Acessibilidade / Reportar erro

Por uma antropologia engajada

On Behalf of An Engaged Anthropology

GROSSI, Miriam Pillar; FERNANDES, Felipe Bruno Martins; CARDOZO, Fernanda. (Orgs.). Sexualidades, Juventudes e Práticas Docentes: Uma etnografia da educação básica em escolas públicas de Santa Catarina. Florianópolis: Tribo da Ilha, Tubarão (SC): Copiart, 2017. 224p

Sexualidades, juventudes e práticas docentes: uma etnografia da educação básica em escolas públicas de Santa Catarina, livro organizado por Miriam Pillar Grossi, Felipe Bruno Martins Fernandes e Fernanda Cardozo (2017GROSSI, Miriam Pillar; FERNANDES, Felipe Bruno Martins ; CARDOZO, Fernanda (Orgs.). Sexualidades, Juventudes e Práticas Docentes: Uma etnografia da educação básica em escolas públicas de Santa Catarina. Florianópolis: Tribo da Ilha: Tubarão (SC): Copiart, 2017.), é, tal como indica o subtítulo da obra, uma etnografia da rede pública de educação do Estado de Santa Catarina que analisa representações das sexualidades de jovens estudantes realizadas por professoras e professores desse nível escolar. A pesquisa foi realizada com o apoio do Ministério da Saúde (MS) através do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das DSTs, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais. Envolvida com problemáticas debatidas por movimentos sociais e com o fomento de políticas públicas, a pesquisa, comprometida com o grupo estudado, realizou no período posterior à pesquisa ações pedagógicas como forma de devolução a partir dos resultados encontrados aos grupos estudados.

Tal engajamento não está descolado da objetividade constitutiva de pesquisas etnográficas. Através de uma escrita clara e precisa, possibilita a comunicação com um público plural - para fora da academia - e demonstra objetividade na recolha e análise das informações. A pesquisa demonstra seriedade não apenas no tratamento da pesquisa em campo, mas também seu compromisso e engajamento com a comunidade estudada, de maneira que motivou a publicação dos resultados dos estudos depois de dez anos de sua realização - volume aqui resenhado. A equipe percebeu nos anos que se seguiram após encaminhar o relatório final para os órgãos de fomento, que entregar os dados para essas agências não era o bastante, pois havia a necessidade de se fazer algo que gerasse um impacto concreto nas escolas estudadas. Eram necessárias ações que fossem eficazes para responder a demandas dos e das interlocutores/as, particularmente professoras/es e estudantes. Assim desdobram-se ações pós-pesquisas como o Projeto “Papo Sério”, o qual foi desenvolvido pelo Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) entre os anos de 2007 e 2015 e o curso de aperfeiçoamento “Gênero e Diversidade na Escola” - uma das principais políticas públicas do Ministério da Educação (MEC) voltada para a formação continuada de professoras/es sobre as temáticas de gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais - realizada em Santa Catarina através do Instituto de Estudo de Gênero (IEG) da UFSC, em duas edições 2009 e 2012, além de uma edição em nível de especialização entre 2015 e2016.

O trabalho de campo de cunho etnográfico foi realizado entre os meses de setembro de 2007 e agosto de 2009 junto às nove escolas estaduais localizadas nos municípios de Florianópolis, Joinville, Criciúma, Itajaí e Chapecó. Contou com a colaboração de 61 profissionais entre professoras/es, assistentes técnico-pedagógicos, coordenadoras/es, diretoras/es, vice-diretoras/es e secretárias/os.

A escrita etnográfica foi desenvolvida pela descrição das estruturas e dinâmicas escolares que ganha densidade a partir da transcrição direta de trechos de diário de campo, além dos dados explicitados pela citação direta das falas das/os professoras/es, funcionárias/os e estudantes. A descrição, apesar de incluir o comportamento e as falas das/os estudantes, prioriza demonstrar as narrativas produzidas sobre a sexualidade dessas/es jovens, sob a perspectiva do corpo docente, posto que o objetivo da pesquisa era o de compreender como as/os professoras/es da rede pública de educação básica do estado de Santa Catarina percebiam questões como orientação sexual, homo-lesbio-trans-fobia, identidade de gênero, práticas contraceptivas e outras relacionadas às sexualidades dos e das discentes.

