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Uma perspectiva feminista ao jornalismo para a paz

A Feminist Perspective on Peace Journalism

Resumo:

A partir da premissa de que muitos conceitos que guiam o jornalismo advêm de uma tradição masculina, os estudos sobre jornalismo feminista propõem novas práticas, baseadas na ética do feminismo perspectivista interseccional. Esta forma de se pensar a produção jornalística conversa com as teorias do jornalismo para a paz, que colocam a mídia como ferramenta para a transformação de conflitos. Neste artigo, a partir de revisão teórica, trabalhamos as tensões, diferenças e as possíveis contribuições da interseção entre o jornalismo feminista e o jornalismo para paz para a prática jornalística e para a pesquisa acadêmica.

Palavras-chave:
feminismo; Estudos para a Paz; ética; jornalismo

Abstract:

Based on the perspective that several concepts that guide journalism arise from a masculine tradition, feminist journalism research proposes new journalistic practices, oriented by intersectional and standpoint feminism. This landscape can be related to the peace journalism theoretical framework, which considers media communications a tool for conflict transformation. In this article, through a literature review, we investigate the tensions, the differences, and the possible contributions from the intersections between feminist journalism and peace journalism for journalistic practices and principles, and for academic research.

Keywords:
Feminism; Peace Studies; Ethics; Journalism Studies

Introdução

A configuração usual dos veículos de comunicação oferece um jornalismo marcado pela hegemonia patriarcal, cujas histórias, além de produzidas em um ambiente onde prevalece a perspectiva dos homens, não são, muitas vezes, sensíveis às questões de gênero. O debate sobre a objetividade e a imparcialidade do jornalismo ainda é aberto a discussões, apesar de a profissão ter deontologia própria, com princípios acordados em diferentes países, como o Código Internacional de Ética dos Jornalistas de 1983, e regulações próprias estabelecidas pelas empresas de mídia.

Na medida em que vê necessidade de mudar os paradigmas da comunicação pautada pelo ponto de vista masculino, o movimento feminista, colocando a ética feminista, focada no combate à opressão, em posição central, propõe uma prática profissional que leve em consideração não somente a perspectiva de gênero, mas que tenha abordagem interseccional com os demais movimentos sociais, buscando justiça social a partir do reconhecimento de suas questões e culturas, redistribuição de recursos e poderes e representação política e social (Nancy FRASER, 2007FRASER, Nancy. “Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 291-308, maio/ago. 2007a. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v15n2/a02v15n2.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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a; 2007FRASER, Nancy. “Reconhecimento sem ética?”. Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 101-138, 2007b. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n70/a06n70.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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b).

Discutimos a ética feminista na comunicação com base nos postulados epistemológicos de Sandra Harding (2004HARDING, Sandra. “Introduction”. In: HARDING, Sandra. The feminist standpoint theory reader: intellectual and political controversies. Nova York: Routledge, 2004. p. 1-15.) e Tânia Kuhnen (2014KUHNEN, Tânia Aparecida. “A ética do cuidado como teoria feminista”. In: SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS, 3, 2014, Londrina. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2014, p. 1-9.), que versam sobre a produção de conhecimento dentro do movimento feminista, e também nos de Linda Steiner (2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.) e Aimée Montiel (2011MONTIEL, Aimée Vega. “Ética feminista e comunicação”. Comunicação & Informação, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441/13322 . Acesso em 31/10/2019.
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), que apontam a importância de se considerar a diversidade, modificar as narrativas e representações midiáticas e oferecer ferramentas éticas para conflitos da prática profissional jornalística.

Contrapondo-se à produção de conhecimento pelo viés masculino e à cultura organizacional que a legitima, pensa-se, epistemologicamente e deontologicamente, em alternativas que incluam a perspectiva de gênero na comunicação. No presente trabalho, entende-se gênero como uma construção social baseada, inicialmente, no sexo biológico, criada e sustentada pela organização social patriarcal e que se intersecciona em aspectos de raça, classe, nacionalidade, sexualidade e assim por diante. Gênero, portanto, pode definir a existência de pessoas consideradas mulheres ou homens nas sociedades patriarcais ocidentais, que punem formas de comportamento desviantes (Simone DE BEAUVOIR, 1960DE BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960.; Mayara PESSOA; Josefa BORGES, 2018PESSOA, Mayara Lustosa Silva; BORGES, Josefa Lusitânia de Jesus. “Questões e tensões: alguns paradoxos do feminismo”. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 3, p. 544-553, set./dez. 2018. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n3/1982-0259-rk-21-03-00544.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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).

Assim, trabalhamos, neste estudo, sob uma perspectiva sobre gênero voltada à hierarquia patriarcal e capitalista, sem aprofundar em expressões, performance e questões de identidade, apontadas, por exemplo, por Judith Butler (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.; PESSOA; BORGES, 2018PESSOA, Mayara Lustosa Silva; BORGES, Josefa Lusitânia de Jesus. “Questões e tensões: alguns paradoxos do feminismo”. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 3, p. 544-553, set./dez. 2018. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n3/1982-0259-rk-21-03-00544.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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), embora se reconheça como importantes e relevantes. Interessa-nos, porém, compreender e revisar questões estruturais, marcadas por atribuições de gênero no jornalismo, no campo profissional jornalístico e no movimento feminista.

O conceito de gênero, como apontam Pessoa e Borges (2018PESSOA, Mayara Lustosa Silva; BORGES, Josefa Lusitânia de Jesus. “Questões e tensões: alguns paradoxos do feminismo”. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 3, p. 544-553, set./dez. 2018. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n3/1982-0259-rk-21-03-00544.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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), é útil para a militância feminista, uma vez que permite ao movimento entender e denunciar o patriarcado, isto é, a dominação masculina, e seus efeitos em todos os aspectos da vida humana. Tem-se, aqui, a ciência de que as definições de gênero são múltiplas, assim como existem muitos momentos e paradoxos dentro do feminismo (PESSOA; BORGES, 2018PESSOA, Mayara Lustosa Silva; BORGES, Josefa Lusitânia de Jesus. “Questões e tensões: alguns paradoxos do feminismo”. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 3, p. 544-553, set./dez. 2018. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n3/1982-0259-rk-21-03-00544.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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), e que a definição apresentada acima tem a função de situar este estudo, mantendo em vista a premissa de que a pluralidade e a discussão são formas de enriquecer o debate feminista. Com base nesse marco teórico, emergem tanto o possível conceito de mídia ou jornalismo feminista quanto publicações baseadas nos ideais do feminismo.

À luz das teorias feministas, discutimos, neste artigo, como a perspectiva de um jornalismo feminista pode se articular com aquela proposta pelos Estudos para a Paz (Peace Studies). O jornalismo, sob este âmbito, denominado “jornalismo para a paz” (Peace Journalism), apresenta algumas especificidades que se relacionam com a perspectiva feminista, dentre elas a pluralidade de vozes, o imperativo da contextualização bem fundamentada, a atenção à interseccionalidade e a adoção de um posicionamento para a transformação da violência estrutural e cultural e para a construção de uma cultura de paz.

Neste contexto, refletimos sobre as possíveis aproximações e contribuições do movimento feminista para o jornalismo para a paz, revisitando os seus principais preceitos, propostos, fundamentalmente, pelo matemático e sociólogo norueguês Johan Galtung (1969GALTUNG, Johan. “Violence, peace, and peace research”. Journal of Peace Research, Oslo, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/422690 . Acesso em 31/10/2019.
https://www.jstor.org/stable/422690...
; 1990GALTUNG, Johan. “Cultural violence”. Journal of Peace Research, Oslo, v. 27. n. 3, p. 291-305, 1990. Disponível em Disponível em https://www.galtung-institut.de/wp-content/uploads/2015/12/Cultural-Violence-Galtung.pdf . Acesso em 31/10/2019.
https://www.galtung-institut.de/wp-conte...
; 2006GALTUNG, Johan. “Peace journalism as an ethical challenge”. Global Media Journal: Mediterranean Edition, v. 1, n. 1, p. 1-5, 2006. Disponível em Disponível em http://globalmedia.emu.edu.tr/images/stories/ALL_ARTICLES/2006/fall2006/Fall_2006_Issue2/1Johan_Galtungpdf.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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), fundador da Peace Research, que, na década de 1950, se propôs a conceitualizar paz e violência numa perspectiva crítica, comprometida com valores. Alguns de seus discípulos são Jake Lynch, Annabel McGoldrick e Xavier Giró.

