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Para entender o empoderamento

Understand the Empowerment

BERTH, Joice. . O que é empoderamento? . Belo Horizonte: Letramento, 2018

A palavra empoderamento - segundo uma pesquisa realizada pela Editora Positivo em 2016 (DOMTOTAL, 2016DOMTOTAL. Empoderamento é a palavra mais buscada no Aurélio em 2016. [ S. l]. DomTotal, 2016. Disponível em: Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1110461/2016/12/empoderamento-e-a-palavra-mais-buscada-no-aurelio-em-2016/ . Acesso em: 10/12/2019.
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) - foi a mais buscada no dicionário Aurélio, considerando ferramentas direcionadas para mais de dois milhões de estudantes de escolas particulares e públicas de todo o país. No que tange ao conceito e à teoria, o livro O que é empoderamento? tem como objetivo explicar e traçar as linhas gerais da emergência do termo, sua aplicação e posteriormente o deslocamento de significado que o uso excessivo ocasionou. Para tal, Joice Berth (2018BERTH, Joice. O que é empoderamento?. Belo Horizonte: Letramento, 2018.) direciona a análise do conceito pela ótica do feminismo negro, movimento que potencializou a forma como o empoderamento é empregado, além de destacá-lo como uma ferramenta de movimentação da hierarquia socioeconômica e cultural da comunidade negra.

Com o intuito de oferecer uma apreciação do que se entende por empoderamento, os seus significados e aplicações, Berth organiza o volume em quatro partes articuladas entre si: “O que é empoderamento?”, “Opressões estruturais e empoderamento: um ajuste necessário”, “Ressignificação pelo feminismo negro” e “Estética e afetividade: noções de empoderamento”.

O ponto de partida, colocado pela autora, é tratar especificamente sobre qual poder é referenciado pelo termo empoderamento já que faz alusão ao ato de dar poder a alguém. Essa acepção é apresentada durante a discussão elaborada por Berth como sendo o primeiro obstáculo para a aplicação do sentido da palavra, posto que alguns estudos não compreendem como essa dinâmica se processa, sobre quem “dá” o poder. Apesar da definição de poder ser de fácil compreensão para aqueles e aquelas que não sofrem as mais variadas opressões e se dedicam aos estudos e os efeitos individuais e coletivos acerca do empoderamento, a autora valida sobre a importância de observar o poder como instrumento limitador de mobilidade social para aqueles que não o detém, ou seja, grupos subjugados às margens da sociedade.

Berth (2018BERTH, Joice. O que é empoderamento?. Belo Horizonte: Letramento, 2018.) articula os conceitos de poder postulados por Hannah Arendt (2001ARENDT, Hannah. Sobre a violência. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.) e Michel Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.) para situar a compreensão do empoderamento de grupos minoritários. Conforme aponta, Arendt compreende o poder não apenas como uma habilidade humana de agir, mas de agir em conjunto mantendo a sua existência enquanto o grupo está unido. Já Foucault, para ela, destaca que o poder não se concentra apenas nas instituições e que as relações de poder ultrapassam o nível estatal e perpassam todas as esferas da sociedade.

A partir disso, Joice Berth ressalta que o reconhecimento da concessão de poder a grupos minoritários está relacionado à articulação, ao autoconhecimento e à autovalorização que passam a ter. Isso se dá através dos níveis de conhecimento histórico, político e social diretamente relacionados à aceitação e ao enaltecimento da cultura, da estética e da percepção sobre a sociedade em que estão inseridos. Tudo isso, segundo a autora, leva os indivíduos pertencentes a esses grupos a se posicionarem criticamente, munidos de informações sobre si mesmos e conscientes de suas habilidades próprias para, a partir disso, criarem ferramentas ou poderes de atuação nos espaços em que estão inseridos. Berth propõe, assim, uma síntese do que se entende da ressignificação do empoderamento pela ótica das teorias do feminismo negro e interseccional, uma vez que não pretende estabelecer novas relações paternalistas, assistencialistas ou de dependência entre os indivíduos ou estabelecer como devem ser as contribuições para a atuação nas lutas e posicionamentos do grupo minoritário. Compreender a concepção de poder presente no empoderamento é apreender que a nova lógica não é inverter as relações de poder, mas subvertê-las.

