podemos chamar assim um esforço deliberado em não tocar no assunto - entre o conteúdo editorial de Claudia e a publicidade no que se refere ao feminismo. Ao observarmos em outras fontes de pesquisa a produção impressa feminista no Brasil nas décadas de 1970 e 1980,8 8 A bibliografia de referência costuma citar principalmente os periódicos feministas Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio como os de maior circulação dessa geração. é notório o pioneirismo de Claudia como divulgadora do Movimento de Libertação das Mulheres e posteriormente do feminismo no país. Aquilo que as contemporâneas chamaram de feminismo moderno - marcando a diferença do feminismo sufragista ou mesmo de veia anarquista operária de décadas anteriores - é comentado, discutido e divulgado no magazine em um momento em que a circulação de textos sobre a condição feminina ou afins ocorria sobretudo através de material acadêmico,9 9 A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, de Heleieth I. B. Saffiotti, publicado em 1969 e resultado de sua tese de Livre Docência, é a obra geralmente apontada como pioneira, no campo acadêmico, nesse sentido. e ainda assim de modo muito incipiente. Esse pioneirismo em “falar dos problemas das mulheres” na imprensa periódica brasileira - lembrando as resistências ao termo feminismo até quase meados da década de 1970 - que Claudia assumiu através da figura de Carmen da Silva é apontado por bibliografia de referência (Anette GOLDBERG, 1989GOLDBERG, Anette. “Tudo começou antes de 1975: Idéias inspiradas pelo estudo da gestação de um feminismo ‘bom para o Brasil’”. In: Relações Sociais de Gênero X Relações de Sexo. São Paulo: Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero - USP, 1989., p. 16-17). Entretanto, para além do fato de que, já na década de 1960, em sua coluna “A arte de ser mulher” elencou pontos sobre a vida doméstica das mulheres que mais tarde seriam amplamente reconhecidos no Brasil como a mística feminina, gostaria de destacar o papel central da coluna como representante de um feminismo com enfoque mais liberal (principalmente em suas primeiras fases)10 10 Em dezembro de 1979 (p. 309-315), no artigo “O que seria do mundo sem nós, mulheres?”, Carmen da Silva divide sua trajetória em Claudia em quatro fases, as duas primeiras no período anterior à sua identificação como feminista, quando pensava as questões das mulheres de um ponto de vista mais pessoal e individual. O caráter coletivo do feminismo estaria mais presente na terceira e na quarta fase. e, consequentemente, maior aceitação entre os setores mais conservadores do país. Os feminismos brasileiros do período foram protagonizados por mulheres intelectualizadas, cuja formação se deu no bojo das esquerdas, e que buscaram dialogar com mulheres trabalhadoras. As primeiras produções periódicas impressas desses grupos, em meados da década de 1970, tinham o objetivo claro de dialogar com mulheres dos bairros periféricos, as donas de casa empobrecidas, muitas vezes cumpridoras de duras duplas jornadas. São materiais que foram utilizados pelos grupos feministas em associações de mães ou de bairros, com sentido conscientizador, incorporando as temáticas feministas à luta de classes. Na década de 1980, as questões de classe continuam presentes nessas publicações, mas diálogos mais amplos, culturais, e sobre a articulação política feminista que já estava muito mais madura no Brasil nos 80, são presentes. Foram publicações que às vezes traziam um pouco do sentido daquelas dos anos 1970, mas em outras dialogavam diretamente com mulheres que já se consideravam feministas, ou liberadas,11 11 Anette Goldberg (1989, p. 20; 28) ressalta como o significado de “mulher liberada” se altera entre as décadas de 1960 e 1970. Enquanto na década de 1960 era um termo pejorativo no Brasil, na década de 1970 este se transforma em uma espécie de sinônimo de mulher moderna. por assim dizer, mais inseridas na temática. Ao mesmo tempo, a institucionalização dos feminismos fez com que temas promovidos por agências de fomento internacionais ganhassem destaque, como a saúde e a violência, muitas vezes com enfoque em políticas assistencialistas (Cynthia A. SARTI, 2004SARTI, Cynthia Andersen. “O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 2, p. 35-50, mai.-ago. 2004., p. 42). Diante desse quadro, qual grupo feminista buscou diálogo, tanto nos anos 70 quanto nos 80, com as esposas da classe média estabelecida ou ascendente, aquelas que noivaram com um anel de brilhante no dedo, sonharam a juventude inteira com o dia do casamento e acreditaram que as soluções de consumo resolveriam os problemas da vida? Qual feminismo no Brasil se preocupou com as mulheres cuja produção subjetiva se dava no interior do processo de modernização e urbanização que ganhou força a partir da década de 1950 e que desembocou no desenvolvimento da sociedade de consumo? Certamente o maior acesso das mulheres ao ensino superior ocorre, ao mesmo tempo, em decorrência dessa modernização mas, os feminismos brasileiros, que são também fruto da maior escolarização feminina (e do engajamento das mulheres no movimento estudantil, do contato com grupos de esquerda, e outras questões decorrentes), não fizeram muito mais do que criticar o estereótipo dessas mulheres que representavam “o outro lado da modernização”: a “Senhora Consumidora”. Talvez na busca por fugir do estereótipo do feminismo como questão pequeno-burguesa; talvez por considerarem que mulheres com os mesmos recursos que elas próprias (acesso às universidades, à literatura, tempo e meios para “se conscientizar” - termo bastante caro para este período - etc.) escolhiam a ideologia dominante livremente e, nesse caso, nada poderia ser feito. Talvez ainda porque o foco de mudança estivesse nas teorias de esquerda, nas classes trabalhadoras mesmo, que eram maioria e eram vistas como o agente da transformação social. Seja como for, as mulheres médias - de camadas médias e cuja produção subjetiva correspondia ao que podemos entender como senso comum - não receberam grande atenção dos feminismos do período, salvo talvez na figura da patroa exploradora das domésticas. Desse modo, podemos perceber que a noção de irmandade nos feminismos brasileiros não foi algo tão central como, por exemplo, nos feminismos norte-americanos contemporâneos. Mas Claudia, como grande divulgadora das “tendências de fora”, principalmente da América do Norte e Europa, talvez tenha abraçado mais essa ideia do que os próprios grupos feministas no Brasil, ao menos discursivamente e em seu conteúdo feminista. Em junho de 1977, por exemplo, Carmen da Silva no artigo intitulado “Desconfie do homem que se diz feminista (é mais um truque do machão!)”, além de falar em fraternidade entre as mulheres, aponta dois dos mais importantes focos dos feminismos de sua geração, quando afirma que “(...) a solução dos problemas sociais não bastará para modificar o panorama de desigualdade entre os sexos” e que

Há uma especificidade na condição feminina; todas as mulheres, mesmo pertencentes aos mais diversos estratos sociais, têm em comum um tipo de experiência humana decorrente precisamente do fato de serem mulheres numa sociedade que as discrimina e oprime. (Grifos da autora) (SILVA, 1977SILVA, Carmen da. “Desconfie do homem que se diz feminista (é mais um truque do machão!)”. Claudia. São Paulo, nº 189, Ano XVI, junho de 1977., p. 166)