Também cabe destacar, no contexto dos Peace Studies, o trabalho de Nair Heloísa Bicalho de Sousa (2019SOUSA, Nair Heloísa Bicalho. “As Pesquisas para Paz e os Direitos Humanos e a promoção da Cultura de Paz no ambiente escolar”. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil, v. 6, n. 3, p. 11-16, 2019. Disponível em Disponível em http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/709/421 . Acesso em 30/10/2019.
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), referência brasileira nos Estudos para a Paz, Educação em Direitos Humanos e Estudos feministas. Tomamos, também, como aporte, a proposta de Carol Gilligan (1982GILLIGAN, Carol. In a different voice: psychological theory and women’s development. Cambridge: Harvard University Press, 1982.), psicóloga americana, sobre a dimensão humana da ética do cuidado, destacada pela autora no seu livro In a different voice. Trata-se de uma perspectiva crítica que questiona a voz da moralidade, da ética e da justiça em contraponto à ética do cuidado (KUHNEN, 2014KUHNEN, Tânia Aparecida. “A ética do cuidado como teoria feminista”. In: SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS, 3, 2014, Londrina. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2014, p. 1-9., p. 1), o que pressupõe pensar numa ética feminista, na qual “o cuidado pode ser desenvolvido por todos os sujeitos morais”.

O percurso do trabalho, então, inicia com a conceituação de um possível jornalismo feminista, a partir da teoria da ética feminista para a cobertura e imprensa feministas, seguindo para os principais conceitos do jornalismo para a paz e o caso das mulheres em coberturas de conflitos. A partir destes levantamentos, propomos uma discussão teórica sobre as potenciais contribuições da prática jornalística feminista para o Peace Journalism e vice-versa.

O que é jornalismo feminista

O movimento feminista reconhece e entende o poder da narrativa midiática na construção cultural da sociedade, analisando esse espaço tanto como uma ferramenta quanto um meio de mudança e propagação de estereótipos nocivos (Carolyn BYERLY; Karen ROSS, 2006BYERLY, Carolyn M.; ROSS, Karen. Women & Media: a critical introduction. Oxford: Blackwell, 2006.; STEINER, 2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.; Ana Maria VELOSO, 2013VELOSO, Ana Maria da Conceição. Gênero, poder e resistência: as mulheres nas indústrias culturais em 11 países. 2013. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.). Durante a segunda onda feminista,1 1 Tradicionalmente, o desenvolvimento das teorias e militância feministas é separado por ondas, que representam renovação ou rupturas de paradigmas. Assim, a primeira onda se situa ao fim do século XIX e começo do século XX, com o movimento pelo sufrágio feminino e universal. A segunda onda compreende os movimentos feministas europeus e norte-americanos (EUA e Canadá), entre 1950-1980, cujo marco é a obra O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicada em 1949, baseada no pensamento estruturalista. A terceira onda inicia-se em 1980, com discussões acerca da inclusão de questões de raça, classe, nacionalidade e sexualidade, tendo forte influência de feministas negras e queers. E, por fim, discute-se sobre a existência de uma quarta onda feminista, que teria sido iniciada em 2001 e tem como características a transnacionalização e foco nas comunicações on-line (BELLERIVE; YELLE, 2016). fortemente guiada por princípios material-estruturalistas, que propõem o estudo das relações sociais como uma hierarquia e sistema de exploração econômica, a noção de que as mídias propagam ideias que mantêm mulheres como o segundo sexo ganhou força, especialmente devido aos inúmeros estudos quantitativos e de análise discursiva (Karine BELLERIVE; François YELLE, 2016BELLERIVE, Karine; YELLE, François. “Contributions des féminismes aux études en communication médiatique”. In: AUBIN, France; RUEFF, Julien. Perspectives Critiques en Communication. Quebec: Presses d’Université du Québec, 2016. p. 279-319.). Posteriormente, a terceira onda, com o viés dos Estudos Culturais, aponta que a problemática é ainda mais complexa, permeada de interseções e, o mais importante, de uma grande pluralidade de perspectivas.

No contexto da comunicação midiática, as mulheres detêm, atualmente, grande parte da produção jornalística. Além disso, elas são maioria nos cursos de jornalismo, conforme apontam dados do Global Report on the Status of Women in the News Media (INTERNATIONAL WOMEN'S MEDIA FOUNDATION, 2011INTERNATIONAL WOMEN'S MEDIA FOUNDATION. Global Report on the Status of Women in the News Media, 2011. Disponível em Disponível em https://www.iwmf.org/wp-content/uploads/2018/06/IWMF-Global-Report.pdf . Acesso em 09/07/2018.
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). Em âmbito brasileiro, estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) mostra que 64% dos profissionais de jornalismo no Brasil são mulheres (Alexandre BERGAMO; Jacques MICK; Samuel LIMA, 2013BERGAMO, Alexandre; MICK, Jacques; LIMA, Samuel. Quem é o jornalista brasileiro? Perfil da profissão no país, 2013. Disponível em Disponível em https://perfildojornalista.ufsc.br/files/2013/04/Perfil-do-jornalista-brasileiro-Sintese.pdf . Acesso em 22/10/2019.
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). No entanto, ao contrário do que algumas estudiosas e ativistas feministas imaginavam, não ocorreu, apesar da presença de mulheres (STEINER, 2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.), uma grande mudança nas coberturas jornalísticas. Inicialmente, pode-se explicar este fenômeno a partir do glassceiling, ou seja, a dificuldade de as mulheres alcançarem postos de trabalho mais altos e o fato de grande parte das empresas de mídia ainda ser dirigida e encabeçada por homens, algo que Colette Beauchamp (1987BEAUCHAMP, Colette. Le silence des médias. Montreal: Éditions du Remue-ménage, 1987.) já apontava, em 1987, nas redações quebequenses e é reforçado pelo Global Report... de 2011 no restante das Américas.

Armande Saint-Jean (2000SAINT-JEAN, Armande. “L’apport des femmes au renouvellement des pratiques professionnelles: le cas des journalistes”. Recherches féministes, Quebec, v. 13, n. 2, p. 77-93, 2000. Disponível em Disponível em https://www.erudit.org/fr/revues/rf/2000-v13-n2-rf1662/058097ar.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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) e Érik Neveu (2000NEVEU, Érik. “Le genre du journalisme: des ambivalences de la feminization d'une profession”. Politix, v. 13, n. 51, p. 179-212, 2000. Disponível em Disponível em https://www.persee.fr/doc/polix_0295-2319_2000_num_13_51_1109 . Acesso em 31/10/2019.
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), porém, mostram que, após longas análises de conteúdos de diversos periódicos de língua francesa e entrevista com jornalistas, o que, de fato, ocorre é a adaptação das jornalistas mulheres ao discurso presente na redação e à cultura dos colegas. Este dado esbarra na própria teoria do newsmaking: a notícia é pensada a partir de diversos fatores, como os critérios de noticiabilidade, o encaminhamento das pautas, a construção das narrativas, o uso de fontes e, definitivamente, as políticas editoriais dos veículos de comunicação. Dessa maneira, as profissionais tendem a se inserir na lógica dos meios para os quais trabalham, colaborando para a construção de uma realidade particular. Pensando nisso, embora existam jornalistas que queiram modificar as narrativas tradicionais, desconstruindo os paradigmas que lhes foram impostos - a fim de fortalecer aqueles ligados ao feminismo, por exemplo -, questões mercadológicas e da cultura organizacional nem sempre as permitem.

