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Maternidade e cuidado na pandemia entre brasileiras de classe média e média alta

Motherhood and care in the pandemic among upper-middle class women in Brazil

Maternidad y cuidado en la pandemia entre brasileñas de clase media y media alta

Resumo:

A pandemia de Covid-19 incidiu diretamente sobre os arranjos e exercício do cuidado interpelado às mulheres. Investigou-se como mulheres mães exerceram esses cuidados, as mudanças ocorridas nesse exercício e os efeitos ressentidos, por meio de um survey online (N = 5.643). Responderam principalmente mulheres brancas de classe média a alta com escolarização avançada. Mesmo para esse segmento privilegiado, constatou-se que a pandemia exacerbou as desigualdades de gênero no cuidado doméstico e familiar. As mulheres encontravam-se sobrecarregadas e cansadas; sozinhas na encruzilhada entre trabalho profissional e trabalho de cuidados múltiplos; cuidando muito e sendo pouco cuidadas; muito disponíveis para outros e pouco disponíveis para si; e relataram culpa e sentimento de inadequação no cuidado e relação com os filhos.

Palavras-chave:
maternidade; cuidado; gênero; pandemia de Covid-19

Abstract:

The Covid-19 pandemic has directly affected the configuration of unpaid care work that women are routinely called upon to exercise. We investigated changes in how women mothers exercised this care and the effects of these changes on them, using an online questionnaire (N = 5.643). Respondents were mainly middle and higher class, white, with high educational levels. Even for this privileged segment, the pandemic was found to exacerbate gender inequalities in domestic and family care. The women were overworked and tired; alone at the crossroads between professional work and multiple care work; caring a lot and being little cared for; constantly available to others and very little to themselves; and reported feelings of guilt and inadequacy related to the care of and relationship with their children.

Keywords:
Maternity; Care, Gender; Covid-19 pandemic

Resumen:

La pandemia de Covid-19 ha afectado directamente a la configuración del trabajo de cuidados no remunerado que las mujeres son habitualmente llamadas a realizar. Investigamos los cambios en cómo las madres ejercían este cuidado y los efectos de estos cambios en ellas, utilizando un cuestionario en línea (N = 5.643). Las encuestadas fueron principalmente mujeres blancas, de clase media y media alta, con altos niveles educativos. Incluso para este segmento privilegiado, se encontró que la pandemia exacerbó las desigualdades de género en el cuidado doméstico y familiar. Las mujeres reportaron cansancio y soledad en la encrucijada entre el trabajo profesional y el trabajo de cuidados múltiples; se percibían cuidando mucho y recibiendo poco cuidado; se veían como siempre disponibles para los demás y muy poco disponibles para ellas mismas; y reportaron sentimientos de culpa e insuficiencia relacionados con el cuidado y la relación con sus hijos.

Palabras clave:
maternidad; cuidado; género; pandemia de Covid-19

A maternidade, tal qual a conhecemos, centrada sobretudo na figura da procriadora, nem sempre existiu. Ela é fruto de uma construção histórica, que remonta ao início do século XIX e é inscrita nos avanços e fortalecimento do capitalismo. Esse sistema econômico trouxe grandes novidades para o mundo ocidental, entre elas, a separação do mundo público e privado, a intensificação da hierarquização entre homens e mulheres e a afirmação do binarismo, ou seja, a ideia de que as diferenças entre ambos se justificariam no nível material, do corpo. Como Thomas Laqueur (2001LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.) demonstrou, foi nesse momento que diferenças físicas foram tomadas para justificar desigualdades sociais. Nessa perspectiva, o mundo público foi relacionado aos homens, lugar por excelência para o exercício das atividades reconhecidas como trabalho, dignas de reconhecimento e de remuneração. Por outro lado, o mundo privado, da esfera doméstica, foi delegado às mulheres, sobretudo em função de sua capacidade de procriação, ou seja, pelo fato de elas serem portadoras de um útero.

Foi nesse momento histórico que se deu a construção de um borramento ideológico entre a capacidade de cuidar e a capacidade de procriar (Valeska ZANELLO, 2018ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.). Cuidar é uma habilidade humana, que pode ser exercida pela maioria das pessoas, independentemente do sexo, idade, fenótipo, condição social, etc. No entanto, ela foi naturalizada como algo que seria “instintivo” (Elizabeth BADINTER, 1985BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) nas pessoas portadoras de útero, lidas como mulheres.

É importante ressaltar que, até fins do século XVII, era comum que mulheres, de diferentes classes sociais, dessem seus filhos para serem amamentados por amas de leite (BADINTER, 1985BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.). A mortalidade infantil era altíssima e, obviamente, isso afetava o crescimento e o tamanho da população. O capitalismo demandava um excedente populacional, para que fosse exequível seu projeto de mais valia e acumulação de capital. Visando garantir esse excedente, Igreja e Estado deram as mãos para convencerem as próprias mulheres que pariram a amamentarem suas crias. Como isso representaria perda de liberdade pessoal, gasto de tempo e renúncia aos próprios interesses, a estratégia utilizada foi menos de repressão e imposição, e mais de construção de um discurso que exaltava as habilidades maternas e o ideal da própria maternidade, ou seja, que criava um lugar desejável e digno de admiração para as mulheres. O que se deu, seguindo as ideias de Michel Foucault (1996FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996.), foi a passagem de um poder repressivo para outro, constitutivo. Nesse momento, começou a ser construída uma subjetividade materna criada por um desejo produzido, interpelado e incentivado.

Primeiramente, mulheres foram demandadas a amamentarem seus filhos. Em um segundo momento, a educá-los. Por fim, a partir do início do século XX, foi construída a ‘maternidade científica’, através dos discursos da pediatria e dos campos da psicanálise e das psicologias, que defendiam a ideia de que a mãe seria a grande responsável pela personalidade ou estrutura emocional dos filhos.1 1 As propostas, dentro da psicanálise, de mudança do termo ‘mãe’ para ‘função materna’ resolvem o problema apenas em parte, sobretudo no que tange à questão da diversidade de possibilidades de parentesco. No entanto, como apontado por Zanello (2016), é muito importante problematizarmos o uso de certas palavras para exprimir certas ideias: ainda que a função materna possa ser exercida pelo pai ou qualquer figura masculina, cria-se uma proximidade semântica entre a função cuidadora e a mãe biológica, de modo que é comum nos círculos psis, ao ouvir alguém afirmar que o pai exerce a função materna, parecer haver algum problema ou distúrbio naquele arranjo parental. Por que não usar termos tais como “função cuidadora”? É preciso descolonizar a maternidade nas teorias psicológicas, bem como o vocabulário utilizado (ZANELLO, 2018). Como apontado por Badinter (1985BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.), foi produzida aqui, historicamente, a culpa materna.

