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As mulheres como objeto das práticas jurídicas: uma análise do Projeto de Lei 478/2007

Women As Object of Legal Practices: An Analysis of The Bill 478/2007

Las mujeres como objeto de las prácticas jurídicas: un análisis del proyecto de ley 478/2007

Resumo:

Quando a vida é incluída nas operações de poder o corpo feminino passa a ser posicionado como objeto de disciplinarização e controle, de modo que a questão do aborto condensa em si relações complexas de poder. Tendo em vista a relação problemática entre a regulamentação da prática e sua incidência no Brasil, nosso objetivo é identificar as noções de direitos das mulheres presentes no Projeto de Lei 478/2007, considerando as mudanças propostas por seu substitutivo. Por meio da análise discursiva, identificamos três modos de entender e performar os direitos femininos: as mulheres são posicionadas como objeto de práticas jurídicas; não são compreendidas como sujeitos de direito; e, por fim, têm seu próprio direito à vida colocado em questão. Nesse contexto, fica evidente que a proposição prioriza os direitos do embrião/feto ancorando-se em uma noção específica de natureza humana.

Palavras-chave:
aborto; biopoder; direitos; práticas discursivas

Abstract:

Once life itself was included in the operations of power, the female body has been positioned as an object of disciplinary devices and governmentality. The issue of abortion condenses in itself such complex relations of power. Given the problematic correlation between the regulation of the practice and its incidence in Brazil, our aim is to identify the notions of women's rights present in the bill 478/2007, considering the changes proposed by its substitute. Through discursive analysis, we identified three ways of understanding and performing women's rights: women are positioned as objects of legal practices; they are not understood as subjects of law; and, finally, they have their own right to life brought into question. It is evident that the proposition prioritizes the rights of the embryo/fetus while anchored in a specific notion of human nature.

Keywords:
Abortion; Biopower; Rights; Discursive Practices

Resumen:

Cuando la vida se incluye en las operaciones del poder, el cuerpo feminino se convierte en objeto de disciplinarización y control, de manera que el tema del aborto condensa em sí mismo complejas relaciones de poder. En vista de la relación problemática entre la regulación de la práctica y su incidencia en Brasil, nuestro objetivo es identificar las nociones de derechos de las mujeres presentes en el proyecto de ley 478/2007. A través del análisis discursivo, identificamos tres formas de entender y performar los derechos de las mujeres: las mujeres están posicionadas como objeto de prácticas legales; no son reconocidas como sujetos de derecho; y, finalmente, se les cuestiona su derecho a la vida. En este contexto, es evidente que la propuesta prioriza los derechos del embrión/feto anclada en una noción específica de la naturaleza humana.

Palabras clave:
aborto; biopoder; derechos; prácticas discursivas

Introdução

No Brasil, o Código Penal (BRASIL, 1940BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília: Diário Oficial da União. Disponível em Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm . Acesso em 15/08/2018.
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) prevê o aborto voluntário como crime, salvo algumas exceções. Por exemplo, o ordenamento jurídico não prevê penalidades nos casos em que ele é o único meio de salvar a vida da mulher, assim como nas gestações decorrentes de estupro. Como a interrupção da gravidez de fetos incompatíveis com a vida não está prevista no Código Penal, até 2012, esse procedimento só era viável mediante liminar judicial. A partir daquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a antecipação terapêutica do parto poderia ser realizada legalmente, sem a necessidade de autorização da Justiça.

Entre a legislação proibitiva e a realidade, no entanto, há um considerável abismo. Estima-se que, anualmente, ocorram entre 729 mil e 1,25 milhão de abortos inseguros no país (Francisco Rogerlândio MARTINS-MELO et al., 2014MARTINS-MELO, Francisco Rogerlândio et al. “Tendência temporal e distribuição espacial do aborto inseguro no Brasil, 1996-2012”. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 48, n. 3, p. 508-520, 2014.). De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), publicada em 2017, pelo menos uma em cinco mulheres já provocou aborto ao longo da vida reprodutiva. Diante das estimativas, a pesquisa conclui que o abortamento é “um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões” (Débora DINIZ; Marcelo MEDEIROS; Alberto MADEIRO, 2017DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. “Pesquisa Nacional de Aborto 2016”. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 653-660, 2017., p. 653). É nesse cenário que o aborto provocado clandestinamente figura como uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil.

A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (BRASIL, 2011a) afirma que a curetagem após o aborto é o terceiro procedimento obstétrico mais realizado nas unidades de internação da rede pública. A taxa de mortalidade materna por complicações decorrentes dessa prática é de 12,5% dos óbitos totais, frequentemente ocupando o terceiro lugar entre as principais causas (BRASIL, 2001BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.). As mortes e os efeitos negativos na saúde da população feminina estão intimamente associados à legislação brasileira, uma vez que a descriminalização da prática permitiria que essas mulheres pudessem interromper suas gestações em condições seguras.

Apesar da longevidade do arcabouço legal, as possibilidades de mudança na regulamentação do abortamento estão em constante debate. Conforme destaca Maria Isabel Baltar da Rocha (2006ROCHA, Maria Isabel Baltar da. “A discussão política sobre aborto no Brasil: uma síntese”. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 369-374, jul./dez. 2006.), com o fim da ditadura militar, em meados dos anos 1980, houve intensificação da atuação da sociedade civil na arena pública, o que levou a uma incorporação da questão dos direitos das mulheres à agenda dos três poderes. Nesse contexto, o debate sobre aborto começou a assumir nova dimensão e, inclusive, a refletir enfrentamentos mais acentuados, principalmente entre feministas e as entidades religiosas. Com a redemocratização, lembra Rocha (2006), o movimento feminista passou a exercer pressão fundamental contra a criminalização do aborto, articulando novos repertórios sobre o tema no debate público com vista à transformação das condições que tornam tão difícil descriminalizar a prática no país.