A década de 1970 e a entrada na de 80 foi um período em que muitas militantes de esquerda se sensibilizaram com as questões feministas (Joana PEDRO, 2006PEDRO, Joana Maria. “Os sentimentos do feminismo”. In: ERTZOGUE, Marina Haizenreder; PARENTE, Temis Gomes (Orgs.). História e sensibilidade. Brasília: Paralelo 15, 2006., p. 255-270), algumas vezes rompendo com os grupos ou partidos de esquerda ao perceber que as questões das mulheres sempre eram tratadas como subalternas às de classe, quando não ignoradas. Não foram encontrados, em extensa consulta às fontes, todavia, indícios nas produções feministas brasileiras dos anos 1970 de qualquer linha que pudesse ser identificada com o feminismo radical, com a sobreposição das questões das mulheres às questões de classe. Parece que a ideia de “inimigo principal” de Christine Delphy (1978DELPHY, Christine. “O inimigo principal”. In: Liberação da mulher: ano zero. Belo Horizonte: Interlivros, 1978.)12 12 Christine Delphy, nascida em 1941, é uma socióloga francesa, feminista, escritora e teórica, que é cofundadora do Mouvement de Libération des Femmes (1970) e do jornal Nouvelles Questions Féministes (1981), com Simone de Beauvoir. É pesquisadora do CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica francês) desde 1966 no campo dos estudos feministas e de gênero, e um dos expoentes do feminismo materialista europeu. não fez grande sucesso por aqui, mas tampouco foi unânime entre as militantes a orientação de manter sempre as questões das mulheres subordinadas às questões de classe ou partidárias. Ou seja, foi característica dos feminismos brasileiros, assim como ocorreu em outros países da América Latina, uma associação da luta pelos direitos gerais com a luta pelos direitos específicos (Sonia ALVAREZ, 1997ALVAREZ, Sonia E. “Para uma ‘coreografia’ democrática: cultura, política e cidadania”. In: ARAÚJO, Angela M. C. (Org.). Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997, p. 243-248.), e temas que poderiam prejudicar importantes alianças na luta geral e contra a ditadura, alianças com os setores de esquerda da Igreja Católica por exemplo, foram evitados (Rachel SOIHET, 2007SOIHET, Rachel. “Preconceitos nas charges de O Pasquim: mulheres e a luta pelo controle do corpo”. Art Cultura, Uberlândia, v. 9, n. 14, p. 39-53, jan.-jun. 2007., p. 43).

Antifeminismo e a superação de um suposto passado radical

Os feminismos estudados, inclusive aqueles abordados por Claudia, foram, assim, bastante conciliadores. Não foi praxe no Brasil se declarar guerra aos homens, à família, à maternidade, ou a diferentes instituições que muitas feministas radicais da América do Norte ou Europa tomaram como inimigas. Ainda assim, quando se aproxima o final da década de 1980, alguns discursos nas páginas da revista podem surpreender. Há uma espécie de negação, rejeição ou sentimento de superação de um suposto passado radical, ao mesmo tempo em que se enaltece uma “nova” proposta de um feminismo conciliador, que se preocupe com os homens, com a família e com a sociedade como um todo. O curioso é que a minha leitura no decorrer de anos de pesquisa sobre os feminismos brasileiros nos anos 1970 sempre foi essa, de que foram muito conciliadores com as questões gerais, com os homens e com a família. Diante disso, minha primeira reação foi pensar que se estavam importando debates, porque Claudia, em diferentes momentos, publicou resenhas de livros de feministas estadunidenses ou francesas. Um segundo olhar sobre esse ponto, contudo, mostrou que não.

Os discursos antifeministas parecem, de alguma forma, ter atravessado os próprios discursos feministas a ponto de constituí-los, o que nos leva a refletir sobre como mesmo os processos de singularização não escapam totalmente à produção subjetiva (Félix GUATTARI; Suely ROLNIK, 2010GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 2010.). São diferentes os exemplos da década de 1970, mas principalmente da de 80, desses discursos feministas focados na negação de um extremismo dos 70 que não poderia ser associado a nenhum dos grupos feministas do Brasil comumente citados pela bibliografia de referência. Em outras palavras, as feministas por aqui estavam pedindo desculpas por algo que nunca fizeram ou tiveram a intenção de fazer, por uma posição política que não era delas, e que a elas foi atribuída por grupos ou pessoas que não se deram ao trabalho de ler seu material ou prestar atenção ao que diziam.

Não estou, de forma alguma, endossando a ideia corrente de que as posições identificadas com o feminismo radical devessem ser motivo de desculpas ou justificativa. Se me é permitido o anacronismo, muito do que fez parte do feminismo radical estadunidense, por exemplo, nem mesmo parece muito extremista ou incongruente com a visão de um feminismo conciliador, que inclua a família e os homens. Talvez a noção de radicalismo estivesse atrelada ao fato de não serem feminismos muito bem quistos do ponto de vista capitalista, porque suas críticas inúmeras vezes atacavam diretamente a sociedade de consumo, e nesse ponto os feminismos brasileiros também não foram. Mas a negação dos homens, da maternidade ou da família nuclear não foi ponto unânime, nem mesmo nos grupos feministas radicais estadunidenses ou franceses. Essa observação se faz pertinente uma vez que, de forma geral, quando Claudia se apropriou ou divulgou teorias do feminismo internacional nos anos analisados, foram da França ou dos EUA.

Para pensarmos, portanto, em alguns exemplos a esse respeito, podemos observar Betty Friedan13 13 Betty Naomi Goldstein, mais conhecida como Betty Friedan (1921-2006), foi importante ativista feminista norte-americana. Foi cofundadora da Organização Nacional das Mulheres (NOW), nos Estados Unidos. Dentre outras atividades de militância, se destacou pela publicação de sua obra Mística Feminina (1963), apontada como ícone de sua geração. É considerada uma das feministas mais influentes do século XX. já em A segunda etapa, sua terceira obra, publicada nos EUA em 1981 e no Brasil em 1983.14 14 Mística feminina foi publicada nos EUA em 1963 e aqui em 1971, e It changed my life: writings on the women’s movement (Mudou a minha vida: escritos sobre o movimento de mulheres) foi publicada nos EUA em 1976. Este exemplo se faz bastante relevante, uma vez que as publicações e a militância de Betty Friedan foram acompanhadas por Claudia no decorrer dos anos estudados. A ideia da mística feminina foi muito trabalhada por Carmen da Silva, e é possível que Betty Friedan tenha sido a feminista mais citada na revista nesses anos depois da própria Carmen.

No livro de 1983, Betty Friedan indica como “fulminações mais absurdas das feministas radicais” atitudes como “não raspar as pernas ou as axilas, recusar-se a ir ao cabeleireiro ou usar maquiagem, não deixar que ‘ele’ pagasse a conta do restaurante ou abrisse a porta, não fazer o café da manhã para ele, ou o jantar, não lavar as meias dele” (FRIEDAN, 1983FRIEDAN, Betty. A segunda etapa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983., p. 47). Na mesma obra, a autora indica ainda a famosa ocasião de queima dos sutiãs15 15 Sobre o mito da queima dos sutiãs em Atlantic City em 1968 ver: http://time.com/2853184/feminism-has-a-bra-burning-myth-problem/ ou http://www.newyorker.com/magazine/2009/11/16/lift-and-separate ou ainda o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=kDGGcrXnd8Y Acesso em 04/10/2015. O logro da queima dos sutiãs é inclusive relatado em um livro sobre as “dez maiores notícias enganosas do jornalismo americano” (Joseph CAMPBELL, 2010). como “chocante” e “ultrajante”, e continua explicando o “constrangimento” que tiveram que aceitar para manter intacta a fachada de irmandade sólida (FRIEDAN, 1983, p. 44). Argumenta ainda que:

(...) sabíamos que estava errado, pessoal e politicamente, embora nunca tivéssemos dito nada na época, como devíamos. Ficamos intimidadas pelo conformismo ao movimento feminista e a realidade da frase “a força está na irmandade”, como nunca teríamos sido pelo inimigo. (FRIEDAN, 1983FRIEDAN, Betty. A segunda etapa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983., p. 46-47)

Entendo que o ponto de Betty Friedan nesse caso fosse o uso antifeminista da simbólica queima de sutiãs, um fenômeno basicamente midiático que associou as feministas a essa imagem negativa - já construída e explorada pela mídia ao representar as sufragistas décadas antes - de mulheres raivosas e descontroladas, anti-homem e antifamília. O que me parece um pouco difícil de compreender é essa tendência de se culpar as mulheres, em especial as feministas, pela disseminação de determinados estereótipos sobre elas que não foram elas que produziram e que muitas vezes não estavam lá, em nenhuma de suas representantes.

