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Mulher moçambicana: cultura, tradição e questões de género na feminização do HIV/SIDA

Mozambican Woman: Culture, Tradition and Gender Issues in the Feminization of the HIV/AIDS

Resumo

Este texto reflecte sobre as experiências quotidianas vividas por 20 mulheres pobres e infectadas pelo vírus do HIV residentes na cidade de Maputo. Procura entender como elas estruturam o seu quotidiano no contexto das relações sociais que estabelecem. Coloca em comunicação questões de género e outras questões socioculturais e de tradição específicas em contacto com o campo da saúde. Estas mulheres experimentam um quotidiano marcado por obstáculos, desafios e enfrentamentos como parte da face feminizada do HIV e SIDA. Elas lidam com diferentes manifestações de vulnerabilidade antes e pós-infeção, onde as relações de género e as práticas culturais e tradicionais contribuem para a feminização do cenário da seroprevalência. As questões de género, as práticas culturais e tradicionais não as tornam diferentes de outras mulheres, mas o estado serológico torna tudo mais esforçado no quotidiano das mesmas. Essas questões influenciam no processo de infecção e de experiência com e da doença.

Palavras-chave:
Mulher; Moçambique; cultura; tradição; HIV/SIDA

Abstract

This paper presents and discusses the daily experiences of 20 poor and HIV positive women living in Maputo city. It seeks to understand how they structure their daily lives in the context of the social relations they establish. It puts in communication issues of gender and other specific sociocultural and tradition issues in contact with the health field. These women experience a daily life marked by obstacles, challenges and confrontations as part of the feminized face of HIV/AIDS. They deal with different manifestations of vulnerability before and after infection, where gender relations and cultural and traditional practices contribute to the feminization of the seroprevalence scenario. Gender issues, cultural and traditional practices do not make them different from other women, but their serological status makes everything more stressful in their daily lives. These questions influence the process of infection and experience with the disease.

Keywords:
Women; Mozambique; Culture; Tradition; HIV/AIDS

Introdução1 1 Este artigo é uma readaptação de parte de um dos capítulos da dissertação de mestrado.

A condição das mulheres em África, no geral, e em Moçambique, em particular, pode ser influenciada e, em alguns momentos, determinada por questões estruturais, socioeconómicas, bem como culturais e de tradição. Nesta parte do mundo, as desigualdades de género e normas nocivas2 2 Mais adiante apontaremos algumas normas culturais e tradicionais que são nocivas e discriminatórias para as mulheres. de relacionamento entre mulheres e homens, que promovem sexo inseguro e reduzido acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, fazem parte dos factores que contribuem para a vulnerabilidade relacionada com o HIV por parte das mulheres (UNITED NATIONS PROGRAMME ON HIV/AIDS, 2014UNITED NATIONS PROGRAMME ON HIV/AIDS. The GAP report. Geneva: UNAIDS, 2014., p. 16).

Esses factos condicionam os modos de vida das mulheres, afectando, na sua maioria, negativamente, as formas de ser e estar na sociedade. Deste modo se avigoram importantes para entender como as dinâmicas de género podem ser influenciadas por essas questões e, igualmente, compreender como as mulheres são influenciadas pelas práticas culturais e tradicionais nocivas a elas em contextos de HIV e SIDA.

Nossa pretensão aqui não é ‘desmistificar’ como a cultura e a tradição influenciam nas relações de género e na condição da mulher em Moçambique, pois é algo que foi e tem sido evidenciado (Eduardo NAMBURETE, 2009NAMBURETE, Eduardo. SADC gender protocol barometer baseline study, Mozambique. Johannesburg: Gender Links, 2009.; Jacimara SANTANA, 2009SANTANA, Jacimara. “Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento)”. Revista de História, Salvador, v. 1, n. 2, p. 82-98, 2009.; Luís PASSADOR, 2010PASSADOR, Luís. “As mulheres são más: pessoa, gênero e doença no sul de Moçambique”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 35, p. 177-210, jul.-dez. 2010.; Maria José ARTHUR, 2010ARTHUR, Maria José. “O casamento prematuro como violação dos direitos humanos: um exemplo que vem de Gorongosa”. Outras Vozes, Maputo, n. 31-32, ago./nov. 2010. Disponível em Disponível em http://www.wlsa.org.mz/artigo/o-casamento-prematuro-como-violacao-dos-direitos-humanos-um-exemplo-que-vem-da-gorongosa/ . Acesso em 27/06/2019.
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). A ideia é, com base nas experiências quotidianas de um grupo de mulheres infectadas pelo HIV e SIDA, tomar essas experiências como uma ‘janela’ para compreender como factores socioculturais e de tradição influenciam ou podem influenciar o acesso e controle dos recursos nessas mulheres. Como factores culturais, tradicionais, sociais e económicos se comunicam e influenciam na questão da saúde. Por outras palavras, queremos perceber como as questões de género, vulnerabilidade e feminização do HIV se manifestam no processo saúde-doença dessas mulheres, num cenário onde os índices de desigualdades entre mulheres e homens, as normas culturais e tradicionais que descriminam as mulheres são ‘pouco combatidas’ e não variam muito entre os diferentes segmentos sociais.

Com o texto, procuramos aprofundar os problemas e desafios actuais das mulheres ‘pobres’ e infectadas pelo HIV, sendo que em Moçambique as mulheres são actoras-chave no cuidado familiar, todavia, são igualmente actoras menos privilegiadas no mercado de trabalho e educacional, entre outros aspectos sociais. Isso relega as mulheres a posições e condições menos favoráveis na sociedade, seja por questões estruturais como também culturais, principalmente relacionadas à tradição e a relações de género.

Antes de explorarmos as experiências quotidianas das mulheres que entrevistamos, há que apontar que as 20 mulheres que aceitaram fazer parte da pesquisa, contando suas histórias quotidianas com o HIV, exteriorizando seus sentimentos num mundo estigmatizado e preconceituoso para quem vive com o HIV e SIDA, fazem parte das ‘heroínas anônimas’, na medida que não aparecem em livros, jornais e outros meios de comunicação falando de como conseguem viver com a infecção, tendo um destaque na sociedade por isso. Estas contribuem para o rompimento do silêncio e omissão do estado serológico que envolve a infecção pelo HIV no segmento feminino. Assim, estamos dando alguma ‘visibilidade’ a essas mulheres e muitas outras que, infectadas, não têm a oportunidade e nem a coragem de exteriorizarem sua condição e o seu quotidiano.

Aqui, há que destacar que todas as informações sobre essas mulheres são informações sobre os homens (Joan SCOTT, 1995SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez.1995., p. 3). Assim, o mundo da vida aqui retratado é um mundo dos homens, isto é, o mundo da vida das mulheres entrevistadas é parte do mundo dos homens. Através destas experiências, entendemos como o quotidiano delas está estruturado e é influenciado pelo/e no contexto das relações sociais que estabelecem, bem como a relação com as normas sociais e tradicionais.

O texto, além da introdução, apresenta a metodologia, um breve enquadramento sobre as plataformas de acção em prol dos direitos humanos das mulheres, seguindo-se de algumas normas culturais e de tradição que influenciam e estruturam o quotidiano de algumas mulheres. Depois relacionamos algumas dessas normas com a experiência de vida de mulheres seropositivas e tecemos algumas considerações finais.

Metodologia e trabalho de campo

A pesquisa segue uma abordagem qualitativa, tendo como referenciais teorias que se baseiam na realidade social do quotidiano e do conhecimento que os sujeitos de pesquisa têm da realidade, como parte integrante dela (Peter BERGER; Thomas LUCKMANN, 1996BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado da sociologia do conhecimento. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.). Para recolha de informação e dados, optamos pelo enfoque de multimétodos, no sentido de procurar uma comunicação e complementariedade entre eles, respeitando os limites e insuficiências de cada um (George GASKEL, 2004GASKEL, George. “Entrevistas individuais e grupais”. In: BAUER, Martin W.; GASKEL, George (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 64-89.). Constituíram os métodos para colecta de informação e dados os seguintes procedimentos: revisão da literatura, grupos focais e histórias de vida. O critério de selecção das mulheres foi por via de indicação, na medida em que, para abordar esta questão tão sensível e carregada de muito preconceito e estigma na sociedade moçambicana, dificilmente conseguiríamos seleccionar ao acaso as mulheres infectadas pelo HIV para fazerem parte do estudo. Acabamos conversando com 20 mulheres infectadas pelo HIV e em tratamento e, com as mesmas, constituímos dois grupos focais compostos por 10 mulheres cada um. O trabalho de campo aconteceu entre os meses de janeiro e março de 2014, na cidade de Maputo, no Bairro George de Dimitrov, na sede da Associação HIXIKWANE.3 3 Numa das línguas nativas do sul de Moçambique, o Changana, Hixikwane, significa ‘Estamos Juntos’. Lá realizamos todas entrevistas individuais e em grupo.