Desde o período de transição democrática, a atuação feminista nas esferas institucionais de poder foi marcada por intensa mobilização e organização. Conforme destaca Lucila Scavone (2008SCAVONE, Lucila. “Políticas feministas do aborto”. Revista Estudos Feministas [online], Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 675-680, 2008. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200023&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 30/12/2018.
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), essa atuação ao longo da década de 1980 redundou na produção de documentos que configuram ainda hoje enfrentamentos importantes à criminalização. A Carta das Mulheres, enviada ao Congresso Nacional durante as mobilizações feministas para a redação da Constituição de 1988, reivindicava o direito da mulher de conhecer e decidir sobre o próprio corpo. A publicação da Frente Feminista de Mulheres, de 1981, por sua vez, localizava o aborto no campo dos direitos femininos, ressaltando o risco da ilegalidade da prática para a saúde das mulheres, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade.

Nos anos 1990, os movimentos feministas incorporaram com firmeza as estatísticas sobre mortalidade materna e sua relação com o aborto inseguro, argumentando que o procedimento feito em condições de clandestinidade era também um problema de saúde pública. Em consonância com tratados internacionais de direitos humanos, a noção de direitos sexuais e reprodutivos se consolidou no discurso feminista, o que permitiu que o aborto voluntário passasse a ser reivindicado como um direito que não podia ser criminalizado (SCAVONE, 2008SCAVONE, Lucila. “Políticas feministas do aborto”. Revista Estudos Feministas [online], Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 675-680, 2008. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200023&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 30/12/2018.
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).

Marcando presença no Poder Legislativo, a atuação feminista pautou a descriminalização, mas também promoveu discussões sobre a elaboração de políticas de saúde que garantissem o acesso ao aborto legal. Uma das estratégias das ativistas foi e continua sendo garantir a assistência ao aborto nos casos de estupro e de risco de vida para a gestante. Scavone (2008SCAVONE, Lucila. “Políticas feministas do aborto”. Revista Estudos Feministas [online], Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 675-680, 2008. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200023&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 30/12/2018.
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, p. 678) corrobora: “o feminismo tem centrado sua luta na garantia da aplicação dessa lei - especialmente nos interlúdios da batalha maior pela descriminalização e legalização - e buscado ampliá-la para outros casos”.

Em relação ao abortamento, nas diretrizes das políticas nacionais de saúde, podemos perceber ressonâncias do que Scavone (2008SCAVONE, Lucila. “Políticas feministas do aborto”. Revista Estudos Feministas [online], Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 675-680, 2008. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200023&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 30/12/2018.
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) chama de “políticas feministas do aborto”. Lançada no mesmo ano da I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, também conhecida por sua sigla PNAISM, preconiza esforços para a garantia do direito de acesso universal à assistência humanizada nos casos de abortamento legal ou de complicações decorrentes do aborto inseguro. Constam na nova versão do PNAISM, publicada em 2011, diretrizes que buscam consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, “com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual” (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde, 2011b.b, p. 7). Levando em conta um enfoque de gênero, ao considerar a relação desigual entre mulheres e homens e seus efeitos, a política coloca na pauta a questão do aborto seguro como um dos caminhos para a redução da morbimortalidade materna por causas preveníveis e evitáveis, bem como a consolidação da garantia dos direitos humanos no país.

A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, como esforço para consolidar as diretrizes da política nacional, situa o aborto como “um grave problema de saúde pública” (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. Brasília: Ministério da Saúde, 2011a.a, p. 5), que deve ser lastreado por uma abordagem ética e reflexiva quanto aos seus aspectos jurídicos. Daí uma das características importantes desse documento é reforçar orientações às profissionais envolvidas na atenção ao abortamento legal quanto à necessidade de sigilo profissional de acordo com o Código Penal, a Constituição Federal e o Código de Ética Médica, desencorajando denúncias em casos de complicações decorrentes do aborto clandestino. Além de prescrever atendimento humanizado e não moralizante da mulher em situação de abortamento provocado ou que opte pela interrupção legal da gestação, a norma também fornece diretrizes e recomendações para a ação nos casos de aborto, tanto legal quanto ilegal, deixando claro que as mulheres que realizam o procedimento clandestinamente podem procurar o serviço de saúde em contextos de complicação, onde devem receber atenção qualificada e humanizada.

Mesmo em um cenário de tensões, vemos o debate sobre o aborto voluntário produzir efeitos concretos no campo da saúde. No entanto, os documentos oficiais do Ministério da Saúde ainda não apresentam a descriminalização como solução para os efeitos do abortamento inseguro à saúde das mulheres brasileiras, evidenciando as disputas entre os diferentes posicionamentos sobre o tema. Quando se trata de qualquer tentativa de mudança na legislação vigente, abre-se um campo de disputas entre os diversos atores envolvidos no debate sobre o aborto. Se, por um lado, o movimento feminista atua com vigor pela descriminalização da prática, por outro, são constantes as tentativas de criminalização dos casos já permitidos por lei. Assim, de tempos em tempos, o direito ao abortamento seguro torna-se alvo de ameaças. Nesse contexto, no primeiro semestre de 2019, a senadora Selma Arruda (PSL-MT) apresentou relatório favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015 (SENADO FEDERAL, 2015SENADO FEDERAL. Projeto de emenda à Constituição n. 29, 2015. Disponível em Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120152 . Acesso em 20/01/2019.
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), que visa a alterar o Art. 5º da Constituição Federal para deixar clara a proibição do aborto com base na inviolabilidade do direito à vida desde a concepção.

Nesse contexto, a atuação dos diversos atores nessa arena está fundamenta em noções de direitos conflitantes. Uma vez afirmada, a inviolabilidade do direito do embrião traz consigo implicações aos direitos das mulheres, representando entraves à consolidação dos direitos reivindicados e à garantia daqueles já conquistados. Entendendo que legislar sobre o aborto condensa em si tensões entre o público e o privado, entre o individual e aquilo que está na ordem do coletivo, decidimos nos aprofundar na análise discursiva do Projeto de Lei 478/2007 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 478/2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Brasília, 2007. Disponível em Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node09ieyffwkjbmcvk4zm92vxl2k6153694.node0?codteor=443584&filename=PL+478/2007 . Acesso em 10/10/2018.
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) que, se aprovado, terá efeitos profundamente disciplinadores e reguladores da vida das mulheres. Nosso objetivo é compreender quais noções de direitos das mulheres estão presentes nos textos que visam a criminalizar totalmente o aborto, a fim de que possamos localizá-las em sua matriz histórica e social.