Apesar de não produzirem, por si só, um jornalismo feminista ou diferente do tradicional, as mulheres encontram espaço para expor suas ideias em revistas direcionadas para o público feminino, que tendem a mesclar o discurso patriarcal estereotipado e mensagens de emancipação (BYERLY; ROSS, 2006BYERLY, Carolyn M.; ROSS, Karen. Women & Media: a critical introduction. Oxford: Blackwell, 2006.; Ana Paula BANDEIRA, 2015BANDEIRA, Ana Paula Bornhausen da Silva. “Jornalismo feminino e jornalismo feminista: aproximações e distanciamentos”. Vozes e Diálogo, Itajaí, v. 14, n. 2, p. 190-199, jul./dez. 2015. Disponível em Disponível em https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/vd/article/view/8167/4804 . Acesso em 31/10/2019.
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).

O conceito de jornalismo feminista, então, começa a ser desenvolvido dentro das próprias instituições do movimento (Maria Juracy TONELI, 2003TONELI, Maria Juracy Filgueiras. “Publicações feministas sediadas em ONGs: limites, alcances e possibilidades”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 265-270, jan./jun. 2003. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2003000100018/8725 . Acesso em 31/10/2019.
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), que divulgam e circulam diversos boletins, revistas, jornais, zines, websites e utilizam, atualmente, as redes sociais on-line na veiculação de campanhas. A ONG Think Olga (2018THINK OLGA. Minimanual de Jornalismo Humanizado, 2018. Disponível em Disponível em https://thinkolga.com/2018/01/31/minimanual-de-jornalismo-humanizado/ . Acesso em 18/02/2019.
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) produz o que chama de Minimanual do Jornalismo Humanizado (2018), no qual fornece instruções para profissionais que desejam realizar coberturas mais respeitosas, especialmente para assuntos sensíveis. O material tem seções para pautas como violência contra a mulher, aborto, questões LGBTQI+, jornalismo esportivo, racismo, pessoas com deficiência e estereótipos nocivos. As instruções explicam quais são os problemas mais comuns em reportagens, quais ideias estão imbricadas em determinada linguagem e fornecem exemplos positivos e sugestões para tornar os discursos inclusivos e livres de preconceitos.

Quando se fala de um jornalismo feminista, parte-se da premissa de que os próprios padrões e ética jornalística tradicionais são baseados em conceitos essencialmente masculinos, presentes no ethos profissional, como aponta Beauchamp (1987BEAUCHAMP, Colette. Le silence des médias. Montreal: Éditions du Remue-ménage, 1987.) em seu relato sobre a profissão e outras evidências, como a profusa literatura da representação feminina na mídia e jornalismo (BELLERIVE; YELLE, 2016BELLERIVE, Karine; YELLE, François. “Contributions des féminismes aux études en communication médiatique”. In: AUBIN, France; RUEFF, Julien. Perspectives Critiques en Communication. Quebec: Presses d’Université du Québec, 2016. p. 279-319.; BYERLY; ROSS, 2006BYERLY, Carolyn M.; ROSS, Karen. Women & Media: a critical introduction. Oxford: Blackwell, 2006.; STEINER, 2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.). Beauchamp (1987) e Montiel (2011MONTIEL, Aimée Vega. “Ética feminista e comunicação”. Comunicação & Informação, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441/13322 . Acesso em 31/10/2019.
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) mostram que a ideia de objetividade e imparcialidade, além de falaciosa, privilegia um ponto de vista patriarcal. Para uma prática jornalística realmente feminista, seria preciso, então, inserir a ética feminista na atividade, muito mais do que apenas produzir notícias com perspectiva de gênero.

Para situar a discussão teórica sobre ética feminista, retoma-se Montiel (2011MONTIEL, Aimée Vega. “Ética feminista e comunicação”. Comunicação & Informação, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441/13322 . Acesso em 31/10/2019.
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), que aborda os estudos de Gilligan sobre ética do cuidado, que consiste no reconhecimento de dois padrões morais comportamentais, um masculino e outro feminino. A voz feminina, na interpretação de Kuhnen (2014KUHNEN, Tânia Aparecida. “A ética do cuidado como teoria feminista”. In: SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS, 3, 2014, Londrina. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2014, p. 1-9.), seria, então, uma voz diferente, que desvia do padrão patriarcal e pode oferecer novas perspectivas, contrariando a moralidade tradicional e se voltando, então, para o cuidado de indivíduos e grupos, privilegiando princípios diferentes e, por vezes, mais humanizados. Assim, Kuhnen (2014, p. 2-8) assume que

a teoria moral feminista deve reivindicar um espaço para o feminino na sociedade, para a voz moral distinta da voz padrão - uma voz que não é caracterizada por algum tipo de emoção irracional, mas por uma racionalidade contextualizada que diverge da forma de razão tradicional por trás das teorias modernas sobre a moralidade. [...] Por isso, a ética do cuidado, ao dar espaço aos sentimentos morais, tais como, amor, entendimento mútuo, empatia, entre outros, não é uma abordagem feminina, mas uma abordagem feminista da ética, que visa à transformação da própria sociedade patriarcal.

É importante mencionar que a discussão que Kuhnen (2014KUHNEN, Tânia Aparecida. “A ética do cuidado como teoria feminista”. In: SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS, 3, 2014, Londrina. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2014, p. 1-9.) propõe sobre Gilligan também problematiza as reproduções de machismo nas narrativas femininas, que, por sua vez, também são replicadas pelas jornalistas e mulheres com participação no espaço público, como também apontam Byerly e Ross (2006BYERLY, Carolyn M.; ROSS, Karen. Women & Media: a critical introduction. Oxford: Blackwell, 2006.), Steiner (2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.), Beauchamp (1987BEAUCHAMP, Colette. Le silence des médias. Montreal: Éditions du Remue-ménage, 1987.), Neveu (2000NEVEU, Érik. “Le genre du journalisme: des ambivalences de la feminization d'une profession”. Politix, v. 13, n. 51, p. 179-212, 2000. Disponível em Disponível em https://www.persee.fr/doc/polix_0295-2319_2000_num_13_51_1109 . Acesso em 31/10/2019.
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) e Saint-Jean (2000). Ou seja, não basta a inclusão de mulheres para que haja uma guinada em direção à igualdade de gênero, deve-se pensar em uma ética para o jornalismo e comunicação que seja, de fato, direcionada para justiça de gênero e social.

A contribuição da ética do cuidado para a discussão é o entendimento de como uma responsabilidade sobre o outro pode tornar os comportamentos muito mais tolerantes e responsáveis. Nisso, a teoria de Gilligan se mostra como uma importante quebra de paradigma para se falar de uma teoria feminista na ciência e no jornalismo.

Essa recusa da objetividade masculina aparece durante a terceira onda, quando Sandra Harding (2004HARDING, Sandra. “Introduction”. In: HARDING, Sandra. The feminist standpoint theory reader: intellectual and political controversies. Nova York: Routledge, 2004. p. 1-15.) discute sobre o feminismo perspectivista (standpoint theory). Para ela, a forma de se produzir conhecimento está inserida em uma tradição masculina que não abarca a complexidade do mundo. Afinal, os cientistas e os seus objetos de estudos estão constantemente influenciados pelo contexto social, político e cultural.

Essa abordagem não é exclusividade das ciências humanas e sociais, que, quase que intuitivamente, levam em conta o contexto histórico em suas produções (Cecília SARDENBERG, 2002SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar. “Da crítica feminista à ciência a uma ciência feminista?”. In: COSTA, Ana Alice Alcântara; SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar (Orgs.). Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - UFBA, 2002. p. 89-120.). Assim, a metodologia perspectivista pode ser aplicada, também, a todo o pensamento científico, também em ciências naturais.

