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Desconcentração produtiva regional do Brasil 1970-2005

Desconcentração produtiva regional do Brasil 1970-20051 01 Resenha de: Cano, Wilson. Desconcentração produtiva regional do Brasil 1970-2005. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Unesp, 2008.

Armando Palermo Funari2 02 Doutorando em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp), Área de Concentração: Espaço, Agricultura e Meio-Ambiente, Campinas, SP, Brasil. E-mail: mandaumn@gmail.com.

Em sua obra recente, Desconcentração Produtiva Regional do Brasil 1970-2005, Wilson Cano atualiza seu trabalho sobre a regionalização da produção capitalista no país, dando contribuição crítica para o entendimento dos principais fatores e características fundamentais desse processo de desconcentração, nesse período de intensas e profundas mudanças nos determinantes da vida econômica nacional.

Essa obra integra uma trilogia das transformações produtivas e migratórias regionais no país, juntamente com dois livros anteriormente editados.3 03 Raízes da concentração industrial em São Paulo. 5. ed. Campinas: Unicamp. Instituto de Economia, 2007 e Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil 1930-1970. 3. ed. São Paulo: Unesp, 2007. O primeiro investiga as causas e as circunstâncias subjacentes à concentração industrial em São Paulo, rompendo com alguns mitos relativos a esse tema. Cano investiga as condições de produção e acumulação de capital nas diversas regiões do país, mostrando que a industrialização paulista não se deu por conta de uma extração forçosa de excedente de outras regiões, mas sim pela extraordinária capacidade de acumulação e diversificação do complexo cafeeiro paulista – com capacidade de geração e acumulação de excedentes compatíveis com as exigências mínimas para o investimento industrial. Mostra que, antes de 1930, São Paulo não só liderava a produção industrial do país, mas também possuía a agropecuária mais capitalizada do Brasil.

Já em Desequilíbrios Regionais e Concentração Industrial no Brasil 1930-1970, o autor apresenta mais uma tese inédita, a da formação e integração do mercado nacional a partir da indústria paulista e da política econômica posta em prática a partir da "Crise de 1929". Além de analisar esse processo, mostra como se intensificou e como se transformou a concentração produtiva regional, em especial a industrial, entre 1930 e 1970. Cano mostra que a despeito do forte aumento dessa concentração em São Paulo, isto não resultou em estagnação ou recessão da periferia nacional. Ao contrário, sua pesquisa atesta de forma convincente que o aumento do peso de São Paulo na produção nacional se deu concomitantemente com o do crescimento da periferia, tendo essa registrado taxas altas e positivas de crescimento, embora menores do que as verificadas na indústria paulista. Destarte, São Paulo comandava o processo de acumulação no país, atuando como eixo central da produção nacional, estimulando, nesse período, a produção periférica nacional, notadamente da agropecuária e de matérias primas industrializadas.

A dinâmica destacada por Cano mostra como esse processo gerou vários efeitos – de destruição, estímulo e inibição – sobre o restante da economia nacional, à medida que se integrava o mercado interno brasileiro. Sua pesquisa deixa claro que o saldo líquido desses efeitos foi positivo, tendo aumentado a articulação entre as diferentes regiões do país, em oposição à configuração pré-1930, quando as regiões eram verdadeiras "ilhas", predominantemente orientadas para o exterior e em menor escala para o resto do país.

O atual livro, objeto desta resenha, traz um esforço reflexivo e de pesquisa pautado na alteração de algumas das linhas determinantes daquele processo, a partir das transformações econômicas pós 1970, realçando não só os principais fatos macroeconômicos nacionais, mas também inserindo fatos internacionais pertinentes àquele processo. O movimento geral a partir de 1970 se deu no sentido da desconcentração produtiva, como lembra o autor, em dois sentidos. Um, dentro do próprio estado de São Paulo, no sentido metrópole-interior, e outro no sentido de São Paulo em direção ao restante do país.

É necessário apontar que, para a consecução desta nova pesquisa, o autor se defrontou com sérios problemas metodológicos, tais como: i) as alterações na própria regionalização do país; ii) as mudanças e lacunas na metodologia de algumas séries de dados, como os índices de produção física do IBGE (Pim-pf); iii) as divergências entre esses dados e os das Contas Regionais, e iv – a ausência de dados censitários industriais a partir de 1985, só em parte substituídos, a partir de 1996, pelas PIAs (Pesquisa Industrial Anual) do IBGE.