Em outros momentos, nessa mesma obra por exemplo, Betty Friedan (1983FRIEDAN, Betty. A segunda etapa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983., p. 97) diz que o problema de se precisar escolher entre carreira ou família foi criado pelo feminismo de sua geração, quando os dados que ela mesma apresenta poderiam nos levar a outras direções. A divisão de esferas pública como masculina e privada como feminina, assim como os empregos que levam em conta que o trabalhador tem uma esposa que cuida de todos os detalhes de sua vida doméstica, ambos aspectos da vida média norte-americana da segunda metade do século XX que foram criados e fomentados por homens, poderiam ser indicados como a causa do problema, e não o movimento das mulheres de buscar as posições que representavam prestígio (na produção, não na reprodução) na sociedade em que viviam. Se por um lado, é importante que se reivindique que a esfera privada e o trabalho de reprodução merecem prestígio, questões que a militância de Betty Friedan refutou em sua primeira etapa, soa bastante parcial culpar as feministas pelo acúmulo de jornadas ou pelas opções limitadas entre carreira e maternidade.

Seguindo esta linha, temos exemplos na própria Claudia, em depoimentos como o da advogada Ada Pellegrini Grinover, que fala como voz autorizada sobre os direitos das mulheres, mas não se coloca como feminista. No artigo de abril de 1976 “Mulher quase não tem direitos. Isto é direito?” (CLAUDIA, 1976Claudia. São Paulo, nº 175, Ano XV, abril de 1976.a, p. 78), ela menciona Betty Friedan como a grande representante deste feminismo radical que a própria Friedan critica em A segunda etapa e no qual ela não atuou diretamente, salvo em ocasiões em que os diferentes grupos feministas se reuniam para reivindicar pontos comuns.

- Eu não vejo em absoluto uma luta entre homem e mulher. É por isto que os movimentos feministas à Betty Friedan só me fazem sorrir. A mulher deve tomar seu lugar junto ao homem, lado a lado, participando da mesma vida, dos mesmos interesses, dos mesmos problemas. (...) (CLAUDIA, 1976a, p. 78)

Levando em conta a longa tradição da grande mídia em aviltar e espezinhar as feministas (Rachel SOIHET, 2004SOIHET, Rachel. “Pisando no ‘sexo frágil’”. Nossa História. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Ano 1, nº 3, p. 14-20, jan. 2004.), podemos imaginar que se não fosse a simbólica queima de sutiãs, qualquer outro acontecimento poderia ter sido utilizado no mesmo sentido, ter sido o bode expiatório da disseminação de estereótipos negativos. Mesmo posições defendidas pelos grupos feministas mais conservadores - como a NOW (National Organization for Women) em que Betty Friedan atuou -, como o direito ao aborto, poderiam ser utilizadas para construir imagens muito mais negativas do que a simples queima pública de peças íntimas femininas. Afinal de contas, eram sutiãs tão essenciais e indispensáveis para as famílias e os esposos?

Por outro lado, não lavar as meias do homem ou não raspar as pernas não parece nada além de exercícios de direitos individuais, nos quais havia sim algo de contestador porque direitos individuais eram negados às mulheres. Entretanto, seria muito diferente da imagem de mulheres que, por exemplo, não atenderiam às necessidades básicas de seus filhos ou agrediriam fisicamente homens em nome do feminismo, como os estereótipos buscaram propagar. Esses estereótipos trabalharam com uma noção de “machismo às avessas”, ressaltando como seria absurdo as mulheres se comportarem assim, sem uma crítica concomitante sobre o fato de que os homens já se comportavam assim em relação às mulheres e era exatamente essa a reclamação das feministas. É possível também que, como a ocasião da queima de sutiãs fora associada a um grupo chamado Mulheres Radicais de Nova Iorque (New York Radical Women), a construção de determinada imagem possa ter sido facilitada, por mais que os sutiãs não tenham sido propriamente queimados e muitas das mulheres envolvidas estivessem vestindo, na ocasião, vestidos, saias, sapatos de salto e também sutiãs.

Confesso que fiquei bastante intrigada com a questão, principalmente ao perceber que, em Claudia, no final da década de 1980, esses discursos se multiplicaram, particularmente em negação a um feminismo passado - algo de menos de quinze anos antes - e sua suposta declaração de guerra aos homens. As tensões entre feminismo e antifeminismo foram uma constante na revista nos anos observados. Entretanto, percebe-se uma diferença entre essas tensões nos anos 70 e uma mudança no discurso a partir de meados dos 80, inclusive das feministas ou mulheres liberadas: há o desenvolvimento da ideia do feminismo como algo antigo e superado com o aproximar da década de 1990. Em setembro de 1983, por exemplo, Claudia (1983Claudia. São Paulo, nº 264, Ano XXII, setembro de 1983., p. 47) entrevista Rose Marie Muraro16 16 Rose Marie Muraro (1930-2014) foi uma escritora, intelectual e feminista carioca. Uma das mais destacadas intelectuais de sua geração, foi autora de mais de 40 livros e também atuou como editora em 1600 títulos, quando diretora da Editora Vozes. sobre seu então mais recente livro, A sexualidade da mulher brasileira. Durante a entrevista, em tom descontraído, a autora afirma: “Hoje é chique ser feminista, mas houve tempo em que me chamavam de mal-amada e machona”. De certa forma, a afirmação de Rose Marie Muraro resume muito da abordagem da publicação ao feminismo principalmente a partir de 1975 e 76. Mas essa posição se modifica depois de meados dos anos 80.

Três anos depois, em setembro de 1986, o magazine já publica uma entrevista com a economista americana Sylvia Ann Hewllet (CLAUDIA, 1986Claudia. São Paulo, nº 300, Ano XXV, setembro de 1986.a, p. 207-211) sobre seu livro que acabou não sendo publicado no Brasil: A lesser life, myth of Women’s Liberation in America (Uma vida inferior, o mito da liberação feminina na América). Segundo a entrevista, a obra traz um balanço um pouco parecido com o que Betty Friedan apresenta em A segunda etapa, mostrando como a inserção das mulheres no mercado de trabalho sem o suporte público necessário, como creches ou licença-maternidade, além do aumento do número de divórcios e a decorrente diminuição da renda feminina, foram resultados do feminismo que vinham penalizando bastante as mulheres. Os argumentos apresentados são interessantes: mostram as consequências dos empregos inferiores oferecidos às mulheres, de sua menor disponibilidade para as carreiras devido à maternidade sem apoio (de aparelhos estatais ou dos esposos), assim como a ideia corrente nos EUA de que filhos eram mais um bem de consumo e não um valor para a sociedade e, por isso, cada uma devia arcar com as despesas e responsabilidades dos seus, como se fossem uma hipoteca de imóvel ou uma viagem de férias muito cara. Diante disso, a economista defendeu que as mulheres precisavam de privilégios, e não apenas de igualdade, para combater fenômenos que hoje os estudos feministas relacionam com a feminização da pobreza.

No mesmo sentido em que li A segunda etapa, me pareceu bastante parcial indicar o feminismo como causador de questões que são anteriores a ele ou que não foram criadas pelas feministas. A responsabilização exclusiva das mulheres pelos filhos, as leis de divórcio que não consideravam o trabalho prestado pelas mulheres à família, a média de salários mais baixos para trabalho e formação iguais das mulheres em relação aos homens, o fato dos EUA ser uma das únicas nações industrializadas sem lei de licença maternidade remunerada, certamente não são culpa nem resultado das mobilizações feministas.