Ademais, há que ter em conta que o facto de o proponente da pesquisa ser um homem e estar a pesquisar sobre a saúde de mulheres foi um constrangimento no processo da elaboração das entrevistas e grupos focais, incluindo neste aspecto o facto de se tratar de um assunto sensível e delicado às mulheres, em particular, e à sociedade em geral. Para contornar a questão, justificamos o carácter eminentemente académico da pesquisa, bem como garantimos o total anonimato das participantes, sigilo e confidencialidade das informações. Aqui as mulheres e o pesquisador assinaram um termo de doação de entrevista oral.

O método para análise dos dados foi análise de conteúdo temática (Martin W. BAUER, 2004BAUER, Martin W. “Análise de conteúdo clássica: uma revisão”. In: BAUER, Martin W.; GASKEL, George (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 189-217.). Depois de gravadas em áudio, as entrevistas foram transcritas. Em seguida, procuramos captar as interpretações, nem sempre convergentes, do quotidiano dessas mulheres que espelham os objectivos da nossa pesquisa. Esta fase constituiu-se na transcrição das entrevistas na íntegra e bem detalhadas (Greg MYERS, 2004MYERS, Greg. “Análise da conversação e da fala”. In: BAUER, Martin W.; GASKEL, George (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 271-291., p. 275-276), para encontrar uma correspondência entre a linguagem e a comunicação das entrevistadas com a realidade em análise.

A discussão dos resultados desenvolve-se na análise das experiências que as mulheres têm com a infecção e a relação dessa com questões culturais, de tradição e económicas. A intenção, portanto, é trazer uma contribuição para o conhecimento da experiência de indivíduos concretos com a infecção e ver como o seu quotidiano é estruturado por essa condição e por normas culturais e tradicionais.

Mulher moçambicana, breve enquadramento de plataformas de acção

[...] nós mulheres afirmamos que também devemos erradicar a mentalidade que nos foi inculcada pela cultura dominante de que é próprio da mulher ser inferior, incapaz, ineficiente, de que a mulher tem de ser dependente do homem. Esta concepção paternalista e androcrática constitui a força ideológica da sociedade exclusiva e desigual em que vivemos que nos prepara para aceitarmos com fatalismo e resignação a condição de cidadãs de segunda categoria, sem capacidade para poder decidir das nossas vidas (Isabel Maria CASIMIRO, 2005CASIMIRO, Isabel Maria. “Samora Machel e as relações de gênero”. Estudos Moçambicanos, Maputo, n. 21, p. 55-84, set. 2005., p. 81).

Fazer pesquisa com e sobre uma categoria de indivíduos passa por poder enquadrá-la no universo geral do qual é parte integrante. Esse processo pode auxiliar na compreensão da situação em que se encontra comparativamente a outras categorias e das relações que estabelecem entre si e essas outras categorias de indivíduos. Neste sentido, procuramos enquadrar o que é ser mulher em Moçambique e de que depende essa condição, sendo que a questão cultural específica do país exerce enorme influência e determina a sua posição em relação a outrem, mais especificamente em relação ao homem.

No entanto, a situação e a condição da mulher em Moçambique estão relacionadas com a sua escolaridade, seu vínculo de trabalho e sua presença nos fóruns de poder e de tomada de decisão, comparativamente ao homem. Esses aspectos são decorrentes de como as mulheres e os homens são socializados e como se manifestam as relações entre ambos, bem como qual é o cenário do país rumo à igualdade de género. Estes aspectos situam o país quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é um dos piores do mundo, mas, desagregado, o indicador possibilita situar o país quanto ao Índice de Desigualdade de Género (IDG), revelando que o país continua pobre em todos os termos e quanto à igualdade de género (FNUAP, 2006FNUAP. FUNDAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A POPULAÇÃO. Igualdade de gênero e empoderamento da mulher em Moçambique. Maputo: FNUAP Moçambique, 2006., p. 3).

A Constituição de Moçambique consagra a igualdade de direitos para mulheres e homens. O país aderiu à Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Contra Mulheres (CEDAW); adotou a Plataforma de Beijing; aderiu à Declaração para Igualdade de Género em África; aderiu à Declaração de Género da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC)4 4 Sigla em inglês para Southern African Development Community. e à Carta Africana de Direitos Humanos e das Pessoas. Existem também importantes Organizações Não Governamentais (ONGs) que trabalham e advogam para a igualdade de género, por exemplo, o Fórum Mulher, Women and Law in Southern Africa/As Mulheres e a Lei na África Austral (WLSA) e Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE) (CASIMIRO, 2004CASIMIRO, Isabel Maria. Paz na terra, guerra em casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Maputo: Promédia, 2004., p. 173; FNUAP, 2006, p. 3; Inge TVEDTEN, 2011TVEDTEN, Inge. Mozambique country case study: Gender equality and Development. [s. l.]: World Bank, 2011., p. 7). Portanto, existem, estas e outras plataformas de acção para a promoção de uma igualdade de género e melhoria das condições de vida das mulheres em Moçambique, porém, os indicadores socioeconómicos demonstram cenários de continuidade de disparidades e desigualdades (PNUD, 2013PNUD. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório do desenvolvimento humano 2013. A Ascenção do Sul: progresso humano num mundo diversificado. Washington: PNUD, 2013., p. 184).

Historicamente a experiência dos diferentes povos no mundo tem a tendência de relegar a mulher a uma posição de inferioridade em relação ao homem, seu parceiro e/ou companheiro, como fazem questão de frisar Signe Arnfred (2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011., p. 3) e Samuel Quive, Graça Zandamela e Ana Cabral (2004QUIVE, Samuel; ZANDAMELA, Graça S.; CABRAL, Ana K. Gênero e desenvolvimento: Uma perspectiva sociológica com enfoque nos sectores de educação e saúde. Maputo: Grupo Moçambicano da Dívida, 2004., p. 1). Questão esta que, para Claude Meillassoux (1976MEILLASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros & capitais. Porto: Afrontamento, 1976.[2004], p. 125), “não é natural, [...] resulta de circunstâncias históricas variáveis, sempre ligadas às suas funções de reprodutoras”. No entanto, como as relações de género se manifestam varia de cultura para cultura.

Em Moçambique, as questões socioculturais, ligadas à tradição, questões educacionais, questões de emprego e de participação em órgãos de decisão, jogam um papel importante para se compreender, histórica e actualmente, o que é ser mulher e a posição em que ela se encontra comparativamente ao homem e, consequentemente, como se manifestam as relações de género no quotidiano moçambicano, como verão, no que diz respeito à cultura e à tradição.

Como a cultura e a tradição traçam o destino das mulheres

Os aspectos socioculturais e da tradição moçambicana que definem o posicionamento das mulheres na sociedade são os sistemas de organização familiar, nomeadamente patrilinear (Sul do país) e matrilinear (Norte e Centro do país). Estes dois sistemas ditam as formas como as mulheres e homens são socializados e, consequentemente, as posições de cada um na sociedade. São também aspectos culturais relevantes e parte da tradição o lobolo,5 5 Lobolo é uma forma de casamento tradicional, onde a família do noivo passa uma compensação à família da noiva. Explicaremos melhor adiante. a poligamia, os casamentos prematuros, os ritos de iniciação e os rituais de purificação das viúvas pelo país, entre outros.