Em sociedades sexistas, como a brasileira, a maternidade e as qualidades ditas maternais são bastante associadas à feminilidade e a uma performance desejável por parte das mulheres. Mas para além das performances, importa pensar nas pedagogias afetivas presentes em nossa cultura, que ensinam não apenas os comportamentos, mas quais emocionalidades são desejáveis. Faz-se necessária, portanto, uma análise gendrada, crítica e feminista das emoções e de suas configurações (ZANELLO, 2018ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.). Nesse sentido, é importante compreender que a construção das emocionalidades das mulheres passa por um heterocentramento que é demandado desde cedo às meninas: o que se aprende é a priorizar sempre, e em primeiro lugar, os desejos, anseios e necessidades dos outros, em detrimento dos próprios. Esse heterocentramento é o mecanismo fulcral de constituição do “dispositivo materno” (ZANELLO, 2018) e se realiza não apenas na relação entre mãe e filho, mas em todas as relações sociais das quais as mulheres participam. O que se espera é que elas estejam disponíveis e sejam, de certa forma, sempre solícitas. Se isso ocorre com as mulheres em geral, temos uma interseccionalidade importante que intensifica ainda mais essa demanda: a racial. Das mulheres negras se espera mais que uma disponibilidade, espera-se uma servidão voluntária.

Quem mais se beneficia do dispositivo materno das mulheres são os homens. Enquanto elas cuidam deles, por eles e para eles (não só da casa, dos filhos, mas colocando energia pessoal nos projetos deles), os homens podem cuidar e investir sua energia em si mesmos e em seus próprios projetos. Em termos de pedagogia afetiva e processos psicodinâmicos de constituição subjetiva dos homens, trata-se do egocentramento. Ou seja, no tornar-se homem, o que se aprende é a priorizar sempre os próprios interesses, anseios e desejos. Neste sentido, homens brasileiros têm aprendido muito pouco a cuidar e têm cuidado muito mal.

Além dos homens, o sistema capitalista expropria o dispositivo materno das mulheres. Como afirma Silvia Federici (2019FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Reprodução: Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista. São Paulo: Editora Elefante, 2019.), trata-se de um amor que é construído, mas esconde um trabalho não remunerado. Mas não apenas isso, todas as profissões relacionadas ao cuidado passaram, em nosso país, por um processo de feminização, ou seja, de entrada massiva de mulheres, com a decorrente precarização das condições de trabalho e dos salários (Cláudia VIANNA, 2013VIANNA, Cláudia Pereira. “A feminização do magistério na educação básica e os desafios para a prática e a identidade coletiva docente”. In: YANNOULAS, Silvia. (Org). Trabalhadoras. Análise da feminização das profissões e ocupações. Brasília: Abaré, 2013, p. 159-180.). Isto é, subentende-se que é trabalho, mas também algo “vocacional”, cuja suposta realização já seria em parte pagamento do próprio serviço. Podemos ver esse mecanismo histórico em profissões tais como: professora, psicóloga, médica da atenção básica, enfermeira, técnica de enfermagem, nutricionista etc. Mas, também, em profissões historicamente ligadas ao processo de escravização no país e relacionadas sobretudo a mulheres negras: babá, empregada doméstica, faxineira etc.

É importante destacar que o cuidado deve ser pensado como uma forma de economia paralela, invisibilizada (Joan TRONTO, 2009TRONTO, Joan. “Care démocratique et démocraties du care”. In: MOLINIER, Pascal; LAUGIER, Sandra; PAPERMAN, Patrícia. Qu’est-ce que le care?. Paris: Payot & Rivage, 2009. p. 35-55.), mas fundamental para a manutenção da vida e da cultura humana. E são as mulheres que carregam esse ofício nas costas. Porém, nem todas as mulheres o fazem da mesma forma. Em um país, além de sexista, racista como o nosso, faz-se fundamental pensar na distribuição racializada do cuidado, na qual, de um lado, temos as pessoas que mais oferecem cuidado e menos o recebem: as mulheres negras. Do outro lado, quem mais recebe cuidados e menos os exercita ou oferece: homens brancos (ZANELLO, 2018ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.).2 2 Grande parte da introdução desse artigo se baseia no livro Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação, de Valeska Zanello, publicado no ano de 2018.

Mulheres brancas também são demandadas, enquanto mulheres, a cuidarem de seus filhos, maridos e a se responsabilizarem pela gestão da manutenção da casa, e pelo bem-estar dos outros familiares. No entanto, pela existência da profunda desigualdade social, fruto de uma sociedade que foi escravocrata e na qual há uma racialização da pobreza3 3 O Brasil foi escravocrata, no entanto, a mentalidade continua escravocrata. Essa parte de nossa história ainda não foi passada a limpo, como a nosso ver deveria ter sido. (Sueli CARNEIRO, 2011CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.), mulheres brancas usufruem de certos privilégios, conferidos por um acesso a maiores níveis de escolaridade, cargos e profissões mais altas e com melhor remuneração. Para sustentar isso, as hierarquias e opressões se reproduzem entre as próprias mulheres, de modo que, sobretudo às mulheres brancas, é possível terceirizar esses cuidados (a elas imputados pelo simples fato de serem mulheres) por meio da contratação de babás, empregadas domésticas e empresas de limpeza. Essa reorganização interna, dentro do grupo de mulheres, não deve nos fazer esquecer, no entanto, que quem mais usufrui de todos esses privilégios são os homens em geral, sobretudo os brancos, pois deles não é demandado nem que se preocupem com essa questão. Ou seja, mesmo que haja terceirização dos cuidados, ainda resta à mulher o planejamento, a carga mental da gestão entre tempo, tarefas e serviços e o trabalho emocional envolvido na gestão da família e do cotidiano, na administração dos afetos, antecipação de necessidades e provisão de suportes emocionais (Rebecca ERICKSON, 2005ERICKSON, Rebecca. “Why Emotion Work Matters: Sex, Gender, and the Division of Household Labor”. Journal of Marriage and Family, v. 67, p. 337-351, May, 2005.).

No início de 2020, tivemos a eclosão de uma grande crise sanitária e social, de abrangência mundial: a pandemia de Covid-19. Essa pandemia foi e tem sido marcada por muitas dúvidas e incertezas, principalmente, em um primeiro momento, acerca dos modos de contágio e de cura. De todos os métodos usados em 2020 para combater o contágio, dois se destacaram: o uso de máscaras e o isolamento social. Sobretudo esse último provocou amplo debate no Brasil e foi combatido, por razões políticas, por certo setor negacionista. No entanto, vários estados o adotaram, levando milhares de pessoas a exercer, quando possível, suas atividades laborais a partir de casa. Paralelamente, crianças e jovens passaram a ter aulas presenciais suspensas e seguiram, em maior ou menor medida, o processo educativo por meio do ensino a distância. A Covid-19 escancarou aqui as profundas fissuras sociais já existentes em nossa sociedade. De um lado, no que diz respeito a quais parcelas da população conseguiram manter seus empregos e exercer sua profissão na modalidade de home office, assim como no acesso a condições mínimas de higiene, tais como água encanada e rede de esgoto. De outro lado, isso também se evidenciou na possibilidade de continuidade dos estudos a distância, sobretudo no acesso à internet, luz elétrica e condições mínimas de sobrevivência (como alimentação).