População, normatividade e direito: a vida das mulheres como objeto de governo

Para que possamos compreender a criminalização do aborto, é necessário contextualizar o fenômeno historicamente, considerando a virada que possibilitou que a vida se constituísse como objeto de tomada de poder. Por meio de um processo duplo de normalização dos corpos e de regulação da população, ao corpo feminino foram impostos padrões de normalidade, dentre os quais a maternidade, que se apresenta como um dever biológico-moral das mulheres comprometidas com a própria espécie. Conforme veremos a seguir, essa criminalização apoia-se tanto em relações patriarcais de assujeitamento quanto na aliança entre normatividade e direito.

O biopoder, segundo Michel Foucault (2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2015.), é constituído por dois polos interligados por um feixe de relações. O primeiro deles, formado a partir do século XVII, é o chamado poder disciplinar. Ele tem como objeto o corpo-máquina e busca efeitos de adestramento, utilidade e docilidade por meio de sistemas de controle eficazes que caracterizam as disciplinas. O segundo polo - que Foucault denominou biopolítica da população - toma forma a partir do século XVIII. Centrando-se no corpo-espécie, toma como objeto de intervenções e controles reguladores os processos biológicos, bem como as condições que podem fazê-los variar.

Se a técnica disciplinar tenta reger a multiplicidade das pessoas normalizando seus corpos, a biopolítica forma uma massa que é afetada por processos que são próprios à vida e devem ser regulados (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.; 2015). Desse modo, as disciplinas do corpo e o governo da população - este último conjunto também chamado por Foucault (1993FOUCAULT, Michel. “A governamentalidade”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1993. p. 277-295.) de governamentalidade - constituem os polos por meio dos quais se organiza o poder que se investe sobre a vida. Assim, a gestão da vida se dá em dois níveis distintos, mas que se inter-relacionam. Por um lado, estratégias positivas de poder são direcionadas ao indivíduo, produzindo subjetividades e modos de viver específicos. Por outro, há uma gestão ativa no nível da população, cujas estratégias têm como objetivo regular os elementos que podem afetar sua homeostase, dispondo das variáveis por meio da gestão e do cálculo. Os níveis de natalidade, mortalidade e longevidade constituíram os primeiros objetos de saber e alvos de controle dessa tecnologia de poder.

Localizando-se na intersecção entre as disciplinas do corpo e a biopolítica da população, a sexualidade apresenta-se como um dispositivo por meio do qual se articulam as mais variadas tecnologias de gestão da vida. Foucault (2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2015.) destaca que uma das estratégias desse dispositivo é o processo de histerização das mulheres. Por meio dele, o corpo feminino foi saturado de sexualidade e patologizado. Como veremos a seguir, daí emergem os discursos que colocam o corpo das mulheres em comunicação orgânica com o corpo social por meio da regulação da fecundidade, assim como com a vida das crianças, por meio de uma responsabilização biológica-moral.

Nesse contexto, pela incitação do discurso sobre o sexo, foram produzidos regimes de verdade que, como bem observa Paula Rita Bacellar Gonzaga (2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. Eu quero ter esse direito à escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.), passaram a ditar normas sobre o comportamento sexual e reprodutivo das mulheres. Assim, o século XVIII testemunhou a transformação da maternidade em objeto de interesse privilegiado da moral iluminista, da medicina e outras instituições. E o novo discurso moralizante passou a utilizar a natureza como argumento para determinar o lugar que a “boa” mulher deve ocupar, satisfazendo as necessidades do homem e, posteriormente, as de seus filhos. Associada à ideia de corpos estáveis, não históricos e sexuados, a biologia passou a ser o fundamento epistêmico das afirmações sobre a ordem social (Thomas LAQUEUR, 2001LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumará, 2001.).

Tornaram-se comuns os tratados que reconduziam as mulheres à maternagem (Elisabeth BADINTER, 1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985.), agora declarada nosso destino inexorável. Apesar de já estar intensamente atravessada por imperativos, a vida reprodutiva deixou de ser um assunto exclusivamente feminino e tornou-se objeto de interesse dos grandes pensadores, da medicina e do Estado. Por meio desse processo de politização (Maria Simone Vione SCHWENGBER; Dagmar Estermann MEYER, 2011SCHWENGBER, Maria Simone Vione; MEYER, Dagmar Estermann. “Discursos que (con)formam corpos: da medicina à educação física”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 36, p. 283-314, jan./jul. 2011.), a maternidade deslocou-se da esfera privada para a do amplo grupo social.

Embora toda sorte de autoridade tenha passado a ter algo a dizer sobre a maternidade, havia muito tempo a vida sexual e reprodutiva das mulheres era alvo de discursos prescritivos. Gonzaga (2015GONZAGA, Paula Rita Bacellar. Eu quero ter esse direito à escolha: formações discursivas e itinerários abortivos em Salvador. 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.) destaca que o direito masculino à descendência já impulsionava o controle da reprodução na Antiguidade. Posteriormente, justificada pela concepção da mulher como corporificação do pecado, uma interpretação hegemônica do cristianismo instituiu a maternidade como meio de redenção do mal feminino.