Segundo Edda Bergh-Collier (2007BERGH-COLLIER, Edda Van den. Um perfil das relações de gênero. Edição atualizada de 2006: Para a igualdade de gênero em Moçambique. Estocolmo: Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (ASDI), 2007.), as organizações sociais em linhagens patrilineares e matrilineares são mecanismos culturais que influenciam nas posições relativas das mulheres e dos homens na sociedade e, também, definem a distribuição dos bens económicos e recursos produtivos e reprodutivos.

Nas sociedades matrilineares a descendência é através da linhagem materna, sendo que os bens passam de geração em geração através dos familiares da mãe, permanecendo, deste modo, na linha sanguínea. Aqui a posição da mulher é relativamente fortalecida porque, após um divórcio, a casa e os filhos continuam fazendo parte da família da mulher, conferindo-lhe alguma vantagem. Contudo, mesmo elas serem um elemento-chave, não significa que detenham o poder formal, porque o poder está investido no irmão da mãe (tio materno), que detém o direito de distribuir os bens e recursos. O lobolo ou casamento tradicional não é prática característica deste sistema de organização familiar (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011.; TVEDTEN, 2011TVEDTEN, Inge. Mozambique country case study: Gender equality and Development. [s. l.]: World Bank, 2011.; COLLIER, 2007), mas actualmente acontece.

Contrariamente às sociedades matrilineares, nas sociedades patrilineares a descendência é através da linhagem paterna. Aqui o casamento é mais vinculativo e o divórcio mais ‘difícil’ e complicado para as mulheres, sendo que os filhos6 6 Actualmente elas tendem a ficar com as crianças mais novas ou mesmo com todas, facto que vem da nova lei da família. e os bens tendem a ficar com o marido e, em caso de morte do marido,7 7 Algumas viúvas nas sociedades patrilineares são expulsas da casa quando o marido morre, sendo que os bens devem ser conservados em benefício da linha patrilinear do falecido. com a família do marido (COLLIER, 2007). No que diz respeito ao divórcio, a mulher simplesmente pode ser mandada embora, principalmente quando do casamento não resultam filhos. Neste sistema de organização familiar, o lobolo é um aspecto característico e marcante, que vincula a mulher ao seu marido e à família do marido. Ao contrário das sociedades matrilineares, a mulher é quem deixa a sua família para viver com a família alargada do marido,8 8 Tempos atrás, quando a onda de migração para África do Sul à procura de trabalho era maior, as mulheres ficavam no seio da família alargada do seu esposo. Isso acontecia também se este tivesse que trabalhar em outras regiões do país. No entanto, essa prática de deixar a mulher no seio da família alargada do marido tende a diminuir nos dias de hoje, em que alguns casos a mulher acaba se sujeitando a receber ou a sogra, a cunhada ou mesmo o cunhado durante a ausência do marido. por uns tempos, alegadamente para poder ser avaliada nas lidas domésticas e, depois, pode passar a viver somente com o marido, caso este tenha casa própria (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011.; TVEDTEN, 2011TVEDTEN, Inge. Mozambique country case study: Gender equality and Development. [s. l.]: World Bank, 2011.). É facto comum que as famílias residam em largos pedaços de terra, em que os filhos recém-casados tenham a possibilidade de erguer uma casa ou quarto isolado da família principal.

De modo geral, as relações de género em Moçambique são caracterizadas pela posição subordinada das mulheres, quer nas comunidades patrilineares, quer nas matrilineares, na medida em que os costumes se assentam em formas de controle social que priorizam o colectivo em detrimento do individual. Nestas organizações sociais, os papéis estão definidos com base nas relações de género que colocam as mulheres em posições subordinadas e as definem como detentoras da tradição e conservadoras da cultura, isto é, elas são elementos-chave nos dois tipos de comunidade, mas sem poder algum. Neste sentido, a autonomia e emancipação das mulheres podem ser vistas como aspectos que ameaçam o âmago da estrutura tradicional, na medida em que deixam espaço de manobra para que as mulheres sejam actoras do seu destino, contrariando o relegado às posições subalternas (COLLIER, 2007, p. 12).

Importa realçar que a nossa área de estudo se localiza na região do país onde o sistema de organização familiar é de descendência patrilinear. No entanto, esta questão não é matéria de análise no texto, mas influencia de algum modo para perceber a situação das mulheres infectadas pelo HIV.

É nas sociedades patrilineares em que o lobolo9 9 O lobolo tornou-se algo moderno e se encontra espalhado pelo país todo, principalmente na região urbana. é mais incidente (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011.), e continua sendo uma prática muito importante e tem significantes implicações para as relações entre as mulheres e os homens, aponta Tvedten (2011TVEDTEN, Inge. Mozambique country case study: Gender equality and Development. [s. l.]: World Bank, 2011.). Aqui a situação subalterna e subjugada da mulher é marcante e, para o homem, actua como um mecanismo de dominação, isto é, o lobolo é “um reforço da inferioridade da mulher e da desigualdade de género” (SANTANA, 2009SANTANA, Jacimara. “Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento)”. Revista de História, Salvador, v. 1, n. 2, p. 82-98, 2009., p. 95). Em que consiste esta prática? O lobolo:

Tem as suas raízes na forma de organização das sociedades tradicionais, a partir das quais a família desempenhava um importante papel nas relações sociais e na produção econômica do coletivo, tendo como eixo principal a produção familiar. Assim, o casamento constituía uma instituição significativa porque era por ele que se garantia a produção agrícola e a geração da descendência. Neste sentido, as mulheres cumpriam um papel central nessas sociedades. O matrimônio, portanto, representava um acordo realizado entre dois grupos familiares sob jurisdição do chefe da linhagem, mas a saída de uma das mulheres da família para o casamento exigia, da família do noivo, uma compensação que deveria ser paga à família da noiva, sendo essa quantia utilizada posteriormente para o casamento do seu irmão (p. 83-84).

Actualmente integra-se como parte fundamental dos rituais simbólicos de casamento e consiste na entrega, por parte da família do noivo à família da noiva, de gado,10 10 A entrega de cabeças de gado, maioritariamente bovino, tanto pode prevalecer como não, isto é, varia de família para família e até de região (urbana e rural). dinheiro,11 11 O valor em dinheiro também varia de família a família. entrega de roupas (um fato12 12 Terno, no Brasil. para o pai da noiva, duas capulanas13 13 Palavra de origem tsonga, uma das etnias do sul de Moçambique, designa um pano/tecido que as mulheres usam e pode servir de saia, mas que com a moda dá lugar a muitas peças de roupa, bijuterias, bolsas etc. para mãe da noiva e outra para avó), bebidas (garrafão de vinho) e outros bens,14 14 Os bens e os valores monetários que a família do noivo deve levar para a casa da noiva costumam ser entregues por meio de uma carta acompanhada de uma lista, principalmente quando o noivo é apresentado à família da noiva e manifesta a vontade de se casar, indicando as datas. O conteúdo da lista varia de família para família. antes da realização da cerimônia do casamento ou da ida da noiva para a casa dos parentes do marido, simbolizando, assim, a união entre as duas famílias. Casamentos sem lobolo eram, e ainda são, em algumas comunidades, considerados ilegítimos (Ana LOFORTE, 2003LOFORTE, Ana Maria. Género e Poder entre os Tsongas de Moçambique. Lisboa: Ela por Ela, 2003.; Valdemir ZAMPARONI, 1998ZAMPARONI, Valdemir D. Entres narros e mulungos: Colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890-c. 1940. 1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, SP, Brasil.). No entanto, há famílias que acrescentam caixas de cerveja, caixas de refrigerante e até peças de roupa para outros familiares e, quando os pais da noiva já são falecidos, podem servir para os tios maternos e/ou paternos, irmãos mais velhos etc. Outro aspecto que podemos destacar é que, atualmente, o casal de noivos é quem procura reunir todos os requisitos para realizar a cerimónia de lobolo e que os restantes familiares somente cumprem com o acto ‘burocrático’ da cerimónia.