Novamente, é compreensível a crítica de que na então atual situação de crise dos EUA era necessário pensar em questões materiais para as mulheres e, ao mesmo tempo, uma autocrítica de um feminismo igualitarista e liberal que focou em determinadas questões e não em outras era muito válida. Mas o tom geral da publicação foi de culpabilização dos feminismos por criar determinada situação degradante para as mulheres nos EUA e, diferentemente do que acontecia nessas entrevistas nos anos de auge do feminismo, apesar de estar inserida na coluna Feminismo, o entrevistador foi um homem, não uma mulher.

Em novembro de 1987, Claudia publica duas importantes entrevistas sob o selo “20 anos de feminismo”, com o título “A maturidade de uma revolução”. São entrevistadas Molly Yard, então presidente da NOW, a “mais importante organização feminista do mundo” (CLAUDIA, 1987Claudia. São Paulo, nº 314, Ano XXVII, novembro de 1987., p. 142), e também a presidente da Federação das Mulheres Cubanas, Vilma Espin Guillois. Para os propósitos deste artigo, chamou a atenção o fato da segunda pergunta dirigida a Molly Yard ter sido a seguinte: “No Brasil, muitas mulheres têm medo de se dizer feministas. Associam a palavra a desamor, lesbianismo etc. Como se explica isso?” (CLAUDIA, 1987, p. 142) A entrevistada responde

Isso também acontece aqui. Na minha opinião, não passa de um mal-entendido. Segundo o dicionário, feminista é a mulher ou homem que acredita no tratamento igual para os dois sexos. Nada mais. Muitas mulheres têm medo dessa palavra porque associam feminismo com as histórias comuns do início do movimento de mulheres que falavam de queimar sutiãs. Não sei como essas histórias surgiram. Mas, infelizmente, hoje muita gente ainda tem essa impressão. (CLAUDIA, 1987, p. 142)

Na pergunta seguinte, a entrevistadora17 17 Não se indica o nome da entrevistadora, mas há uma foto de uma mulher conversando com Molly Yard. indagou sobre as atitudes feministas que as mulheres tomavam sem pensar, mostrando algo que Anette Goldberg (1989GOLDBERG, Anette. “Tudo começou antes de 1975: Idéias inspiradas pelo estudo da gestação de um feminismo ‘bom para o Brasil’”. In: Relações Sociais de Gênero X Relações de Sexo. São Paulo: Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero - USP, 1989., p. 1-2) relatou sobre sua experiência de retorno ao Brasil após o exílio, um estranhamento ao perceber que as novas mulheres por ela identificadas não se consideravam feministas: “(...) várias das que eu apressadamente tendia a etiquetar como ‘feministas’ se referiam ao feminismo como ‘coisa de sapatão’ ou como movimento de esquerda fechado e careta.” Debate semelhante é encontrado em outubro de 1976Claudia. São Paulo, nº 181, Ano XVI, outubro de 1976. em artigo de Carmen da SilvaSILVA, Carmen da. “Porque sou feminista”. Claudia. São Paulo, nº 181, Ano XVI, outubro de 1976., intitulado “Porque sou feminista” (SILVA, 1976SILVA, Carmen da. “O que seria do mundo sem nós, mulheres?”. Claudia. São Paulo, nº 219, Ano XIX, dezembro de 1979, p. 309-315., p. 169-175). Nele, ela demonstra compreensão para com as mulheres emancipadas ou preocupadas com a igualdade que não se diziam feministas, porque colocar-se como feminista não era uma posição tranquila ou bem quista em 1976. Entretanto, é interessante que ela aponta essas mulheres como feministas, independentemente do fato de não se declararem abertamente assim.

Retomando Anette Goldberg, é importante destacar que seu retorno ao Brasil data de 1978, período de ápice dos debates feministas e das visões positivas de feminismo nas fontes consultadas. Isso nos lembra da constância do antifeminismo, mesmo nesse período. Apesar de diferentes celebridades aparecerem no decorrer desses anos em Claudia defendendo os direitos das mulheres - com uma tendência maior das estadunidenses em se declarar feministas do que das brasileiras -, figuras como Myrian Rios, jovem esposa de Roberto Carlos, foram presentes. Ela foi apresentada em outubro de 1981 (CLAUDIA, 1981Claudia. São Paulo, nº 241, Ano XXI, outubro de 1981.a, p. 44-46) primeiramente por suas medidas: de fato, a chamada da reportagem lista altura, busto, cintura e quadris “Para agradar um rei”. Na página seguinte, o único destaque do texto, em caixa alta em um quadro separado, é “Não falem de feminismo perto dela, Myrian não gosta, ignora.” (CLAUDIA, 1981a, p. 46)

Apesar de Myrian Rios e da abordagem do texto em si serem notavelmente antifeministas, é uma posição bem diferente daquela relatada por Anette Goldberg ou percebida na observação das fontes na segunda metade dos anos 80. Destacar o fato de que a jovem esposa de Roberto Carlos não queria saber de feminismo de forma alguma, aponta a importância do feminismo no momento, assim como em diferentes ocasiões em que Carmen da Silva frisou que feminismo não era guerra entre os sexos (como em maio de 1976Claudia. São Paulo, nº 176, Ano XV, maio de 1976.), ou que era muito contraditório mulheres inseridas na política terem posições antifeministas (como em abril de 1978Claudia. São Paulo, nº 199, Ano XVII, abril de 1978.), ou ainda quando ela escreve um artigo inteiro sobre o machismo feminino (em novembro de 1981Claudia. São Paulo, nº 242, Ano XXI, novembro de 1981.). A crítica que emerge nos anos 80 ao suposto radicalismo dos primeiros anos do feminismo, por outro lado, parece ter colocado muitas mulheres que eram a favor dos preceitos feministas na posição de antifeministas.

Adentrando os anos 1990, tive acesso a uma longa e interessante matéria publicada em comemoração ao 29º aniversário de Claudia, de outubro de 1990 (CLAUDIA, 1990Claudia. São Paulo, nº 349, Ano 29, outubro de 1990., p. 46-53): “Feminismo 29 anos depois”. Na chamada se lê: “Outubro de 61. Nascia Claudia. Vamos comemorar juntas, falando do movimento que, em três décadas, mudou nosso destino”. Chama a atenção a maneira como se abre o texto da extensa matéria

O feminismo é algo superado? Está fora de moda? Já cumpriu sua missão? As Teresas Batistas do mundo inteiro realmente estão cansadas de guerra, como insinuam os defensores de “o sonho acabou”, os eternos detratores de todas as utopias? É impossível responder a essas perguntas com um simples “sim” ou “não”, pois nada do que é humano é estranho ao feminismo das últimas três décadas. Ele abriu frentes de batalha em todos os setores, e as vitórias foram muitas. (...) Por que, então, o desânimo, o cansaço?

É que essa breve história do tempo feminino nasceu de uma contradição. É impossível endurecer e vencer, sem perder a ternura. As mulheres foram à luta e entraram em choque com seus pais, irmãos, companheiros e até com seus próprios filhos. (...) (CLAUDIA, 1990, p. 46)

O texto continua com tom bastante conciliador. Não é um texto assinado, e certamente ignora alguns pontos que Carmen da Silva repetiu inúmeras vezes ao abordar o feminismo em Claudia, no sentido de ser uma batalha contra a estrutura, o sistema patriarcal, e não contra os homens de forma individual. Também se pode perceber a pontual referência ao amor materno como algo transcendente ou natural, quando se destaca que até com os seus próprios filhos as feministas precisaram entrar em conflito. As atitudes ou posições dos filhos a respeito dos direitos das mulheres parecem ser irrelevantes diante da expectativa de apoio incondicional das mães a eles.