Com os filhos de volta à casa em período integral, novos desafios, que teoricamente deveriam ter sido colocados aos diferentes membros das famílias, recaíram sobretudo nas mulheres dessas famílias: quem cuidaria dos filhos? E de que formas? Quem os ajudaria nas aulas online e na necessidade de estudar em casa o que outrora aprenderiam na escola? Também aqui essas dificuldades foram postas de maneira desigual às mulheres: aquelas que poderiam exercer o home office, apesar de terem maior possibilidade de estarem perto dos filhos, viram seu trabalho exponencialmente aumentado, com o acréscimo de novas responsabilidades como mães e, também, com as tarefas domésticas, muitas das quais anteriormente eram terceirizadas. Às mulheres em condição de maior vulnerabilidade social, sem a possibilidade de manter o emprego em modelo de home office, apresentou-se o dilema: ficar em casa e passar necessidade, ou ir para a rua (com chance de se contaminar, bem como à família), mas ter de deixar os filhos em casa.

Dentre as inúmeras consequências da pandemia para a vida das mulheres, destacam-se a alta incidência de desemprego, a precarização das condições de sobrevivência e a insegurança alimentar de muitas famílias, levando a um empobrecimento ainda maior de mulheres pobres. Como evidenciado por pesquisas de abrangência nacional (IPEA, 2021IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Desigualdades no mercado de trabalho e pandemia da covid-19. Brasília: IPEA, 2021.) e regional (OBSERVADF, 2021OBSERVADF. DF: mulheres foram as que mais perderam emprego durante pandemia. 11 de novembro de 2021. Disponível em Disponível em https://observadf.org.br/2021/11/11/unb-esta-entre-as-dez-instituicoes-publicas-com-mais-graduacoes-cinco-estrelas-em-ranking-nacional/ . Acesso em 21/11/2021.
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), as mulheres, em comparação com os homens, foram as que mais perderam empregos e que tiveram mais prejuízos em sua participação no mercado de trabalho durante a pandemia de Covid-19. Como destacado por Hildete de Melo (2020MELO, Hildete. A vida das mulheres em tempos de pandemia. Friedrich Ebert Stiftung, 13 de abril de 2020. Disponível em Disponível em https://brasil.fes.de/detalhe/a-vida-das-mulheres-em-tempos-de-pandemia/ . Acesso em 21/11/2021.
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, p. 3) “escancarou a pobreza feminina, trouxe para o debate nacional o fardo das tarefas domésticas e a difícil conciliação das mulheres em ir para o mercado de trabalho e o cuidado com a família.”

Somadas a essa exacerbação da feminização da miséria, também se destacam como importantes consequências gendradas da pandemia de Covid-19: a sobrecarga de trabalhos e tarefas domésticas e de cuidado; o esgotamento físico e psíquico; a vulnerabilização psicológica e os prejuízos à saúde mental das mulheres. A literatura científica internacional vem apontando de modo consistente como a pandemia ampliou e acentuou as desigualdades de gênero na divisão das tarefas domésticas e na economia do cuidado: comparativamente aos homens, as mulheres continuaram a cuidar mais dos filhos e da casa (mesmo quando mantiveram seus trabalhos remunerados); assumiram majoritariamente as tarefas e responsabilidades adicionais colocadas pelo contexto pandêmico, como o acompanhamento escolar dos filhos e os cuidados de higiene; tiveram de reduzir o tempo dedicado ao trabalho remunerado e à carreira; e sofreram maior redução em seu tempo de lazer (Gema ZAMARRO; María PRADOS, 2021ZAMARRO, Gema; PRADOS María. “Gender differences in couples’ division of childcare, work and mental health during COVID-19”. Review of Economics of Household, v. 19, p. 11-40, Janeiro 2021.; Margaret KERR; Hannah RASMUSSEN; Kerrie FANNING; Sarah BRAATEN, 2021KERR, Margaret; RASMUSSEN, Hannah; FANNING, Kerrie; BRAATEN, Sarah. “Parenting During COVID-19: A Study of Parents’ Experiences Across Gender and Income Levels”. Family Relations, v. 70, n. 5, p. 1327-1342, December, 2021.; Melanie ARNTZ; Sarra YAHMED; Francesco BERLINGIERI, 2020ARNTZ, Melanie; YAHMED, Sarra; BERLINGIERI, Francesco. “Working from Home and COVID-19: The Chances and Risks for Gender Gaps”. Intereconomics, v. 55, n. 6, p. 381-386, 2020.; Alison ANDREW et al., 2020ANDREW, Alison et al. How are mothers and fathers balancing work and family under lockdown? The Institute for Fiscal Studies, 2020.; Caitlyn COLLINS; Liana LANDIVAR; Leah RUPPANNER; William SCARBOROUGH, 2021COLLINS, Caitlyn; LANDIVAR, Liana; RUPPANNER, Leah; SCARBOROUGH, William. “COVID-19 and the gender gap in work hours”. Gender Work and Organization, v. 28, n. S1, p. 101-112, 2021.). Esses estudos também revelam que as mulheres, sobretudo aquelas que são mães de filhos em idade escolar, sofreram um significativo aumento do sofrimento psíquico (ZAMARRO; PRADOS, 2021, ansiedade, sintomas de esgotamento e questionamentos acerca da própria capacidade de maternar (KERR; RASMUSSEN; FANNING; BRAATEN, 2021). Como indica o estudo de Ben Etheridge e Lisa Spantig (2020ETHERIDGE, Bem; SPANTIG, Lisa. “The Gender Gap in Mental Well-Being During the Covid-19 Outbreak: Evidence from the UK”. Institute for Social & Economic Research, n. 2020-08, June, 2020.), as mulheres sofreram um declínio em seu bem-estar psíquico significativamente maior do que os homens, o que, entre outros fatores, relaciona-se diretamente com o acúmulo de trabalho, tarefas domésticas, cuidados e responsabilidades familiares.