Este acordo entre os familiares dos noivos se mantém e nele participam os tios dos noivos, variando de família para família a quantia monetária, fruto da troca. Antigamente, este acordo tinha uma dimensão simbólica em que a troca não envolvia valores monetários. Mas, principalmente, com o início da migração em busca de trabalho para África do Sul, dá-se o início da monetarização deste processo e, consequentemente, o lobolo como meio de ‘compra e venda’ da noiva. Segundo Santana (2009SANTANA, Jacimara. “Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento)”. Revista de História, Salvador, v. 1, n. 2, p. 82-98, 2009.), é da visão desta prática como compra das mulheres que faz com que elas sejam vistas como propriedades ‘privadas’ dos maridos, que passavam a escravizá-las e explorá-las na sua capacidade produtora e reprodutora, inferiorizando-as em relação aos homens com que se juntam via o lobolo. Assim, as mulheres são elementos-chave no lobolo, mas somente como moeda de troca.

Esta transferência da mulher por via do lobolo, para reforçar o que Santana (2009SANTANA, Jacimara. “Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento)”. Revista de História, Salvador, v. 1, n. 2, p. 82-98, 2009.) destacou, torna-a propriedade do homem, legitima a autoridade sobre ela e constitui um mecanismo de dominação masculina e de estabelecimento do poder marital, contribuindo para aumentar a precariedade da condição das mulheres (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011.; TVEDTEN, 2011TVEDTEN, Inge. Mozambique country case study: Gender equality and Development. [s. l.]: World Bank, 2011.; ZAMPARONI, 1998ZAMPARONI, Valdemir D. Entres narros e mulungos: Colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques c. 1890-c. 1940. 1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, SP, Brasil.). Assim, o lobolo é um acto que define a situação das mulheres e dos homens, bem como estrutura as posições e como as relações sociais entre os dois passam a ser estabelecidas, vislumbrando-se manifestações de poder dos homens para com as mulheres, em nome da cultura e da tradição.

Em Moçambique, para além do lobolo, quer nas comunidades patrilineares, quer nas matrilineares, existem outras práticas que, em nome da cultura e tradição, reforçam a condição de subalternas e submissas das mulheres. Essas práticas permitem vislumbrar também as problemáticas das desigualdades de género de que as mulheres são vítimas. Podemos apontar, por exemplo, a poligamia, que é um sistema de organização familiar em que um homem tem várias esposas ao mesmo tempo e, como em outros países africanos, é praticada independentemente da religião, origem étnica ou do nível socioeconómico das pessoas (MINISTÉRIO DA SAÚDE; INE; ICFI, 2013).

Os ritos de iniciação educam as mulheres a serem esposas obedientes, submissas e como agradar aos seus maridos ou homens. Algumas comunidades praticam o levirato, uma prática que estabelece o casamento da viúva com seu cunhado, para continuar a pertencer à família do marido. Existe ainda o Kutchinga (Sul do país) e Pitakufa (Centro do país), ritual que obriga a viúva a manter relações sexuais com o irmão mais novo do marido falecido, acreditando-se que o acto purifica a viúva e a casa, evitando com que um ‘mal’ caía na família.15 15 Na actualidade existem práticas que consistem em banhos de ervas como forma de purificação e evitamento das relações sexuais. As mulheres também são acusadas de feiticeiras e acusadas de terem causado a morte dos maridos. Em certos casos, quando o marido morre, são expulsas da casa e não lhes é reconhecido nenhum direito sobre os bens e/ou filhos. Estes casos são mais comuns nas zonas rurais, onde a maioria das mulheres reside e não tem acesso à justiça (Ana MONTEIRO, 2011MONTEIRO, Ana Piedade A. HIV/AIDS prevention intervention in Mozambique as conflict of cultures: The casa of Dondo and Maringue in Sofala province. 2011. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Antropologia Social, Faculdade de Ciências Humanas, Universidade de Witwatersrand, Johanesburgo, África do Sul.; NAMBURETE, 2009NAMBURETE, Eduardo. SADC gender protocol barometer baseline study, Mozambique. Johannesburg: Gender Links, 2009.).

Estas práticas culturais e tradicionais ‘nocivas’ para as mulheres moçambicanas, em sua maioria, vêm sendo praticadas antes, durante e depois da colonização. No entanto, o nível de aceitação e negação das mesmas tem suas variações. Antes da colonização, havia aceitação de tais práticas, compreendidas como parte da tradição dos povos indígenas, mas durante a colonização eram vistas como práticas ‘selvagens’ e prejudiciais para as mulheres. Decorrente dessa negação, o governo saído da independência teve como uns dos desafios a melhoria das condições das mulheres, principalmente depois destas terem feito parte da Luta Armada de Libertação Nacional (LALN), sendo que essa participação é também importante para perceber o que é ser mulher em Moçambique.

Um dos principais aspectos da participação das mulheres na LALN16 16 Devido ao aspecto de inclusão das mulheres na guerrilha, a FRELIMO foi, talvez, dos poucos movimentos nacionalistas, no continente Africano, que defendeu que a emancipação da mulher deveria ocorrer em simultâneo com a luta pela libertação do jugo colonial. está relacionado ao papel que elas tinham nesse período, especialmente com a criação do Destacamento Feminino, em 1966, como um ‘braço’ armado da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)17 17 Frente de Libertação de Moçambique, outrora movimento que liderou a luta anticolonial, hoje partido político que governa o país desde a independência, em 1975. (CASIMIRO, 2004CASIMIRO, Isabel Maria. Paz na terra, guerra em casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Maputo: Promédia, 2004.). Mais tarde, foi suplementada com a criação de uma organização não militar feminina, a Organização da Mulher Moçambicana (OMM),18 18 Actualmente considerada uma organização do partido FRELIMO, joga um importante papel na mobilização do eleitorado nas campanhas e nos pleitos eleitorais. em 1973, como forma de integrar as mulheres na vida política, económica, social e cultural do país. Esses aspectos são importantes para indicar que o processo de envolvimento das mulheres em questões políticas acontece mesmo antes da independência de Moçambique (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011.).

A maioria dessas organizações de mulheres tinha como função informar e mobilizar as populações quanto às intenções da FRELIMO e da guerra, incentivá-las a cultivar para alimentar o exército, transportar armamento e outros bens por longas distâncias e a pé, em suas cabeças, que eram usados durante as incursões militares, facto que ilustra que o destino não era traçado por elas. Mas houve mulheres que, igualmente com os homens, pegaram armas para combater o colonialismo e, posteriormente, participaram na guerra civil (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011.; CASIMIRO, 2005CASIMIRO, Isabel Maria. “Samora Machel e as relações de gênero”. Estudos Moçambicanos, Maputo, n. 21, p. 55-84, set. 2005.).

No período da LALN (CASIMIRO, 2004CASIMIRO, Isabel Maria. Paz na terra, guerra em casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Maputo: Promédia, 2004.), nas zonas libertadas, a divisão do trabalho não mudou, continuando as mulheres a preparar a alimentação e a realizar o trabalho doméstico. Facto que pode servir para questionar o quão as mulheres eram vistas como iguais aos homens durante a LALN. No entanto, depois da independência, “a mulher é percebida e representada, em primeiro lugar, pelo seu papel de mãe” (LOFORTE, 2003LOFORTE, Ana Maria. Género e Poder entre os Tsongas de Moçambique. Lisboa: Ela por Ela, 2003., p. 54). Assim, a condição das mulheres como actoras invisíveis e pouco consideradas é algo historicamente perpetrado em Moçambique. Aqui, podemos vislumbrar, também, que as mulheres não eram livres da dupla jornada de trabalho durante os momentos anteriores e posteriores à independência nacional.

Mesmo tendo prevalecida essa condição da mulher, há que se considerar que é depois da independência que mais se explicita a intenção do governo da FRELIMO de reduzir o impacto na vida das mulheres das práticas culturais e tradicionais nocivas, que apontamos anteriormente. Essa atitude do governo saído da independência vislumbra novas perspectivas sobre a questão de género e das condições das mulheres e dos homens na sociedade, isto é, um novo olhar sobre os determinantes das formas de ser mulher e homem. Assim, a pretensão da FRELIMO de colocar fim a essas práticas discriminatórias e nocivas veio por meio de slogans como, por exemplo, abaixo19 19 Entenda-se “abaixo” como se designasse fim a esses males. lobolo20 20 A não aceitação do casamento lobolado por parte da FRELIMO e o incentivo ao casamento civil culminaram com a criação do Palácio dos Casamentos. (SANTANA, 2009SANTANA, Jacimara. “Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento)”. Revista de História, Salvador, v. 1, n. 2, p. 82-98, 2009., p. 89), abaixo poligamia, abaixo ritos de iniciação (ARNFRED, 2011ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa. Woodbridge: James Currey, 2011., p. 6) para eliminar a situação de opressão em que se encontravam as mulheres.