Convencionado o conceito de empoderamento, Berth faz uma retomada histórica do termo ao longo do tempo. Para tal, cita a pesquisadora Rute Baquero, principal nome ao se pensar em Teoria do Empoderamento, e a acadêmica Bárbara Bryant Solomon, responsável por aplicar a Teoria em sua área de atuação no serviço social voltada para grupos oprimidos. A partir desse ponto, Berth relembra a produção do educador brasileiro Paulo Freire e sua Teoria da Conscientização a qual foi, segundo ela, precursora da Teoria do Empoderamento.

Na sequência, elucida como as discussões acerca da dinâmica social e opressões estruturais são indissociáveis da Teoria do Empoderamento. Expõe como o movimento feminista, em particular aquele que rompe com a ideia da categoria universal de mulher, foi fundamental para a reorganização das bases de entendimento e de uso do conceito em discussão, assim como identifica pontos que precisavam de cuidado. Mesmo assim, destaca a importância de aprofundar-se nessa análise, posto que atualmente usa-se o conceito de empoderamento feminino - o qual foca na emancipação individual da mulher - sem haver a preocupação de expor o significado central do termo, seu cunho vinculado ao coletivo e a intenção de romper com as barreiras opressoras.

A alternância entre individual e coletivo desencadeia uma incógnita no processo de empoderamento. Para compreender esse aspecto, Berth retoma as discussões da socióloga colombiana Madalena Léon, para quem, ao se fazer uso do conceito no sentido individual, o foco está no controle de si mesmo, na capacidade de fazer as coisas por si próprio sem levar em consideração que os fatores dominantes presentes nas estruturas sociais continuam atuando sobre o indivíduo. Assim sendo, se a coletividade é formada por dois ou mais indivíduos com aspectos semelhantes entre si, um coletivo empoderado é formado por sujeitos empoderados mais conscientes crítica e socialmente das estruturas opressoras que atuam sobre a sua coletividade. Berth frisa que o individual e o coletivo são partes indissociáveis do processo de empoderamento, um não se aplica e se estabelece sem o outro.

Somados esses dois componentes, a autora destaca como objetivam mudanças nas estruturas discricionárias de poder vigentes, uma vez que silenciam a negritude, decorrente da falta de interesse que grupos dominantes têm na discussão sobre as matrizes opressoras da sociedade.

A autora recorre ao feminismo negro para afirmar o quanto mulheres negras sempre adotaram uma prática de resistência e se posicionaram criticamente para pensarem “estratégias de enfrentamento ao sistema racista e redes de solidariedade” (BERTH, 2018BERTH, Joice. O que é empoderamento?. Belo Horizonte: Letramento, 2018., p. 73). Por esse viés, é possível observar que, ao longo da história, mulheres negras fizeram do empoderamento uma estratégia constante de movimentação social para a comunidade. Por esse motivo, é urgente abordar pautas do feminismo negro por ser um processo identitário superficial, mas também contribui para a mobilização de grupos minoritários. Nesse sentido, Joice Berth expande a discussão e traz para o centro do debate a importância que o empoderamento tem para a esfera econômica e das políticas públicas, visto que fortalece as práticas dos grupos minoritários e incentiva organizações não governamentais a pensarem estratégias de superação da pobreza.

Na terceira parte do livro, a autora retoma a importância do feminismo negro para a movimentação social das comunidades negras. No entanto, ressalta que a todo momento é preciso combater a posição de vitimismo que a sociedade impõe às comunidades negras, quando na verdade indivíduos negros estão resistindo a ataques racistas. Berth enfatiza que a militância precisa contrapor os estereótipos de vitimização. Para esse fim, retoma o pensamento Srilatha Batliwala para quem o poder controla os recursos materiais e ideológicos. Logo, empoderar-se também tem relação aos acessos que os sujeitos têm ou buscam ao longo do processo de autoconhecimento e afirmação.