Os estudos científicos nacionais, embora mais incipientes do que a literatura internacional, também apontam que o cruzamento entre a esfera laboral e a esfera doméstica e familiar constitui um dos principais pontos de vulnerabilização das mulheres, engendrado ou maximizado pela pandemia de Covid-19 (Anita OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Anita. “A espacialidade aberta e relacional do lar: a arte de conciliar maternidade, trabalho doméstico e remoto na pandemia de covid-19”. Rev. Tamoios, v. 16, n. 1, Especial COVID19, p. 154-166, maio 2020.; MELO, 2020MELO, Hildete. A vida das mulheres em tempos de pandemia. Friedrich Ebert Stiftung, 13 de abril de 2020. Disponível em Disponível em https://brasil.fes.de/detalhe/a-vida-das-mulheres-em-tempos-de-pandemia/ . Acesso em 21/11/2021.
https://brasil.fes.de/detalhe/a-vida-das...
; SOF, 2021SOF - SEMPRE VIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA. SEM PARAR: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia. SOF, 2021. Disponível em Disponível em https://mulheresnapandemia.sof.org.br/ . Acesso em 21/11/2021.
https://mulheresnapandemia.sof.org.br/...
; Juliana SANTOS et al., 2021SANTOS, Juliana et al. “A vivência da maternidade em meio à pandemia”. Global Academic Nursing Journal, n. 2 (Spe.1), e95, 2021. DOI: 10.5935/2675-5602.20200095. Disponível em Disponível em https://globalacademicnursing.com/index.php/globacadnurs/article/view/175 . Acesso em 21/11/2021.
https://globalacademicnursing.com/index....
; Lorena de SOUZA; Luiza MACHADO, 2021SOUZA, Lorena de; MACHADO, Luiza. “Casa, maternidade e trabalho no distanciamento social: a “pandemia” da sobrecarga de trabalho para as mulheres”. Revista da ANPEGE, v. 17, n. 32, p. 281-308, 2021.). Essas pesquisas revelam que, se a divisão sexual do trabalho e do cuidado já era muito desigual no Brasil, isso se agravou exponencialmente no contexto de quarentena (OLIVEIRA, 2020; SOUZA; MACHADO, 2021). Somada ao acúmulo e sobreposição do trabalho remunerado e do cuidado doméstico e familiar, a perda das redes de apoio - escolas e creches, avós e outros familiares (sobretudo mulheres), terceirização do cuidado - de que dispunham anteriormente implicou em sobrecarga de trabalho e em severo esgotamento físico e psicológico para as mulheres, com impactos prejudiciais sobre sua saúde física e mental (Fernanda INSFRAN; Ana MUNIZ, 2020INSFRAN, Fernanda; MUNIZ, Ana. “Maternagem e Covid-19: desigualdade de gênero sendo reafirmada na pandemia”. Diversitates International Journal, v. 12, n. 2, p. 26-47, julho/dezembro 2020.; DINIZ, 2020DINIZ, Débora. “Mundo pós-pandemia terá valores feministas no vocabulário comum, diz antropóloga Débora Diniz”. Folha de S. Paulo, 06 abr. 2020. Disponível em Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/mundo-pos-pandemia-tera-valores-feministas-no-vocabulario-comum-diz-antropologa-debora-diniz.shtml . Acesso em 21/11/2021.
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio...
; SANTOS et al., 2021; Rita de Cássia FREITAS; Carla ALMEIDA; Ana LOLE, 2020FREITAS, Rita de Cássia; ALMEIDA, Carla; LOLE, Ana. “As mulheres e a pandemia da COVID-19 na encruzilhada do cuidado”. In: LOLE, Ana; STAMPA, Inez; GOMES, Rodrigo (Orgs.). Para além da quarentena: reflexões sobre crise e pandemia. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2020.; SOUZA; MACHADO, 2021). Nesse sentido, uma pesquisa realizada no primeiro semestre de 2020 com homens e mulheres de várias regiões do Brasil apontou que as mulheres foram mais afetadas emocionalmente do que os homens, apresentando maior sofrimento psíquico e sintomas de depressão, ansiedade e estresse (Antonio SERAFIM et al., 2021SERAFIM, Antonio et al. “Exploratory study on the psychological impact of COVID-19 on the general Brazilian population”. PLOS ONE, v. 16, n. 2, e0245868, 2021. DOI: 10.1371/journal.pone.0245868. Disponível em Disponível em https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0245868#sec012 . Acesso em 21/11/2021.
https://journals.plos.org/plosone/articl...
).

Destaca-se, portanto, que a pandemia colocou em xeque, de forma diferenciada, a depender sobretudo da raça e da classe social, os arranjos do exercício do cuidado interpelado às mulheres e suas possibilidades, provocando consequências em seu bem-estar geral e em sua saúde mental. Diante desse panorama, a presente pesquisa teve como objetivo fazer um levantamento, no primeiro semestre da pandemia, sobre como as mulheres mães estavam exercendo esses cuidados, o que mudou em suas vidas e quais os efeitos que ressentiam em função dessas mudanças.

Método

No período compreendido entre 5 de março de 2020 e 7 de julho de 2020, foi disponibilizado um Survey online (Google Forms), com um cabeçalho, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e 76 questões. A pesquisa foi publicizada por meio das redes sociais das autoras e dos grupos de WhatsApp. O cabeçalho do questionário apresentava explicações sobre a pesquisa e seus objetivos. Foi solicitado que apenas mulheres com as seguintes características o preenchessem: ser mãe; estar fazendo distanciamento social em casa há pelo menos 3 (três) semanas; e ter pelo menos um(a) de seus(uas) filhos(as), que fosse dependente (física, emocional e/ou economicamente), morando com ela. Antes que a participante entrasse no questionário, era solicitada a leitura do TCLE e a concordância em participar do estudo. Vinte e duas questões relacionavam-se a características sociodemográficas como idade, raça, orientação sexual, escolaridade, se morava sozinha ou com cônjuge, etc. Cinquenta e uma questões eram relativas ao desempenho de tarefas domésticas e de cuidado com os filhos durante a pandemia, divisão ou não das tarefas com outras pessoas, tempo para si, cansaço e emoções envolvidas nessas atividades. Foi usada a escala Likert em quarenta e seis questões, apresentadas gramaticalmente sempre como asserções (sem frases com negação), porém representando, em todos os casos, os dois lados de cada dimensão (afirmativa ou negativa), das quais a respondente poderia assinalar uma das cinco opções seguintes: a) não se aplica; b) discordo completamente; c) discordo; d) não concordo, nem discordo; e) concordo; e) concordo completamente. Todas as questões da escala Likert foram apresentadas em ordem randômica.

Adicionalmente, foram apresentadas quatro questões abertas opcionais. Essas questões esmiuçavam a pergunta que as antecedia e deveriam ser respondidas caso a mulher houvesse concordado (parcial ou totalmente) com a asserção. Os temas questionados foram: novas habilidades que a respondente estaria aprendendo na pandemia; quem cuidava dela quando ela se sentia cansada; sentimentos que a faziam se sentir culpada em relação aos filhos; atividades que executava quando se sentia ansiosa; quem era sua rede de apoio. Ao final, havia um espaço aberto para que, caso a mulher quisesse compartilhar alguma experiência e/ou sentimento (como mãe em momento de isolamento social) que ainda não havia sido abordado, pudesse fazê-lo.

Para o presente estudo, foi realizada uma análise estatística descritiva dos dados e informações coletados (em trabalho futuro, também será realizada análise estatística inferencial). Para o tratamento e análise dos dados, no que se refere à questão racial, o grupo de mulheres foi abordado como um todo, mas também foi analisada e comparada a incidência das respostas especificamente no grupo de mulheres brancas e no grupo de mulheres negras, que constituíram os principais grupos raciais da amostra.

Ressaltamos, ainda, que, na análise e discussão dos resultados apresentadas a seguir, quando abordada a concordância das mulheres com determinada questão ou asserção, trata-se da soma das respostas “concordo parcialmente” e “concordo completamente”.