Esta forma de querer colocar fim a esses males foi característica do governo de índole popular que foi o da FRELIMO nos primeiros anos de independência. Estes slogans eram predominantes nos discursos que Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique independente, proferia nos comícios em que se apresentava. Os slogans que muito cativavam a população passam a ser prática presente no quotidiano moçambicano e, com eles, a expressão de formas de vida, aproximando o governo do povo. Além dos slogans para colocar fim às práticas acima mencionadas, o uso do termo abaixo foi também marcante nos discursos políticos contra a corrupção (abaixo corrupção), contra o exército da RENAMO (abaixo bandidos armados)21 21 Designação usada durante e depois da guerra civil para fazer referência ao exército da RENAMO. Infelizmente, actualmente se usa essa designação, de forma pejorativa em minha opinião, quando se faz menção ao agora maior partido da oposição em Moçambique, a RENAMO. etc.

Os aspectos que trouxemos ajudam-nos a entender como o ser mulher, o ser homem e as relações de género em Moçambique são atravessadas por questões socioculturais e de tradição, privilegiando maioritariamente aos homens em detrimento das mulheres.

Cultura, tradição, economia familiar e a seropositividade feminina

De forma generalizada, na África Austral, e Moçambique não é excepção, as sociedades concedem papéis e responsabilidades, prevendo comportamentos e expectativas distintas para mulheres e homens. Distinção que tem implicações directas em questões práticas, estruturais, culturais, tradicionais e fomenta a desigualdade. Na medida em que as mulheres têm menos poder de participação e tomada de decisão, têm menos acesso aos recursos e serviços, indicando que os costumes exercem barreiras no exercício dos seus direitos humanos (KULA, 2009KULA. Plano nacional de acção multissectorial sobre gênero e HIV e SIDA 2010-2015. Maputo: Kula, 2009.).

O perfil das mulheres entrevistadas mostra que, quanto à idade, a mais nova tinha 34 anos e a mais velha 52 anos. Quanto ao estado civil, seis estavam casadas, sendo que cinco casaram num casamento colectivo e beneficente organizado pela Associação Hixikwane (AH); três eram divorciadas; cinco eram solteiras, duas sem nenhum relacionamento, uma namorando, duas vivendo maritalmente; e seis eram viúvas. Quanto ao nível de instrução, a menos instruída estava fazendo alfabetização e a mais instruída tem a 12a classe completa,22 22 Ensino secundário geral e pré-universitário. O equivalente ao ensino médio no Brasil, isto é, 12ª classe significa o último ano do ensino médio. sendo essa a mais nova das entrevistadas. Somente três delas declararam estar empregadas, sendo esse emprego na creche comunitária da AH. O número de filhos das mulheres variava de um a sete filhos. A idade menor para ter o primeiro filho entre elas foi de 17 anos e a maior foi de 30 anos.

No que diz respeito às práticas nocivas que apontamos antes, das mulheres entrevistadas, duas estavam em relacionamentos polígamos e/ou em que estava envolvida uma segunda mulher. As que faziam parte de um relacionamento em que não eram únicas continuam desempregadas e, consequentemente, sem poder económico para suprir as necessidades quotidianas para sua saúde, que incluía alimentação para digerir os antirretrovirais, bem como transporte de casa para unidade sanitária para levar a medicação e/ou ser vista pelo pessoal médico, evidenciando a dependência económica.

Das viúvas, as que fizeram o ritual de purificação, o Kutchinga, eram quatro. Quanto às mulheres que tiveram que praticar o Kutchinga, vemos que esta prática não só mostra a inferioridade e situação subalterna das mulheres, mas que esta exerce um controle social sobre elas, na medida que, sendo tradição da família do companheiro falecido, elas estão sujeitas à fazê-la. O facto de seus parceiros serem de regiões do país onde o processo não tem muita 'importância' social fez com que duas viúvas não fossem submetidas ao Kutchinga.

As falas que seguem ilustram a presença desta prática na vida de algumas mulheres entrevistadas e relação da mesma com a infecção pelo HIV:

Não foi fácil, mas acabei contando. Foi difícil. Yah, tive que mentir mesmo (risos), porque ali, sabe como é a tradição, tinha que se fazer Kutchinga mesmo, mas quando fizemos Kutchinga não [usamos preservativo], o problema estava aí... (Relato de grupo focal, mulher de 41 anos).

[...] eu acho que Kutchinga mano é que faz aumentar o HIV, porque nas famílias que fazem isso de Kutchinga, não sei como é que fazem, não usam preservativo. Eu posso ser viúva, perder meu marido hoje nem sei meu estado, por exemplo, nem sei meu estado, nem sei o que levou à morte meu marido, mas a família do meu marido vai me obrigar a tchingar com meu cunhado, talvez eu tenho HIV, talvez meu marido faleceu por HIV, eu vou contrair HIV, contaminar meu cunhado, depois meu cunhado vai contaminar a mulher, talvez a mulher tem outro namorado e assim vai alastrar o HIV (Relato de grupo focal, mulher de 43 anos).

Os custos sociais que as mulheres têm que enfrentar são parte da história da sua opressão e das relações desiguais de género que ainda marcam as relações entre mulheres e homens. Esta situação realça que são as normas socioculturais que definem os papéis e as responsabilidades de mulheres e homens, mas também afectam o acesso e uso de modo diferenciado e desigual por mulheres e homens, dos serviços de saúde, incluindo os serviços do HIV e SIDA (WHO, 2014WHO. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Gender and Health, 2014. Disponível em Disponível em http://www.euro.who.int/en/health-topics/health-determinants/gender/gender . Acesso em 08/11/2014.
http://www.euro.who.int/en/health-topics...
), sendo a dependência económica mais evidente.

O facto de ser mulher, pobre e infectada pelo HIV, faz com que suas vivências quotidianas sejam um diálogo na e com a sociedade. Nos podem dizer como a questão de subalternas e de menos privilegiadas económica, cultural e socialmente se comunica com a condição de saúde das mulheres. Por outras palavras, a saúde delas está dependente de outros factores que não somente os biológicos.

A situação social e económica de Moçambique é determinante para entender e explicar as dificuldades encontradas no enfrentamento da infecção pelo HIV e na vida das pessoas infectadas porque a condição social e económica das mulheres segue as ofertas que o país dispõe para que as pessoas melhorem as suas condições (Conceição OSÓRIO, 2004OSÓRIO, Conceição. “Algumas reflexões sobre a abordagem de gênero nas políticas públicas sobre o HIV/SIDA”. Outras Vozes, Maputo, n. 6, p. 1-4, fev. 2004., p. 2). Isto é, as questões conjunturais do país são determinantes para a vida que estas mulheres levam no quotidiano, agravando-se quando as questões culturais e de tradição específicas são agregadas aos problemas conjunturais.

A partir das experiências destas mulheres, existe uma necessidade de a sociedade perpetrar transformações sociais e culturais quanto ao enfrentamento do estigma relacionado ao HIV, porque ficam evidentes as fontes de stress quotidiano de mulheres infectadas pelo HIV, por isso, nessas transformações, as questões de género são fundamentais, uma vez “que influenciam o comportamento, os pensamentos e os sentimentos dos indivíduos, afectam as interações sociais” (Maria Luciana BOTTI et al., 2010BOTTI, Maria Luciana et al. “Conflitos e sentimentos de mulheres portadoras de HIV/AIDS: Um estudo bibliográfico”. Rev. Esc. Enferm., São Paulo, USP, v. 43, n. 1, p. 79-86, jan. 2009. p. 83), neste caso específico, negativamente.