No que tange à metodologia de pesquisa, as entrevistas foram feitas a partir de um roteiro que possibilitasse a comparação entre as diferentes escolas e cidades participantes do projeto. O interesse comum a todas as modalidades de sujeitos/as entrevistados/as dizia respeito ao lugar do qual produziam seus discursos e suas representações, bem como a sua relação com a política dos Núcleos de Educação e Prevenção (NEPREs) vinculados à Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina (SED) e suas reflexões acerca de debates políticos em torno das temáticas de gênero e sexualidades. Ao chegar nas escolas, a equipe de pesquisadores/as do projeto se procurava professores/as e profissionais que trabalhavam temas como sexualidade, gravidez e gênero com os/as estudantes. Assim, se iniciava contato com as/os professoras/es e outras indicações para iniciar as entrevistas. Os locais de entrevistas foram variados, mas sempre dentro do ambiente escolar, com o propósito de se adaptar aos intervalos das/os docentes, entre as aulas.

A obra é dividida em oito capítulos. O primeiro, denominado “Engajamento e questões éticas de uma etnografia no espaço escolar”, é escrito pela antropóloga e coordenadora do NIGS/UFSC, Miriam Pillar Grossi, aborda a construção da pesquisa e a constituição de sua equipe, a qual contou com a participação de estudantes de pós-graduação e de graduação, bolsistas de iniciação científica e pesquisadoras/es associadas/os, destacando-se a dimensão pedagógica da pesquisa coletiva.

O segundo capítulo, “Contexto e Metodologia de Pesquisa”, Miriam Pillar Grossi, Fernanda Cardoso e Felipe Bruno Martins Fernandes tratam do contexto da pesquisa, posto que no século XXI há um período distinto na sociedade brasileira, quando os movimentos sociais influenciaram as políticas públicas e as discussões sobre diversidade, tornando visível as diferenças e multiplicidades que as constituem. Também se trata das questões relacionadas ao vírus HIV/AIDS no começo dos anos 1980, o que possibilitou colocar em pauta a visibilidade de práticas, comportamentos e sexualidades criminalizadas até então, a exemplo das homossexualidades, lesbianidades e travestilidades.

No terceiro capítulo, “Iniciação Sexual, Gênero e Homofobia: questões teóricas”, por Fernanda Cardozo, Miriam Pillar Grossi, Felipe Bruno Martins Fernandes, Leandro Castro Oltramari, Martina Ahlert, Maria Luiza Bettiol Carneiro, Éverton Luís Pereira, Gicele Sucupira Fernandes e Fátima Weiss de Jesus, a fundamentação teórica da pesquisa é apresentada, de modo a aprofundar o debate sobre a chave teórica das representações sociais, e os aportes teóricos relativos aos estudos de gênero, juventude, representações sociais das sexualidades e homossexualidades, famílias de grupos populares, representações sociais religiosas e sexualidades e representações sociais de violência de gênero e homo-lesbo-transfobias. Durante a pesquisa empírica, as representações sociais das/os educadoras/es de Santa Catarina estão marcadas por posições variadas e, por vezes, conflitantes a respeito de questões como família, gênero, sexualidades, juventude, religião, violências de gênero e homo-lesbo-transfobias.

No quarto capítulo, “Uma Etnografia das Escolas Pesquisadas”, Miriam Pillar Grossi, Martina Ahlert e Éverton Luís Pereira buscam compreender as representações sociais acerca de estudantes problemáticas/os e de escolas problemáticas. Tal “problema” se configura a partir de uma certa preocupação em relação ao bem-estar da/o estudante. Seriam indicativos de “estudante problema” o uso indiscriminado de drogas, a sexualidade precoce, gravidez na adolescência, estudantes e professoras/es homossexuais e famílias desestruturadas.