Essa perspectiva histórica demonstra que estamos inconvenientemente assentadas sobre uma ordem patriarcal que captura a reprodução e a vivência da sexualidade, em especial a feminina. Isso porque, conforme destaca Heleieth Saffioti (2004SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.), além da discriminação salarial, da segregação ocupacional e da dificuldade de ocupar espaços deliberativos, a ordem patriarcal também opera por meio do controle da sexualidade e da capacidade reprodutiva. Sustentando um sistema de relações de gênero assimétricas, o patriarcado é perpetuado por meio de discursos de legitimação sexual que, segundo Carla Cristina Garcia (2011GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Editora Claridade, 2011.), justificam a hierarquização de homens e mulheres em cada sociedade e prescrevem o que é próprio de cada sexo. Consequentemente, tais discursos delimitam os direitos, os espaços, as atividades e as condutas próprias de cada um. Desse modo, a sujeição político-jurídica das mulheres só pode ser compreendida à luz das relações de gênero profundamente enraizadas na lógica patriarcal.

Nessa perspectiva, os deslocamentos discursivos do século XVIII inauguram o posicionamento do corpo feminino na encruzilhada entre o poder disciplinar e a gestão da população. Ao longo do tempo, houve uma ampliação desses modos de regulação com o surgimento de novas tecnologias de controle dos corpos. Por exemplo, com a puericultura intrauterina, o século XX inscreveu as mulheres de forma ainda mais intensa na linguagem da regulação e do risco (MEYER, 2005MEYER, Dagmar Estermann. “A politização contemporânea da maternidade: construindo um argumento”. Revista Gênero, Niterói, v. 6, n. 1, p. 81-104, 2 sem. 2005.).

Os discursos patriarcais sobre a maternidade consolidaram um solo normativo para que a lei pudesse se colocar como um dispositivo de criminalização daquilo que representa um perigo para o equilíbrio da população e, assim, inscrever aquelas que divergiam dela no interior de um complexo mecanismo de controle. Desse modo, fica evidente que as práticas jurídicas se apoiam em mecanismos de normalização e sujeição do mesmo modo que lhes servem de apoio.

De acordo com Márcio Fonseca (2002FONSECA, Márcio A. Michel Foucault e o Direito. São Paulo: Max Limonad, 2002.), apesar do passo conceitual na obra foucaultiana em direção à diferenciação e à oposição entre direito e norma, na prática, os mecanismos disciplinares não se viabilizam sem o suporte das regras legais. A relação inversa também é verdadeira, de modo que o direito se apresenta como produtor de práticas de normalização, ao mesmo tempo que é produto delas. No âmbito dessa relação de implicações recíprocas e complementares, consolida-se um direito normalizado-normalizador, que se refere, segundo Fonseca (2002), aos aspectos concretos da vida dos indivíduos e da população. Nesse contexto, as práticas jurídicas não são meros reflexos dos regimes de normatividade. Conforme a instituição judiciária se integra em um conjunto de aparelhos médicos e administrativos de gestão da vida, a própria legislação funciona cada vez mais como norma, servindo como um verdadeiro código de conduta.

Partindo da questão do aborto, é possível observar um direito normalizado-normalizador em ação. A criminalização da prática é resultado de um processo histórico que envolve um conjunto de estratégias disciplinares, ao mesmo tempo que tem função normativa. Isso porque a legislação proibitiva pode interferir na questão da conduta feminina em relação à maternidade, impedindo que a interrupção da gestação se apresente como uma possibilidade diante da maternidade indesejada.

Seria um engano, porém, pensar que nos conformamos passivamente às normatividades. A produção científica sobre o aborto no Brasil sugere que as escolhas realizadas diante de uma gestação indesejada não são simplesmente determinadas pelas práticas jurídicas. Muitas mulheres abortam mesmo cladestinamente, forjando assim um ato de resistência à normalização. E isso nos leva a afirmar a necessidade de lançar nova luz sobre a regulamentação do abortamento no país.

Referencial teórico-metodológico

Utilizamos a análise dos repertórios linguísticos como ferramenta para identificar as noções de direitos femininos que embasam o Projeto de Lei 478/2007. Segundo Mary Jane Spink e Benedito Medrado (2013SPINK, Mary Jane; MEDRADO, Benedito. “Produção de sentido no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas”. In: SPINK, Mary Jane (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Editora Cortez, 2013. p. 22-41.), repertórios são um dos elementos constitutivos das práticas discursivas e compreendem os conteúdos culturais que são parte dos discursos de uma dada época, permitindo que nos familiarizemos com os conhecimentos produzidos e reinterpretados por diferentes domínios do saber.

Reconhecemos que colocar em foco o conteúdo dos discursos em relação aos direitos femininos não nos permite acompanhar os pormenores do processo de construção desses repertórios. Acreditamos que tal abordagem, no entanto, é uma potente estratégia para compreendê-los em sua matriz social e histórica, uma vez que tal nível de análise nos permite observar certas regularidades e formações discursivas institucionalizadas.

Em consonância com as reflexões de Peter Spink (2013SPINK, Peter. “Análise de documentos de domínio público”. In: SPINK, Mary Jane (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas . São Paulo: Editora Cortez, 2013. p. 100-126.), entendemos que as proposições de lei são documentos de domínio público, pois condensam posicionamentos e repertórios em circulação. Apresentando-se como práticas discursivas em sua forma e conteúdo, tais documentos funcionam como dispositivos locais nos processos de construção e reconstrução da realidade. Assim, os projetos de lei são produtos de seu tempo, recortes que pertencem a um contexto discursivo e normativo muito mais amplo. Assumindo a proposição foucaultiana (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola, 2010.) da relação intrínseca entre discurso e poder, decidimos analisar o PL 478/2007 a fim de apontar os repertórios, os argumentos e as controvérsias da produção de sentidos no interior do debate político-jurídico sobre o aborto.

A análise dessa proposição e de seus desdobramentos na Câmara dos Deputados nos possibilitou identificar três modos de lidar com os direitos das mulheres. Em um primeiro momento, observamos que o PL posiciona os corpos das mulheres como objetos das práticas jurídicas. Em um segundo momento, identificamos uma impossibilidade de que elas sejam reconhecidas como sujeitos de direito em função da noção de natureza humana que fundamenta tal projeto. Por fim, pudemos constatar que o direito das mulheres à vida é permanentemente colocado em questão.