Uma maior consciência sobre o posicionamento histórico-social de cientistas e do conhecimento que é produzido poderia trazer perspectivas mais plurais e adequadas, enriquecendo o processo científico (SARDENBERG, 2002SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar. “Da crítica feminista à ciência a uma ciência feminista?”. In: COSTA, Ana Alice Alcântara; SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar (Orgs.). Feminismo, ciência e tecnologia. Salvador: REDOR/Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - UFBA, 2002. p. 89-120.). Além disso, Harding (2004HARDING, Sandra. “Introduction”. In: HARDING, Sandra. The feminist standpoint theory reader: intellectual and political controversies. Nova York: Routledge, 2004. p. 1-15.) afirma ser necessária a produção de conhecimento por e para certos grupos minoritários, marcados por opressões como a de gênero, raça e classe. Esse posicionamento epistemológico (o feminismo perspectivista) para a ciência pode ser adotado em outras discussões (SARDENBERG, 2002), incluindo, no caso do presente estudo, a ética feminista para a comunicação (STEINER, 2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.; MONTIEL, 2011MONTIEL, Aimée Vega. “Ética feminista e comunicação”. Comunicação & Informação, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441/13322 . Acesso em 31/10/2019.
https://revistas.ufg.br/ci/article/view/...
).

Assim, resumidamente, a ética feminista, no contexto da comunicação, se trata de uma abordagem guiada pela sensibilidade às questões de gênero (MONTIEL, 2011MONTIEL, Aimée Vega. “Ética feminista e comunicação”. Comunicação & Informação, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 3-18, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://revistas.ufg.br/ci/article/view/22441/13322 . Acesso em 31/10/2019.
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) e justiça social (FRASER, 2007FRASER, Nancy. “Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 291-308, maio/ago. 2007a. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v15n2/a02v15n2.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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a; 2007FRASER, Nancy. “Reconhecimento sem ética?”. Lua Nova, São Paulo, n. 70, p. 101-138, 2007b. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n70/a06n70.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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b). Como pontos principais, estão a inclusão de narrativas femininas, promoção da igualdade em representações, atenção a aspectos específicos da existência de cada grupo social que sofre opressão de gênero e fornecimento de ferramentas para alinhamento de práticas profissionais para a inclusão da perspectiva de gênero (BYERLY; ROSS, 2006BYERLY, Carolyn M.; ROSS, Karen. Women & Media: a critical introduction. Oxford: Blackwell, 2006.; MONTIEL, 2011).

Essa abordagem metodológica tem o suporte de Steiner (2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.), que a considera uma forma justa e apropriada para os estudos de mídia, especialmente. Algumas propostas nos mesmos moldes, seguindo um guia ético aparentemente baseado no perspectivismo e na interseccionalidade, aparecem em publicações jornalísticas produzidas pelo movimento feminista, como é o caso do Bitch Media, nos EUA, e da Revista AzMina, no Brasil.

Em âmbito brasileiro, a imprensa feminista, que se iniciou a partir de 1975, ainda durante a ditadura civil-militar, se caracterizou pela forma de organização independente e por ser composta majoritariamente por mulheres, sem grande hierarquização, e pela abordagem de temas já antigos do feminismo, como aborto e denúncia de desigualdades (Rosalinda de Santa Cruz LEITE, 2003LEITE, Rosalinda de Santa Cruz. “Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista brasileira”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 1, n. 11, p. 234-241, jan./jun. 2003. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2003000100014/8721 . Acesso em 31/10/2019.
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). Destacaram-se, à época, as publicações Mulherio e Mulher Brasil. Ambas integraram o chamado jornalismo alternativo e eram produzidas por militantes, algumas que passaram por período de exílio (LEITE, 2003).

Após o fim dessas publicações, nos anos 1980, a imprensa feminista brasileira ficou por conta das produções de organizações não governamentais, que, até os anos 2000, mantiveram um bom número de materiais regulares (TONELI, 2003TONELI, Maria Juracy Filgueiras. “Publicações feministas sediadas em ONGs: limites, alcances e possibilidades”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 265-270, jan./jun. 2003. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2003000100018/8725 . Acesso em 31/10/2019.
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). Na última década, surgiram, ainda, mais projetos jornalísticos vinculados ao feminismo, especialmente após a revitalização ocasionada pela Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e pela Marcha das Vadias, ambas em nível internacional. A segunda possui a singularidade de ter se espalhado pela internet, adotando (tal como a MMM) temáticas relativas aos problemas locais e um discurso orientado pelas lideranças de cada país ou região (Tainan TOMAZETTI, 2015TOMAZETTI, Tainan Pauli. “O feminismo na era digital e a (re)configuração de um contexto comunicativo para políticas de gênero”. Razón y Palabra, Quito, v. 19, n. 2, p. 488-500, jun./ago. 2015. Disponível em Disponível em https://www.revistarazonypalabra.org/index.php/ryp/article/view/334 . Acesso em 31/10/2019.
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).

O conceito de jornalismo feminista volta, dessa maneira, a circular, tendo publicações importantes adotado a terminologia, como a revista espanhola Pikara, a revista on-line canadense Gazette de las Femmes, as brasileiras Portal Catarinas e Capitolina e as já citadas Revista AzMina e a estadunidense Bitch Media. Discute-se, então, o que é, de fato, um jornalismo feminista, se é uma forma de ativismo ou um tipo de jornalismo segmentado.

Steiner (2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.) analisa que a ética feminista pode ser aplicada à comunicação midiática de forma a reduzir representações nocivas, renovar as dinâmicas organizacionais e incentivar, senão criar métodos, para a produção de conteúdo responsável, diverso, inclusivo e facilitador do bem-estar social. Assim, um jornalismo feminista também poderia ser uma metodologia de trabalho, uma modificação de paradigmas profissionais e deontológicos. O que nos falta, porém, são mais estudos de redações de publicações feministas que levem em consideração a teoria do newsmaking e verifiquem se essas premissas de fato ocorrem, em algum nível.

Se o jornalismo feminista for uma prática jornalística, não necessariamente vinculada às produções do movimento social feminista organizado, seria possível então que ele fosse aplicado em diferentes contextos. Não seria mais apenas um conteúdo produzido para mulheres com um viés feminista, como se tem feito, mas uma ética e postura diferentes para as coberturas em geral.

Valeria Hasan e Ana Soledad Gil (2016HASAN, Valeria; GIL, Ana Soledad. “La comunicación con enfoque de género, herramienta teórica y acción política. Medios, agenda feminista y prácticas comunicacionales. El caso de Argentina”. Revista de Estudios de Género - La ventana, Guadalajara, v. 5, n. 43, p. 246-280, 2016. Disponível em Disponível em http://www.scielo.org.mx/pdf/laven/v5n43/1405-9436-laven-5-43-00246.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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) indicam que esse tipo de prática já é aplicada, recebendo o nome de “jornalismo com enfoque de gênero”.2 2 Do espanhol, “periodismo con enfoque de género”. Esse termo é utilizado em manuais para jornalismo inclusivo ou para cobertura de temas sensíveis. A preocupação é que se normalize a inclusão da perspectiva de gênero em práticas jornalísticas, podendo ser adotada como uma metodologia para o jornalismo.

Essa proposta se assemelha muito aos preceitos de ética feminista aqui descritos, porém incluei instruções mais práticas e indicadores para medir a aplicação ou não dos preceitos (HASAN; GIL, 2016HASAN, Valeria; GIL, Ana Soledad. “La comunicación con enfoque de género, herramienta teórica y acción política. Medios, agenda feminista y prácticas comunicacionales. El caso de Argentina”. Revista de Estudios de Género - La ventana, Guadalajara, v. 5, n. 43, p. 246-280, 2016. Disponível em Disponível em http://www.scielo.org.mx/pdf/laven/v5n43/1405-9436-laven-5-43-00246.pdf . Acesso em 31/10/2019.
http://www.scielo.org.mx/pdf/laven/v5n43...
). Dentre as características, destacam-se: a inclusão de pautas prioritárias do movimento feminista nos meios de comunicação, contextualização adequada de temas, priorização de mulheres como autoridades, análises situando o gênero, quebra de representações e estereótipos de gênero patriarcais, atenção às discriminações cruzadas (de raça, nacionalidade etc.) e cuidados na adjetivação (HASAN; GIL, 2016).