Assim, é perceptível que as mulheres negras resistem e militam antes mesmo que as linhas gerais da Teoria do Empoderamento fossem pensadas, já que são colocadas às margens da sociedade desde o período colonial. Berth pontua que por isso - e pensado numa concepção mais ampla da conceituação e análise do empoderamento como prática social - é imprescindível referenciar autoras negras, além de se combater a sexualização de objetificação de mulheres e homens negros.

A autora reitera a importância da educação para possibilitar a transgressão das barreiras impostas pelo machismo e sexismo. Portanto, uma “pedagogia do engajamento”, como escreve bell hooks (2013hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2013.), é fundamental para que indivíduos conscientes se posicionem e formem coletivos empoderados, dotados de informações suficientes para combaterem as opressões institucionalizadas.

Na quarta parte do livro, a autora apresenta como a estética afeta o processo de empoderamento. Para isso, discorre sobre o conceito de belo e como o fato de estar ligado a padrões eurocêntricos condiciona a percepção do que é belo e exclui traços de origem africana. Nessa perspectiva, o empoderamento atua no resgate da beleza negra, incentivando o reconhecimento e enaltecimento dos traços que, ao longo dos séculos, foram desmerecidos. Além disso, a autora se preocupa em explicar como o cabelo das mulheres e dos homens negras/os é alvo constante de ataques preconceituosos. Em suas palavras:

Parece-me então, muito coerente os discursos e narrativas de enfrentamento do racismo vigente que exaltam os cabelos como elementos de orgulho racial, pois amá-lo significa cuspir de volta na boca do sistema racista todas as ofensas, rejeições, exclusões que nos são direcionadas ao longo de toda uma vida (BERTH, 2018BERTH, Joice. O que é empoderamento?. Belo Horizonte: Letramento, 2018., p. 95).

Embora o empoderamento pela estética seja individual, sua prática reflete diretamente no coletivo já que tem ligação direta com a representatividade. Apesar disso, Berth salienta que apenas a valorização da estética negra não é suficiente para tornar um indivíduo empoderado, se não estiver alinhada a uma consciência racial crítica, principalmente no que diz respeito aos usos mercadológicos que o sistema capitalista pode fazer, uma vez que, ao identificar consumidores potenciais na comunidade negra, avista uma oportunidade de, apenas, obtenção de lucro, sem estar alinhada a uma etapa do processo de empoderamento.

Para finalizar, Berth ressalta a atenção que é necessária para que o termo não caia no esvaziamento, visto que pode ser vendido por aqueles e aquelas que desejam manter o status quo dos desequilíbrios sociais, como mantenedor das opressões sociais minando as chances de uma condução na jornada do reconhecimento e da autodescoberta sociopolítica, apenas porque não buscaram eliminar as hierarquias e opressões internalizadas dentro de si.

Tanto o livro O que é empoderamento? quanto a coleção Feminismos Plurais, na qual a obra faz parte, buscam tornar acessível o entendimento de conceitos caros à população negra. Se o processo de empoderamento passa pelo autoconhecimento, pensamento crítico e consciência racial, para Joice Berth tal produção teórica tem potencial transformador no posicionamento da comunidade negra, em especial as mulheres.

Referências

  • ARENDT, Hannah. Sobre a violência 3. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
  • BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
  • DOMTOTAL. Empoderamento é a palavra mais buscada no Aurélio em 2016 [ S. l]. DomTotal, 2016. Disponível em: Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1110461/2016/12/empoderamento-e-a-palavra-mais-buscada-no-aurelio-em-2016/ Acesso em: 10/12/2019.
    » https://domtotal.com/noticia/1110461/2016/12/empoderamento-e-a-palavra-mais-buscada-no-aurelio-em-2016/
  • FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
  • hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade Trad. de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    SANTOS, Maíra Paiva. “Para entender o empoderamento”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 1, e65241, 2020
  • Financiamento:

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2019
  • Revisado
    12 Jun 2019
  • Aceito
    16 Dez 2019
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