Resultados e Discussões

Ao todo, 5.643 mulheres brasileiras responderam ao questionário. Descrevemos, inicialmente, as principais informações sociodemográficas das respondentes. Em seguida, apresentamos a análise estatística descritiva realizada a partir dos seguintes núcleos, por meio dos quais foram organizadas as respostas dos questionários: a) possibilidades enxergadas em função do isolamento social e da necessidade de ficar em casa; b) crenças acerca da maternidade; c) divisão de tarefas domésticas; d) cuidados e relação com os filhos; e) relação consigo mesmas e sentimentos experimentados no momento da pandemia; f) encruzilhada da relação trabalho x cuidado de casa/filhos.

99,7% das respondentes identificaram-se com o gênero feminino e 94,5% como heterossexual ou, principalmente, heterossexual. Com relação ao segmento socioeconômico, as respondentes eram majoritariamente de classe média e classe média alta, com nível escolar alto (68,8% com pós-graduação e 23,2% com nível superior). Esse recorte social não foi intencional na pesquisa, mas ele se explica justamente por serem essas mulheres pertencentes à classe social privilegiada as que dispõem de maior possibilidade de exercício do home office (como veremos em dado adiante) e que têm maior acesso à internet (local onde a pesquisa foi divulgada e o questionário disponibilizado). Com relação à comparação entre as incidências das respostas no grupo de mulheres brancas e no grupo de mulheres negras, não foi encontrada diferença significativa em nenhum dos aspectos e dimensões analisados.

Grande parte das respondentes era moradora de cidades/áreas urbanas (94,1%) das seguintes regiões: Centro-Oeste (42,9%, sendo a grande maioria habitante do Distrito Federal); Sudeste (31,4%), Nordeste (11,9%), Sul (10,5%), Norte (1,6%). Uma pequena parcela foi constituída por brasileiras morando em outros países (1,7%). Em relação à faixa etária, a maioria (56,1%) foi de mulheres entre 35 - 44 anos; seguida por mulheres entre 25 - 34 anos (22%). A maioria tinha um filho (49,8%) ou dois (40,2%) e grande parte desses filhos eram não adotivos (97,4%). No que tange à religião, 36,4% identificaram-se como católicas; 22,3% como espiritualistas, mas sem religião; 12,7% espíritas; 6,7% evangélicas; 5,2% agnósticas; 4,6% ateístas; 3,6% protestantes.

Antes da pandemia, 82,1% dessas mulheres trabalhavam fora de casa e 69,7% delas passaram a usar o teletrabalho. 89% reportaram não haver perdido (pelo menos até julho de 2020) o emprego ou a atividade remunerada. A maior parte dessas mulheres (85,1%) estava vivendo como casada/união estável ou namorando/em relação não matrimonial. No período de preenchimento do questionário, 81,3% das mulheres estavam habitando com o cônjuge.

82,5% concordaram com a asserção de que sua casa era um lugar confortável para se passar a quarentena. Entende-se essa afirmativa de acordo com a classe social que o preencheu, revelando uma experiência específica de privilégios (em relação à população brasileira) no período de isolamento social. A maioria também concordou (61,5%) que sua casa tinha espaço suficiente para as pessoas que nela habitavam.

Outro dado intimamente relacionado à classe social contemplada no presente estudo diz respeito às novas possibilidades enxergadas por essas mulheres em função do isolamento social e da necessidade de ficarem em casa: 57% delas concordaram parcial ou completamente com a afirmação de que a quarentena estava se apresentando como uma possibilidade positiva de aprender novas habilidades. Na questão aberta sobre quais seriam essas habilidades, destacaram-se, sobretudo, os trabalhos domésticos. Dentre eles, o que mais se destacou foi cozinhar, mas também fazer reparos em casa, costurar etc. A nova ‘oportunidade’ de aprender a cozinhar revela justamente que essa não era uma atividade cotidiana para boa parte dessas mulheres, as quais provavelmente pagavam para outras pessoas (geralmente mulheres pobres) exercerem esses ofícios. Além dos trabalhos domésticos, também foram apontadas as seguintes habilidades aprendidas: exercer paciência; organizar e planejar o tempo; uso de tecnologias; hobbies (tocar um instrumento, desenhar, pintar, cuidar de plantas, falar uma nova língua).

Sobre as crenças acerca da maternidade, foi encontrado que, segundo 38% das participantes, a maternidade ainda é vista como a maior realização na vida de uma mulher. Essa percentagem foi um pouco maior entre as mulheres brancas (39,5%) do que entre as negras (35,2%). Ao mesmo tempo, 76,1% delas discordaram, parcial ou totalmente, com a afirmação de que uma mulher precisa ter filhos para estar “completa”. Ou seja, já há uma desconstrução do papel da maternidade como algo essencial para a realização na vida de uma mulher, coadunando com pesquisa realizada pelo IPEA (2014IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. SIPS - Sistema de Indicadores de Percepção Social. Tolerância social à violência contra as mulheres. Brasília: IPEA, 2014.), que apontou uma correlação inversa entre escolaridade e tendência a sustentar essa crença. No entanto, há boa parcela de mulheres nesse grupo populacional que ainda a mantém.

No que se refere ao nascimento do filho, concepções tradicionais sobre a maternidade se mostraram ainda mais presentes: 55,4% das respondentes afirmaram acreditar que, a partir desse momento, essa deve ser a grande prioridade em sua vida. E 39,6% delas concordaram (total ou parcialmente) que a chegada do filho faz o instinto materno aflorar. Isto é, mesmo discordando da necessidade de se ter um filho para estar completa, ainda se mantém uma crença na ‘naturalidade’ da maternidade, como um instinto.

Essas respostas demonstram que, apesar de termos tido avanços na desconstrução da naturalização tanto da relação entre maternidade e mulheres, quanto da maternidade em si mesma como um instinto, não é pequena a parcela de mulheres mães que ainda mantém crenças tradicionalistas sobre a maternidade. Estudos demonstram que, quanto mais tradicionais e romantizadas são essas crenças, maiores são as chances de intensidade do sofrimento no exercício da maternidade, bem como da autoculpabilização por não conseguir cumprir seus ideais (Katia AZEVEDO; Alessandra ARRAIS, 2006AZEVEDO, Kátia; ARRAIS, Alessandra. “O Mito da Mãe Exclusiva e seu Impacto na Depressão Pós-Parto”. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 19, n. 2, p. 269-276, 2006.; Shari TURER, 2007TURER, Shari. “The Myths of Motherhood”. In: O’REILLY, Andrea (Org.). Maternal Theory: Essential Readings. Toronto: Demeter Press, 2007, Edição do Kindle, cap. 21.; Orna DONATH, 2017DONATH, Orna. Mães arrependidas: uma outra visão da maternidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.).