Constata-se que elas não são as disseminadoras ou quem ‘transporta’ o vírus do HIV de fora para dentro do lar ou da relação. Evidencia, sim, sua vulnerabilidade social, cultural, de tradição e biológica à infecção. Se o HIV tem uma face feminina, as mulheres seropositivas também são a face do estigma e da discriminação que a ele está associada, criando um isolamento à pessoa infectada, como podemos constatar nas seguintes falas:

Nos vizinhos falavam, como eu vendia às vezes, diziam outras pessoas para não vir comprar pães23 23 Em Maputo é comum as pessoas comprarem pão nas padarias para revender em casa ou nos mercados informais. na minha banca porque eu sou [seropositiva] [...] só falavam, outras pessoas vinham-me dizer: ‘dizem que você tem SIDA’, ‘você está doente, nós não podemos vir [comprar teu pão]’ (Extrato de história de vida, mulher de 46 anos).

Os que falavam mal [são] os meus vizinhos que sempre chamavam Sidinha,24 24 Diminuitivo pejorativo para o SIDA. meu nome quando ficava doente [...] às vezes quando eu sair assim, ou vou ao mercado, porque tentava para aquelas crianças [...], eu às vezes saía, mas eu estava magrinha, eu saía, chamavam Sidinha está se passar, Sidinha vais para onde (Extrato de história de vida, mulher de 35 anos).

Ao se perpetrar essa transformação, se deve trabalhar sobre as práticas culturais e tradicionais que apontamos antes, nocivas para as mulheres moçambicanas, na medida em que essas práticas, directa ou indirectamente, influenciam na infecção pelo HIV e nas consequências pós-infecção. A transformação terá que eliminar o cenário que coloca as mulheres como as disseminadoras da infecção e fontes das desgraças no seio das famílias, particularmente quando elas são as ‘estrangeiras’, isto é, elas saem do seu grupo familiar para o grupo do parceiro.

Assim, transformando o cenário desigual que marca as relações de género, as mulheres devem deixar de ser vistas como as disseminadoras do HIV. Como os nossos dados indicam que a infecção é em relacionamentos estáveis, elas são, sim, receptoras passivas da infecção, às vezes devido a um relacionamento anterior e/ou polígamo, bem como dos rituais de purificação das viúvas. Passivas, neste caso, porque as relações de género e as práticas culturais e tradicionais as colocam em situação de inferioridade e subalternas em relação aos homens (KULA, 2009). Aqui, a questão delas terem capacidade de negociar o uso de preservativo pode transformá-las em activas. As falas seguintes reforçam que elas é que são receptoras da infecção e que a mesma pode decorrer em relacionamentos polígamos:

Foi 2010. Epah não soube..., aquele 2010 deixei, não interessei, da forma como estive gorda, saudável, não tinha problemas de doença, deixei aquilo ali. E meu marido ele é que foi primeiro atingir só que ele piorou, ele ficou mais doente do que eu, já eu sempre desconfiava que ele está doente e eu não. Ele adoeceu..., eu fiz através dele quando fui fazer o teste porque ele foi fazer da primeira vez negou, depois a família me insistiram ‘vai lá fazer para acreditarmos, se ir, acusar a ti é porque a doença é mesmo’ (Extrato de história de vida, mulher de 48 anos).

Sim, até chegar ao fim de eu fazer o teste, aquela minha rival tinha deixado uma criança pequenina e aquela criança também estava doente. Então, quando estava doente aquela criança, a criança ficou comigo, quando estávamos a voltar de lá de Gaza aquela minha rival começou com a doença também. E levar a ela para casa dela... e era lá na Beira, quando chegou na Beira não acabou duas semanas, ficou uma semana morreu, então deixou aquela criança comigo. Aquela criança começou com a doença, eu disse não, assim não é normal, vou para o hospital. Então fui fazer teste com a criança, acusou, então no hospital aconselharam para fazer o teste, ‘tem que você também fazer o teste, porque a história que você está a contar, estão todos infectados’, então eu fiz o teste (Extrato de história de vida, mulher de 43 anos).

O facto de as mulheres serem consideradas cuidadoras natas25 25 Para mais conhecimento sobre os estudos relativos aos “cuidados” exigidos das mulheres (care, em inglês), naturalização do trabalho feminino e da invisibilidade do mesmo. (Elieen BORIS, 2014BORIS, Elieen. “Produção e reprodução, casa e trabalho”. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 101-121, jun. 2014.; Helena HIRATA; Danièle KERGOAT, 2007HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. “Novas configurações da divisão sexual do trabalho”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 132, p. 595-609, set./dez. 2007.) espelha como os processos culturais e tradicionais de socialização e de definição dos papéis de género colocam as mulheres em funções ditas frágeis. Isto é, as relações desiguais de género já estabelecem os papéis ‘adequados’ para as mulheres e as questões culturais específicas da sociedade moçambicana pesam nessa estruturação das funções. Em consequência disto, elas são relegadas para o segundo plano, sem estímulo nenhum e sem valorização do trabalho que fazem.

Neste sentido, esse papel de cuidadoras que as mulheres entrevistadas executam se configura como uma extensão do papel de mães, contudo, invisível e não remunerado. Essa situação é agravada por serem mulheres seropositivas. Pelo facto de exercerem trabalhos assistenciais nas comunidades, como estratégia de melhoria da qualidade de vida das pessoas, transmitindo novos conhecimentos:

A mulher não é apenas educadora a nível familiar, mas, igualmente, a nível social, e sua [ação] fora do lar será uma extensão do papel de conselheira e mãe a outros níveis da sociedade. Elas usam estas posições para ganhar poder e influência (LOFORTE, 2003LOFORTE, Ana Maria. Género e Poder entre os Tsongas de Moçambique. Lisboa: Ela por Ela, 2003., p. 191).

Em outro desenvolvimento, Loforte (2011LOFORTE, Ana Maria. “Mulheres e cuidados domiciliários num contexto de HIV e SIDA”. Outras Vozes, Maputo, n. 35-36, p. 1-9, ago./nov. 2011., p. 5) destaca que as mulheres é que tendem a estar significativamente nos cuidados domiciliários às pessoas infectadas pelo HIV. A autora aponta que isso se deve a diferentes razões. Razões essas que denotam as desigualdades de género e poder existentes nas práticas assistenciais. Ainda para Loforte (2011), reforçando o posicionamento de Elaine Galvão (2010GALVÃO, Elaine F. Mulheres na luta pela saúde: trajetórias de lideranças comunitárias na cidade de Londrina - PR. 2010. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina, Paraná, PR, Brasil., p. 13), o trabalho doméstico é visto como actividade natural das mulheres. Elas são tidas como guardiãs da tradição, das normas dos grupos e, por isso, estão aptas para cuidados dos doentes. Ou seja, “o trabalho é leve (e a remuneração é baixa), não por suas próprias características, mas pela posição que suas realizadoras ocupam na hierarquia familiar” (Maria Ignez PAULILO, 1987PAULILO, Maria Ignez. “O peso do trabalho leve”. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 64-70, jan./fev. 1987., p. 70 [grifo meu]). E os homens, vistos como ganha-pão, não podem ser vinculados a este tipo de actividades sem remuneração. Assim:

O cuidado domiciliário é um trabalho feminino num contexto onde a feminilidade é construída a partir de valores que sublinham a subserviência e a dedicação ao outro. Num campo vasto de dominação masculina, ele é remetido para a esfera do privado, é desvalorizado, desqualificado, e concebido como se não requeresse habilidades e competências (LOFORTE, 2011LOFORTE, Ana Maria. “Mulheres e cuidados domiciliários num contexto de HIV e SIDA”. Outras Vozes, Maputo, n. 35-36, p. 1-9, ago./nov. 2011., p. 8).