Ao utilizar os conceitos do feminismo perspectivista interseccional, o jornalismo feminista pode, em certos pontos, dialogar com outras propostas de prática profissional, como o jornalismo para a paz. Preocupa-se, então, além de incluir a perspectiva de gênero, em dar voz para os menos privilegiados, contextualizar adequadamente as narrativas e produzir conteúdos que promovam a emancipação feminina, a igualdade, a transformação de conflitos e a paz.

Questões de gênero no jornalismo para a paz

Buscando um modelo de prática jornalística que preze pela igualdade entre as pessoas e por coberturas que levem em consideração uma maior pluralidade de vozes, refletimos, nesta seção, sobre as potencialidades do jornalismo para a paz sob a perspectiva do feminismo.

O jornalismo para a paz é uma proposta de “fazer jornalístico” criada sob o guarda-chuva dos Estudos para a Paz (Peace Studies). Atribui-se a sua criação ao sociólogo e matemático norueguês Johan Galtung, investigador considerado, também, um dos precursores dos Peace Studies. Contrapondo-se à premissa de que o jornalismo tradicional prioriza, em suas coberturas, os atos de violência direta, o jornalismo para a paz coloca em primeiro plano os níveis menos superficiais da violência - a violência estrutural e cultural.

Estes conceitos de violência podem ser recuperados em Galtung (1969GALTUNG, Johan. “Violence, peace, and peace research”. Journal of Peace Research, Oslo, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/422690 . Acesso em 31/10/2019.
https://www.jstor.org/stable/422690...
; 1990): a violência direta é a camada visível, na qual agressores e vítimas são facilmente identificados. Violência estrutural, ou indireta, corresponde às estruturas sociopolíticas e econômicas que levam às desigualdades e oportunidades desiguais entre as pessoas. A violência cultural, por sua vez, é a que naturaliza e legitima as duas categorias anteriores.

De maneira sucinta, utilizamos a definição proposta por Jake Lynch e Annabel McGoldrick (2005LYNCH, Jake; McGOLDRICK, Annabel. Peace Journalism. Stroud: Hawthorn Press, 2005., p. 5): para esses autores, jornalismo para a paz é “quando editores e repórteres fazem escolhas - do que e como reportar - que criam oportunidades para a sociedade considerar e valorar respostas não violentas aos conflitos”. O jornalismo para a paz se caracteriza, de acordo com sistematização apresentada por Galtung (2006GALTUNG, Johan. “Peace journalism as an ethical challenge”. Global Media Journal: Mediterranean Edition, v. 1, n. 1, p. 1-5, 2006. Disponível em Disponível em http://globalmedia.emu.edu.tr/images/stories/ALL_ARTICLES/2006/fall2006/Fall_2006_Issue2/1Johan_Galtungpdf.pdf . Acesso em 31/10/2019.
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), por explorar a formação dos conflitos e de situações de violência, humanizando todas as partes envolvidas e dando visibilidade à maior quantidade de vozes possível, e por focar na maneira como todas as pessoas são afetadas por determinado acontecimento.

Pela sua essência, por ser “mais humanizado e contextualizado”, características que vão ao encontro das do feminismo, algumas autoras (e autores), com um olhar a partir da perspectiva de gênero, apresentam uma série de reflexões a fim de analisar tanto os aspectos positivos do jornalismo para a paz, que podem ser incorporados a uma mídia feminista, quanto os elos faltantes ao modelo de Galtung.

Inerentemente, o jornalismo para a paz abrange a perspectiva de gênero (Raijeli NICOLE; Lina REYES, 2007NICOLE, Raijeli Drogolagi; REYES, Lina Sagaral. Engendering Peace Journalism: keeping community whole. Manila: Isis International/Min-WoW, 2007.; Cai YIPING, 2012YIPING, Cai. “Revisiting Peace Journalism with a gender lens”. In: ISIS INTERNATIONAL. Women in Action - Women in Peace Building. Quezon City, Filipinas: Isis International, 2012. p. 70-75). Ao se propor a ser “direcionado para as pessoas”, ele dá destaque, em suas coberturas, ao sofrimento de todas as pessoas, incluindo as mulheres, as crianças, as pessoas idosas e as minorias sociais. O jornalismo de violência (ou jornalismo de guerra, como denominado por Galtung), por sua vez, é “direcionado para as elites”, ou seja, suas histórias têm como porta-vozes as pessoas da elite, especialmente homens.

O jornalismo, em sua natureza, deve servir ao interesse público e primar pela pluralidade de abordagens e opiniões e pela diversidade, o que é, até mesmo, assegurado pela Legislação Brasileira: a Lei nº 11.652, de 2008, outorga que a prestação de serviços de radiodifusão pública preze pela não discriminação religiosa, político-partidária, filosófica, étnica, de gênero ou de opção sexual (BRASIL, 2008BRASIL. Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008. Institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública. Brasília, 2008. Disponível em Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11652.htm . Acesso em 23/10/2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
).

Em coberturas de guerras ou conflitos, o jornalismo para a paz desempenha uma importante função, uma vez que, de acordo com Yiping (2012YIPING, Cai. “Revisiting Peace Journalism with a gender lens”. In: ISIS INTERNATIONAL. Women in Action - Women in Peace Building. Quezon City, Filipinas: Isis International, 2012. p. 70-75), é mais bem estruturado tanto para compreender as suas raízes mais profundas - violência estrutural e cultural - quanto para pensar nas soluções que podem levar à paz de maneira mais eficiente, considerando o papel das relações de gênero neste processo. Segundo Kristin Orgeret (2016ORGERET, Kristin Skare. “Is peace a smiling woman? Femininities and Masculinities in Conflict and Peace Coverage”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 207-223.), os ideais do jornalismo para a paz podem ser relacionados com os do feminismo pós-colonial,3 3 De acordo com Orgeret (2016, p. 209), citando estudiosas como bell hooks (2000) e Uma Narayan (1997), o feminismo pós-colonial considera que “ao se generalizar o termo ‘mulher’ como um grupo universal, as mulheres são definidas apenas por seu gênero, e não por sua classe social, etnia ou orientação sexual”. Orgeret (2016) aponta, por exemplo, que, no feminismo liberal no ocidente, mulheres negras são, com frequência, vistas como vítimas, e não como aliadas ou agentes. uma vez que ambos se preocupam com a inclusão e a pluralidade de vozes e perspectivas, assim como levam em conta o contexto social, econômico e político da realidade das mulheres e dos homens.

Apesar das competências do jornalismo para a paz, Berit Von Der Lippe e Rune Ottosen (2016) afirmam que, comumente, o modelo de Galtung coloca as mulheres exclusivamente na posição de vítimas. Refletindo sobre as relações entre o jornalismo para a paz e a perspectiva de gênero, os autores concluem que o primeiro tende a deixar de lado, muitas vezes, as interseccionalidades, isto é, os vários aspectos dos femininos e dos masculinos e suas relações com questões de raça, orientação sexual, origem territorial etc. Para que o jornalismo inclua estas visões multifacetadas em suas coberturas, de acordo com Orgeret (2016ORGERET, Kristin Skare. “Is peace a smiling woman? Femininities and Masculinities in Conflict and Peace Coverage”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 207-223.), é necessário que sejam evitadas generalizações que reforcem os estereótipos de gênero. Para a autora, “representações mais complexas podem, também, ajudar a enfrentar as hierarquias sociais associadas ao gênero, que tendem a coibir a participação da mulher nas sociedades pós-conflito e a negar aos homens o direito de serem vítimas” (ORGERET, 2016ORGERET, Kristin Skare. “Is peace a smiling woman? Femininities and Masculinities in Conflict and Peace Coverage”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 207-223., p. 221).