Em seguida a matéria dialoga com importantes nomes do feminismo no Brasil, como Branca Moreira Alves,18 18 Branca Moreira Alves é carioca, nasceu na década de 1940 e é formada em Direito e em História. Teve contato com ideias feministas em Berkeley (EUA), e é apontada como uma das pioneiras dos feminismos de sua geração no eixo Rio-São Paulo: participou dos primeiros grupos de reflexão e das movimentações do Ano Internacional da Mulher em 1975. Em 1987, foi a primeira presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher/RJ; e em 1992 a Organização das Nações Unidas a convidou para abrir o escritório em Brasília do UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para Mulher para o Brasil e o Cone Sul, onde permaneceu por onze anos. É também uma das autoras, com Jacqueline Pitanguy, da obra O que é feminismo, da Coleção Primeiros Passos. Rose Marie Muraro, Carmen Barroso,19 19 Carmen Lucia Barroso é uma conhecida cientista social, especialista em estudos populacionais e saúde reprodutiva. Atua na ONU e recebeu o Prêmio de População das Nações Unidas de 2016. No Brasil, é apontada como umas das pioneiras na área de estudos de gênero, onde trabalhou na Fundação Carlos Chagas e na Universidade de São Paulo. Ela é autora de vários trabalhos publicados na mídia e em meios acadêmicos, tendo também atuado em conselhos e comissões internacionais Florisa Verucci,20 20 Florisa Verucci, formada em Direito pela UFMG, com pós-graduação em Ciências Políticas pela Universidade de Paris, é autora de vários projetos de alteração do Código Civil em favor dos direitos das mulheres, nos quais atuou em conjunto com Silvia Pimentel. Foi integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Faleceu no ano 2000, aos 66 anos. Hildete Pereira de Melo,21 21 Hildete Pereira de Melo, nascida em 1943, é economista e, desde 1972, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esteve envolvida com grupos de resistência à ditadura. Atuou na Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República entre 2009 e 2010 e depois entre 2012 e 2014. Possui atuação feminista destacada na academia e na política institucional, e esteve engajada em muitos grupos e diferentes frentes de militância das mulheres, incluindo os debates da Assembleia Nacional Constituinte de 1987. Atualmente é um dos principais nomes do Brasil na produção científica sobre trabalho das mulheres Zuleika Alambert22 22 Zuleika Alambert (1922-2012) foi escritora, jornalista e política do PCB. Ela foi uma das duas primeiras mulheres a se eleger deputada estadual em São Paulo, em 1947. Perseguida pela ditadura, exilou-se. Em 1979, beneficiada pela Lei da Anistia, voltou ao Brasil e passou a participar de movimentos voltados às mulheres. Fundou o Conselho Estadual da Condição Feminina do Estado de São Paulo e coordenou a Comissão Estadual de Educação, Cultura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. É autora de importantes obras que articulam feminismo e marxismo no Brasil. e Cristina Bruschini,23 23 Maria Cristina Aranha Bruschini (1945-2012) foi socióloga, formada pela USP, e nome central no campo dos estudos feministas e de gênero. Pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas (FCC), sua obra sobre as desigualdades de gênero e trabalho é ainda das principais referências sobre a temática, tendo impacto sobre diferentes gerações de feministas. utilizando-as como vozes autorizadas para apresentar uma espécie de balanço das conquistas do movimento. O primeiro depoimento que o texto traz, logo depois do trecho supracitado, é de Branca Moreira Alves, no qual, em determinado ponto, chama a atenção pelo tom de superação do feminismo dos 1970 que é encontrado de diferentes formas em Claudia a partir da segunda metade dos anos 80: “(...) Hoje, por exemplo, tenho uma relação de igual para igual com o homem que amo e posso até fazer coisas consideradas ‘femininas’, como lavar louça e cozinhar, mas faço isso porque me sinto igual, e essas atividades me dão prazer.” (CLAUDIA, 1990, p. 48)

Esse depoimento lembra muito a observação de Betty Friedan em A segunda etapa (1983FRIEDAN, Betty. A segunda etapa. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983., p. 41) de que as feministas até coravam ao utilizar a palavra feminilidade em seus dias. Mas é possível que haja aí uma relação com a história pessoal de Branca Moreira Alves e seu contato com o feminismo primeiramente nos EUA, conforme a própria matéria conta, porque as feministas brasileiras que são entrevistadas, resenhadas e discutidas em Claudia nos números consultados não apresentam nenhuma negação de feminilidade. Essa negação, associada ao feminismo radical, incluía opções como não usar maquiagem, não depilar as pernas ou não arrumar o cabelo dentro dos padrões esperados, ou mesmo não lavar a louça em casa, quando casadas. Nada parecido foi, contudo, encontrado no magazine nos anos consultados,24 24 Nem mesmo Carmen da Silva, que, segundo bibliografia, fazia o possível para evitar tarefas como lavar a louça, sempre comendo fora, comenta em Claudia essa sua opção. exceto nesses momentos de negação, de dizer que “não somos mais assim”'.

Mais adiante ainda, a mesma matéria de 1990 (CLAUDIA, 1990, p. 52) traz depoimentos de jovens mulheres “emancipadas” (segundo a matéria), uma a favor do feminismo e outras duas com suas ressalvas. Uma jovem engenheira de 28 anos afirmava que “Ser feminista, atualmente, ficou muito pesado. Soa como terrivelmente antigo, como se você colocasse mulheres de um lado, homens de outro e o trabalho na frente de tudo, sem ganhar muito com isso.” Uma jornalista de 24 anos achava o movimento inexpressivo: “(...) Pra mim não significa nada. As militantes são radicais. Vejo as conquistas como a melhoria do ser humano e não apenas da mulher.” Hildete Pereira de Melo comenta, ainda na mesma matéria, a agressividade do antifeminismo não apenas através dos clichês de mal-amadas ou sapatões divulgados na imprensa e utilizados conforme a conveniência, mas também através de ameaças que sofreram, por exemplo, durante panfletagens. Ela aponta que o Ano Internacional da Mulher da ONU, diante desse quadro, aliviou bastante esse antifeminismo mais agressivo que, aparentemente, ressurge com uma diferente roupagem no final da década de 1980.

Esses apontamentos de 1990 são importantes porque parecem fazer um balanço não apenas das conquistas do movimento, mas também dessa construção de um antifeminismo calcado na imagem das feministas como radicais, declarando guerra aos homens. Como esse radicalismo, essa declaração de guerra não estava, não existia nos periódicos feministas dos anos 70 mais conhecidos no país, nem em extensa bibliografia do período que vim consultando por muitos anos sobre mulher, mulheres e feminismo, e muito menos nas abordagens feministas encontradas na revista Claudia, me indaguei de onde viria essa visão de um passado radical do movimento no Brasil.

Descartei a ideia de ser simplesmente uma questão importada, ao retomar as obras internacionais mais citadas da aurora desses movimentos. Simone de Beauvoir25 25 Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de Beauvoir (1908-1986) foi uma escritora, intelectual e filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa. É um dos mais destacados nomes da teoria feminista de sua geração, com muitas obras publicadas em português. e, especialmente, Betty Friedan apresentavam, em O Segundo SexoBEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. Vol 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970. e Mística Feminina, visões e soluções bastante conciliadoras para os problemas das mulheres. Tanto Betty Friedan quanto Simone de Beauvoir desenvolveram suas críticas àquilo que foi chamado de condição feminina baseadas em questões identitárias das mulheres, apontando a necessária busca por sua individualidade e desenvolvimento pessoal. Mas uma negação obrigatória aos homens, ao sexo heterossexual, à maternidade ou à família não perpassava suas obras.