Assim, as mulheres acabam sendo o amparo para pessoas infectadas, porém, o facto de não serem remuneradas agrava as desigualdades sociais e de género, mantendo-as economicamente fragilizadas. Esta questão mostra como, no caso específico das mulheres entrevistadas, as questões sociais continuam influenciando no processo de saúde e doença, bem como as relações de género estão presentes em suas experiências quotidianas. A fala seguinte mostra como elas exercem o cuidado com pessoas seropositivas:

Ganhei [conhecimentos] e ajudo muitas pessoas. E através de visitas, de busca [dos que desistem do tratamento], fui uma casa de uma menina. Uma menininha de 19 anos tinha abandonado tratamento. Eu disse menina você sabe que está em risco agora, vai infectar muitas pessoas e também vai ficar infectada. Você vai ter ITS e muitas doenças, você vai ter, e muitas pessoas, quando eu ver está doente, eu vou dizer a ele ou a ela, vamos ao hospital. Eu vou te acompanhar, é uma pessoa que eu estou a ver ele está mal, eu acompanho (Extrato de história de vida, mulher de 52 anos).

O facto de ser uma actividade sem reconhecimento ou não valorizada, por isso, não remunerada, segue a conjuntura do país. Situação que, para Loforte (2011LOFORTE, Ana Maria. “Mulheres e cuidados domiciliários num contexto de HIV e SIDA”. Outras Vozes, Maputo, n. 35-36, p. 1-9, ago./nov. 2011., p. 5), no quadro de enfrentamento do HIV, apesar do reconhecimento das desigualdades de género que caracteriza a infecção pelo HIV, as acções que têm em conta esse aspecto são reduzidas, sendo que poucas respostas nacionais canalizam meios financeiros para o campo dos cuidados prestados pelas mulheres.

Assim, para Loforte (2003LOFORTE, Ana Maria. Género e Poder entre os Tsongas de Moçambique. Lisboa: Ela por Ela, 2003., p. 22), o pleno emprego poderia melhorar as estratégias de sobrevivência das mulheres, podendo tirá-las da situação de dependência. Diante deste cenário, a questão de emprego foi apontada pelas mulheres como algo que pode garantir alguma mudança em suas vidas e satisfazer suas necessidades, que influenciam em questões relacionadas à saúde delas, com destaque para a alimentação, sendo que, para elas, [O Estado] devia nos ajudar nós que somos doentes em..., na..., acerca dos alimentos, nos dar comida para nós podermos melhorar mais breve possível (Extrato de história de vida, mulher de 45 anos).

Portanto, o emprego ou rendimento mensal é encarado como a solução dos problemas com que elas se deparam no quotidiano, porque a condição de desempregadas ou sujeitas a remunerações baixas agrava a lista das dificuldades que experimentam. Cenário que, igualmente, aumenta a condição de pobreza feminina e, como mães, consequentemente se agravam as responsabilidades das mulheres no cuidado do lar e da família. Também mostra que os efeitos e impactos da epidemia são mais ‘pesados’ para os pobres, porque sem renda ou com renda baixa não conseguem prover muitas das necessidades básicas para a saúde própria e de sua família, como podemos observar nas seguintes falas:

Os piores momentos que eu tenho é falta de emprego para alimentar os meus filhos..., eu tenho preocupação de ter um emprego para eu trabalhar, para ajudar em algumas coisitas. Porque eu tenho muita falta na minha casa. Tenho muita coisa que eu preciso fazer, mas não consigo fazer porque não trabalho (Extrato de história de vida, mulher de 52 anos).

Eu gostaria que talvez houvesse um projecto para nos ajudar, pelo menos eu ter um emprego. Meus filhos estudaram, eu me sacrifiquei, não fiz nada na minha vida, estive a fazer os meus filhos estudar. Não tem emprego, estão ali sentados. Eu estou com fome, os meus filhos estão com fome (Extrato de história de vida, mulher de 45 anos).

O trabalho é tomado como solução de problemas. Muitas das dificuldades que elas têm no quotidiano se devem à falta de emprego ou renda mensal. Aqui a infecção pelo HIV é mais uma das preocupações. Para Regina Barbosa (1999BARBOSA, Regina. “AIDS e saúde reprodutiva: novos desafios”. In: GIFFIN, Karen; COSTA, Sara (Orgs.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 281-296., p. 281), a infecção pelo HIV se manifesta como mais um ‘risco’ ou vulnerabilidade que se acrescenta a tantos outros, alguns deles mais imediatos e ameaçadores. Mas, todos juntos, espelham as dificuldades no enfrentamento de um duro quotidiano, num mundo da vida em que os obstáculos para a sobrevivência são muitos e as realizações pessoais, poucas.

Paralelamente a isso, Léa Barroso, Carolina Carvalho e Marli Galvão (2006BARROSO, Léa; CARVALHO, Carolina; GALVÃO, Marli. “Mulheres com HIV/AIDS: subsídios para a prática de enfermagem”. Rev. RENE, Fortaleza, v. 7, n. 2, p. 67-73, maio/ago. 2006., p. 71) apontam a renda como um indicador que especifica principalmente o acesso do indivíduo aos bens materiais, incluindo os serviços e sistemas de saúde. Estas autoras acrescentam que as necessidades financeiras das mulheres mostram a marginalização socioeconómica da epidemia. A necessidade financeira implica menor acesso aos bens de consumo, aos serviços essenciais, além das barreiras para alcançar uma qualidade de vida. Abrange desde a alimentação até questões emocionais e psicológicas, que são garantias de um estado de bem-estar das mulheres.

Portanto, a impossibilidade de responder às necessidades mostra que as mulheres estão em situações de vulnerabilidade social agravada pelo seu estado serológico que requer atenção especial, podendo significar precariedade e agravos à sua saúde. Por outras palavras, a falta de renda e/ou as remunerações baixas é mais um aspecto a ter em conta em matéria de vulnerabilidade feminina, pois reforça a questão das desigualdades sociais e de género entre mulheres e homens.

Para as mulheres é sempre mais difícil conseguir emprego. Para as mulheres entrevistadas pior ainda em função da baixa e fraca escolaridade. Além disso, tem as ocupações em casa, por exemplo, cuidar dos filhos, dificultando para conseguirem uma ocupação, além do estado serológico e as condições físicas para desenvolver actividades que requeiram força e longas horas de trabalho. Mas poder trabalhar e/ou ter um rendimento pode constituir para as mulheres uma estratégia de sobrevivência e de melhoria da sua situação diante das desigualdades sociais e de género face aos homens.

Portanto, além de meio para a satisfação de necessidades básicas, o emprego para elas é um factor de empoderamento (BARROSO; CARVALHO; GALVÃO, 2006BARROSO, Léa; CARVALHO, Carolina; GALVÃO, Marli. “Mulheres com HIV/AIDS: subsídios para a prática de enfermagem”. Rev. RENE, Fortaleza, v. 7, n. 2, p. 67-73, maio/ago. 2006., p. 80). Constitui-se, desse modo, em um factor de enfrentamento positivo da face feminina do HIV, do preconceito, da discriminação e da segregação de que estão expostas no quotidiano, bem como dos efeitos que as questões culturais e tradicionais específicas têm sobre elas.

Diante dos cenários que mostramos, a infecção pelo HIV somente veio agravar os problemas, as dificuldades e os desafios sociais que as mulheres pobres já enfrentavam, especialmente em um contexto onde as questões culturais e tradicionais já as colocam em desvantagem em relação aos homens. Elas possuem e compartilham dinâmicas de género e, consequentemente, compartilham a experiência do que é ser mulher em Moçambique, bem como de ser mulher pobre e infectada pelo HIV. Paralelamente, para Teresa Cruz e Silva et al. (2007CRUZ E SILVA, Teresa et al. Representações práticas da sexualidade entre jovens e a feminização do SIDA em Moçambique: estudos de caso no Centro e Sul do país. Maputo: WLSA Moçambique, 2007.), no que se refere aos direitos humanos das mulheres, estas continuam, na maior parte do país, a serem socializadas para servir à reprodução e fazer o trabalho familiar. Por isso, acrescentam estas autoras, que as mulheres e homens incorporam em suas práticas os valores da sociedade patriarcal como ‘naturalmente’ certos e justos.

Assim, a questão da feminização do HIV não deve somente ser vista, em Moçambique, apenas pelo facto de as mulheres serem o segmento da população mais infectada, mas, também, pelo facto delas serem as que mais sofrem os impactos sociais da infecção. Portanto, a feminização do HIV deve ser entendida muito além da vulnerabilidade biológica, bem como do facto de as mulheres estatisticamente serem o segmento onde a incidência dos níveis de seroprevalência é mais alta. Há que incluir as relações desiguais de género e poder entre mulheres e homens, bem como as práticas tradicionais que em Moçambique vulnerabilizam a situação de subalternas e oprimidas das mulheres.