Sobre a divisão de tarefas domésticas, 55,2% indicaram que lidar com as demandas da família, dos cuidados com a casa e de sustento estava quase impossível naquele momento, sendo que 88,9% concordaram que estavam realizando mais trabalho doméstico do que antes. Isso acabou por levá-las a se sentirem mais sobrecarregadas pelas tarefas que tinham que desempenhar (82,3%). Provavelmente, essa mudança trazida pela pandemia deve-se à perda do privilégio da possibilidade de terceirização de certos serviços de cuidado. Porém, se essa redistribuição do exercício do cuidado colocou em xeque o classismo e o racismo, tão presentes em nossa sociedade, por outro lado, não desconstruiu o sexismo, pois foi às mulheres que essas tarefas foram atribuídas. Ou seja, homens pouco ou nada foram questionados acerca de seus privilégios, seja de classe raça ou gênero. Pelo contrário, em muitos setores, acessíveis sobretudo a homens de classe social privilegiada, a pandemia se configurou como oportunidade de impulsionar a vida laboral e produtiva. Por exemplo, como mostra um levantamento feito pelo grupo Parent in Science (2020), enquanto mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas (com filhos) constituíram o grupo cuja produtividade acadêmica foi mais prejudicada pela pandemia, os homens não tiveram sua produtividade afetada ou, como editores de diversos periódicos científicos vêm apontando, apresentaram inclusive um aumento no número de submissões de artigos (PARENT IN SCIENCE, 2020PARENT IN SCIENCE. Produtividade acadêmica durante a pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade. Parent in Science, 2020. Disponível em Disponível em https://327b604e-5cf4-492b-910b-e35e2bc67511.filesusr.com/ugd/0b341b_81cd8390d0f94bfd8fcd17ee6f29bc0e.pdf?index=true . Acesso em 21/11/2021.
https://327b604e-5cf4-492b-910b-e35e2bc6...
; Maria Beatriz CARUSO; Manuela RAMALHO; Juliana PHILIPP; Cibele BRAGAGNOLO, 2020CARUSO, Maria Beatriz; RAMALHO, Manuela; PHILIPP, Juliana; BRAGAGNOLO, Cibele. “Maternity, science and pandemic: an urgent call for action!” Hoehnea, v. 47, n. 1, e812020, 2020.).

Nesse sentido, apesar de a maioria das respondentes habitar com o cônjuge ou parceiro, 59,1% delas concordaram que as tarefas domésticas eram distribuídas de forma injusta entre os membros da casa e, mesmo quando divididas, cabia a elas a responsabilidade de cobrá-las (65,7%). Além de cobrar a execução das tarefas, mesmo quando havia divisão e delegação de parte delas, 68,7% concordaram que, caso não houvesse essa cobrança, as tarefas domésticas muitas vezes não seriam feitas. Ou seja, mesmo que outras pessoas da casa as ajudassem com as tarefas, ainda seria necessário verificar se elas foram devidamente feitas (55,6%). Assim, planejar, organizar e garantir que as tarefas domésticas diárias fossem realizadas era entendido como algo que dependia principalmente delas (76,5%).

Isto é, ainda que contassem com alguma participação dos homens ou de outro familiar na execução das atividades de cuidado diário com a casa e com a família, cabia a elas a famosa “carga mental” implicada na gestão doméstica e no trabalho mental invisibilizado e intangível de planejar, prever, delegar, cobrar e supervisionar (Rafaela CYRINO, 2011CYRINO, Rafaela. “A gestão do trabalho doméstico entre as mulheres executivas. Um exemplo de combinação de dados de uma pesquisa de Usos do Tempo com metodologia qualitativa”. Revista de ciências sociais - Política & Trabalho, [S. l.] v. 34, 2011. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/12187 . Acesso em 21/11/2021.
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; Kimberly FISCHER; John ROBSON, 2010FISCHER, Kimberly; ROBSON, John. Daily Routines in 22 Countries: Diary Evidence of Average Daily Time in Thirty Activities. Oxford, UK: Center for Time Use Research, University of Oxford, 2010.; Margaret MARUANI, 2003MARUANI, Margaret. “Les Sciences Sociales du Travail à L´épreuve des Différences de Sexe”. In: Jacqueline LAUFER; Catherine MARRY; Margaret MARUANI (Orgs.). Le travail du genre: les sciences sociales du travail à l’épreuve des différences de sexe. Paris: La Découverte/MAGE, 2003. p.163-180.).

Sobre os cuidados e relação com os filhos, 60,6% das mulheres concordaram parcial ou completamente que era delas a maior parte da responsabilidade de auxiliar o filho nas tarefas escolares nesse período. Essa intensa demanda trouxe, muitas vezes, o sentimento de culpa quando elas não se sentiam disponíveis para tal (65,2%). Além disso, também trouxe culpa, pelos sentimentos experimentados em relação aos próprios filhos (52,9%) e que não gostariam de sentir. Dentre esses sentimentos, sobressaiu-se a raiva, mas também foram relatados o cansaço, a impaciência, a frustração, a vontade de querer fazer coisas para si mesma e de ter um tempo sozinha e, inclusive, a dúvida sobre se deveria ter tido filho e o arrependimento por tê-lo concebido.

Frente a muitos desses sentimentos, sobretudo à raiva, 43,4% concordaram que, em certos momentos, mesmo que não passassem ao ato, tinham vontade de bater nos seus filhos. A expectativa de que as crianças voltassem logo para as aulas, de forma segura, se apresentou em 64,2% delas e 43,4% concordaram que estavam preocupadas com a interrupção da educação das crianças devido às medidas de isolamento social (32,2% disseram não estar).

Apesar das ambivalências experimentadas na relação com o(s) filho(s) e do cansaço pela hiperconcentração (ainda maior na pandemia) de responsabilidades sobre si mesmas em relação a eles, 82% apontaram que, se pudessem voltar no tempo, não deixariam de ter filhos. É importante ressaltar que, embora sejam plausíveis e inerentes à própria maternidade, as ambivalências, conflitos e sentimentos de insatisfação, raiva, desgosto, sofrimento e arrependimento; nessa esfera, são socialmente julgados e estigmatizados como aberrações, como sentimentos “antinaturais” ou como distúrbios psiquiátricos (ZANELLO, 2018ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.; Jane USSHER, 2011USSHER, Jane. The madness of women. Nova York: Routledge, 2011.; DONATH, 2017DONATH, Orna. Mães arrependidas: uma outra visão da maternidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.). Especificamente sobre o arrependimento, domina uma proibição social de que essa postura emocional seja associada à maternidade. De um lado, o arrependimento é encarado como inexistente e inconcebível; de outro, quando não denegado, é visto com espanto, como algo ilegítimo e condenável. Portanto, já que é considerado um sentimento aberrante, ilícito e inconfessável, o arrependimento relacionado à maternidade é sistematicamente silenciado (DONATH, 2017). Há poucos espaços onde o mal-estar da maternidade possa ser nomeado, sem julgamentos sociais, mesmo nas psicologias (ZANELLO, 2016ZANELLO, Valeska. “Dispositivo materno e processos de subjetivação: desafios para a Psicologia”. In: ZANELLO, Valeska; PORTO, Madge (Orgs.). Aborto e (Não) Desejo de Maternidade(s): questões para a Psicologia. Brasília: CFP, 2016. p. 103-122.).

