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A mulher na sociedade de classes: inspirações e impactos internacionais

A mulher na sociedade de classes: International Inspirations and Impacts

Resumo:

A mulher na sociedade de classes: mito e realidade consagrou-se na sociologia brasileira como um texto fundador nos campos dos estudos de gênero e do trabalho. Diferentes analistas refletiram sobre a construção do seu argumento, seja explorando os elos entre ideias e biografia, seja argumentando sobre o vigor intelectual e a atualidade das formulações ali contidas. Neste artigo, adotaremos um ponto de vista pouco explorado: o dos diálogos entre mundos intelectuais propiciados por esse texto cinquentenário. Por um lado, destacaremos como se apresentam, no argumento de Heleieth Saffioti, novidades interpretativas então em voga na sociologia do trabalho e do gênero que se fazia fora do Brasil, especialmente na França. Por outro, exploraremos os seus ecos na academia estrangeira, tanto no tempo da sua publicação em língua inglesa como mais recentemente.

Palavras-chave:
gênero; trabalho; Heleieth Saffioti; Brasil; mulheres

Abstract:

A mulher na sociedade de classes: mito e realidade is a founding book in Brazilian sociology on gender and work. Several authors have already reflected on the construction of its argument, either exploring the links between ideas and biography, or arguing about its intellectual vigor and relevance for the current debate. In this article, we will adopt another point of view: exploring the dialogues brought about by this fifty-year-old text, which bridged intellectual worlds. On the one hand, we will highlight how Heleieth Saffioti’s argument incorporated new ideas in vogue in the sociology of work and gender shaped outside Brazil, mainly in France. On the other hand, we will map how it echoed in the foreign academy, both at the time of its English edition and more recently.

Keywords:
Gender; Work; Heleieth Saffioti; Brazil; Women

Introdução

Nos três meses compreendidos entre dezembro de 1966 e fevereiro de 1967, Heleieth Iara Bongiovani Saffioti escreveu A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, tese com a qual obteve o título de professora livre-docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Dois anos se passaram e, em 1969, a tese daria lugar a um livro, que circulou inicialmente por um obscuro editor, a Quatro Artes Editorial (SAFFIOTI, 1969SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Livraria Quatro Artes Editora, 1969.). Essa obra, agora cinquentenária, marcou a história da sociologia brasileira, sendo especialmente relevante tanto no campo dos estudos de gênero, como no domínio dos estudos sobre o trabalho.

Com efeito, no curso desses cinquenta anos o interesse por seu pensamento parece aumentar quanto mais nos aproximamos do presente, haja vista o aparecimento, em 2013, de uma terceira edição do livro (SAFFIOTI, 2013SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.).1 1 A terceira edição, dessa vez em São Paulo, já conta com várias reimpressões. Bem assim, inúmeras autoras têm tratado de pensar com Saffioti e/ou de revisitar as suas ideias sobre as distintas formas das desigualdades que marcam a estrutura da sociedade brasileira (Cristina BRUSCHINI, 1994BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. “Trabalho feminino: trajetória de um tema, perspectiva para o futuro”. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 17-32, 1994.; Renata GONÇALVES, 2011GONÇALVES, Renata. “O feminismo marxista de Heleieth Saffioti”. Lutas Sociais. São Paulo, n. 27, p. 119-131, 2º sem. 2011.; Angélica LOVATTO, 2011LOVATTO, Angélica. “Desvendando O poder do macho: um encontro com Heleieth Saffioti”. Lutas Sociais. São Paulo, n. 27, p. 110-118, 2º sem. 2011.; Natalia MÉNDEZ, 2008MÉNDEZ, Natalia Pietra. Com a palavra, o segundo sexo: percursos do pensamento intelectual feminista no Brasil dos anos 1960. 2008. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.; Daniele MOTTA, 2018MOTTA, Daniele Cordeiro. “Desvendando Heleieth Saffioti”, Lutas Sociais, São Paulo, v. 22, n. 40, p. 149-160, 2018.; Celi PINTO, 2014PINTO, Celi Regina Jardim. “O feminismo bem-comportado de Heleieth Saffioti (presença do marxismo)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 22, n. 1, p. 321-333, jan./abr. 2014.; Maria Aparecida Moraes SILVA, 1995SILVA, Maria Aparecida Moraes. “O nascimento de uma obra”. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 159-162, 1995.; Bila SORJ, 1995SORJ, Bila. “O feminismo adentra a academia”, Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 156-158, 1995.). Nesse sentido, o livro tem contribuído para erigir, no Brasil, uma ponte entre passado e presente nos campos do feminismo e dos estudos de gênero. Mas o vigor dessa inspiração não somente evidenciou a posição privilegiada de Saffioti na história intelectual do campo, como também deixou entrever, invertendo os termos do raciocínio, o lugar longevo do próprio campo dos estudos de gênero na reflexão sobre as desigualdades na nossa sociedade, tema central e pioneiramente encampado por Heleieth em A mulher na sociedade de classes, já desde os longínquos anos 1960.

Neste artigo, revisitaremos essa obra trilhando um caminho que acreditamos que esteja ainda pouco explorado: o dos diálogos entre mundos acadêmicos nacionais que foram por ela facultados. Trataremos da sua capacidade de ultrapassar fronteiras, construindo pontes, desta vez entre a intelectualidade brasileira e a produção gerada fora do Brasil. Para tal, e além desta introdução, o artigo conterá três outras seções, seguidas de uma breve conclusão.

Na segunda seção, trataremos de situar o livro A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, dando voz a Saffioti que nos introduzirá ao alvo do seu interesse intelectual, bem como ao processo e ao contexto da produção da obra.

A terceira e quarta seções se dedicarão aos diálogos intelectuais por ela propiciados. Na terceira, destacaremos a presença de novidades interpretativas que Heleieth foi buscar em outros contextos intelectuais e que fez circular no debate brasileiro. Sim, porque, embora o seu argumento estivesse fortemente ancorado numa apropriação singular do marxismo, aspecto já bastante sublinhado (GONÇALVES, 2011GONÇALVES, Renata. “O feminismo marxista de Heleieth Saffioti”. Lutas Sociais. São Paulo, n. 27, p. 119-131, 2º sem. 2011.; LOVATTO, 2011LOVATTO, Angélica. “Desvendando O poder do macho: um encontro com Heleieth Saffioti”. Lutas Sociais. São Paulo, n. 27, p. 110-118, 2º sem. 2011., MÉNDEZ, 2008MÉNDEZ, Natalia Pietra. Com a palavra, o segundo sexo: percursos do pensamento intelectual feminista no Brasil dos anos 1960. 2008. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.; MOTTA, 2018MOTTA, Daniele Cordeiro. “Desvendando Heleieth Saffioti”, Lutas Sociais, São Paulo, v. 22, n. 40, p. 149-160, 2018.; Joana PEDRO; Soraia MELLO; Veridiana OLIVEIRA, 2005PEDRO, Joana Maria; MELLO, Soraia Carolina; OLIVEIRA, Veridiana Bertelli Ferreira. “O feminismo marxista e o trabalho doméstico: discutindo com Heleieth Saffioti e Zuleika Alambert”. História Unisinos, v. 9, n. 2, p. 132-138, maio/ago. 2005.), e sobre o qual não nos deteremos, é fato que Heleieth Saffioti se manteve aberta a outras contribuições no campo dos estudos sobre as desigualdades entre os sexos no trabalho. Tal foi o caso, por exemplo, do seu diálogo com a sociologia do trabalho europeia, em especial com pioneiras autoras francesas interessadas em entender o lugar da mulher nos ambientes de trabalho. Causa espécie a sua capacidade de trazer ao cenário brasileiro tal produção intelectual de ponta. E ela o fez num momento em que as conexões acadêmicas eram difíceis, e por isso mesmo lentas, especialmente para quem, restrita às cidades de Araraquara e São Paulo, tratava de redigir uma tese.

Em sentido contrário, exploraremos, na quarta seção, os ecos da obra na academia estrangeira. O principal deles se exprimiu na veiculação do livro em inglês, já em 1978, pela prestigiosa editora Monthly Review Press (SAFFIOTI, 1978SAFFIOTI, Heleieth. Women in class society. Translated by Michael Vale. New York; London: Monthly Review Press, 1978.). Nessa edição, o seu argumento foi apresentado ao público anglófono pela festejada antropóloga marxista Eleanor Burke Leacock. Numa densa e longa introdução, Leacock refletiu criticamente sobre a obra, as suas novidades e limites, sobre o seu lugar, enfim, no debate internacional (Eleanor LEACOCK, 1978LEACOCK, Eleanor Burke. “Introduction”. In: SAFFIOTI, Heleieth I. B. Women in class society. New York; London: Monthly Review Press, 1978. p. IX-XXIV.). Ademais, várias resenhas circularam fora do Brasil, ecoando a publicação inglesa. Para além desses textos de época, observamos com surpresa que o livro tem mobilizado intelectuais estrangeiros até muito recentemente: A mulher na sociedade de classes: mito e realidade foi incluído entre os trinta e seis livros que, tendo sido produzidos fora dos principais centros acadêmicos da Europa e dos Estados Unidos, deveriam ser considerados obrigatórios numa história global do pensamento social (Barbara CELARENT; Andrew ABBOTT, 2016CELARENT, Barbara; ABBOTT, Andrew. Varieties of social imagination. Chicago; London: The University of Chicago Press, 2016.).