Antes de apresentar a análise realizada, faremos uma breve contextualização do PL 478 e sua tramitação na Câmara dos Deputados.

O Projeto de Lei 478/2007: tramitação

O documento ora analisado está disponível no portal da Câmara dos Deputados, na página de pesquisa de proposições. Há vários projetos de lei sobre o aborto em tramitação no Congresso Nacional, porém este se destaca pela proposta de mudanças restritivas significativas na legislação atual.

Sob a forma de um Estatuto e um texto similar à proposta apresentada pelos deputados Osmânio Pereira (PTB/MG) e Elimar Máximo Damasceno (Prona-SP), em 2005, o PL 478 foi apresentado ao Plenário pelo deputado Luiz Bassuma (PT/BA), em 19 de março de 2007. No dia 28 do mesmo mês, a proposição foi distribuída pela Mesa Diretora da Câmara à Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) e à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). No ano seguinte, a Mesa atribuiu a proposição à Comissão de Finanças e Tributação (CFT), conforme determina o Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Na CSSF, o parecer da relatora designada, deputada Solange Almeida (PMDB/RJ), foi aprovado e, em março de 2010, a comissão apresentou um parecer final que decidia pela aprovação da proposição com algumas mudanças importantes. A partir de então, as comissões seguintes passaram a considerar o substitutivo apresentado nessa etapa da tramitação.

Entre algumas pequenas alterações feitas no projeto de lei inicial, a relatora da CSSF sugere a supressão dos Artigos 22º a 31º - que, entre outras coisas, classificavam o aborto como crime hediondo -, por tratarem de matéria cujo debate deveria ocorrer no âmbito das leis penais. Assim, se aprovado o substitutivo à proposição inicial, o aborto continuará a ser crime, mas não poderá ser tipificado como hediondo, não sendo previstos como crime o aborto culposo, a indução à prática e o anúncio de processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto. Além disso, o substitutivo propõe a retirada da previsão do aumento das penas de reclusão previstas nos Artigos 124º, 125º e 126º do Código Penal. Por fim, a partir da redução de dispositivos proposta pela relatora, retira-se a denominação de Estatuto contida na proposição inicial (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2009CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Seguridade Social e Família. Substitutivo ao Projeto de Lei 478/2007. Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências. Brasília, 2009. Disponível em Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=718396&filename=SBT+1+CSSF+%3D%3E+PL+478/2007 . Acesso em 11/10/2018.
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).

O parecer aprovado pela CSSF ainda conta com complementação do voto que modifica o Artigo 13º da proposição, que dispõe sobre os direitos assegurados ao embrião/feto concebido em ato de estupro, acrescentando a seguinte expressão: “Ressalvados o disposto no art. 128 do Código Penal Brasileiro”. Desse modo, a relatora busca garantir o direito de decisão pela interrupção da gestação nessas condições.

No mesmo mês em que a proposição e o substitutivo da CSSF foram recebidos pela CFT (maio de 2010), o deputado Eduardo Cunha, relator designado, apresentou parecer com emenda de adequação financeira e orçamentária ao projeto, encaminhando-o à CCJC. O parecer do relator designado, deputado Marcos Rogério (DEM/RO), aprovou o substitutivo apresentado pela CSSF nos quesitos constitucionalidade e juridicidade, com ressalva ao Art. 28º, que já havia sido excluído. Segundo o relator, “fazer publicamente apologia do aborto ou de quem o praticou, ou incitar publicamente a sua prática” não deveria figurar entre os crimes tipificados, uma vez que ninguém pode ser criminalizada ou criminalizado por defender a mudança de uma lei em vigor, o que fere o direito à liberdade de expressão.

Em função de requerimento apresentado ao plenário pelo deputado Glauber Braga (PSOL/RJ), em junho de 2017, a proposição foi enviada à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER) para exame. Desse modo, em setembro de 2018, o relator designado, Diego Garcia (Podemos/PR), apresentou parecer favorável ao substitutivo da CSSF, reconhecendo que o embrião/feto é pessoa humana em situação mais vulnerável, cujos direitos devem ser garantidos porque “a vida é fato, é valor e é norma” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão dos Direitos da Mulher. Parecer do deputado Diego Garcia. Brasília, 2018. Disponível em Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=55FFAA48802FB9D6EA9B5B235F7C179D.proposicoesWebExterno2?codteor=1683858&filename=Tramitacao-PL+478/2007 . Acesso em 20/10/2018.
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, p. 6).

Apesar das mudanças significativas propostas pelo substitutivo aprovado pela CSSF serem significativas, analisamos e discutimos o texto original proposto pelos deputados em 2007, que causou intensa mobilização e debate desde sua apresentação.

Os corpos das mulheres e as práticas jurídicas

Conforme afirmam seus autores, a principal finalidade do Projeto de Lei 478/2007 é fornecer proteção jurídica ao embrião/feto, chamado nascituro ao longo do documento. Sua condição de não nascido implica, necessariamente, uma relação de dependência com o organismo de uma mulher. Apesar disso, as mulheres não são endereçadas como sujeitos de direito ao longo da proposição e da justificativa. No máximo, elas aparecem como coadjuvantes ou de maneira indireta, quando se trata de um possível conflito entre direitos da mulher e do feto.

Todos os artigos que compõem a proposição legislam diretamente sobre a vida das mulheres, restringindo seus direitos sexuais e reprodutivos. Se o aborto não é compreendido como um direito sexual e reprodutivo, mas como um ato de “violência ou crueldade” contra o embrião, fica evidente que o Art. 5º veta qualquer possibilidade de que o procedimento seja realizado dentro dos termos da lei.

O Art. 9º, por sua vez, coloca em questão o aborto em casos de incompatibilidade fetal com a vida extrauterina e afirma: “é vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o da expectativa de algum direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, da deficiência física ou mental ou da probabilidade de sobrevida”. Trata-se, portanto, da defesa do embrião em qualquer circunstância. Porém, a afirmação da “expectativa do direito” traz em seu bojo a contradição de que o embrião não é legalmente sujeito de direito, uma vez que ainda não nasceu.