Levando em consideração o maior impacto dos conflitos e das violências na vida de mulheres e meninas, assim como a tendência da mídia em objetificar as mulheres e glorificar as masculinidades, Sarah Macharia (2016MACHARIA, Sarah. “Gendered narratives: on peace, security and news media accountability to women”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 49-62.) defende a existência de uma prática jornalística consciente das questões de gênero: de acordo com a autora, o jornalismo para a paz convencional não é insensível aos princípios do feminismo, por atentar às consequências das relações de gênero e, ainda assim, sob uma perspectiva crítica, “compreende que a atenção à justiça de gênero deve permear todas as fases dos processos de paz, da participação nas negociações à prevenção e à proteção aos conflitos” (MACHARIA, 2016MACHARIA, Sarah. “Gendered narratives: on peace, security and news media accountability to women”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 49-62., p. 51-52).

Colocando em perspectiva o modelo de Johan Galtung (1969GALTUNG, Johan. “Violence, peace, and peace research”. Journal of Peace Research, Oslo, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/422690 . Acesso em 31/10/2019.
https://www.jstor.org/stable/422690...
; 1990, 2006), Nicole e Reyes (2007NICOLE, Raijeli Drogolagi; REYES, Lina Sagaral. Engendering Peace Journalism: keeping community whole. Manila: Isis International/Min-WoW, 2007.) apresentam as particularidades do que denominam “engendered Peace Journalism” (ou um jornalismo para a paz sensível às questões de gênero). Para elas, esse jornalismo, além de dar enfoque a todas as fases de um acontecimento, explora as consequências de determinado evento na vida dos homens e das mulheres de todas as partes envolvidas. Sob esse âmbito, as coberturas focariam nos efeitos invisíveis da violência, incluindo a marginalização de mulheres e crianças, e retratariam as mulheres como participantes ativas nos processos de transformação de conflitos e no peacebuilding.

Nicole e Reyes (2007NICOLE, Raijeli Drogolagi; REYES, Lina Sagaral. Engendering Peace Journalism: keeping community whole. Manila: Isis International/Min-WoW, 2007., p. 23) listam oito questões que devem ser consideradas por profissionais de comunicação com o objetivo de desenvolver um jornalismo para a paz consciente das questões de gênero:

  1. 1. Onde está a mulher na história?

  2. 2. De que maneira as questões de gênero podem fortalecer a história?

  3. 3. Quais são os papéis dos homens e das mulheres na história e como eles informam sobre o assunto abordado?

  4. 4. Quais são as relações de poder entre homens e mulheres (nas partes envolvidas no conflito, durante a negociação, nas estruturas comunitárias e familiares)?

  5. 5. Como a questão de gênero e as relações de poder explicam o assunto com mais profundidade?

  6. 6. De que maneira os impactos dos eventos e processos se diferenciam para as mulheres e para os homens?

  7. 7. Onde estão os pontos de colaboração entre os gêneros?

  8. 8. Quais fundamentos são comuns entre os gêneros e quais interesses e necessidades são compartilhados entre eles?

Em pesquisa realizada com um corpus de 876 materiais jornalísticos sobre paz e segurança publicados em 83 jornais de diferentes países (com temas e orientações políticas distintas), Macharia (2016MACHARIA, Sarah. “Gendered narratives: on peace, security and news media accountability to women”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 49-62.) constatou que as mulheres são raramente representadas: apenas 13% das pessoas entrevistadas ou sobre quem se fala são mulheres. Em seu estudo, a autora verifica a existência de um androcentrismo no jornalismo, que leva ao ocultamento das vozes das mulheres e de sua liberdade de expressão. Macharia (2016) conclui que, ao mesmo tempo que há sub-representação da voz feminina, existe, também, deturpação da sua representação.

Ao pensarmos sobre o ocultamento das vozes das mulheres ao longo da história, também nos deparamos igualmente com o silenciamento de “outras vozes” submetidas ao jogo de poder da historiografia hegemônica, que determinou aquelas que deveriam ser ouvidas, tal como compreende Jorge Polo Blanco (2018 apud Ranajit GUHA, 2002GUHA, Ranajit. Las voces de la historia y otros estudios subalternos. Barcelona: Crítica, 2002., p. 30):

Conforme afirmava Ranajit Guha, deve-se realizar “uma reescrita que escute as vozes menos sobressalentes da história” (2002, p. 30), isto é, que propicie uma polifonia na qual soem, com nitidez, todas aquelas que sempre foram inaudíveis na historiografia padrão e hegemônica. A escrita da história revelou, quase sempre, uma hierarquização que determina o que deve ser escutado (por ser considerado primordial, determinante e relevante) e o que, em contrapartida, deve permanecer em silêncio absoluto (por se julgado como secundário, velado e irrelevante). Sempre houve, definitivamente, uma história oficial e muitas outras histórias subalternas.

Essas “muitas outras histórias subalternas” fazem referência, partindo das contribuições feministas do ecofeminismo, às mulheres, às outras etnias não hegemônicas e à natureza. Partindo da tese comum que conecta militarismo, racismo, classes sociais, sexismo e destruição meio ambiental, o ecofeminismo de Vandana Shiva (1995SHIVA, Vandana. Abrazar la vida: mujer, ecología y supervivencia. Madri: Horas y Horas Edicciones, 1995. ), por exemplo, vai se posicionar diante do silenciamento dos vencidos, aqueles que historicamente foram silenciados nas grandes narrativas humanas, numa dinâmica histórica em que os vencedores impuseram suas narrativas como sendo sinônimo da história oficial. Considerando-se a relação entre mulheres e a natureza,

o ecofeminismo assoma nessa perspectiva social para denunciar que “a voz da mulher e a voz da natureza têm sido silenciadas no patriarcado. Mulher e natureza são consideradas objetos. Objetos não falam. Objetos não sentem. Objetos não têm necessidades. Objetos só existem para servir às necessidades dos outros” (Jhader CARMO et al., 2016CARMO, Jhader Cerqueira et al. “Voz da natureza e da mulher na Resex de Canavieiras-Bahia-Brasil: sustentabilidade ambiental e de gênero na perspectiva do ecofeminismo”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 155-180, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2016000100155 . Acesso em 30/10/2019.
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).

Nesse contexto, reconhece-se as mulheres e a natureza como o conjunto dos indivíduos submetidos às grandes narrativas hegemônicas que as silenciaram, tal como o patriarcado e o sistema de capital. Também podemos considerar que um jornalismo para a paz que trabalhe numa perspectiva feminista seria aquele capaz de incluir e abrir espaço de fala e expressão ao que David Harvey (1998HARVEY, David. La condición de la posmodernidad. Buenos Aires: Amorrortu, 1998., p. 59) descreve como “outros mundos e outras vozes tão amplamente silenciados (mulheres, gays, negros, povos colonizados com suas próprias histórias) durante a história humana”. Com isso, podemos conceber que o jornalismo para a paz na perspectiva feminista também se compromete a denunciar o silenciamento histórico e dar espaço à expressão e manifestação dessas vozes silenciadas, ou seja, também tenderia a uma cobertura jornalística engajada pela defesa e preservação meio ambiental, uma vez que se evidenciam as relações intrínsecas nas interações diárias entre mulheres e natureza, especialmente em economias de subsistência.

Ao mesmo tempo, pensar a perspectiva feminista no jornalismo para paz também implica considerar sua interdisciplinaridade com a temática da educação em direitos humanos, uma vez que no contexto dos Peace Studies, o próprio conceito de cultura de paz remete a um conjunto de direitos (SOUSA, 2019SOUSA, Nair Heloísa Bicalho. “As Pesquisas para Paz e os Direitos Humanos e a promoção da Cultura de Paz no ambiente escolar”. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil, v. 6, n. 3, p. 11-16, 2019. Disponível em Disponível em http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/709/421 . Acesso em 30/10/2019.
http://www.periodicos.se.df.gov.br/index...
). Partindo da perspectiva da educação, Sousa (2019SOUSA, Nair Heloísa Bicalho. “As Pesquisas para Paz e os Direitos Humanos e a promoção da Cultura de Paz no ambiente escolar”. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil, v. 6, n. 3, p. 11-16, 2019. Disponível em Disponível em http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/709/421 . Acesso em 30/10/2019.
http://www.periodicos.se.df.gov.br/index...
) vai dizer que quando se trabalha a mediação de conflitos no ambiente escolar apenas entre estudantes, por exemplo, ignora-se que há outras variáveis que motivam as expressões de violência naquele contexto. A mediação é apenas um meio, mas não o único para se buscar uma transformação real. Nesse contexto, a mediação é

[...] apenas mais um método de disciplinamento e de controle social do corpo discente. É mais uma tentativa da escola de terceirizar sua responsabilidade em educar, de afastar o que incomoda, esquecendo-se que, muitas vezes, a causa dos conflitos e das violências vivenciados e realizados por estudantes pode ser a própria violência da escola, além das violências direta, estrutural e simbólica da própria sociedade (SOUSA, 2019SOUSA, Nair Heloísa Bicalho. “As Pesquisas para Paz e os Direitos Humanos e a promoção da Cultura de Paz no ambiente escolar”. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil, v. 6, n. 3, p. 11-16, 2019. Disponível em Disponível em http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/709/421 . Acesso em 30/10/2019.
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, p. 14).