Inaugurando um campo

Em setembro de 1969, numa Nota Preliminar à primeira edição de A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, Heleieth Saffioti relata que a origem do seu interesse intelectual pelo tema remonta a um auxílio concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para um estudo sobre profissionalização feminina (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976.). Dos levantamentos de dados para o projeto até a entrega da tese o tempo correu veloz. Diante da oportunidade de submetê-la ao concurso de livre-docência, Florestan Fernandes, seu orientador, não titubeou, recomendando-lhe uma correção de rumo que certamente soaria insólita aos olhos do presente: abandonar o plano de obter o almejado doutorado pela Universidade de São Paulo, em cuja graduação Heleieth ingressara em 1956 e por onde se formara em 1960. Em vez disso, mais valia submeter o trabalho ao concurso de livre-docência aberto em 1966, na Cadeira de Sociologia e Fundamentos Sociológicos da Educação, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Num contexto de endurecimento político, consequente ao golpe militar de 1964, melhor seria que ingressasse no ensino pela porta aberta por esse título, aconselhou Florestan.

O tempo rapidamente se encarregaria de avalizar o faro político do orientador. A velocidade dos fatos por pouco não atropela a sua presença na banca do concurso de livre-docência da sua própria orientanda. Os vetos políticos não tiveram, contudo, a força necessária para expurgar nomes dentre os indicados para argui-la.2 2 A esse respeito, disse Maria Aparecida Moraes Silva em depoimento publicado em 1995, ao relatar a sua experiência, como aluna da graduação em Araraquara, assistindo a defesa da tese: “Desconhecíamos as lutas dos bastidores no momento da composição da banca, as exigências do Conselho Estadual de Educação, a não aceitação de alguns nomes indicados pela Congregação da Faculdade.” (SILVA, 1995, p. 159). Assim, em maio de 1967, A mulher na sociedade de classes: mito e realidade constitui-se no trabalho com o qual Heleieth Saffioti conquista o título de docente-livre.3 3 A banca era formada exclusivamente por examinadores homens, o que mostra tanto o seu pioneirismo como mulher nesse patamar da carreira, como a ausência de interlocutoras, mulheres e tituladas, para avaliar uma tese relativa ao trabalho das mulheres. Assim, arguiram-na os professores: Florestan Fernandes, Antonio Candido, Clemente Segundo Pinho, Heraldo Barbuy e Ruy Galvão de Andrada Coelho. Mas, em setembro de 1969, quando o trabalho veio à luz, Florestan já estava exilado no Canadá, tão rápida havia sido a deterioração da liberdade acadêmica após o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Antonio Candido, a quem coube prefaciar o livro, registra tanto esse exílio político quanto os laços de afiliação intelectual e de estilo de trabalho profissional que uniram Heleieth a Florestan:

Lendo-o agora mais uma vez, lembrei a cada instante do Professor Florestan Fernandes, infelizmente afastado de nosso ensino e atuando agora no da Universidade de Toronto (Canadá). Este grande, incomparável mestre (que é também um perfeito colega e amigo), foi o orientador da tese. Ela traz a marca da sua contribuição e de afinidades que o vinculam à autora, pois ambos denotam pertinência, destemor ante a massa dos dados, disposição de levar a análise ao cabo das ideias. Tese maciça e nutrida, como ele as preconiza, enlaçando a preocupação teórica ao senso constante da realidade presente (CANDIDO, 1976CANDIDO, Antonio. “Prefácio”. In: SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1976 [edição original 1969, Quatro Artes Editorial]. p. 5-6., p. 7).

Com efeito, era esse “senso constante da realidade presente” que movia a inquietação interpretativa de Heleieth, e que teria dado lugar à tese “maciça e nutrida”. Um senso ousado de ocasião, que nutria a transparência dos seus alinhamentos. Foi assim com respeito ao materialismo de inspiração marxista (tão caro a um de seus interlocutores preferenciais, Luiz Pereira) e à teoria sociológica (tão bem esgrimida pelo seu mestre Florestan Fernandes). Em A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, Saffioti exercitou a sua capacidade de tentar ungir, num ‘casamento factível’, as formulações marxistas sobre exploração de classes e os achados da sociologia do trabalho (notadamente de inspiração francesa, como veremos adiante), sempre deixando entrever a tradição funcionalista em que fora formada. A frase com que Heleieth introduz o livro é eloquente ao denotar a união pretendida:

Este estudo visa a apreender os mecanismos típicos através dos quais o fator sexo opera nas sociedades de classes de modo a alijar da estrutura ocupacional grandes contingentes de elementos do sexo feminino. Visa, ainda, a desvendar as verdadeiras raízes deste alijamento justificado ou em termos de uma tradição, conforme à qual à mulher cabem os papéis domésticos ou, de maneira mais ampla, todos aqueles que podem ser desempenhados no lar, ou por teorias cujo conteúdo explicita pretensas deficiências do organismo e da personalidade femininos. Questiona-se, pois, a crença, presente quer na consciência afirmadora da ordem social competitiva, quer na consciência negadora dessa ordem, de que a mulher foi lançada no mundo econômico pelo capitalismo. (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 15).

Saffioti tem perfeita consciência do seu pioneirismo. Ainda na introdução à primeira edição do livro faz questão de salientar que: “Afora pequenos trabalhos de cunho descritivo e interessados em aspectos muito restritivos da vida da mulher brasileira, sobre este assunto só existem mais dois”, e os lista em nota de rodapé (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 17). Significativamente, ambos foram escritos por pesquisadores homens e tiveram circulação bastante restrita: Luiz Pereira (1963PEREIRA, Luiz. O magistério primário na sociedade de classes. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, 1963. (Boletim n. 277).) - marxista, seu colega, amigo e grande influência intelectual - havia tratado do magistério primário na sociedade de classes e Manoel Tosta Berlinck (1964BERLINCK, Manoel Tosta. Algumas percepções sobre a mudança do papel ocupacional da mulher, na cidade de São Paulo. São Paulo, 1964, mimeografado.) havia estudado o papel ocupacional das mulheres, mas ficara restrito, em sua análise, à cidade de São Paulo.

O seu senso ousado de ocasião também levou Heleieth a assumir os riscos de exprimir os desalinhamentos sobre os quais erigia as suas interpretações. Ela os identificou já na abertura do livro. Por um lado, queria confrontar a sabedoria convencional que nutria os mitos responsáveis por manter a mulher num plano inferior (para tomar seus dizeres). Mitos que tinham na família patriarcal a instituição chave a partir da qual a dominação se irradiaria. Não sem razão assumiu como alvo a construção de uma crítica à sociedade patriarcal capitalista.

Por outro lado, o seu desalinhamento com o feminismo foi também expresso, e sem meias palavras, já desde as primeiras páginas da Nota Preliminar à primeira edição:

Este livro dirige-se a todos, homens e mulheres, quantos não se acomodaram na sabedoria convencional e àqueles cuja postura mental oferece-lhes possibilidades de abandonar tal acomodação. Não se trata, pois, de uma obra dirigida exclusivamente às mulheres. (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 13).

Esse argumento a leva ao segundo e ainda mais provocativo enunciado:

Se esta obra não se dirige apenas às mulheres, não assume, de outra parte, a defesa dos elementos do sexo feminino. Não é, portanto, feminista. Denuncia, ao contrário, as condições precárias de funcionamento da instituição familial nas sociedades de classes em decorrência de uma opressão que tão somente do ponto de vista da aparência atinge apenas a mulher. (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 14).

Uma “feminista envergonhada”, escreveria provocativamente Pinto (2014PINTO, Celi Regina Jardim. “O feminismo bem-comportado de Heleieth Saffioti (presença do marxismo)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 22, n. 1, p. 321-333, jan./abr. 2014.). A própria Heleieth refletiria sobre o tema na nota à segunda edição, que circulou quase dez anos depois pela Editora Vozes (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976.). Vemos ali que “feminismo”, categoria recusada no corpo da tese/livro, aparece, agora, como elemento propulsor do seu argumento:

Este livro foi escrito entre dezembro de 1966 e fevereiro de 1967. Desde então a literatura científica sobre o assunto cresceu enormemente. Substancialmente também cresceram os movimentos feministas. Nos Estados Unidos, na França, na Itália e em outros países, as mulheres movimentam-se visando a obter leis que lhes assegurem o controle de seu corpo e justiça na situação de trabalho e na sociedade em geral. […]

Embora suas conquistas sejam relevantes - direito de voto na Suíça, legalização do aborto nos Estados Unidos e na França, discussão aberta de projetos de lei instituindo o divórcio no Brasil - poucos são os grupos feministas que contam com a participação de elementos masculinos. De uma parte, pois, verifica-se a cisão homem-mulher, de outra, a fissura entre as classes sociais. (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 5).