O Art. 12º, ao determinar que “é vedado ao Estado e aos particulares causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores”, abre caminho para a criminalização do aborto em casos de estupro, aqui classificado como “ato delituoso cometido por algum de seus genitores”. O aborto, nesses casos, seria “restrição de direitos” do embrião/feto, vetado pelo Art. 13º.

Reivindicado pelo movimento feminista como um direito sexual reprodutivo essencial à garantia dos direitos à saúde e à segurança das mulheres, o aborto realizado pela mulher gestante ou com seu consentimento permanece diretamente criminalizado no Art. 30º do PL - como já previsto nos Artigos 124º, 125º e 126º do Código Penal. Esse artigo ainda previa o aumento das penas determinadas, mas a proposta foi excluída no substitutivo.

Originalmente, o Art. 28º tipificava como crime “fazer publicamente apologia do aborto ou de quem o praticou, ou incitar publicamente a sua prática”, sob pena de detenção de seis meses a um ano e multa. É interessante observar que, apesar de excluído do substitutivo, em seu parecer, o relator da CCJC fez questão de retomá-lo, denunciando sua inconstitucionalidade, uma vez que feria o direito à liberdade de expressão. Provavelmente, uma noção muito cara ao relator, que precisou reafirmá-la.

Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto passava a ser ato criminalizado pelo Art. 24º. Seu teor poderia colocar na clandestinidade aquelas que defendem que o abortamento seja uma possibilidade legal e segura. Além disso, impossibilitaria estratégias de redução de danos, criminalizando todas as pessoas que promovessem o acesso à informação sobre estratégias de aborto seguro. Ou seja, uma tentativa de ampliar as fronteiras da criminalização para além da prática em si, incluindo no rol dos crimes qualquer discurso sobre o aborto.

Por fim, o Art. 23º se dedicava a tipificar como crime “causar culposamente a morte de nascituro”, sob pena de detenção de um a três anos. Questionamos se o teor desse artigo, sob certas interpretações, não abriria margem para a criminalização da mulher em quaisquer casos de óbito fetal, em particular, aqueles associados ao que poderia ser caracterizado como um tipo de negligência durante a gestação, fosse por uso de substâncias, falta de acompanhamento pré-natal ou contingências cotidianas. Entre o status de algo da ordem do absurdo e, paradoxalmente, de uma realidade constantemente a ponto de se concretizar, tal receio encontra precedentes no cenário internacional. Marshae Jones, cujo caso foi noticiado pelo jornal The New York Times (Sarah MERVOSH, 2019MERVOSH, Sarah. “Alabama woman who was shot while pregnant is charged in featus’s death”. The New York Times, 2019. Disponível em Disponível em https://www.nytimes.com/2019/06/27/us/pregnant-woman-shot-marshae-jones.html . Acesso em 13/08/2019.
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), estava grávida quando levou um tiro no estômago durante uma discussão com outra mulher, no Alabama, Estados Unidos. Após o acontecimento, o feto não sobreviveu e Marshae foi acusada de homicídio culposo, sob declarações de que a única e verdadeira vítima era o feto, uma vez que a briga que resultou no óbito fetal foi causada pela gestante. Mesmo que a acusação tenha sido posteriormente retirada pela Promotoria (Farah STOCKMAN, 2019STOCKMAN, Farah. “Manslaughter charge dropped against woman who was shot while pregnant”. The New York Times, 2019. Disponível em Disponível em https://www.nytimes.com/2019/07/03/us/charges-dropped-alabama-woman-pregnant.html . Acesso em 13/08/2019.
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), o caso ilustra as possibilidades de criminalização das mulheres nos casos de óbito fetal sob o Art. 23º da proposição.

Sobre a natureza humana e as (im)possibilidades de constituir-se como sujeito de direito

Segundo o Art. 3º do PL de 2007, tal proteção jurídica garantida ao embrião/feto se justifica por sua natureza humana, reconhecida desde a concepção:

O nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007, p. 1).

Na oposição em relação aos direitos das mulheres, sua natureza humana é o que basta para que os direitos do embrião/feto sejam garantidos com absoluta prioridade. Retomando o parecer do deputado Diego Garcia pela aprovação da proposição na CMULHER, nessa lógica, “o nascituro é fim em si. Não pode ser meio: ele é sujeito” mesmo (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018, p. 7). Diante disso, nos resta concluir que a própria humanidade das mulheres é negada, o que permite que sejamos posicionadas como objetos de práticas jurídicas e reduzidas a uma corporalidade bruta. Encontramo-nos sem direito a subjetividade ou modos de ser próprios e singulares que, uma vez reconhecidos, implicariam outras maneiras de lidar com a questão do aborto.

Para compreendermos essa questão, vale recorrer às reflexões de María Lugones (2014LUGONES, María. “Rumo a um feminismo descolonial”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014.), que nos alerta para a lógica categorial, dicotômica e hierárquica que funda a experiência colonial moderna, cujo impacto deve ser considerado à análise e à discussão das práticas de governo que incidem sobre os corpos femininos e as relações que as legitimam. Segundo a autora, nessa lógica, a dicotomia central é aquela entre humanos e não humanos, acompanhada por outras categorizações hierarquizadas, como homem e mulher. Nas sociedades fundadas na experiência da colonização, há uma especificidade: nenhuma colonizada tem seu status de humanidade reconhecido para ser gendrada, de modo que “mulher colonizada” seria uma categoria vazia.

Tendo em vista a relação de oposição e hierarquização que fundamenta a criminalização do aborto, é possível concluir que ainda não superamos essa lógica, a ponto de ser possível que presenciemos processos por meio dos quais somos reduzidas a nosso sexo, desumanizadas, sem a possibilidade de fugirmos de uma suposta natureza reprodutora. Desse modo, a criminalização do aborto é sustentada por uma lógica que, segundo Lugones (2014LUGONES, María. “Rumo a um feminismo descolonial”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014.), possibilita o acesso brutal aos corpos femininos.