No capítulo seguinte, “Professoras e professores: quem são e como atuam em sala de aula”, Miriam Pillar Grossi, Felipe Bruno Martins Fernandes, Martina Ahlert e Éverton Luís Pereira analisam as trajetórias pessoais e pedagógicas do corpo docente, bem como as sociabilidades na escola e seus marcadores sociais da diferença. Por sua vez, em “Representações de professoras e professores sobre a iniciação sexual e sexualidade dos jovens”, Fernanda Cardozo, Miriam Pillar Grossi, Felipe Bruno Martins Fernandes, Leandro Castro Oltramari, Martina Ahlert, Maria Luiza Bettiol Carneiro, Éverton Luís Pereira, Gicele Sucupira Fernandes e Fátima Weiss de Jesus discutem sobre como o corpo biológico é tratado dentro das representações do corpo docente como aquele que visibiliza a emergência das sexualidades. Nesse contexto, encontram-se representações que culpabilizam meninas por serem assediadas, bem como há a preocupação com a gravidez precoce, mas não com relação a infecções sexualmente transmitidas.

O sétimo capítulo, “Representações de professoras e professores sobre a iniciação sexual e sexualidades dos jovens”, escrito por Fernanda Cardozo, Miriam Pillar Grossi, Felipe Bruno Martins Fernandes, Leandro Castro Oltramari, Martina Ahlert, Maria Luiza Bettiol Carneiro, Éverton Luís Pereira, Gicele Sucupira Fernandes e Fátima Weiss de Jesus, está dividido em duas seções: primeiramente, aborda a representação do corpo docente sobre homossexualidades, lesbianidades e travestilidades; em seguida, trata sobre uma determinada preocupação por parte do corpo escolar com as possíveis causas da homossexualidade e conjugalidade entre pessoas do mesmo sexo.

“A Família e a Promoção dos Serviços de Prevenção e da Educação para a Sexualidade nas Escolas Catarinenses”, último capítulo do volume, é escrito por Fernanda Cardozo, Miriam Pillar Grossi, Felipe Bruno Martins Fernandes, Leandro Castro Oltramari e Vinicius Kauê Ferreira. Dedicado a discutir sobre como as famílias desestruturadas são entendidas no espaço escolar, ligadas à pobreza e à falta de educação, o texto aponta, entre os achados sobre a promoção dos serviços de prevenção e da educação para a sexualidade, que há um entendimento da maioria do corpo docente pesquisado de que sexualidade não é uma diretriz educativa nacional. Por esse motivo, as políticas públicas apenas são executadas desde que haja boa vontade da direção da escola e quando ocorrem cursos e palestras pontuais sobre a temática.

A obra em questão oferece as potencialidades da antropologia na interface dos direitos humanos com a educação, pois através dos métodos etnográficos percebemos, para além de indicadores sociais, o quanto as políticas públicas e pesquisas acadêmicas permeiam o fazer escolar, por meio dessas representações sociais. Percebemos que o engajamento da universidade com as instituições escolares deve ser constante, pois há ainda muito por fazer tanto na formação do corpo docente, como no movimento de desnaturalização desses temas na escola, de modo a contribuir para que a comunidade escolar rompa com a perspectiva calcada no senso comum tão recorrente nos contextos atuais.

Referência

  • GROSSI, Miriam Pillar; FERNANDES, Felipe Bruno Martins ; CARDOZO, Fernanda (Orgs.). Sexualidades, Juventudes e Práticas Docentes: Uma etnografia da educação básica em escolas públicas de Santa Catarina Florianópolis: Tribo da Ilha: Tubarão (SC): Copiart, 2017.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MATTOS DA FONSECA, Larissa; RAMOS, Leonardo. “Por uma antropologia engajada”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 3, e58024, 2019.
  • Financiamento:

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 38/20171 e com o apoio e equipamentos do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades da UFSC
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2018
  • Revisado
    24 Nov 2018
  • Aceito
    11 Maio 2019
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@cfh.ufsc.br