Esses problemas se tornaram cruciais, notadamente para o período pós 1985, e tornaram mais difíceis as análises para as quais são imprescindíveis, tanto o encadeamento de séries históricas quanto o confronto analítico de quadros estruturais temporais de alguns fatos econômicos. Ademais, a pesquisa também padeceu do conhecido problema do sigilo de dados nos Censos e PIAs, além da distorção nos preços relativos gerada pelo forte período inflacionário e bruscos movimentos cambiais, motivo pelo qual o autor dá preferência a dados estruturais e cálculos de composição relativa. Todos esses problemas receberam o devido tratamento num Apêndice Metodológico e Estatístico organizado pelo autor e incluído na obra.

O texto apresenta quatro primeiros capítulos que envolvem as considerações macroeconômicas nacionais do período (capítulo 1) e a análise da desconcentração regional (capítulos 2 a 4); outro (capítulo 5), específico sobre os fluxos inter-regionais de migrações dos três períodos de análise e no último, o já citado Apêndice Metodológico. Dos setores produtivos analisados, o agropecuário e o extrativo mineral o foram com menor profundidade e abrangência de dados, ao contrário da indústria de transformação, núcleo central da pesquisa. Para a análise do setor serviços o autor trabalha com duas ordens de dados: os de renda, pelas contas nacionais e regionais e os de emprego, pelos Censos Demográficos, pois só assim, afirma, é possível se ter uma idéia mais concreta das transformações estruturais desse setor.

A pesquisa estabeleceu uma periodização que levou em conta as maiores especificidades macroeconômicas do país, examinadas em três momentos:

i) o movimento da excepcional década de 1970, de elevado crescimento primário, secundário e urbano, com notável aumento da diversificação da estrutura produtiva industrial, em que se caracterizou claramente o que Cano chama de desconcentração positiva ou virtuosa, dado que o crescimento da indústria de transformação de São Paulo, embora elevado (120% na década), foi superado pelo da periferia (164%). No período, os nexos inter-regionais se fortaleceram e a estrutura industrial do país se diversificou, tendo os bens intermediários, de capital e duráveis de consumo crescido mais que os bens não duráveis de consumo.

ii) o período da década perdida (1980-1989), de elevada inflação e baixo crescimento. Neste, tanto São Paulo como o restante do Brasil apresentaram crescimento débil (negativo em muitos ramos e segmentos industriais) e o pequeno decréscimo da participação de São Paulo decorreu, em vários segmentos produtivos, de diferenciais de taxas negativas ocorridas em ambas regiões ou, se positivas, de baixa dimensão. Ou seja, uma desconcentração por efeito estatístico e não decorrente de expressivos aumentos territoriais de produção. A Guerra Fiscal já dava seus primeiros passos, alterando artificialmente a localização de pequena fração da produção industrial, fazendo com que aumentasse essa desconcentração aparente – a que Cano chamou de espúria.É interessante como o autor identifica a discrepância dos movimentos em termos de estrutura produtiva dentro e fora do país ao apontar que, enquanto o capitalismo desenvolvido, em termos mundiais, avançava na sua reestruturação produtiva, no Brasil experimentávamos um retrocesso produtivo, tendo sido os setores de bens de capital e duráveis de consumo os mais pesadamente afetados. Detendo São Paulo o principal parque industrial do país, seria o estado muito mais afetado pela crise do que o restante da economia nacional. Dessa forma, o desempenho econômico paulista foi pior que o nacional.

iii) por fim, o posterior a 1989, que se estende até 2005, caracterizado pela adoção das políticas macroeconômicas de corte neoliberal, período no qual, embora a inflação fosse fortemente reduzida a partir de julho de 1994, o crescimento médio anual da economia – notadamente da indústria de transformação – permaneceu baixo. Os dados trabalhados pelo autor mostram que a variação anual média do PIB paulista foi inferior à verificada em termos nacionais, já baixa, entre 1980 e 2004.4 04 Cano (2008, p. 24). Para o período 1980-89 a variação média para o Brasil é de 2,2% contra 1,5% em São Paulo. No período seguinte, entre 1989 e 2004, passaram para 2,4% em termos nacionais contra 1,8% em São Paulo. É interessante notar que a variação média desse último período foi timidamente superior àquela verificada na década perdida. Entre os pontos levantados pelo autor, cabe lembrar os efeitos decorrentes da abertura comercial e financeira; a valorização cambial; o abandono do projeto nacional desenvolvimentista; as privatizações; a deterioração de alguns mecanismos da política de desenvolvimento regional e das próprias instituições regionais (Sudene e Sudam). Isso e o baixo crescimento do período tiveram um impacto quantitativo e qualitativo sobre a desconcentração em curso. Embora o notável crescimento das exportações agropecuárias e minerais e a grande expansão da produção de petróleo tenham afetado positivamente a desconcentração, ela continuou predominantemente espúria, dado que a Guerra Fiscal foi intensificada por todo o território nacional.