No mesmo sentido, Paul B. Preciado (2014PRECIADO, Paul B. “El feminismo no es un humanismo”. El estado mental, n. 5, 2014. Disponível em Disponível em https://elestadomental.com/revistas/num5/el-feminismo-no-es-un-humanismo . Acesso em 10/09/2019.
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) destaca que o corpo chamado humano inventado pela tradição humanista, o corpo soberano - e ao qual se atribui, por direito, o estatuto de sujeito -, é aquele branco, seminal, heterossexual, adulto e plenamente saudável. Um corpo, no entanto, abstrato, construído sob o mito moderno da igualdade que se pretende universal, mas que nunca poderá conter em si as diferenças que marcam os corpos. Conforme destaca Laiz Fraga Dantas (2017DANTAS, Laiz Fraga. “Lugones contra a modernidade: pela decolonização do gênero”. Revista Sísifo, 2017. Disponível em Disponível em http://www.revistasisifo.com/2017/11/lugones-contra-modernidade-pela.html . Acesso em 13/08/2019.
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), a legitimidade que cobre as categorias do pensamento europeizado, bem como sua suposta universalidade e isenção, perpetua a hierarquização da população por meio da colonialidade de gênero até os dias de hoje, mesmo com o fim dos processos de colonização direta. Nessa lógica, não é surpreendente que as pessoas que não conjuguem em si os elementos que demarcam e caracterizam a própria humanidade estejam impossibilitadas, em um primeiro momento, de se constituir como sujeitos de direito.

Plenamente inserido na tradição ocidental, o ordenamento jurídico está impregnado por teorias morais universalistas que, como destaca Seyla Benhabib (1986BENHABIB, Seyla. Critique, Norm and Utopia: a study of the foundations of critical theory. New York: Columbia University Press, 1986.), assumem as experiências de um grupo bem específico e limitado como paradigmáticas da humanidade. Enquanto o ordenamento jurídico estiver assentado sobre uma noção de universalidade que parte das experiências de apenas uma categoria, o direito não realizará sua pretensão de garantir o bem comum. Isso porque, alerta Juan Antonio García Amado (1992AMADO, Juan Antonio García. “¿Tienen sexo las normas? Temas y problemas de la teoría feminista del Derecho”. Anuario de Filosofía del Derecho, IX, p. 13-42, 1992.), ao se basear em uma moral abstrata que ignora as diferenças sob o pretexto da neutralidade e da imparcialidade, o ordenamento jurídico incorre no erro de enrijecer-se e emitir juízos completamente desvinculados de pessoas concretas. Por ora, a criminalização do aborto é prova de que o direito está sujeito a uma moral dominante, perpetuando os dualismos próprios do pensamento ocidental que, como assinala Francis Olsen (2000OLSEN, Frances. “El sexo del derecho”. In: RUIZ, Alicia E. C. (Org.). Identidad femenina y discurso jurídico. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2000. p. 25-43.), são sexualizados e hierarquizados por definição. E isso impossibilita sermos sujeitos de nossa própria existência.

Mesmo que esse processo de desumanização acarrete a impossibilidade de as mulheres serem sujeitos de direito, isso não implica estarmos fora do ordenamento jurídico-político. Por meio de uma suposta exclusão, vários artigos da proposição cujo objetivo era garantir os direitos do embrião/feto acabaram dando forma a um código normativo e jurídico que incide sobre nós. A respeito dessa relação de exclusão e captura, Giorgio Agamben (2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2007.) afirma que toda exclusão da vida nua - a vida não qualificada politicamente - do ordenamento jurídico-político é, na mesma medida, sua implicação.

Paradoxalmente, cria-se uma indistinção entre a vida nua e a vida qualificada, uma vez que é justamente por meio dessa exclusão que vem a se constituir a dimensão política dessas vidas e do modo como elas estão incluídas nas operações de poder. A vida é, portanto, inevitavelmente inscrita no direito por meio de uma relação originária de abandono, de modo que a forma da lei contenha em si o princípio da soberania.

Direito à vida em questão

Segundo Agamben (2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2007.), a constante redefinição do limiar entre as vidas matáveis ou não por meio do princípio da sacralidade da vida é uma característica central da biopolítica moderna. Com o Projeto de Lei 478/2007, são os direitos do embrião/feto que devem ser assegurados caso entrem em conflito com os direitos fundamentais de outras categorias. O Art. 4º da proposição determina que ele deve ter seus direitos garantidos com absoluta prioridade:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007, p. 1).

De acordo com Martins-Melo et al. (2014), são realizadas cerca de 240 mil internações anuais para o tratamento de complicações decorrentes de abortamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados de mortalidade materna relacionados ao abortamento inseguro nos fornecem subsídios para concluir que nosso próprio direito à vida é, a partir daí, colocado em questão. Isso porque decorre diretamente da criminalização do aborto a impossibilidade de acesso ao procedimento realizado de modo seguro, levando a complicações graves de saúde e à morte, sobretudo no caso daquelas mulheres que não têm acesso a clínicas que realizam o procedimento de modo minimamente seguro.

Considerando que a desigualdade socioeconômica brasileira é atravessada por questões raciais, Alaerte Martins (2006MARTINS, Alaerte Leandro. “Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil”. Cadernos de Saúde Pública [online], Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 2473-2479, 2006. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2006001100022&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 15/03/2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
) chama a atenção para o fato de que o risco de mortalidade materna é maior entre as mulheres negras. Reconhecer que habitamos a casa das diferenças (Audre LORDE, 2020LORDE, Audre. “As ferramentas do senhor nunca derrubarão a casa grande”. In: LORDE, Audre. Irmã Outsider: ensaios e conferências. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2020. p. 135-139.) nos faz perceber com mais clareza a seletividade dos efeitos da legislação proibitiva, ainda que a criminalização afete todas as mulheres em alguma medida. Apesar de estarmos todas destituídas de plenos direitos em relação aos nossos corpos, os dados sobre mortalidade materna no Brasil demonstram como os impactos da criminalização do aborto são maximizados para algumas mulheres em função de questões de raça e condição socioeconômica. É apenas levando em consideração tais questões que poderemos pensar em estratégias para minimizar vulnerabilidades.