Da mesma forma, no jornalismo, quando não se considera a diversidade de variáveis que motivam um conflito, corre-se o risco de silenciar as próprias vítimas, tornando-as míopes em lugar de mostrar e denunciar um mundo de injustiças (Paulo FREIRE apudSOUSA, 2019SOUSA, Nair Heloísa Bicalho. “As Pesquisas para Paz e os Direitos Humanos e a promoção da Cultura de Paz no ambiente escolar”. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil, v. 6, n. 3, p. 11-16, 2019. Disponível em Disponível em http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/709/421 . Acesso em 30/10/2019.
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, p. 12). Isso significa também destacar a relevância de uma comunicação educativa no jornalismo, ou seja, sua função social que parta de princípios pedagógicos pautados no cuidado, na defesa de direitos, da inclusão e da democracia. Se partirmos do pressuposto de que comunicar também é uma forma de educar, podemos entender que o jornalismo para a paz numa perspectiva feminista busca sensibilizar e educar sobre questões de interesse coletivo de forma a conscientizar e gerar engajamento político.

Nessa dinâmica, Sousa (2019SOUSA, Nair Heloísa Bicalho. “As Pesquisas para Paz e os Direitos Humanos e a promoção da Cultura de Paz no ambiente escolar”. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal. Distrito Federal, Brasil, v. 6, n. 3, p. 11-16, 2019. Disponível em Disponível em http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/709/421 . Acesso em 30/10/2019.
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, p. 13) salienta que, na atualidade, vigora a ideia de que o ensino deve estar pautado na “obediência, silenciamento e no desrespeito à individualidade”, o que afeta especialmente os estudantes negros nas escolas públicas de periferia, submetidos à violência estrutural e cultural. Do mesmo modo, em um jornalismo que não considera a perspectiva feminista e interseccional também se corre o risco de legitimar o silenciamento das vítimas das estruturas de violência. Por essas razões, a promoção da cultura de paz passa necessariamente pela criação de meios pela educação e comunicação que possam desconstruir culturas de violência que estão naturalizadas em nossa sociedade.

Dados apresentados por Yiping (2012YIPING, Cai. “Revisiting Peace Journalism with a gender lens”. In: ISIS INTERNATIONAL. Women in Action - Women in Peace Building. Quezon City, Filipinas: Isis International, 2012. p. 70-75) demonstram que uma proporção elevada de materiais jornalísticos sobre os temas paz, desenvolvimento, guerra e violência de gênero reforça estereótipos de gênero (64%, 59%, 56% e 56% do total, respectivamente).

Alguns autores, ainda sob a perspectiva do feminismo, discutem sobre a cultura das organizações de comunicação e como problemáticas relacionadas a questões de gênero podem influenciar na produção de conteúdo jornalístico, o que consiste em uma forma de violência estrutural contra as mulheres.

Von Der Lippe e Ottosen (2016) explicam que não há uma correlação determinante entre gênero e a prática jornalística voltada para a paz nem uma resposta concreta que indique que a presença de mulheres nas coberturas leve à desconstrução do jornalismo de guerra. Entretanto, ressaltam que narrativas que moldam as percepções sobre as guerras e os conflitos ainda são dominadas por homens, uma característica inerente ao jornalismo de guerra. Por esta razão, destacam que são urgentes coberturas jornalísticas que sejam permeadas pelas discussões de gênero.

Sob a mesma perspectiva, Macharia (2016MACHARIA, Sarah. “Gendered narratives: on peace, security and news media accountability to women”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 49-62.) traz alguns aportes em relação à produção de conteúdo frente à questão de gênero. A autora afirma que materiais sobre guerra e paz produzidos por jornalistas mulheres têm maior probabilidade de terem mulheres como fontes ou personagens; ademais, matérias feitas por mulheres são cinco vezes mais prováveis de destacar as desigualdades de gênero. Ela explica que isso pode se justificar, de um ponto de vista epistemológico, pelo fato de as jornalistas, durante a produção dos conteúdos, trazerem as subjetividades relacionadas ao fato de serem mulheres, isto é, as suas experiências e vivências como mulheres.

De acordo com Steiner (2016STEINER, Linda. “Bodies at war: the dangers facing women war reporters”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 33-47.), cobrir conflitos e guerras pode ser mais hostil às mulheres jornalistas: além dos perigos inerentes das arenas de conflito, elas, muitas vezes, se deparam com o machismo dentro da própria organização em que trabalham, das tropas militares e, também, do público. A cultura do machismo, uma forma de violência cultural, que impõe que as mulheres sejam fortes para serem boas profissionais, as descredibiliza quando expõem algum tipo de abuso ou discriminação que sofreram: por exemplo, quando mulheres insistem que sofreram abuso sexual, o problema se volta às próprias jornalistas, por reclamarem ou se recusarem a aceitar a situação, e não aos assediadores (STEINER, 2016STEINER, Linda. “Bodies at war: the dangers facing women war reporters”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 33-47.).

Incluir uma perspectiva de gênero nas coberturas sobre violência, então, passa por questões também organizacionais, como a conscientização da equipe e ações transparentes por parte das empresas de mídia. Coletivos de jornalistas e fundações como a International Women’s Media Foundation e associações profissionais regularmente se engajam em denunciar abusos e propor a valorização de mulheres no meio. Essas mudanças, porém, poderão ser notadas mais lentamente do que o ideal, visto que o jornalismo tende a estar permeado pela lógica masculina, tanto nas práticas em si quanto em sua forma de organização - os donos dos meios são, afinal, majoritariamente homens brancos, como indica a pesquisa Media Ownership Monitor BrasilINTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil. Disponível em Disponível em https://brazil.mom-rsf.org/br/proprietarios/ . Acesso em 30/10/2019.
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,4 4 Projeto criado pelo Repórteres Sem Fronteiras com o objetivo de mapear dados sobre a concentração da mídia. No Brasil, a pesquisa foi realizada pelo Intervozes. Disponível em https://brazil.mom-rsf.org/br/. Acesso em 30/10/2019. realizada pelo Intervozes em parceria com o Repórteres Sem Fronteiras.

Os estudos de Macharia (2016MACHARIA, Sarah. “Gendered narratives: on peace, security and news media accountability to women”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 49-62.) indicam uma tendência de cobertura diferenciada por mulheres, especialmente sobre a escolha das fontes, algo também observado por Neveu (2000NEVEU, Érik. “Le genre du journalisme: des ambivalences de la feminization d'une profession”. Politix, v. 13, n. 51, p. 179-212, 2000. Disponível em Disponível em https://www.persee.fr/doc/polix_0295-2319_2000_num_13_51_1109 . Acesso em 31/10/2019.
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), Saint-Jean (2000) e Marianne Charrier-Vozel e Béatrice Damian-Gaillard (2005CHARRIER-VOZEL, Marianne; DAMIAN-GAILLARD, Béatrice. “Des voix de l’intime au regard de l’expertise dans la presse féminine”. In: RINGOOT, Roselyne; UTARD, Jean-Michel. Le journalisme en invention: nouvelles pratiques, nouveaux acteurs. Rennes: Presses Universitaires, 2005. p. 125-159.). No entanto, Steiner (2014STEINER, Linda. “Feminist media theory”. In: FORTNER, Robert S.; FACKLER, Mark (Eds.). The handbook of media and mass communication theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2014. p. 359-379.) e Von Der Lippe e Ottosen (2016) apontam que essas diferenças não são tão flagrantes a ponto de caracterizar grandes rupturas entre o jornalismo produzido por mulheres e por homens.