O decorrer da sua vida intelectual temperou argumentos, fazendo-a valorizar o relevo analítico das emoções, das representações e da psicanálise, à medida que novos e desafiantes objetos seriam por ela trabalhados, como a violência de gênero, o abuso sexual contra crianças e adolescentes ou o abuso sexual incestuoso (SAFFIOTI; Suely ALMEIDA, 1995SAFFIOTI, Heleieth; ALMEIDA, Suely Souza de. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995.; SAFFIOTI, 2000, 2004). Bem assim, fizeram-na penitenciar-se tanto por diálogos intelectuais não devidamente explorados em 1966-1967 - como o que poderia ter estabelecido com Simone de Beauvoir (1961BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1961 [1949].), cujo livro, como veremos, está praticamente ausente da sua análise, como arrepender-se pelo excessivo apreço manifesto pelas ideias de Betty Friedan (SAFFIOTI, 2000).

Mas é destacável a sua percepção, já nos anos 1960, de que seria impossível analisar a desigualdade e a opressão vividas pelas mulheres brasileiras esquecendo a herança da escravidão. Inspirada pelo mestre Florestan Fernandes, em sua obstinada busca por dimensionar o “peso do passado” escravista (FERNANDES, 1964FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1964., 1967FERNANDES, Florestan. “The weight of the past”. Daedalus, v. 96, n. 2, p. 560-579, Spring 1967.), Heleieth plantou, com A mulher na sociedade de classes, as sementes que a levariam, anos depois, a lançar mão da metáfora do “nó” como recurso para exprimir o enlace e a tensão entre várias formas da desigualdade e da opressão. Classe, sexo e raça já eram por ela vislumbrados, desde os anos 1960, como dimensões imprescindíveis à análise. Entretanto, a precedência das relações de classe parecia um obstáculo para avançar na sua elaboração sobre a tessitura desse “nó”. Em Gênero, patriarcado e violência (SAFFIOTI, 2004SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.) assumiu tratar-se de um “nó frouxo”, que operaria “deixando mobilidade para cada uma de suas componentes”. Isso porque, nas suas palavras,

O nó formado por estas três contradições [classe, sexo e raça] apresenta uma qualidade distinta das determinações que o integram. Não se trata de somar racismo + gênero + classe social, mas de perceber a realidade compósita e nova que resulta dessa fusão. (SAFFIOTI, 2004SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004., p. 115).

Em suma, cinquenta anos passados, Saffioti legou um texto fundador à história da sociologia brasileira, e em especial aos campos dos estudos de gênero e do trabalho. Por isso mesmo, torna-se interessante explorar os diferentes ecos que se fizeram presentes na cena acadêmica por meio dessa obra.

Na seção subsequente, trataremos da capacidade, manifesta por Saffioti nesse livro, de dialogar pioneiramente com o pensamento de ponta no seu tempo, produzido por uma sociologia das desigualdades entre os sexos no trabalho. Ao fazê-lo, denota a sua capacidade de criar pontes entre a produção internacional e as necessidades locais de conhecimento, pondo ao dispor de intelectuais no Brasil o conhecimento em voga fora do país.

A mulher na sociedade de classes: repercutindo análises internacionais sobre as desigualdades entre sexos

A comparação é o recurso por excelência mobilizado por Heleieth Saffioti para caracterizar a condição feminina nos dois subtipos de capitalismo que analisa, o “desenvolvido” e o “subdesenvolvido”. Disso resultará a sua teorização sobre os elos entre capitalismo e opressão das mulheres:

O recurso aos dados empíricos fornecidos por países que se enquadram num ou noutro dos subtipos de capitalismo (desenvolvido e subdesenvolvido) permite percorrer as mediações, representadas pelas estruturas sociais parciais, que, num ou noutro subtipo e a seu modo, possibilitam a manutenção e, simultaneamente, dissimulam os preconceitos contra a mulher e, consequentemente, sua marginalização da vida econômica. Quanto aos países de “capitalismo antigo”, a utilização de dados empíricos pode restringir-se praticamente à situação de trabalho da mulher e àquelas que a afetam diretamente. (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 10).

Com efeito, ao longo de toda a primeira parte do seu livro, intitulada “Mulher e capitalismo”, Heleieth Saffioti mobiliza inúmeras evidências empíricas internacionais. Conquanto autoras de língua inglesa estejam presentes - como Betty Friedan (1963) e, residualmente, Juliet Mitchell (1966MITCHEL, Juliet. “Women: the longest revolution”. New Left Review, n. 40, p. 11-37, Nov./Dec. 1966.), às quais retornaremos mais adiante -, são as francesas as que lhe darão as principais âncoras factuais para construir o seu argumento sobre a natureza e as condições do trabalho feminino no “capitalismo desenvolvido”.

Mais que isso, a sua reflexão é perfeitamente contemporânea à das autoras que cita. Isso porque, também na França, as pesquisas sobre mulheres e relações de gênero apenas haviam começado a se desenvolver. Tal desenvolvimento, como no Brasil, se fizera a partir do enfoque à questão do trabalho, que emergia como o tema legítimo para a análise da chamada ‘condição feminina’. Como sublinhou recentemente a socióloga Isabelle Clair (2012CLAIR, Isabelle. Sociologie du genre, Paris: Armand Colin, 2012., p. 15): “No começo, havia o trabalho […] o trabalho é o objeto principal do gênero”.

Por isso mesmo, à época em que Heleieth Saffioti redigia a sua tese pioneira, poucas eram, na França, as pesquisadoras voltadas aos estudos sobre o trabalho das mulheres. Duas delas se destacavam e já tinham, inclusive, publicado sobre o trabalho em domicílio e o mundo fabril: Madeleine Guilbert e Viviane Isambert-Jamati. Juntamente com Evelyne Sullerot e Marie-José Chombart de Lauwe, Guilbert e Isambert-Jamati constituíam o reduzido grupo daquelas que desbravavam o tema das ‘mulheres’ e da ‘condição feminina’ na França dos anos 1950 e 1960.4 4 Enquanto Guilbert e Isambert-Jamati ganharam legitimidade acadêmica no mundo da pesquisa sobre sexo e trabalho na França desde os anos 1980, Sullerot e Chombart de Lauwe não chegaram a adquirir tal protagonismo, ao menos nos estudos sobre gênero e trabalho, por razões que restam por ser estudadas. Através de A mulher na sociedade de classes Saffioti cumpriu o papel de trazer a intelectuais brasileiros(as) as ideias de ponta que estavam sendo produzidas e veiculadas na Europa.

E que ideias eram essas? Os primeiros livros sobre o tema tratavam da ‘mulher’ e da ‘condição feminina’. Pouco a pouco emergiram as noções de ‘repartição por sexo’ e de ‘categorias de sexo’, que aparecerão referidas por Heleieth. Por certo, e tanto lá quanto aqui, ainda não se fazia referência à noção de ‘gênero’. Todavia, se nos estudos pioneiros sobre a condição feminina as mulheres eram apresentadas como uma categoria específica e tratadas à parte, a introdução de uma perspectiva comparativa entre homens e mulheres, já presente nessas primeiras análises, prenunciava o espaço analítico que seria posteriormente ocupado pelo conceito de ‘gênero’. Ademais, tal perspectiva comparada aplainou o caminho para os futuros questionamentos às correntes hegemônicas na sociologia do trabalho que restringiam o objeto do seu interesse às experiências laborais dos operários brancos, de sexo masculino, engajados na grande empresa industrial.

Embora as mulheres começassem a adquirir uma certa visibilidade nos estudos sobre o trabalho e o emprego, para o mainstream da sociologia do trabalho de então uma parte significativa das atividades por elas realizadas não era considerada como ‘trabalho’.

As tarefas domésticas […] não podem, contudo, ser assimiladas ao trabalho profissional. Mais abaixo, no capítulo 16, encontraremos um estudo das atividades extratrabalho que permitem melhor apreender, por contraste, a essência dos fenômenos relacionados ao trabalho (Georges FRIEDMANN; Pierre NAVILLE, 1962FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre. “Introduction et méthodologie”. In: FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre (Eds.). Traité de sociologie du travail. Paris: Armand Colin, 1962. v. 1, p. 11-64., p. 22, grifo nosso).