Levando em conta que Betty Friedan foi citada em diferentes momentos como a inauguradora do feminismo de sua geração, ou da revolta das americanas, e também porque foi muito comentada de forma geral em Claudia, reli com cuidado seu primeiro livro (1971) buscando o radicalismo discursivamente associado a ela. O que encontrei foram citações como “sua firme determinação de viver uma vida independente não a impede de amar um homem” (FRIEDAN, 1971FRIEDAN, Betty. Mística Feminina. Petrópolis: Vozes, 1971., p. 37); ou “somente por meio de um compromisso pessoal com o futuro poderá sair da armadilha doméstica e realizar-se verdadeiramente como esposa e mãe, concretizando suas possibilidades de ser humano independente e singular” (FRIEDAN, 1971, p. 290). Também encontrei dados explicando como a família na França não enfraqueceu com o aumento do trabalho profissional feminino (FRIEDAN, 1971, p. 289), que era possível construir um “novo plano de vida, nele encaixando o amor dos filhos e do lar” (FRIEDAN, 1971, p. 291) ou indicando os caminhos para “continuar os estudos sem entrar em conflito com o marido e os filhos” (FRIEDAN, 1971, p. 317) - o que invariavelmente se convertia em acúmulo de jornadas. Na busca por “não sacrificar nem a competição honrosa nem o casamento e a maternidade” (FRIEDAN, 1971, p. 322), uma vez que estes últimos eram “essenciais mas não tudo” (FRIEDAN, 1971, p. 323), os apelos de Betty Friedan a educadores e a revistas femininas para combater a mística feminina e as imagens de feminilidade a ela associadas foram bastante conciliadoras, da mesma forma que foram as propostas de feminismo apresentadas por Claudia.

De acordo com a bibliografia temática (Joana PEDRO; Cristina WOLFF, 2007PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. “Nosotras e o Círculo de Mulheres Brasileiras: feminismo tropical em Paris”. Art Cultura, Uberlândia, v. 9, n. 14, p. 55-69, jan.-jun. 2007.) e com pesquisas sobre circulação de leituras feministas (Joana BORGES, 2013BORGES, Joana Vieira. Trajetórias e leituras feministas no Brasil e na Argentina (1960-1980). 2013. Tese (Doutorado em História), UFSC, Florianópolis.), pode-se inferir que O inimigo principal, da francesa Christine Delphy, tenha sido, talvez, o texto ligado ao feminismo radical que mais circulou no Brasil no período observado. Mas é muito provável que isso tenha ocorrido principalmente devido ao caráter materialista do texto e também porque a sua utilização feminista da categoria marxista de exploração (SCAVONE, 2007SCAVONE, Lucila. “Estudos de Gênero e Feministas: um campo científico?”. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XXXI, 2007, Caxambú. Anais do XXXI Encontro Anual da ANPOCS. São Paulo: ANPOCS, 2007, p. 1-23.), transferida da classe social (exploração capitalista) para as mulheres (exploração patriarcal), se afinava bem com os feminismos que se desenvolviam por aqui e em grupos de brasileiras exiladas.26 26 Helena Hirata (1989, p. 91) indica inclusive que “a reutilização de categorias marxistas no estudo da opressão feminina vai desembocar numa análise totalmente ausente dos escritos marxistas clássicos: a do trabalho doméstico no capitalismo”. Essa é uma linha que Anette Goldberg (1989GOLDBERG, Anette. “Tudo começou antes de 1975: Idéias inspiradas pelo estudo da gestação de um feminismo ‘bom para o Brasil’”. In: Relações Sociais de Gênero X Relações de Sexo. São Paulo: Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero - USP, 1989., p. 3-4) observa nos feminismos do período: apenas as tendências do feminismo radical que poderiam ser apropriadas dentro de uma orientação marxista ou socialista se propagaram no Brasil, com a ressalva de que, de forma geral, as feministas brasileiras consideravam as feministas radicais do exterior sexistas.

Algumas considerações

Ao ponderar todas essas questões, a interpretação da superação do passado radical nos feminismos brasileiros no final dos anos 1980 encontrada em Claudia se constrói em franco diálogo com a grande mídia e os largamente difundidos estereótipos negativos sobre as feministas. A própria Claudia, veículo polissêmico, foi em diferentes ocasiões propagadora desses estereótipos. De maneira pontual, refere-se ao feminismo como antônimo de feminilidade em uma nota de setembro de 1978 intitulada “A moda antifeminista” (CLAUDIA, 1978Claudia. São Paulo, nº 204, Ano XVII, setembro de 1978.), para dizer que os vestidos, saias e saltos tinham voltado à moda! Em entrevista publicada de Shere Hite em julho de 1988 (CLAUDIA, 1988Claudia. São Paulo, nº 322, Ano 27, julho de 1988, p. 144-147), sob o título “Não quero guerra entre os sexos. Busco entendimento”, além de perguntar por que ela não tinha filhos (pergunta que não encontrei na entrevista feita com Fernando Gabeira no magazine, por exemplo), indaga sobre ela ser bonita e feminista como algo que causava estranhamento. Rachel Soihet (2005SOIHET, Rachel. “Zombaria como arma antifeminista: instrumento conservador entre libertários”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 3, p. 591-611, jan. 2005., p. 591) nos lembra que críticos das mulheres nos espaços públicos, já no século XIX, as acusavam de feias, “o supremo pecado da mulher”.

Como essas posições radicais não foram encontradas nos próprios feminismos daqui, supõe-se que estariam fora deles, nesses discursos midiáticos. Diante desses estereótipos, um discurso de rejeição ou superação teve seu uso entre as feministas dos finais da década de 80 como ponto de diferenciação, de distinção. Afirmar que “não somos mais assim”, que o feminismo amadureceu, colocar no passado essa imagem negativa, radical, da “feminista irada”, certamente foi uma resposta, mesmo que inconsciente, de positivação do feminismo frente àquele clichê negativo propagado. Encontrei esse termo, feminista irada, em Claudia em julho de 1989, em uma nota sobre trabalho feminino: “IBGE revela que mulheres ganham menos que homens”. Dá-se a notícia ressaltando que “não se trata de denúncia de nenhuma feminista irada” (CLAUDIA, 1989Claudia. São Paulo, nº 334, Ano 28, julho de 1989.), mas sim do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e, portanto, uma fonte oficial, respeitável e confiável, em oposição à citada feminista.

Quando se diz que os discursos constroem ou configuram determinadas realidades e não apenas as representam, nem sempre ocorre de forma tão literal quanto nesse caso. Mas de fato as denominadas feministas iradas, queimadoras de sutiãs, existiram, mesmo que apenas discursivamente no Brasil, de forma presente o suficiente para que feministas de carne e osso precisassem afirmar que não eram como delas. Nem mesmo as notícias sobre as feministas radicais de outros países parecem ser suficientes para construir, sozinhas, essa imagem de radicalismo tão divergente do que era encontrado, segundo as fontes de pesquisa, nos grupos feministas daqui.

Isso nos leva a refletir sobre o peso dos estereótipos negativos do feminismo sobre a vida das militantes e de todas as mulheres que se identificaram/identificam como feministas. Evitando o referido peso e a consequente queda nas vendas e nos anúncios que este poderia acarretar, Claudia, como publicação comercial, certamente não quis abraçar uma postura integralmente feminista, tanto que os artigos que defendiam o feminismo sempre foram assinados. Existem diferentes exemplos de textos não assinados no magazine, mas quando se refere ao feminismo as assinaturas nos lembram que aquela posição era de determinada colunista ou jornalista, e não da revista como um todo. Desse modo, salvo raríssimas exceções, como no número especial de 25 anos em outubro de 1986, a única ocasião que encontrei, nos vinte anos de recorte da pesquisa, em que há uma declaração editorial de Claudia se assumindo feminista - com a ressalva de que seria “feminista e feminina” (CLAUDIA, 1986Claudia. São Paulo, nº 301-A, Ano XXVI, outubro de 1986., p. 14) -, a publicação não defendeu o feminismo em artigos não assinados. Se não fossem artigos assinados, seriam dessas matérias compostas por recortes de opiniões de palavras autorizadas, como no caso supracitado de 1990, e então a polêmica posição de feminista estaria localizada nas vozes autorizadas, e não em Claudia como publicação.