As ideias de Galtung sobre os níveis de violência são relativamente similares ao que feministas estruturalistas afirmavam e, posteriormente, foram complementadas pelo feminismo cultural. No próprio O Segundo Sexo, de Simone De Beauvoir (1960), a autora ensaia extensamente sobre o machismo presente desde o mito da mulher até as estruturas patriarcais e a violência direta. A perspectiva feminista propõe uma mudança nos discursos que vitimizam as mulheres, partindo da vitimização em direção à ação e à emancipação.

Uma abordagem sensível a gênero vai prestar atenção nas diferenças entre homens e entre as mulheres, em vez de aumentá-las. O que está implicado, porém, são, primeiro e principalmente, representações entrelaçadas com categorias de identidade, como Estado, nação, etnicidade e outras (VON DER LIPPE; OTTOSEN, 2016VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune. “Approaches and insights on gendering war and peace reporting”. In: VON DER LIPPE, Berit; OTTOSEN, Rune (Eds.). Gendering war and peace reporting: some insights - some missing links. Göteborg: Nordicom, 2016. p. 9-29., p. 16).

Assim, uma perspectiva feminista no jornalismo para a paz pode ser capaz de cobrir algumas falhas, enriquecendo a cobertura com profundidade e complexidade. Ao adotar a ética feminista, fatores já presentes no jornalismo para a paz, como a contextualização e pluralidade de vozes, podem ser reforçados. Do ponto de vista organizacional, a aproximação entre essas duas formas de cobertura pode beneficiar jornalistas mulheres que realizam coberturas de guerras e até mesmo as profissionais de redações em geral ao abordar conflitos de diversos tipos.

Uma perspectiva feminista, afinal, implica não somente a valorização do trabalho feminino no jornalismo, mas também a habilitação de seus colegas homens para se sensibilizarem e realizarem coberturas de fato voltadas para todas as pessoas, algo similar ao que o jornalismo para a paz propõe.

Considerações finais

Tanto o jornalismo com perspectiva feminista quanto o jornalismo para a paz propõem uma abordagem mais diversificada, focada em minorias e em problemas sociais, denunciando e dando visibilidade à transformação dos conflitos.

Retomamos, ao estabelecermos os objetivos das duas perspectivas jornalísticas anteriormente mencionadas, a discussão sobre o papel social das e dos jornalistas. O jornalismo por si mesmo busca, além da transmissão de informações às pessoas, a leitura crítica dos acontecimentos cotidianos e o entendimento das estruturas que definem os paradigmas sociais e culturais tais como são.

Ao desenvolverem diversos estudos com conteúdos jornalísticos, pesquisadores verificaram que existiam certos desvios dos profissionais de comunicação que lhes distanciavam dos fundamentos mais básicos do jornalismo. Autores dos Estudos para a Paz concluíram que o jornalismo tradicional não abrange os conflitos em sua totalidade; similarmente, autoras dos estudos de gênero demonstraram que o jornalismo é produzido sob pontos de vista masculinos, que desconsideram a perspectiva de gênero.

Com base nesses resultados, a fim de produzir um jornalismo que cumpra sua função social, defendemos, neste estudo, que deve haver uma prática jornalística que siga as premissas do feminismo perspectivista interseccional e dos Estudos para a Paz que também dialogam com a Educação em Direitos Humanos. O jornalismo, dessa maneira, se posiciona como ferramenta de mudança social, o que faz com que ele seja, muitas vezes, tido como uma forma de ativismo. Por outra parte, também pode ser compreendido como meio para se reescrever a história humana por meio da visibilidade que se busca dar às micronarrativas das vozes que foram silenciadas historicamente. Isso significa que, por meio da perspectiva feminista, outros grupos sociais também podem conquistar espaço de fala e visibilidade, já que a luta das mulheres também é a luta da natureza, dos excluídos e dos mais pobres.

Ressaltamos que, embora tenham sido utilizados, ao longo deste estudo, exemplos sobre a cobertura de guerras e conflitos, o modus operandi do jornalismo para a paz pode ser incorporado a coberturas de demais segmentos. O ideal é que, independentemente da pauta, se busque atrelar os conhecimentos sobre o jornalismo para a paz à perspectiva interseccional do feminismo.

A fim de demonstrar como ocorre na prática a intersecção entre as duas práticas jornalísticas, seria interessante, em estudos futuros, analisar coberturas de instituições ou empresas que declaradamente promovam a paz e de instituições feministas. E, ainda, refletir sobre uma reformulação do próprio jornalismo para a paz, que poderia incluir, de forma mais consistente, a perspectiva feminista interseccional e a ampliação das vozes silenciadas nas grandes narrativas humanas. De qualquer forma, ambas as propostas podem enriquecer o jornalismo como campo profissional e acadêmico, complexificando a cobertura e propondo que repórteres e toda a equipe se tornem mais conscientes de seus lugares no mundo no momento de reportar as notícias. Desperta-se, com isso, a empatia e obriga-se jornalistas a adotarem práticas profissionais que levem à transformação de situações de injustiça, dentro e fora das redações.

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  • VELOSO, Ana Maria da Conceição. Gênero, poder e resistência: as mulheres nas indústrias culturais em 11 países 2013. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
  • YIPING, Cai. “Revisiting Peace Journalism with a gender lens”. In: ISIS INTERNATIONAL. Women in Action - Women in Peace Building Quezon City, Filipinas: Isis International, 2012. p. 70-75
  • 1
    Tradicionalmente, o desenvolvimento das teorias e militância feministas é separado por ondas, que representam renovação ou rupturas de paradigmas. Assim, a primeira onda se situa ao fim do século XIX e começo do século XX, com o movimento pelo sufrágio feminino e universal. A segunda onda compreende os movimentos feministas europeus e norte-americanos (EUA e Canadá), entre 1950-1980, cujo marco é a obra O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicada em 1949, baseada no pensamento estruturalista. A terceira onda inicia-se em 1980, com discussões acerca da inclusão de questões de raça, classe, nacionalidade e sexualidade, tendo forte influência de feministas negras e queers. E, por fim, discute-se sobre a existência de uma quarta onda feminista, que teria sido iniciada em 2001 e tem como características a transnacionalização e foco nas comunicações on-line (BELLERIVE; YELLE, 2016).
  • 2
    Do espanhol, “periodismo con enfoque de género”.
  • 3
    De acordo com Orgeret (2016, p. 209), citando estudiosas como bell hooks (2000) e Uma Narayan (1997), o feminismo pós-colonial considera que “ao se generalizar o termo ‘mulher’ como um grupo universal, as mulheres são definidas apenas por seu gênero, e não por sua classe social, etnia ou orientação sexual”. Orgeret (2016) aponta, por exemplo, que, no feminismo liberal no ocidente, mulheres negras são, com frequência, vistas como vítimas, e não como aliadas ou agentes.
  • 4
    Projeto criado pelo Repórteres Sem Fronteiras com o objetivo de mapear dados sobre a concentração da mídia. No Brasil, a pesquisa foi realizada pelo Intervozes. Disponível em https://brazil.mom-rsf.org/br/. Acesso em 30/10/2019.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    SALHANI, Jorge; SANTOS, Heloisa dos; CABRAL, Raquel. “Uma perspectiva feminista ao jornalismo para a paz”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, e61625, 2020.
  • Financiamento:

    Bolsa de mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) em convênio com a CAPES, sob o processo nº 2017/21587-0-8
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2019
  • Revisado
    05 Nov 2019
  • Aceito
    10 Fev 2020
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