No célebre Tratado de sociologia do trabalho (FRIEDMANN; NAVILLE, 1962FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre. “Introduction et méthodologie”. In: FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre (Eds.). Traité de sociologie du travail. Paris: Armand Colin, 1962. v. 1, p. 11-64.), obra seminal para a construção da sociologia do trabalho na França, Friedmann e Naville, seus organizadores, confiaram a Madeleine Guilbert e Viviane Isambert-Jamati (as únicas mulheres incluídas na coletânea) o capítulo 7-II, intitulado “A repartição por sexo” (GUILBERT; ISAMBERT-JAMATI, 1962GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. “La répartition par sexe”. In: FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre (Eds.). Traité de sociologie du travail. Paris: Armand Colin, 1962. v. 1, p. 266-282.). Curiosamente, embora o livro tenha vindo à luz em 1962, ele ainda não era conhecido por Saffioti, que não o cita.

Apesar disso, em seu pioneirismo intelectual, Heleieth vai além do que fora logrado pelas suas contemporâneas na França. Assim, e à diferença de Saffioti, a contribuição de Guilbert e Isambert-Jamati ao Tratado de sociologia do trabalho deixa praticamente silente o tema do trabalho doméstico como parte da atividade das mulheres. A problemática da relação entre trabalho doméstico e trabalho assalariado está apenas aludida quando se discute a inserção da mulher casada e da mulher com filhos. Nada mais que uma frase, na conclusão, sobre “as tarefas assumidas pelas mulheres no interior da família” (GUILBERT; ISAMBERT-JAMATI, 1962GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. “La répartition par sexe”. In: FRIEDMANN, Georges; NAVILLE, Pierre (Eds.). Traité de sociologie du travail. Paris: Armand Colin, 1962. v. 1, p. 266-282., p. 281). Tampouco são tratados os aspectos teóricos da “repartição por sexo” - nova diferença frente ao trabalho de Saffioti. Aliás, todas as discussões teóricas travadas no Tratado foram significativamente deixadas aos pesquisadores homens, o que contrasta com a ambição teórica de Heleieth, por ela sublinhada já desde a introdução ao seu livro. Nas suas palavras, desafiava-a “[…] iluminar e dar plenitude à compreensão do modo pelo qual os elementos femininos preenchem suas funções na formação econômico-social capitalista já constituída ou em fase de constituição.” (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 8).

Guilbert e Isambert-Jamati estão várias vezes presentes entre as referências bibliográficas de Heleieth (GUILBERT, 1966GUILBERT, Madeleine. Les fonctions des femmes dans l’industrie. La Haye: Mouton, 1966.; GUILBERT; ISAMBERT-JAMATI, 1954GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. “Statut professionnel et rôle traditionnel des femmes”. Cahiers Internationaux de Sociologie, Paris, v. XVII, p. 112-122, 1954., 1956GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. Travail féminin et travail à domicile: enquête sur le travail à domicilie de la confection féminine dans la région parisiense. Paris: CNRS, 1956.; ISAMBERT-JAMATI, 1960ISAMBERT-JAMATI, Viviane. “Adaptation au travail et niveau de qualification des femmes salariées”. Revue Française de Sociologie, n. 1, p. 45-60, jan./mar. 1960.), secundando argumentos e provendo evidências (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976.). Assim:

  • - Na p. 34, nota 10, Heleieth cita Madeleine Guilbert (GUILBERT,1966GUILBERT, Madeleine. Les fonctions des femmes dans l’industrie. La Haye: Mouton, 1966., p. 23-25) sobre os salários das mulheres na França Medieval, para ressaltar que: “Os salários femininos eram inferiores aos dos homens, estimando-se que, para o século XIV, os primeiros representavam 75% dos segundos.”

  • - Na p. 43, nota 19, nova citação a Madeleine Guilbert (GUILBERT, 1966GUILBERT, Madeleine. Les fonctions des femmes dans l’industrie. La Haye: Mouton, 1966., p. 51-52) apresentando a ordem do dia do 2° Congresso da Federação Nacional da Alimentação em Lyon, em 1903, com a reivindicação de “salário igual para trabalho igual”.

  • - Na p. 44, nota 21, novamente é em Madeleine Guilbert que Saffioti busca os dados sobre a mão de obra feminina na indústria francesa, afirmando que esta representava, em 1866, “30% no efetivo industrial total” (GUILBERT,1966GUILBERT, Madeleine. Les fonctions des femmes dans l’industrie. La Haye: Mouton, 1966., p. 44).

  • - Na p. 45, nota 24, é Guilbert, ainda, quem fornece as referências sobre as mulheres francesas economicamente ativas durante a Primeira Guerra Mundial e em meados de 1918 (GUILBERT, 1966GUILBERT, Madeleine. Les fonctions des femmes dans l’industrie. La Haye: Mouton, 1966., p. 60-61).

  • - Na p. 55, nota 39, Heleieth se refere ao trabalho em domicílio na indústria de confecção na França e, para tal, se respalda no livro de Madeleine Guilbert e Viviane Isambert-Jamati (GUILBERT; ISAMBERT-JAMATI, 1956GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. Travail féminin et travail à domicile: enquête sur le travail à domicilie de la confection féminine dans la région parisiense. Paris: CNRS, 1956., p. 43).

  • - Na p. 55, no corpo do texto e na nota 40, ela discute a relação entre o trabalho em domicílio, a família e o cuidado com os filhos, ancorando-se nas colegas francesas (GUILBERT; ISAMBERT-JAMATI, 1956GUILBERT, Madeleine; ISAMBERT-JAMATI, Viviane. Travail féminin et travail à domicile: enquête sur le travail à domicilie de la confection féminine dans la région parisiense. Paris: CNRS, 1956., p. 40).

  • - Finalmente, na p. 64, nota 48, Heleieth retoma a questão das diferenças salariais na França entre 1920 e 1964, e novamente se apoia em Guilbert (GUILBERT, 1966GUILBERT, Madeleine. Les fonctions des femmes dans l’industrie. La Haye: Mouton, 1966., p. 69).

Curiosamente, em entrevista a Renata Gonçalves e Carolina Branco, concedida em 2008, Saffioti menciona, além de Simone de Beauvoir, uma única socióloga francesa na área de sociologia do trabalho, Evelyne Sullerot (SAFFIOTI, 2011SAFFIOTI, Heleieth. "Entrevista: Heleieth Saffioti por ela mesma: antecedentes de A mulher na sociedade de classes”. [Entrevista cedida a] Renata Gonçalves e Carolina Branco. Lutas Sociais, São Paulo, n. 27, p. 70-81, 2º sem. 2011.). De fato, na tese, Heleieth havia citado dois dos livros de Sullerot, um de 1965 (SULLEROT, 1965SULLEROT, Evelyne. La vie des femmes. Paris: Gonthier, 1965.) e outro de 1966 (SULLEROT, 1966SULLEROT, Evelyne. La presse féminine. Paris: Armand Collin, 1966.). Mas a sua memória claudica, nessa entrevista, quanto ao amplo suporte que as pesquisas de Guilbert e Isambert-Jamati haviam lhe fornecido:

Eu li O segundo sexo, da Simone; li um livro da Alva Myrdal e Viola Klein. Estes textos existiam ou em francês ou em inglês, em português nada. O segundo sexo, sim. Mas o da Alva Myrdal e Viola Klein, não. E o outro de uma francesa que era sobre operárias industriais, era em francês. O nome dela era Evelyne Sullerot. E havia aqueles textos clássicos da Kollontai, que eu não gosto; da Clara Zetkin, que é um pouco melhor, mas a meu ver tem mais ideologia do que ciência. Nem mesmo os textos marxistas me contentavam. (SAFFIOTI , 2011SAFFIOTI, Heleieth. "Entrevista: Heleieth Saffioti por ela mesma: antecedentes de A mulher na sociedade de classes”. [Entrevista cedida a] Renata Gonçalves e Carolina Branco. Lutas Sociais, São Paulo, n. 27, p. 70-81, 2º sem. 2011., p. 75).

Heleieth se apoia nos achados das pioneiras francesas, difundindo-as, mas as transcende, notadamente no que respeita ao lugar do trabalho doméstico. Há, entretanto dois outros pontos que as distinguem: a adesão ao marxismo e ao feminismo. Em primeiro lugar, e à diferença de Heleieth, entre as francesas, muito embora fosse explícita a herança da teoria marxista, novos aportes disciplinares já se faziam presentes nos seus enfoques, como o da psicologia, em especial da psicologia social. Em segundo lugar, e de novo contrariamente a Heleieth, todas se diziam feministas, conquanto não necessariamente citassem Simone de Beauvoir ou outras autoras reconhecidas à época por seu discurso feminista. Uma exceção: Evelyne Sullerot, que cita Simone de Beauvoir e Betty Friedan, em La vie des femmes (SULLEROT, 1965SULLEROT, Evelyne. La vie des femmes. Paris: Gonthier, 1965.). Guilbert se dizia “feminista e socialista”, conforme assume em entrevista à revista Travail, Genre et Sociétés (GUILBERT, 1999GUILBERT, Madeleine. “Premières en sociologie”. Entretien avec Margaret Maruani et Chantal Rogerat. Travail, Genre et Sociétés, Paris, n. 1, p. 7-20, 1999/1.). Já Isambert-Jamati se considerava feminista desde os anos 1950-1960, de acordo com entrevista concedida à revista Travail, Genre et Sociétés (ISAMBERT-JAMATI, 2007ISAMBERT-JAMATI, Viviane. “Le féminisme est une évidence”. Propos recueillis par ACOUALT-BITAUD, Marlaine; ROGERS, Rebecca. Travail, Genre et Sociétés, Paris, n. 18, p. 5-22, 2007/2.), muito embora as feministas dos anos 1970-1980 não a reconhecessem como tal.