Considerações finais

A preocupação que nos fez elaborar esta pesquisa, sob a perspectiva das relações de género, sua articulação com o campo da saúde e com questões culturais e de tradição, está relacionada com o facto de querermos entender como, nas mulheres entrevistadas, se manifesta o ser mulher e a questão da feminização do HIV.

Se as relações entre mulheres e homens - relações de género - se desenvolvem em contextos específicos, então, questões culturais específicas influenciam na estruturação dessas relações. Assim, a cultura constitui o género. No caso moçambicano, as questões culturais e tradicionais discriminatórias e nocivas para as mulheres, que apontamos, são aspectos que se deve ter em conta para analisar as relações de género e as consequências das mesmas para as maneiras de ser e estar na sociedade por parte dos indivíduos. No entanto, essas questões culturais e tradicionais agravam a condição e situação de vulneráveis das mulheres.

A ideia central do texto foi verificar, por meio de análise das falas e das práticas das entrevistadas, como elas se comportam na sociedade em face do seu estado serológico. E, com isto, enquadrar as experiências destas mulheres no campo de conhecimento que relaciona as questões de género com às de saúde e destas com a cultura e tradição. Mas também demonstrar que o quotidiano delas é marcado por momentos de vulnerabilidade individual, programática, social e cultural, antes e pós-infecção.

Entender as experiências destas mulheres passou por enquadrá-las no âmbito geral da condição e/ou do que é ser mulher em Moçambique. Fazer isso incluiu, de entre outras coisas, perceber como as relações de género estruturam as relações e posições desiguais entre mulheres e homens na sociedade. Incluiu discorrer sobre as práticas tradicionais e nocivas para as mulheres, que também, de acordo com Osório (2004OSÓRIO, Conceição. “Algumas reflexões sobre a abordagem de gênero nas políticas públicas sobre o HIV/SIDA”. Outras Vozes, Maputo, n. 6, p. 1-4, fev. 2004., p. 3), fazem parte de um sistema social que nega às mulheres capacidade de decisão, aumentando sua posição de subalternas.

Também reforçam, ainda, a ideia de que a vulnerabilidade à infecção não é somente biológica, mas também se deve aos aspectos socioculturais e às práticas tradicionais e culturais, que nos permitiram explorar como as dinâmicas socioculturais influenciam e determinam as questões de saúde, doença e género. Paralelamente, em Moçambique existe uma cultura de silêncio em relação ao sexo que dita que as ‘boas’ mulheres devem ser ignorantes e passivas nas relações sexuais. Como ignorantes e passivas nas relações sexuais elas terminam infectadas, onde infectadas, constatamos que o quotidiano delas é atravessado por dificuldades (KULA, 2009).

Assim, um melhor entendimento das estratégias de intervenção no enfrentamento e/ou mitigação dos efeitos do HIV passa por incorporar em suas análises as questões de género, culturais e de tradição. Compreender como se organizam as relações sociais entre mulheres e homens, incluindo como as práticas culturais e tradicionais nocivas às mulheres influenciam na infecção, permitirá um aprofundamento dos contornos da infecção e da experiência de viver com o vírus. Nessa experiência de viver com o vírus, quem sofre mais com os impactos sociais são as mulheres.

Referências

  • ARNFRED, Signe. Sexuality & gender politics in Mozambique: Rethinking gender in Africa Woodbridge: James Currey, 2011.
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  • 1
    Este artigo é uma readaptação de parte de um dos capítulos da dissertação de mestrado.
  • 2
    Mais adiante apontaremos algumas normas culturais e tradicionais que são nocivas e discriminatórias para as mulheres.
  • 3
    Numa das línguas nativas do sul de Moçambique, o Changana, Hixikwane, significa ‘Estamos Juntos’.
  • 4
    Sigla em inglês para Southern African Development Community.
  • 5
    Lobolo é uma forma de casamento tradicional, onde a família do noivo passa uma compensação à família da noiva. Explicaremos melhor adiante.
  • 6
    Actualmente elas tendem a ficar com as crianças mais novas ou mesmo com todas, facto que vem da nova lei da família.
  • 7
    Algumas viúvas nas sociedades patrilineares são expulsas da casa quando o marido morre, sendo que os bens devem ser conservados em benefício da linha patrilinear do falecido.
  • 8
    Tempos atrás, quando a onda de migração para África do Sul à procura de trabalho era maior, as mulheres ficavam no seio da família alargada do seu esposo. Isso acontecia também se este tivesse que trabalhar em outras regiões do país. No entanto, essa prática de deixar a mulher no seio da família alargada do marido tende a diminuir nos dias de hoje, em que alguns casos a mulher acaba se sujeitando a receber ou a sogra, a cunhada ou mesmo o cunhado durante a ausência do marido.
  • 9
    O lobolo tornou-se algo moderno e se encontra espalhado pelo país todo, principalmente na região urbana.
  • 10
    A entrega de cabeças de gado, maioritariamente bovino, tanto pode prevalecer como não, isto é, varia de família para família e até de região (urbana e rural).
  • 11
    O valor em dinheiro também varia de família a família.
  • 12
    Terno, no Brasil.
  • 13
    Palavra de origem tsonga, uma das etnias do sul de Moçambique, designa um pano/tecido que as mulheres usam e pode servir de saia, mas que com a moda dá lugar a muitas peças de roupa, bijuterias, bolsas etc.
  • 14
    Os bens e os valores monetários que a família do noivo deve levar para a casa da noiva costumam ser entregues por meio de uma carta acompanhada de uma lista, principalmente quando o noivo é apresentado à família da noiva e manifesta a vontade de se casar, indicando as datas. O conteúdo da lista varia de família para família.
  • 15
    Na actualidade existem práticas que consistem em banhos de ervas como forma de purificação e evitamento das relações sexuais.
  • 16
    Devido ao aspecto de inclusão das mulheres na guerrilha, a FRELIMO foi, talvez, dos poucos movimentos nacionalistas, no continente Africano, que defendeu que a emancipação da mulher deveria ocorrer em simultâneo com a luta pela libertação do jugo colonial.
  • 17
    Frente de Libertação de Moçambique, outrora movimento que liderou a luta anticolonial, hoje partido político que governa o país desde a independência, em 1975.
  • 18
    Actualmente considerada uma organização do partido FRELIMO, joga um importante papel na mobilização do eleitorado nas campanhas e nos pleitos eleitorais.
  • 19
    Entenda-se “abaixo” como se designasse fim a esses males.
  • 20
    A não aceitação do casamento lobolado por parte da FRELIMO e o incentivo ao casamento civil culminaram com a criação do Palácio dos Casamentos.
  • 21
    Designação usada durante e depois da guerra civil para fazer referência ao exército da RENAMO. Infelizmente, actualmente se usa essa designação, de forma pejorativa em minha opinião, quando se faz menção ao agora maior partido da oposição em Moçambique, a RENAMO.
  • 22
    Ensino secundário geral e pré-universitário. O equivalente ao ensino médio no Brasil, isto é, 12ª classe significa o último ano do ensino médio.
  • 23
    Em Maputo é comum as pessoas comprarem pão nas padarias para revender em casa ou nos mercados informais.
  • 24
    Diminuitivo pejorativo para o SIDA.
  • 25
    Para mais conhecimento sobre os estudos relativos aos “cuidados” exigidos das mulheres (care, em inglês), naturalização do trabalho feminino e da invisibilidade do mesmo.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MAÚNGUE, Hélio Bento. “Mulher moçambicana: cultura, tradição e questões de género na feminização do HIV/SIDA”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 1, e68328, 2020
  • Financiamento:

    Esse trabalho foi realizado com o apoio do Programa Estudantes - Convênio de Pós-Graduação - PEC-PG, CNPq - Brasil. O presente dossiê foi realizado com apoio do Programa de Internacionalização PRINT/CAPES. /
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2019
  • Aceito
    21 Nov 2019
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