Depois do falecimento de Carmen da Silva em 1985, é criada uma coluna chamada “Feminismo”, a qual Rachel Gutiérrez27 27 Rachel Gutiérrez é gaúcha, Conselheira Editorial da Editora Rocco do Rio de Janeiro, pianista. Nos anos 1980, com algumas amigas, fundou o grupo Mulherando e, como representante do Movimento Feminista, foi a primeira mulher a participar de uma candidatura majoritária (Vice-Governadora) nas eleições cariocas de 1986. assinou, ou então se resenhavam obras ou se entrevistavam feministas brasileiras ou estrangeiras. Desse modo, Claudia evitou endossar totalmente as posições feministas que publicou em suas páginas, transferindo-as a uma colunista ou entrevistada, resguardando-se de sofrer, como publicação, as mazelas do peso do termo feminista e uma possível identificação com um radicalismo que não lhe cairia nada bem do ponto de vista comercial.

Além disso, é importante considerar determinadas peculiaridades do feminismo propagado por Claudia, principalmente em relação às publicações militantes contemporâneas a ela. Amy E. Farrel (2004FARREL, Amy Erdman. A Ms. Magazine e a promessa do feminismo popular. São Paulo: Barracuda, 2004., p. 52), ao refletir sobre o feminismo da revista estadunidense Ms. Magazine comenta que, como acontecia nas revistas femininas de modo geral, a Ms. calcava seus escritos na transformação da vida pessoal de suas leitoras. O diferencial da Ms. estava no fato de que ela foi uma revista comercial, voltada às mulheres, mas declaradamente feminista. Foi pensada e criada com o propósito de ser feminista e, assim sendo, as propostas de transformação na vida das mulheres eram alicerçadas pelo ideário feminista. Entretanto, esse ideário estava voltado à vida pessoal e não a projetos de transformação coletivos, a partir de movimentos organizados, objetivando por exemplo mudanças nas leis ou conquista de direitos civis.

Mesmo que Claudia seja uma revista feminina comercial mais regular, mais tradicional que a Ms., no sentido dos seus objetivos e propostas, o feminismo propagado pela publicação teve, a maior parte do tempo, essa mesma característica: foi um feminismo pensado para atuar na vida pessoal de suas leitoras. Claudia, de modo geral, não chamava as mulheres às ruas para manifestações. Conforme reforçado no número especial de 25 anos de outubro (CLAUDIA, 1986, p. 14), na parte em que se falou de Carmen da Silva: “Não se trata de ganhar a rua nem de sair por aí em desafio (...)”. Claudia, desse modo, não costumava convocar as leitoras para intervenções ou projetos coletivos de militância feminista, mas pensava o feminismo muito mais através das transformações pessoais, mesmo quando discutia temas coletivos como violência ou aborto.

Heloísa Buarque de Almeida (2012ALMEIDA, Heloísa Buarque de. “Trocando em miúdos: gênero e sexualidade na TV a partir de Malu Mulher”. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 27, n. 79, p. 125-137, jun. 2012.) observa esse aspecto também no feminismo propagado na série de televisão Malu Mulher, grande sucesso do final da década de 1970, que discutiu diretamente problemáticas do feminismo daquele período. A autora aponta que o feminismo da série era focado na vida pessoal - afinal, o pessoal é político -, diferentemente dos projetos coletivos dos grupos feministas brasileiros do período, engajados na luta contra a ditadura e outras reivindicações de interesse geral. Essa característica de Malu Mulher é também um traço central do feminismo propagado por Claudia.

No número especial de 20 anos, de outubro de 1981, se comenta que a primeira vez que a publicação abordou o machismo foi em março de 1970, número que infelizmente não pude consultar. O feminismo, contudo, é apontado como debatido pela primeira vez em setembro de 1970, em matéria sobre o feminismo norte americano intitulada “Não faça amor, faça guerra”, bastante focada no “absurdo” das reivindicações das feministas radicais. É interessante porque nessa visão de 1981, a própria publicação diferencia bem a demanda por direitos das mulheres ou debates sobre o que no período se chamava de questão da mulher, e o feminismo como movimento social, filosófico e político. Isso porque alguns direitos das mulheres, como ao trabalho remunerado ou a determinada individualidade, certamente foram abordados em “A arte de ser mulher” antes de 1970, mas não foram indicados, em 1981, como debates feministas.

Observando as fontes de pesquisa selecionadas, fica evidente que houve muito conteúdo feminista na publicação fora da coluna de Carmen da Silva. Entretanto, o feminismo em Claudia, ou a associação muitas vezes realizada entre feminismo e a revista, não seriam os mesmos ou talvez nem mesmo existissem, se não fosse pela presença de Carmen da Silva e a sua gradual identificação, no decorrer dos anos, com o feminismo propriamente dito. Nesse sentido, podemos inferir sobre o quanto a ausência de Carmen na publicação, após seu falecimento em abril de 1985, também não abriu espaço para a proliferação de discursos antifeministas. Ou, ao menos, espaço para o discurso de superação desse suposto passado radical do feminismo brasileiro da década de 1970.