Mas Heleieth explora a literatura da ciência social francesa para além das pioneiras do campo do trabalho e gênero, lançando mão de outras obras, igualmente veiculadas enquanto fazia os seus estudos doutorais. A primeira delas é o livro coletivo coordenado por Paul Henri Chombart de Lauwe (1964CHOMBART DE LAUWE, Paul Henri (Ed.). Images de la femme dans la société. Paris: Les Editions Ouvrières, 1964.), fruto de uma coletânea publicada no ano anterior em codireção com sua esposa, Marie-José Chombart de Lauwe et al. (1963CHOMBART DE LAUWE, Marie-José; CHOMBART DE LAUWE, Paul-Henri; HUGUET, Michèle; PERROY, Ella; BISSERET, Nöelle. La femme dans la société: son image dans différents milieux sociaux. Paris: Editions du CNRS, 1963.). Heleieth cita ainda os trabalhos de Andrée Michel (1959MICHEL, Andrée. Famille, industrialisation, logement. Paris: CNRS, 1959.) e Andrée Michel e Geneviève Texier (1964MICHEL, Andrée; TEXIER, Geneviève. La condition de la Française aujourd’hui. Genève: Gonthier, 1964.) autoras que, embora não fossem especialistas da área do trabalho, como as pioneiras antes mencionadas, contribuíram com suas reflexões teóricas e achados empíricos ao campo de estudos da mulher e da família francesas.

No entanto, não podemos finalizar esta seção sem sublinhar um aspecto intrigante: embora Heleieth se esmere em construir pontes e em difundir no Brasil a obra e achados das primeiras estudiosas do trabalho e das desigualdades entre grupos de sexo, causa espécie a parcimônia, para não dizer mesmo o desconforto, com que trata as ideias da mais famosa dentre as feministas francesas de então, Simone de Beauvoir. Ironizada, como na nota 74 (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 79) quando Beauvoir é tomada como descrente da capacidade de organização unificada das mulheres. Desafiada, como na nota 127 (SAFFIOTI, 1976, p. 116), em que Heleieth pretende flagrá-la em contradição (pois, ao tempo que negava o caráter violento do movimento sufragista inglês, Beauvoir aludia à depredação de jardins e obras de arte). Uma única concessão lhe é feita no corpo da tese, mas ainda assim com uma ressalva de partida:

Neste contexto, e talvez só neste, ganha sentido a afirmação de Simone de Beauvoir de que “é no plano econômico e não no plano sexual que a mulher sofre a opressão”. Na verdade, o que a sociedade capitalista fez não foi senão explicitar um fenômeno presente em todas as sociedades humanas: a dominação do homem sobre a mulher. Por outro lado, é este mesmo tipo de formação social que, permitindo a independência econômica da mulher, ao menos até certo ponto, reduz os efeitos da dominação masculina. Assim, este momento superior de estruturação da sociedade, concomitantemente, eleva à superfície da vida social as relações de assimetria entre os sexos, possibilitando a sua apreensão imediata pelos agentes da ação, e impele a uma superação dessa assimetria. (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 346, grifo nosso).

Heleieth, anos depois, se penitenciaria desse deslize, quando de um evento para celebrar os cinquenta anos d’O segundo sexo, de Simone de Beauvoir:

Eu só tenho a agradecer o fato dela ter existido, o fato dela ter escrito esse livro […] Eu li O segundo sexo em 1962, quando eu comecei minha vida acadêmica […] como eu naquela época tinha uma implicância muito grande com Simone, com as concepções, não todas, mas a concepção metodológica que ela utilizou em O segundo sexo - naquela época a definição de cultura não contemplava a práxis e eu havia feito uma opção metodológica em que a práxis era nuclear - eu recusei aquilo que eu chamava de culturalista. Na época era, hoje já não é mais porque cultura não é só um conjunto de normas, valores, crenças, etc., cultura envolve práticas também, então hoje é diferente. (SAFFIOTI, 2000SAFFIOTI, Heleieth. “O segundo sexo à luz das teorias feministas contemporâneas”. In: MOTTA, Alda; SARDENBERG, Cecilia; GOMES, Marcia (Orgs.). Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas. Salvador: Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, 2000. p. 15-38. (Coleção Bahianas, v. 5)., p. 32, grifos nossos).

Foi Betty Friedan (1963FRIEDAN, Betty. The feminine mystique. New York: W. W. Norton, 1963.), ao contrário, quem deixou marcas mais claras no argumento da tese. É no célebre The feminine mystique que Heleieth buscará, como o fizera com as francesas, ampliar o leque de evidências sobre como se combinam exploração e opressão feminina no “capitalismo desenvolvido”. Assim:

  • - Na p. 24, Heleieth se assenta no argumento de Friedan para mostrar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres norte-americanas para fazer carreira, ou mesmo para manter antigos nichos no mercado de trabalho, como os das ocupações voltadas ao cuidado (enfermeiras, assistentes sociais etc.).

  • - Ou na p. 42, em que novamente se ancora nas ideias de Friedan para refletir sobre as relações entre o trabalho doméstico e o trabalho profissional, reconhecendo que a imersão no segundo está longe de privar a mulher das responsabilidades (exclusivas) quanto ao primeiro (o cuidado familiar), por cuja contabilidade de horas despendidas Saffioti se interessa tanto quanto Friedan. Isso se passaria (e novamente é Friedan quem lhe dá suporte), até mesmo ali quando o avanço tecnológico do “capitalismo desenvolvido” punha nas mãos das “mães de família” os modernos aparelhos eletrodomésticos.

  • - Na p. 64, vaticinará que a aparente felicidade das americanas apenas as tolhe, uma vez que “[…] as impede de se exprimir, de desenvolver suas aspirações. As leis as oprimem em sua liberdade, roubam-lhes a vontade. Elas são as escravas da opinião.” Uma formulação que Saffioti recupera de Thomas Paine (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 64), mas que lhe cai como uma luva para secundar o famoso argumento de Friedan.

Em suma, Saffioti encontrará várias pistas nas ideias de Betty Friedan para afiar as suas armas na crítica à psicanálise. Entretanto, essa presença recorrente, fundando o seu argumento, será depois relida por Heleieth com um certo incômodo, revelado sem pejo em 2000:

eu tinha lido a Simone e depois li o livro da Betty Friedan, que se chama A mulher mistificada e eu não percebi que havia plágio porque eu entrei na onda do método. A Betty Friedan já tinha uma outra maneira de encarar as coisas, não era via cultura […] Fugindo disso, havia muito pouca literatura, eu caí na Betty Friedan, não percebi que ela havia plagiado O segundo sexo. (SAFFIOTI, 2000SAFFIOTI, Heleieth. “O segundo sexo à luz das teorias feministas contemporâneas”. In: MOTTA, Alda; SARDENBERG, Cecilia; GOMES, Marcia (Orgs.). Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas. Salvador: Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, 2000. p. 15-38. (Coleção Bahianas, v. 5)., p. 32).

Uma presença que eclipsa, inclusive, autoras de grande proeminência no meio marxista europeu, como Juliet Mitchel (1966MITCHEL, Juliet. “Women: the longest revolution”. New Left Review, n. 40, p. 11-37, Nov./Dec. 1966.), objeto de uma única referência, num rodapé (SAFFIOTI, 1976SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed., Rio de Janeiro: Vozes, 1976., p. 30). Ali, ao tempo que exalta a noção althusseriana de “sobredeterminação”, abre baterias contra o “uso discutível” que Mitchell teria feito desse conceito.

Em suma, em A mulher na sociedade de classes, Heleieth exercita o seu senso ousado de ocasião, já reconhecido pelo mestre Antonio Candido. Ao fazê-lo, ela constrói pontes de valor intelectual inestimável entre o mundo acadêmico brasileiro e os debates (universitários e/ou militantes) em voga fora do Brasil. O seu modo muito próprio de construir tais pontes, com o vigor e a transparência que a caracterizavam, se assentava no olhar agudo sobre as ideias que trazia à baila. Buscou, nos achados de outras sobre o “capitalismo avançado”, as pistas para bem documentar os caminhos pelos quais opressão e exploração das mulheres se combinavam no “capitalismo desenvolvido”, de modo a refletir sobre tal enlace no “capitalismo subdesenvolvido”, que será tipificado pelo caso brasileiro, descrito na Parte II do livro.