Sobre a relação consigo mesmas e sentimentos experimentados naquele momento da pandemia, 79,7% concordaram parcial ou totalmente que estavam mais cansadas do que o normal. Grande parte do cansaço ligava-se a estar disponível para os outros e 78,3% concordaram que queriam ter mais tempo sozinhas. Ou seja, apesar de estarem em casa, a maioria (79,2%) quase não tinha tempo para si mesma e nem mesmo para fazer as coisas de que gostavam (77,1%).

O sentimento de se sentir sozinha foi partilhado por 43,2% das respondentes e 35,3% das mulheres apontaram que, quando estavam tristes, exaustas ou ansiosas, não conseguiam compartilhar seus sentimentos com os demais membros da casa, tentando não os demonstrar (54,4%). Em geral, as atividades apontadas pelas mulheres para ‘descontar’ a ansiedade foram sobretudo as seguintes: comer (a que mais se destacou), beber e fumar.

Quando cansadas, 45,3% das mulheres apontaram não haver ninguém que cuidasse delas. Porém, em caso de adoecimento, 65,7% concordaram que poderiam contar com alguém, caso precisassem se isolar da família (por exemplo, em caso de se contaminarem pela Covid). Ou seja, em situações cotidianas, somente cerca de 50% das mulheres sentiam que podiam contar com suportes e cuidados, mas na hipótese de situações extremas ou emergenciais, essa proporção mostrou-se um pouco maior. A existência de uma rede de apoio foi questionada por 46,6% das mulheres e, quando apontaram quem constituiria essa rede (caso sentissem que existia), destacaram sobretudo familiares e marido, mas ainda apareceu, mesmo que de forma discreta, a figura da diarista e da babá, revelando que, mesmo na situação de risco sanitário, foi cogitada a possibilidade de terceirização do cuidado e do trabalho doméstico.

A maioria das mulheres (77,2%) se disse mais propensa a ajudar os outros do que a pedir ajuda. E 51,3% apontaram não considerar suas necessidades e desejos antes de concordar em fazer o que os outros lhes pedem. Esses dados evidenciam nitidamente como, pela via do dispositivo materno, as mulheres se subjetivam em um heterocentramento, a partir do qual são ensinadas a priorizar os outros em detrimento dos próprios anseios, desejos e necessidades, engendrando uma distribuição muito desigual do cuidado e do ser cuidada (ZANELLO, 2018ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.).

Ainda sobre essa autoexigência de cuidar e estar disponível para os outros, bem como de cuidar do bem-estar alheio (característico do dispositivo materno), 46,1% reportaram se sentirem responsáveis por tentar manter os outros membros da casa felizes e entretidos. Trata-se aqui do “trabalho emocional” que recai sobre as mulheres e que, segundo Rebecca Erickson (2005ERICKSON, Rebecca. “Why Emotion Work Matters: Sex, Gender, and the Division of Household Labor”. Journal of Marriage and Family, v. 67, p. 337-351, May, 2005.), refere-se às inúmeras atividades (visíveis e invisíveis) envolvidas na promoção do bem-estar emocional dos outros; em fazê-los se sentirem cuidados, reconfortados, amados ou encorajados; na facilitação e gestão das relações interpessoais; em suma, na provisão de suporte afetivo e emocional.

Além das consequências físicas das atividades domésticas e do cuidar requeridos na pandemia, e do funcionamento no dispositivo materno (autoculpabilização e autorresponsabilização pelo bem-estar do outros, a despeito de si mesmas), 66,1% das mulheres apontaram queda da libido nesse período. E, também, 80,2% das mulheres reportaram que sentiam falta de ter contato físico com outras pessoas.

Por fim, na encruzilhada (e tentativa de balanço) da relação trabalho x cuidado de casa/filhos, apenas 38,5% apontaram que, quando estavam trabalhando em casa, podiam contar com outros membros da família para cuidar do(s) seu(s) filho(s). Ou seja, a maioria viveu, nesse momento, a invasão, em sua vida profissional, dos papéis historicamente construídos e atribuídos às mulheres, como responsáveis e cuidadoras dos filhos. Nesse momento inicial da pandemia, ainda não era possível perguntar e avaliar as consequências desse fenômeno para suas carreiras. No entanto, se as mulheres, de fato, tiverem reduzido o tempo de dedicação ao trabalho remunerado em virtude das demandas domésticas e de cuidado, como indicado por estudos internacionais (ZAMARRO; PRADOS, 2021ZAMARRO, Gema; PRADOS María. “Gender differences in couples’ division of childcare, work and mental health during COVID-19”. Review of Economics of Household, v. 19, p. 11-40, Janeiro 2021.; COLLINS; LANDIVAR; RUPPANNER; SCARBOROUGH, 2021COLLINS, Caitlyn; LANDIVAR, Liana; RUPPANNER, Leah; SCARBOROUGH, William. “COVID-19 and the gender gap in work hours”. Gender Work and Organization, v. 28, n. S1, p. 101-112, 2021.; ANDREW et al., 2020ANDREW, Alison et al. How are mothers and fathers balancing work and family under lockdown? The Institute for Fiscal Studies, 2020.), cabe supor que essa situação pode ter afetado negativamente suas vidas profissionais.

Além disso, apesar de a maioria ter relatado morar em lugares confortáveis para passarem o isolamento social, 42,7% disseram não ter um lugar confortável e tranquilo para trabalhar. Por fim, 68,2% das mulheres reportaram que mesmo se sentindo sobrecarregadas, achavam difícil dizer não para as demandas do trabalho.

Considerações finais

Embora não tenha sido intencional, o fato de que a participação nesta pesquisa dependesse do acesso à internet, somado ao critério de que a mulher estivesse fazendo distanciamento social em casa, engendrou um importante recorte social: a maioria das respondentes era pertencente aos segmentos socioeconômicos mais favorecidos, de classe média e classe média alta, com elevado nível de escolaridade. Além disso, as respondentes foram majoritariamente brancas, constituindo quase 70% da totalidade de mulheres, evidenciando como, em nossa sociedade, a configuração das classes socioeconômicas é informada e organizada pelo racismo. Portanto, é necessário salientar que nossos achados e discussões referem-se ao exercício da maternidade e do cuidado na pandemia de Covid-19, única e especificamente entre mulheres desse segmento socioeconômico que, comparativamente a grande parte da população brasileira, tem vivenciado essa crise sanitária e social a partir de um lugar de múltiplos privilégios.

De modo diretamente relacionado a essa experiência de privilégio, a análise estatística descritiva evidenciou que quase 60% das mulheres identificaram, na situação de quarentena e isolamento social, uma oportunidade positiva para aprender novas habilidades, relacionadas principalmente aos afazeres domésticos, como cozinhar. Esse dado mostra que, anteriormente à pandemia, grande parte das mulheres terceirizavam esses serviços e atividades, que, em geral, continuam recaindo sobre mulheres, principalmente negras e pobres.

Com relação às crenças acerca da maternidade, os dados indicaram que está em marcha um processo de desconstrução da concepção de maternidade como condição sine qua non para o sentido de completude das mulheres. No entanto, observa-se que esse processo de desconstrução convive intimamente com a permanência de concepções idealizadas e tradicionalistas de maternidade, como: a ideia de que ela consiste na maior realização das mulheres; a compreensão de que o filho se torna a grande prioridade em suas vidas; ou a naturalização da maternidade, compreendida como instintiva.