Referências

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  • SILVA, Carmen da. “O que seria do mundo sem nós, mulheres?”. Claudia São Paulo, nº 219, Ano XIX, dezembro de 1979, p. 309-315.
  • SILVA, Carmen da. “Porque sou feminista”. Claudia São Paulo, nº 181, Ano XVI, outubro de 1976.
  • 1
    Alguns números dos anos 1960, assim como de 1990, também foram observados, mas não de forma sistemática. Números consultados e coletados em diferentes acervos: 101, 104, 106-111, 116, 118-123, 125-131, 133-136, 138, 139, 141-145, 147-154, 156, 159, 161-165, 167-169, 171, 174-185, 187-190, 192-232, 234, 236-238, 240-244, 246-248, 252-255, 257-259, 262, 264, 265, 272, 274, 282, 284, 299-302, 304-310, 312, 314, 315, 317-319, 322-332, 334, 339.
  • 2
    Entende-se aqui que antifeminismo é, grosso modo, a oposição a algumas ou todas as formas de feminismo. Feminismo é entendido genericamente como movimento e/ou filosofia que busca a equidade de direitos entre homens e mulheres.
  • 3
    Carmen da Silva (Rio Grande/RS, 31 de dezembro de 1919 - Volta Redonda/RJ, 29 de abril de 1985) foi uma psicanalista, jornalista e escritora brasileira, uma das precursoras do feminismo de sua geração no país. Escreveu na coluna “A arte de ser mulher” na Revista Claudia por mais de 21 anos, ininterruptamente, desde julho de 1963 até 1985, quando faleceu.
  • 4
    Disponível em http://mdemulher.abril.com.br/. Acesso em 13/01/2016. Nesses links, apresentam-se notícias que a editoria relaciona com feminismo, porque ligadas a debates sobre os direitos específicos das mulheres.
  • 5
    Disponível em http://mdemulher.abril.com.br/tudo-sobre/feminismo. Acesso em 13/01/2016.
  • 6
    Utiliza-se o plural em feminismos para marcar que não se trata de um movimento homogêneo ou de ideias sempre alinhadas. Pelo contrário, sob o “guarda-chuva” dos feminismos se agrupam múltiplas vertentes e visões às vezes conflitantes do que seria feminismo. Essa percepção é presente ao observarmos tanto os feminismos contemporâneos quanto os do passado.
  • 7
    Se não é possível generalizar a figura doméstica feminina a todas as sociedades conhecidas, ao menos é possível generalizá-la, a partir da modernidade e da ênfase dada à separação de esferas pública e privada, nas sociedades industriais.
  • 8
    A bibliografia de referência costuma citar principalmente os periódicos feministas Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio como os de maior circulação dessa geração.
  • 9
    A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, de Heleieth I. B. Saffiotti, publicado em 1969 e resultado de sua tese de Livre Docência, é a obra geralmente apontada como pioneira, no campo acadêmico, nesse sentido.
  • 10
    Em dezembro de 1979 (p. 309-315), no artigo “O que seria do mundo sem nós, mulheres?”, Carmen da SilvaSILVA, Carmen da. “O que seria do mundo sem nós, mulheres?”. Claudia. São Paulo, nº 219, Ano XIX, dezembro de 1979, p. 309-315. divide sua trajetória em Claudia em quatro fases, as duas primeiras no período anterior à sua identificação como feminista, quando pensava as questões das mulheres de um ponto de vista mais pessoal e individual. O caráter coletivo do feminismo estaria mais presente na terceira e na quarta fase.
  • 11
    Anette Goldberg (1989, p. 20; 28) ressalta como o significado de “mulher liberada” se altera entre as décadas de 1960 e 1970. Enquanto na década de 1960 era um termo pejorativo no Brasil, na década de 1970 este se transforma em uma espécie de sinônimo de mulher moderna.
  • 12
    Christine Delphy, nascida em 1941, é uma socióloga francesa, feminista, escritora e teórica, que é cofundadora do Mouvement de Libération des Femmes (1970) e do jornal Nouvelles Questions Féministes (1981), com Simone de Beauvoir. É pesquisadora do CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica francês) desde 1966 no campo dos estudos feministas e de gênero, e um dos expoentes do feminismo materialista europeu.
  • 13
    Betty Naomi Goldstein, mais conhecida como Betty Friedan (1921-2006), foi importante ativista feminista norte-americana. Foi cofundadora da Organização Nacional das Mulheres (NOW), nos Estados Unidos. Dentre outras atividades de militância, se destacou pela publicação de sua obra Mística Feminina (1963), apontada como ícone de sua geração. É considerada uma das feministas mais influentes do século XX.
  • 14
    Mística feminina foi publicada nos EUA em 1963 e aqui em 1971, e It changed my life: writings on the women’s movement (Mudou a minha vida: escritos sobre o movimento de mulheres) foi publicada nos EUA em 1976.
  • 15
    Sobre o mito da queima dos sutiãs em Atlantic City em 1968 ver: http://time.com/2853184/feminism-has-a-bra-burning-myth-problem/ ou http://www.newyorker.com/magazine/2009/11/16/lift-and-separate ou ainda o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=kDGGcrXnd8Y Acesso em 04/10/2015. O logro da queima dos sutiãs é inclusive relatado em um livro sobre as “dez maiores notícias enganosas do jornalismo americano” (Joseph CAMPBELL, 2010CAMPBELL, W. Joseph. Getting it Wrong. Berkley, Los Angeles, London: University of California Press, 2010.).
  • 16
    Rose Marie Muraro (1930-2014) foi uma escritora, intelectual e feminista carioca. Uma das mais destacadas intelectuais de sua geração, foi autora de mais de 40 livros e também atuou como editora em 1600 títulos, quando diretora da Editora Vozes.
  • 17
    Não se indica o nome da entrevistadora, mas há uma foto de uma mulher conversando com Molly Yard.
  • 18
    Branca Moreira Alves é carioca, nasceu na década de 1940 e é formada em Direito e em História. Teve contato com ideias feministas em Berkeley (EUA), e é apontada como uma das pioneiras dos feminismos de sua geração no eixo Rio-São Paulo: participou dos primeiros grupos de reflexão e das movimentações do Ano Internacional da Mulher em 1975. Em 1987, foi a primeira presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher/RJ; e em 1992 a Organização das Nações Unidas a convidou para abrir o escritório em Brasília do UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para Mulher para o Brasil e o Cone Sul, onde permaneceu por onze anos. É também uma das autoras, com Jacqueline Pitanguy, da obra O que é feminismo, da Coleção Primeiros Passos.
  • 19
    Carmen Lucia Barroso é uma conhecida cientista social, especialista em estudos populacionais e saúde reprodutiva. Atua na ONU e recebeu o Prêmio de População das Nações Unidas de 2016. No Brasil, é apontada como umas das pioneiras na área de estudos de gênero, onde trabalhou na Fundação Carlos Chagas e na Universidade de São Paulo. Ela é autora de vários trabalhos publicados na mídia e em meios acadêmicos, tendo também atuado em conselhos e comissões internacionais
  • 20
    Florisa Verucci, formada em Direito pela UFMG, com pós-graduação em Ciências Políticas pela Universidade de Paris, é autora de vários projetos de alteração do Código Civil em favor dos direitos das mulheres, nos quais atuou em conjunto com Silvia Pimentel. Foi integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Faleceu no ano 2000, aos 66 anos.
  • 21
    Hildete Pereira de Melo, nascida em 1943, é economista e, desde 1972, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esteve envolvida com grupos de resistência à ditadura. Atuou na Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República entre 2009 e 2010 e depois entre 2012 e 2014. Possui atuação feminista destacada na academia e na política institucional, e esteve engajada em muitos grupos e diferentes frentes de militância das mulheres, incluindo os debates da Assembleia Nacional Constituinte de 1987. Atualmente é um dos principais nomes do Brasil na produção científica sobre trabalho das mulheres
  • 22
    Zuleika Alambert (1922-2012) foi escritora, jornalista e política do PCB. Ela foi uma das duas primeiras mulheres a se eleger deputada estadual em São Paulo, em 1947. Perseguida pela ditadura, exilou-se. Em 1979, beneficiada pela Lei da Anistia, voltou ao Brasil e passou a participar de movimentos voltados às mulheres. Fundou o Conselho Estadual da Condição Feminina do Estado de São Paulo e coordenou a Comissão Estadual de Educação, Cultura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. É autora de importantes obras que articulam feminismo e marxismo no Brasil.
  • 23
    Maria Cristina Aranha Bruschini (1945-2012) foi socióloga, formada pela USP, e nome central no campo dos estudos feministas e de gênero. Pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas (FCC), sua obra sobre as desigualdades de gênero e trabalho é ainda das principais referências sobre a temática, tendo impacto sobre diferentes gerações de feministas.
  • 24
    Nem mesmo Carmen da Silva, que, segundo bibliografia, fazia o possível para evitar tarefas como lavar a louça, sempre comendo fora, comenta em Claudia essa sua opção.
  • 25
    Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de Beauvoir (1908-1986) foi uma escritora, intelectual e filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa. É um dos mais destacados nomes da teoria feminista de sua geração, com muitas obras publicadas em português.
  • 26
    Helena Hirata (1989HIRATA, Helena. “Pesquisas sociológicas sobre relações de gênero na França”. In: Relações sociais de Gênero x Relações Sociais de Sexo. São Paulo: Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero - USP, 1989., p. 91) indica inclusive que “a reutilização de categorias marxistas no estudo da opressão feminina vai desembocar numa análise totalmente ausente dos escritos marxistas clássicos: a do trabalho doméstico no capitalismo”.
  • 27
    Rachel Gutiérrez é gaúcha, Conselheira Editorial da Editora Rocco do Rio de Janeiro, pianista. Nos anos 1980, com algumas amigas, fundou o grupo Mulherando e, como representante do Movimento Feminista, foi a primeira mulher a participar de uma candidatura majoritária (Vice-Governadora) nas eleições cariocas de 1986.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MELLO, Soraia Carolina de. “Claudia nas décadas de 1970-1980 - Feminismo, antifeminismo e a superação de um suposto passado radical”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 2, e51203, 2019.
  • Financiamento: Pesquisa realizada com bolsa de doutorado DS Capes. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal da de Nível Superior - Brasil - Código de Financiamento 001.
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2017
  • Revisado
    26 Maio 2018
  • Aceito
    04 Jun 2018
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