Por meio da politização e da afirmação da sacralidade da vida intrauterina, se atribui a qualidade de matável à vida dessas mulheres. Nesse sentido, podemos observar a redefinição contínua da vida e do limiar entre o que está dentro ou fora do que se entende como tal. O caráter prioritário dos direitos do embrião/feto frente às reivindicações de direito à vida, à saúde e à segurança das mulheres brasileiras coloca em evidência o problema da sacralidade da vida como princípio de sujeição da vida a um poder morte.

Esse princípio, que se deseja fazer valer como um direito humano fundamental, está justamente fundamentado sobre a sujeição da vida a um poder de morte e sobre a irreparável exposição a uma relação de abandono, evidenciando a estrutura biopolítica fundamental da modernidade. Nesse contexto, toda valorização e politização da vida implicam, paradoxalmente, uma nova decisão sobre o limiar que determina quando a vida deixa de ser politicamente relevante e pode ser impunemente eliminada.

Há, portanto, um deslocamento progressivo da decisão sobre a vida matável para além dos limites do Estado de exceção. Desse modo, segundo Agamben (2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2007.), a democracia moderna dissemina o problema da sacralidade da vida em cada corpo e faz dela a aposta em jogo no conflito político, de modo que possamos observar certo apagamento das fronteiras entre biologia e política, bem como entre os imperativos “fazer viver” e “deixar morrer”. Se em todo Estado moderno existe um limiar no qual a decisão sobre a vida se torna decisão sobre a morte, a biopolítica se converte em tanatopolítica.

Nesse contexto, ganha força a tese de que a criminalização do aborto é um dispositivo bem-sucedido de normalização e controle das mulheres, cujos efeitos não deixam de se inscrever no interior dos cálculos de controle da população, nem estão alheios às operações de poder. Além de perpetuar a impossibilidade de que sejamos sujeitos de nossa própria existência, essa criminalização também é instrumento de um racismo de Estado que incide sobre a população de mulheres pobres e negras, permitindo modos de controle específicos dessa parcela da população.

Considerações finais

Para os fins da discussão realizada neste artigo, assumimos que o corpo feminino se coloca como um ponto de passagem importante nas estratégias de poder disciplinares e reguladoras. A partir do momento que a vida se tornou objeto das operações de poder, o dispositivo da sexualidade colocou nossos corpos em comunicação orgânica com o corpo social por meio da regulação da fecundidade, o que possibilitou à maternidade se consolidar como um imperativo. Assim, os saberes e as práticas jurídicas estabelecem uma dupla relação com os mecanismos de sujeição, colocando em funcionamento uma discursividade normativa sobre as mulheres e a maternidade, ao mesmo tempo que se retroalimenta dessa normatividade.

A legislação proibitiva tem efeitos diretos na vida das mulheres brasileiras, uma vez que o procedimento continua sendo realizado de modo inseguro. Como consequência desse cenário, o aborto provocado em condições de clandestinidade é uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil. Se levarmos em consideração os dados sobre mortalidade materna em relação ao aborto inseguro - o que, em nossa opinião, é indispensável -, é possível afirmar que o Projeto de Lei 478/2007 constrói uma clara oposição entre direitos do embrião/feto e direitos femininos, dando forma a um eixo de argumentação paradoxal a favor da criminalização da prática por meio do discurso da defesa da vida.

Se não são considerados os efeitos do aborto inseguro na população feminina, tampouco as mulheres aparecem na proposição como sujeitos de direito, sendo apenas citadas em função dos direitos do embrião/feto. Sem reconhecer a necessária centralidade dos corpos femininos que decorre da inevitável relação de dependência entre embrião/feto e mulher gestante, o PL e o seu substitutivo parecem produzir uma narrativa universalizante sobre o aborto, que fornece um código de conduta para as mulheres sem reconhecer as especificidades vividas por cada uma delas nem considerar a sua experiência com a questão.

Nesse sentido, a proposta de Estatuto apresentada pelos deputados dá forma a prescrições gerais e inegociáveis, pautadas em “postulados de conhecimento não localizados e, portanto, irresponsáveis” (Donna HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 07-41, 1995., p. 22), que posicionam genericamente o corpo feminino como objeto de tomada de poder.

Encerramos este texto resgatando as reflexões de Haraway, que nos fornecem ferramentas para ressignificar a própria relação entre corpo e subjetividade, uma vez que é a suposta separação dos dois que possibilita os processos de desumanização e hierarquização. Se, conforme afirma a autora, as mulheres estão entre aqueles sujeitos aos quais não se permite ter um corpo, recorramos a uma política do aborto encarnada, isto é, pautada na vivência corporificada de cada mulher, seus corpos e vivências concretas. Só então poderemos resistir à “visão de cima, de lugar nenhum, do simplismo” (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 07-41, 1995., p. 30), que fundamenta o projeto em questão, e construir políticas em relação ao aborto que estejam a favor da vida das mulheres. Para tanto, sugere Haraway (1995, p. 30), é preciso adotar uma “visão desde um corpo, sempre um corpo complexo, contraditório, estruturante e estruturado”. Desse modo, é fundamental resistir às estratégias universalizantes pautadas pelas construções patriarcais de gênero que utilizam o ordenamento jurídico para reduzir as mulheres à dimensão reprodutiva de seus corpos

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  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MORTELARO, Priscila Kiselar; SPINK, Mary Jane Paris; BRIGAGÃO, Jacqueline Isaac Machado. “As mulheres como objeto das práticas jurídicas: uma análise do Projeto de Lei 478/2007”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e70569, 2021.
  • Financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do processo número 130166/2016-2.
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica.
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2019
  • Revisado
    07 Abr 2021
  • Aceito
    24 Maio 2021
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