Os dados relativos à divisão das tarefas domésticas, ao revelarem que a maioria das mulheres estava sobrecarregada e com dificuldades para lidar com o aumento dessas demandas imposto pela pandemia, permitiu-nos observar dois aspectos principais sobre essa questão. De um lado, os resultados apontam para a perda do privilégio da terceirização do cuidado doméstico e familiar, produzindo alguma fissura, ainda que discreta, no racismo e no classismo estruturais em nossa sociedade. De outro lado, eles mostram como o sexismo e os privilégios dos homens mantiveram-se, no mínimo, intocados, uma vez que o adicional de atividades e trabalhos (visíveis e invisíveis, físicos e mentais, de gestão e execução) relacionados ao cuidado da casa e da família, continuou recaindo predominantemente sobre as mulheres.

No que se refere aos cuidados e à relação com os filhos durante o isolamento social, os dados mostraram que as novas demandas colocadas pela pandemia, particularmente o acompanhamento escolar das crianças, também recaiu de forma majoritária sobre as mulheres. Frente a essas novas demandas e à sobrecarga física e psíquica decorrente do acúmulo de múltiplas tarefas e funções, muitas mulheres indicaram sentimentos de culpa, raiva, cansaço, impaciência, frustração e ambivalências relacionadas à maternidade. Não obstante, a maioria das mulheres indicou que, mesmo se pudessem refazer essa escolha, não deixariam de ter filhos. Isso aponta para o não arrependimento, o que, em alguma medida, precisa ser analisado em diálogo com a denegação, condenação e silenciamento do arrependimento relacionado à maternidade em nossa sociedade.

Os dados sobre os sentimentos das mulheres na pandemia indicaram que, em sua maioria, elas estavam sobrecarregadas e estafadas, o que se relaciona diretamente com a exacerbação da situação de acúmulo e sobreposição do trabalho remunerado, doméstico, trabalho de cuidado e trabalho emocional. Além disso, também foi significativa a proporção de mulheres que indicaram sentir-se sozinhas; sem um ponto de acolhimento e escuta para falarem de suas tristezas, cansaço e ansiedade; sem uma rede de apoio consistente; e pouco cuidadas. Vale ressaltar que, evidenciando o heterocentramento que marca a subjetividade das mulheres, a maioria delas apontou estar mais propensa a ajudar os outros do que a pedir ajuda, e mais disponível e atenta às necessidades e anseios dos outros em detrimento dos próprios.

Por último, os dados revelaram que as mulheres, em sua maioria, não podiam contar com outras pessoas e familiares para lidar com os desafios e sobrecargas do entrecruzamento entre o trabalho remunerado e o trabalho de cuidado da casa, dos filhos e da família. Além disso, tampouco contavam com espaço adequado e reservado para o desempenho do trabalho profissional. Nesse sentido, destaca-se que elas viveram uma sobreposição dos diferentes tipos de demandas e de trabalho - profissional e remunerado, de cuidado da casa e dos filhos -, tendo sua dimensão profissional invadida pelo papel de cuidadora. No momento atual, passados cerca de um ano e oito meses de pandemia, seria importante a realização de pesquisas que buscassem compreender os impactos e consequências dessa situação sobre a profissão e a carreira das mulheres, em distintos segmentos socioeconômicos.

Em suma, corroborando a literatura internacional e nacional existentes, os dados do presente levantamento revelaram que a situação de pandemia e isolamento social exacerbou as desigualdades de gênero que atravessam a economia do cuidado doméstico e familiar. Mesmo para o segmento socioeconomicamente favorecido contemplado por este estudo, que dispõe de uma série de privilégios, identificou-se que as mulheres, majoritariamente, encontravam-se sobrecarregadas e cansadas; sozinhas na encruzilhada entre trabalho profissional e trabalho de cuidados múltiplos; cuidando muito e sendo muito pouco cuidadas; muito disponíveis para os outros e pouco disponíveis para si mesmas; e, a despeito de tudo isso, culpadas na relação e cuidado com os filhos. Diante desse quadro, reiteramos a importância de outros estudos que examinem, depois de decorrido um período mais prolongado nessa situação, suas consequências não apenas sobre a dimensão profissional das mulheres, mas também sobre sua saúde mental.

Sobre as limitações do presente estudo, ressaltamos, principalmente, aquelas que decorrem do próprio recorte socioeconômico que foi delineado pela trajetória metodológica adotada. Salientamos, assim, que os resultados desta pesquisa não abarcam e não nos permitem pensar sobre as outras múltiplas formas de maternidade existentes, atravessadas por diferentes interseccionalidades, hierarquias, opressões e distintas formas de interpelação e exercício do cuidado. Nessa perspectiva, faz-se fundamental a realização de outras pesquisas que contemplem essa diversidade de maternidades e os modos como elas foram impactadas pela pandemia, nos diferentes entrelaçamentos das estruturas de raça, classe e gênero. Essa compreensão faz-se ainda mais urgente para as mulheres que vêm experienciando a crise social e sanitária nas posições mais vulnerabilizadas e expostas, como as mulheres negras e pobres; as que perderam o emprego; empregadas domésticas; mulheres que tiveram de conciliar o trabalho fora e as demandas de casa; e, ainda, as mulheres que se encontram na linha de frente do combate à Covid-19, como as profissionais de saúde e de limpeza.

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  • ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação Curitiba: Appris, 2018.
  • 1
    As propostas, dentro da psicanálise, de mudança do termo ‘mãe’ para ‘função materna’ resolvem o problema apenas em parte, sobretudo no que tange à questão da diversidade de possibilidades de parentesco. No entanto, como apontado por Zanello (2016), é muito importante problematizarmos o uso de certas palavras para exprimir certas ideias: ainda que a função materna possa ser exercida pelo pai ou qualquer figura masculina, cria-se uma proximidade semântica entre a função cuidadora e a mãe biológica, de modo que é comum nos círculos psis, ao ouvir alguém afirmar que o pai exerce a função materna, parecer haver algum problema ou distúrbio naquele arranjo parental. Por que não usar termos tais como “função cuidadora”? É preciso descolonizar a maternidade nas teorias psicológicas, bem como o vocabulário utilizado (ZANELLO, 2018).
  • 2
    Grande parte da introdução desse artigo se baseia no livro Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação, de Valeska Zanello, publicado no ano de 2018.
  • 3
    O Brasil foi escravocrata, no entanto, a mentalidade continua escravocrata. Essa parte de nossa história ainda não foi passada a limpo, como a nosso ver deveria ter sido.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    ZANELLO, Valeska; ANTLOGA, Carla; PFEIFFER-FLORES, Eileen; RICHWIN, Iara Flor. “Maternidade e cuidado na pandemia entre brasileiras de classe média e média alta”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 2, e86991, 2022
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2022
  • Revisado
    09 Maio 2022
  • Aceito
    27 Maio 2022
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