O seu afã de formular uma teoria geral sobre o lugar da mulher na sociedade de classes, tendo o caso brasileiro como pedra de toque, logo a colocará (e o seu livro-tese) na cena dos debates internacionais, especialmente no circuito dos estudos feministas e nas análises sobre classes, trabalho e desenvolvimento que floresciam, nos Estados Unidos e na Europa, a partir dos anos 1970. O influxo do seu pensamento a fez presente no debate internacional. Disso trataremos na próxima seção.

A mulher na sociedade de classes ingressa na cena acadêmica internacional

Dez anos depois de escrita, em 1978, a tese de Saffioti ganhou uma edição em língua inglesa. Women in class society (SAFFIOTI, 1978SAFFIOTI, Heleieth. Women in class society. Translated by Michael Vale. New York; London: Monthly Review Press, 1978.) veio à luz sob os auspícios da Monthly Review Press, editora que era, à época, o nicho de intelectuais marxistas de elevado prestígio. Heleieth decidiu não atualizar seu escrito embora sublinhasse, na apresentação do texto ao público anglófono, que poderia tê-lo feito, dada a significativa produção intelectual acumulada e as novidades relevantes na realidade do trabalho e vida das mulheres brasileiras.5 5 O texto veiculado em inglês difere do original em português. É mais curto e as suas partes I e III foram reorganizadas, com a criação de subseções. Ademais, excluiu-se a análise sobre “A Igreja Católica”, que compunha a primeira parte do livro em sua versão original.

Pouco antes do lançamento do livro, dois textos de Saffioti haviam sido editados em língua inglesa, veiculando aspectos importantes do argumento da tese. Isso dava mostra tanto da presença e repercussão das suas intervenções em eventos científicos quanto das azeitadas conexões internacionais que mantinha. O primeiro desses textos circulou numa coletânea reunindo uma seleção de trabalhos apresentados em congresso ocorrido na Europa. Nesse texto, Heleieth compara o trabalho feminino nos Estados Unidos e no Brasil e explora as duas formas de apropriar-se da flexibilidade associadas ao duplo papel da mulher (SAFFIOTI, 1975SAFFIOTI, Heleieth. “Female labor and capitalism in the United States and Brazil”. In: ROHRLICH-LEAVITT, Ruby (Ed.). Women cross-culturally, change and challenge. The Hague: De Gruyter Mouton, 1975. p. 59-94.). Esse capítulo fez eco na Europa em livro de Pierre Desmarez (1986DESMAREZ, Pierre. La sociologie industrielle aux Etats-Unis. Paris: Armand Colin, 1986.) dedicado a introduzir o leitor de língua francesa à sociologia industrial que se fazia nos Estados Unidos. Heleieth Saffioti e Ruth Milkman são as únicas autoras citadas no tópico “Les femmes au travail”, e Desmarez lhes atribui a responsabilidade pela entrada na agenda norte-americana do tema da divisão sexual do trabalho.6 6 Essa remissão a Heleieth foi uma das três únicas que conseguimos localizar na base Persée, que inclui toda a produção acadêmica em língua francesa. Quase ao mesmo tempo, veio à luz um segundo trabalho. Era um artigo sobre mulheres, modo de produção e formações sociais, num dossiê especial sobre mulheres e lutas de classe, veiculado na mais importante revista de estudos latino-americanos então editada em língua inglesa (SAFFIOTTI, 1977SAFFIOTI, Heleieth. “Women, mode of production and social formations”. Latin American Perspectives, v. 4, n. 1-2, p. 27-37, Winter-Spring, 1977.).

A edição em inglês do seu livro foi apresentada ao público por uma reconhecida antropóloga marxista Eleanor Burke Leacock (1978LEACOCK, Eleanor Burke. “Introduction”. In: SAFFIOTI, Heleieth I. B. Women in class society. New York; London: Monthly Review Press, 1978. p. IX-XXIV.). Em sua alentada e cuidadosa introdução ela destaca a importância de Women in class society, argumentando em favor do significado do livro para seis debates: (i) a marginalização econômica das mulheres na sociedade capitalista, (ii) as funções da família e das relações de parentesco numa sociedade capitalista, (iii) as relações entre sexo, raça e classe, (iv) a organização das mulheres nos países imperialistas e nos do Terceiro Mundo, (v) a ciência e a ideologia da ‘mística feminina’, e (vi) as mulheres na luta pelo socialismo.

Esses eram, por certo, temas relevantes no livro de Saffioti, mas eram também temas significativos para a agenda do campo dos então chamados women’s studies. Permitiam a Leacock, por isso mesmo, bem situar tanto a importância da contribuição de Heleieth como a pertinência de se tomar o caso brasileiro como âncora. Ademais, o olhar analítico assentado na realidade de um país do Sul subdesenvolvido era, nesse momento, uma estratégia atraente. Afinal, no contexto dos anos 1970, os elos entre trabalho e desenvolvimento estavam na ordem do dia: por um lado, pela internacionalização da produção capitalista em direção a países considerados menos desenvolvidos; por outro, pelas crescentes migrações internacionais. O tema dos efeitos desses processos sobre a organização familiar e o trabalho das mulheres ganhava relevo crescente.

Leacock é generosa nas suas apreciações com respeito às ideias de Heleieth. Entretanto, se sente obrigada a situar os insights do livro no quadro dos avanços feitos pela literatura do campo, passados quase dez anos da redação da tese, o que, como dito, Heleieth optara por não fazer. Destaque especial para as novidades bibliográficas quanto à suposta marginalização econômica das mulheres e (como boa antropóloga) com respeito às funções da família e das relações de parentesco, tema ao qual a própria Leacock contribuíra. Suas notas de rodapé, em alguma medida, fazem o que ela esperava ter sido feito pela própria autora que apresenta.

No entanto, o texto de Leacock nos deixa entrever o protagonismo de Heleieth na cena acadêmica internacional. Nele veem à tona as suas disputas interpretativas com autoras como Mariarosa Dalla Costa, marxista que ganhara proeminência nos estudos sobre os elos entre o trabalho doméstico não remunerado e a produção de mais-valia (DALLA COSTA; Selma JAMES, 1972DALLA COSTA, Mariarosa; JAMES, Selma James. The power of women and the subversion of the community. Bristol: Falling Wall Press, 1972.), ou com Ira Gerstein (1973GERSTEIN, Ira. “Domestic work and capitalism”. Radical America, v. 7, n. 4-5, 1973.), quanto à análise da produção da força de trabalho como um processo de produção mercantil simples, ambos temas caros ao debate da época. Tais polêmicas são reveladoras do ingresso de Saffioti no seleto circuito internacional dos estudos marxistas sobre mulher e trabalho. Com efeito, ela se torna presença constante em eventos internacionais nesse período, tal como ela própria registra na introdução à coletânea Mulher brasileira: opressão e exploração (SAFFIOTI, 1984SAFFIOTI, Heleieth. Mulher brasileira: opressão e exploração. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.), ao traçar uma breve cronologia de cada um dos capítulos que compõem o livro. Podemos ver que todos resultam de intervenções em congressos internacionais de relevo.7 7 Dentre tais eventos, Heleieth Saffioti (1984, p. 7-15) destaca: o IX Congresso de Anthropological and Ethnological Sciences (Chicago, 1973), o VIII Congresso da ISA - International Sociological Association (Toronto, 1974), o IX Congresso da ISA (Upsalla, Suécia, 1978) ou o International Interdisciplinary Congress on Women (Haifa, Israel, 1981). A edição inglesa do livro pode ser vista, assim, como a consagração dessa presença. Heleieth Saffioti segue exercendo o seu papel de intermediadora, de construtora de pontes entre a academia e o marxismo brasileiros e o debate internacional no campo dos estudos sobre a mulher.

Tão logo publicado, Women in class society foi objeto de três resenhas, todas em revistas internacionais importantes. Talvez dois pontos façam a convergência entre tais resenhas e digam da recepção das ideias de Heleieth. Em primeiro lugar, o reconhecimento do seu pioneirismo no campo e a importância da sua análise sobre o caso brasileiro para ampliar os horizontes das interpretações, incluindo novas realidades; em segundo lugar, o caráter pouco ortodoxo das suas ideias, no que concerne ao manejo do marxismo, mas também dos teóricos da sociologia.

A primeira dessas resenhas circulou (já no ano seguinte à publicação do livro) pela L’Homme, periódico da reconhecida École des Hautes Études en Sciences Sociales. Foi escrita por Ruby Rohrlich-Leavitt (1979), autora que já havia publicado um capítulo de Saffioti em livro que organizara (ROHRLICH-LEAVITT, 1975ROHRLICH-LEAVITT, Ruby (Ed.). Women cross-culturally, change and challenge. The Hague: De Gruyter Mouton, 1975.). Rohrlich-Leavitt a considera uma “pioneira contemporânea na teoria e na pesquisa sobre o status e os papéis das mulheres” (1979, p. 244). Curiosamente, reconhece no livro influências de Beauvoir e Mitchell que, como vimos, estavam longe de serem inspiradoras de suas ideias. E insiste sobre a capacidade, manifesta por Saffioti, de se desviar da ortodoxia marxista.

As against their tendency to overlook the historical particularities of the oppression of women, she has drawn a picture of their historical situation in Brazil, a dependent capitalist country, as well as provided an analysis of women's condition in the central capitalist countries. Also, while she is convinced that only under socialism will women and men achieve egalitarian relationships, “contingent on the continuation of the process of economic development”, at the same time she is critical of the areas in which women are also exploited in the socialist countries. (ROHRLICH-LEAVITT, 1979ROHRLICH-LEAVITT, Ruby. Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti, L’Homme. Paris, EHESS, T. 19, n. 3-4, p. 244-245, Jul./Dec. 1979., p. 244-245, grifos nossos).

Em 1981, uma nova resenha aparece, de autoria de Nona Glazer, na Contemporary Sociology, revista da American Sociological Association:

The dominant theoretical perspective of the historical-sociological study is Marxian, supplemented by Weberian distinctions and Parsonian family theory (a somewhat unsatisfactory mix). […] In spite of a dated analysis of family and the narrow concept of social class, the book is valuable. (GLAZER, 1981GLAZER, Nona. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. Contemporary Sociology, v. 10, n. 2, p. 322-323, 1981., p. 322-323, grifos nossos).

O “mix insatisfatório” a que alude criticamente Glazer, remetendo à combinação entre Karl Marx, Max Weber e Talcott Parsons será objeto de reiteradas cobranças. Bem assim, a desatualização de certas análises, no caso arguido, aquelas relativas às classes sociais e à família (lacuna esta que, como vimos, já havia sido objeto de sutil cobrança por parte de Leacock). Mas o pioneirismo de Saffioti e a novidade do seu olhar seguem sendo os fortes do livro, diria a comentarista (GLAZER, 1981GLAZER, Nona. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. Contemporary Sociology, v. 10, n. 2, p. 322-323, 1981., p. 322).

Pouco tempo depois, em 1982, uma nova resenha chega ao leitor anglófono. Martha Gimenez a veicula na revista Science and Society, periódico dedicado ao pensamento marxista. Gimenez apresenta Saffioti como uma parceira do campo: autora de um texto complexo e rico, que aceita o desafio da agenda posta sobre a mesa no debate internacional e que se mostra disposta a combinar as tradições marxista e da sociologia no que considera como uma “síntese crítica” (GIMENEZ, 1982GIMENEZ, Martha. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. Science and Society, v. 46, n. 2, p. 244-246, Summer, 1982., p. 244).

Clareza conceitual e estilo por vezes podiam claudicar (GIMENEZ, 1982GIMENEZ, Martha. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. Science and Society, v. 46, n. 2, p. 244-246, Summer, 1982.), comprometendo, por exemplo, a caracterização do que é próprio à opressão feminina sob o capitalismo. Divergências interpretativas novamente se expressam com respeito à sua análise da estrutura de classes.

It is sometimes difficult to separate arguments about the basis for the oppression of women in all class societies from those pertaining specifically to capitalism; “class society” and “capitalist society” sometimes used interchangeably. (GIMENEZ, 1982GIMENEZ, Martha. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. Science and Society, v. 46, n. 2, p. 244-246, Summer, 1982., p. 246, grifos nossos).

Mas Gimenez conclui reconhecendo no livro uma inestimável contribuição ao debate acadêmico no campo do feminismo.8 8 Com efeito, nos anos 1980, o qualificativo de ‘feminista’ já não incomodaria Heleieth Saffioti. Afinal, ela já se tornara, entre nós, e para tomar novamente de empréstimo as palavras de Celi Pinto, “uma das mais dedicadas e importantes lideranças de um feminismo deliciosamente malcomportado.” (PINTO, 2014, p. 332).

But the scope and substance of her work, which emphasizes the theoretical and political importance of the mode of production, particularly the class relations and class struggles, for the analysis of the situation of women, makes it a valuable contribution to feminist scholarship. (GIMENEZ, 1982GIMENEZ, Martha. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. Science and Society, v. 46, n. 2, p. 244-246, Summer, 1982., p. 246, grifos nossos).

Para a nossa surpresa, três décadas depois, em 2014, surge uma nova resenha do Women in class society. À diferença das comentaristas anteriores, sua autora, Barbara Celarent (2014CELARENT, Barbara. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. American Journal of Sociology, v. 119, n. 6, p. 1.821-1.827, May 2014.), não tinha inserção documentada no campo dos estudos feministas, ou do gênero ou do marxismo ou do trabalho. Entretanto, o seu comentário aparecia nas páginas do mais antigo e prestigioso periódico da Sociologia, o American Journal of Sociology.

Celarent partilha o desconforto recorrente entre as resenhistas de Heleieth na academia anglófona: o “mix insatisfatório”, como o cunhara Glazer.

Karl Marx and Talcott Parsons, Max Weber and Karen Horney, Gilberto Freyre and Florestan Fernandes: Saffioti mixes all these and dozens more in her first, theoretical section, despite their many disagreements and contradictory theoretical schemes. On the one hand we have Parsonian equilibrium and functions, ascription and achievement, social system and stability. On the other we have Marxian relations of production, commodity production, and capital accumulation. This mixture never becomes clear; one still wonders whether the bourgeois family form with its separation of home and work was truly necessitated by the triumph of capitalism. (CELARENT, 2014CELARENT, Barbara. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. American Journal of Sociology, v. 119, n. 6, p. 1.821-1.827, May 2014., p. 1.823-1.824, grifos nossos).

Mas, apesar disso, e como as demais também o reconheciam, os seus insights são desafiadores.

But Saffioti’s empirical insights are consistently interesting. For example, she notes the power conferred on labor by the withdrawal of women from the labor force (via the induced scarcity of labor power and its consequent bargaining strength). This not-very Marxist argument proves to be one of the main joints between the analysis of sex and that of labor. (CELARENT, 2014CELARENT, Barbara. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. American Journal of Sociology, v. 119, n. 6, p. 1.821-1.827, May 2014., p. 1.824, grifos nossos).

E mesmo ali onde seu argumento parecia claudicar, expondo a autora a críticas, Celarent a absolve: Heleieth era uma pensadora que estava além do seu tempo. Teve a capacidade de antecipar (mesmo se com escasso rigor teórico) tendências da dinâmica econômica das famílias, por exemplo, que somente muito mais tarde se consolidariam de modo visível aos pesquisadores ordinários (CELARENT, 2014CELARENT, Barbara. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. American Journal of Sociology, v. 119, n. 6, p. 1.821-1.827, May 2014.).

That Saffioti cannot ultimately synthesize the concepts of class and stratification reflects in part her being ahead of her time. The demographic and mobility histories of families under capitalism were not empirically clarified until the 1960s and 1970s. […] Yet they would prove central to thinking sensibly about the economic dynamics of households in the modern era. (CELARENT, 2014CELARENT, Barbara. “Women in class society by Heleieth I. B. Saffioti”. American Journal of Sociology, v. 119, n. 6, p. 1.821-1.827, May 2014., p. 1.824, grifos nossos).

Desse modo, em 2014, quatro anos depois do falecimento de Heleieth e quase quarenta anos depois de escrita, a tese de livre-docência voltava à cena. Seu livro ecoava no mais importante periódico da sociologia mundial.

Conclusão

Heleieth Saffioti legou um texto fundador à história da sociologia no Brasil, e em especial aos campos dos estudos do gênero e do trabalho. A sua “tese maciça e nutrida” (para retomar as palavras de Antonio Candido, com as quais o apresentamos na segunda seção deste artigo) introduziu à academia brasileira as ideias de inúmeras pesquisadoras estrangeiras. Estas talvez seguissem desconhecidas entre nós não fora a sua “pertinência, destemor ante a massa dos dados, disposição de levar a análise ao cabo das ideias” (ainda lembrando as palavras de Antonio Candido).

Inspirações, como quisemos aludir no título deste artigo, que Heleieth Saffioti buscou na literatura internacional do campo, fazendo a ponte entre a academia brasileira e o debate que se travava fora do país, num momento (os anos 1960) em que as conexões eram escassas, difíceis e a presença de mulheres no mundo profissional da sociologia, entre nós, quase nula. Tal como mostramos na terceira seção, Heleieth conseguiu a proeza de ter acesso - e veicular entre nós - quase ao tempo em que vinham à luz, praticamente todas as obras precursoras nos estudos sobre a condição feminina e as desigualdades no trabalho na França dos anos 1960.

Mais ainda, como toda intelectual inquieta, criativa e contaminada por seu tempo, logrou manter vivas as suas ideias pioneiras. Buscou inspirações, mas também seguiu inspirando. Sua agenda enriqueceu-se, temática e teoricamente, ao longo da vida intelectual. Mais ainda, essa agenda se vivifica no renovado interesse que os seus escritos despertam ainda hoje, no Brasil, onde releituras do seu trabalho se sucedem (Elaine BEZERRA, 2013BEZERRA, Elaine. “A originalidade do pensamento de Heleieth Saffioti na análise crítica sobre a condição da mulher na sociedade capitalista”. Lutas Sociais, São Paulo, v. 17, n. 31, p. 170-173, jul./dez. 2013.; GONÇALVES, 2011GONÇALVES, Renata. “O feminismo marxista de Heleieth Saffioti”. Lutas Sociais. São Paulo, n. 27, p. 119-131, 2º sem. 2011.; LOVATTO, 2011LOVATTO, Angélica. “Desvendando O poder do macho: um encontro com Heleieth Saffioti”. Lutas Sociais. São Paulo, n. 27, p. 110-118, 2º sem. 2011.; MÉNDEZ, 2008MÉNDEZ, Natalia Pietra. Com a palavra, o segundo sexo: percursos do pensamento intelectual feminista no Brasil dos anos 1960. 2008. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.; MOTTA, 2017MOTTA, Daniele Cordeiro. Desvendando o nó: a experiência de auto-organização das mulheres catadoras de materiais recicláveis do Estado de São Paulo. 2017. Doutorado (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.; PEDRO; MELLO; OLIVEIRA, 2005PEDRO, Joana Maria; MELLO, Soraia Carolina; OLIVEIRA, Veridiana Bertelli Ferreira. “O feminismo marxista e o trabalho doméstico: discutindo com Heleieth Saffioti e Zuleika Alambert”. História Unisinos, v. 9, n. 2, p. 132-138, maio/ago. 2005.; PINTO, 2014PINTO, Celi Regina Jardim. “O feminismo bem-comportado de Heleieth Saffioti (presença do marxismo)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 22, n. 1, p. 321-333, jan./abr. 2014.; Fernanda POMPEU, 2007POMPEU, Fernanda. “Heleieth Saffioti”. In: CHARF, Clara (Ed.). Brasileiras: guerreiras da paz. São Paulo: Ed. Contexto, 2007. p. 67-69.).

Mas, há que reconhecer, também, o impacto do pensamento de Saffioti na academia internacional, notadamente no campo dos chamados women’s studies, do qual tratamos na seção precedente. Women in class society não apenas veio à luz pela mais prestigiosa editora marxista do seu tempo (introduzido por uma das mais renomadas antropólogas dos anos 1970), como foi objeto de várias resenhas, em especial no mundo acadêmico anglófono. Uma recepção que denota o reconhecimento conferido.

Mais ainda, seu livro segue ecoando, e impactando, em releituras contemporâneas também no exterior. Assim, em compêndio editado por Andrew Abbot a partir de resenhas assinadas por Barbara Celarent, Women in class society é um dos trinta e seis livros que, tendo sido produzidos fora dos principais centros acadêmicos da Europa e dos Estados Unidos, são considerados imperiosos para uma história verdadeiramente global do pensamento social (CELARENT; ABBOTT, 2016CELARENT, Barbara; ABBOTT, Andrew. Varieties of social imagination. Chicago; London: The University of Chicago Press, 2016.).9 9 Tal releitura merece uma nota de rodapé pelo modo inusitado como veio a público. Conforme Andrew Abbott (ABBOTT, 2016, p. XIII), Barbara Celarent seria “Professor of Particularity at the University of Atlantis”, especialidade e instituição obviamente inexistentes. Em seu “Preface”, Abbott (2016) aproveita para anunciar o desaparecimento da cena intelectual da desconhecida resenhista, a criatura imaginária que assinara a série de alentados e ricos comentários sobre os trinta e seis livros, o de Heleieth entre eles. Por fim, embora veiculados pelo American Journal of Sociology entre julho de 2009 e novembro de 2015, as resenhas continham datas igualmente imaginárias, atribuídas pelo/a autor/a, que se distribuíam entre 2048 e 2054. Esse conjunto de reflexões foi reunido e editado por Abbott em Varieties of social imagination (CELARENT; ABBOTT, 2016).

Em suma, esse livro seminal para a história da sociologia brasileira faz sentido também entre os seus leitores estrangeiros e tem um lugar especial, hoje, entre os textos fundantes do pensamento social. Com os trinta e cinco recém galgados a tal posição, a cinquentenária tese de Saffioti ancora, hoje, o debate sobre o quão verdadeiramente universal e representativo é o cânone do que erigimos até aqui como ‘clássico’ a uma teoria da sociedade.

Referências

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  • SULLEROT, Evelyne. La presse féminine Paris: Armand Collin, 1966.
  • SULLEROT, Evelyne. La vie des femmes Paris: Gonthier, 1965.
  • 1
    A terceira edição, dessa vez em São Paulo, já conta com várias reimpressões.
  • 2
    A esse respeito, disse Maria Aparecida Moraes Silva em depoimento publicado em 1995, ao relatar a sua experiência, como aluna da graduação em Araraquara, assistindo a defesa da tese: “Desconhecíamos as lutas dos bastidores no momento da composição da banca, as exigências do Conselho Estadual de Educação, a não aceitação de alguns nomes indicados pela Congregação da Faculdade.” (SILVA, 1995, p. 159).
  • 3
    A banca era formada exclusivamente por examinadores homens, o que mostra tanto o seu pioneirismo como mulher nesse patamar da carreira, como a ausência de interlocutoras, mulheres e tituladas, para avaliar uma tese relativa ao trabalho das mulheres. Assim, arguiram-na os professores: Florestan Fernandes, Antonio Candido, Clemente Segundo Pinho, Heraldo Barbuy e Ruy Galvão de Andrada Coelho.
  • 4
    Enquanto Guilbert e Isambert-Jamati ganharam legitimidade acadêmica no mundo da pesquisa sobre sexo e trabalho na França desde os anos 1980, Sullerot e Chombart de Lauwe não chegaram a adquirir tal protagonismo, ao menos nos estudos sobre gênero e trabalho, por razões que restam por ser estudadas.
  • 5
    O texto veiculado em inglês difere do original em português. É mais curto e as suas partes I e III foram reorganizadas, com a criação de subseções. Ademais, excluiu-se a análise sobre “A Igreja Católica”, que compunha a primeira parte do livro em sua versão original.
  • 6
    Essa remissão a Heleieth foi uma das três únicas que conseguimos localizar na base Persée, que inclui toda a produção acadêmica em língua francesa.
  • 7
    Dentre tais eventos, Heleieth Saffioti (1984, p. 7-15) destaca: o IX Congresso de Anthropological and Ethnological Sciences (Chicago, 1973), o VIII Congresso da ISA - International Sociological Association (Toronto, 1974), o IX Congresso da ISA (Upsalla, Suécia, 1978) ou o International Interdisciplinary Congress on Women (Haifa, Israel, 1981).
  • 8
    Com efeito, nos anos 1980, o qualificativo de ‘feminista’ já não incomodaria Heleieth Saffioti. Afinal, ela já se tornara, entre nós, e para tomar novamente de empréstimo as palavras de Celi Pinto, “uma das mais dedicadas e importantes lideranças de um feminismo deliciosamente malcomportado.” (PINTO, 2014, p. 332).
  • 9
    Tal releitura merece uma nota de rodapé pelo modo inusitado como veio a público. Conforme Andrew Abbott (ABBOTT, 2016ABBOTT, Andrew. “Preface”. In: CELARENT, Barbara; ABBOTT, Andrew. Varieties of social imagination. Chicago; London: The University of Chicago Press, 2016. p. IX-XI., p. XIII), Barbara Celarent seria “Professor of Particularity at the University of Atlantis”, especialidade e instituição obviamente inexistentes. Em seu “Preface”, Abbott (2016) aproveita para anunciar o desaparecimento da cena intelectual da desconhecida resenhista, a criatura imaginária que assinara a série de alentados e ricos comentários sobre os trinta e seis livros, o de Heleieth entre eles. Por fim, embora veiculados pelo American Journal of Sociology entre julho de 2009 e novembro de 2015, as resenhas continham datas igualmente imaginárias, atribuídas pelo/a autor/a, que se distribuíam entre 2048 e 2054. Esse conjunto de reflexões foi reunido e editado por Abbott em Varieties of social imagination (CELARENT; ABBOTT, 2016).
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    GUIMARÃES, Nadya Araujo; HIRATA, Helena Sumiko. “A mulher na sociedade de classes: inspirações e impactos internacionais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, e71394, 2021
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2020
  • Aceito
    01 Out 2020
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