Fato é que as taxas de crescimento do produto nacional foram apenas ligeiramente superiores àquelas dos anos 1980. O desempenho dos bens de capital e de consumo durável continuou abaixo do apresentado pela agropecuária e pelos bens intermediários. Ademais, ressalta o autor, ganharam importância ainda mais destacada os produtos destinados ao mercado internacional, especialmente após o ano de 2002, com aumento de preços e da demanda internacional por commodities e matérias primas em geral, tendo a China como um dos principais motores da demanda internacional.

O processo de desconcentração produtiva regional torna-se, portanto, a partir de meados dos anos 1980, muito mais complexo, por desvirtuar-se frente aos descaminhos estabelecidos na condução da economia nacional. Torna-se cada vez menor a parcela do processo que diz respeito efetivamente à diversificação produtiva da periferia nacional, associada e integrada com o centro dinâmico nacional, tal qual ocorreu na década de 1970. Em contraposição, ganham força os projetos meramente logísticos que visam integrar o local ao global, sobrepondo-se à escala nacional, deixando patente a carência de uma política de desenvolvimento nacional, que logre dar maior racionalidade associada a solidariedade entre as diferentes regiões.

O que se tem atualmente é justamente o oposto, com a ampla disseminação do conjunto de práticas que caracterizam a Guerra Fiscal. O enfraquecimento de eixos estruturantes do ponto de vista nacional abre espaço para a concorrência entre os lugares, tomada pela lógica empresarial privada. Um verdadeiro leilão se dá para a atração de grandes empreendimentos privados, em que a única certeza são os custos e as concessões por parte dos governos locais, mas não as contrapartidas das empresas. A questão regional hoje passa necessariamente pelo encaminhamento de um projeto alternativo à ausência de coesão encarnada nessa prática.

No capítulo de migrações o autor tenta compreender as razões regionais de "saídas" e de "entradas", mostrando como, ao longo do período, esses fluxos, embora alterem suas proporções espaciais – aumentando as áreas receptoras do NO e do CO – mostram a continuidade da supremacia de São Paulo como o maior centro receptor do migrante nacional. Mostram ainda a preocupação do autor com o fato de que ao longo do século XX essas migrações aumentam, em que pese que várias de nossas regiões deixem de ser receptoras. Mesmo hoje, com a continuidade da expansão agro-mineral da Amazônia e do Centro Oeste, esta região também mostrou, no Censo Demográfico de 2000, sinais claros de uma tendência ao esgotamento de suas capacidades de recepção, restando portanto, apenas São Paulo como centro nacional de imigração nacional.

Em suas conclusões, Cano aponta para um paradoxo que sintetiza muito bem sua crítica ao processo de desconcentração produtiva recente. O estado mais industrializado do país vem perdendo parcela de sua indústria ao mesmo tempo em que tem o peso de sua agricultura elevado. Os efeitos disso sobre os nexos de encadeamento setoriais e regionais são preocupantes. As críticas levantadas pelo autor ganham nova força a partir da recente crise por que passa o mundo capitalista. O impacto sobre as nossas exportações pode deixar escancarado o problema trazido pela involução da estrutura produtiva do país. Com um peso cada vez maior do setor externo para a geração de riqueza e renda no país, restrito ainda a setores de maior volatilidade nos mercados internacionais devemos recorrer aos estímulos internos, presos na armadilha que montamos com o enfraquecimento dos nexos entre nosso centro dinâmico e o restante da nossa economia.

  • 01
    Resenha de: Cano, Wilson.
    Desconcentração produtiva regional do Brasil 1970-2005. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Unesp, 2008.
  • 02
    Doutorando em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp), Área de Concentração: Espaço, Agricultura e Meio-Ambiente, Campinas, SP, Brasil. E-mail:
  • 03
    Raízes da concentração industrial em São Paulo. 5. ed. Campinas: Unicamp. Instituto de Economia, 2007 e
    Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil 1930-1970. 3. ed. São Paulo: Unesp, 2007.
  • 04
    Cano (2008, p. 24). Para o período 1980-89 a variação média para o Brasil é de 2,2% contra 1,5% em São Paulo. No período seguinte, entre 1989 e 2004, passaram para 2,4% em termos nacionais contra 1,8% em São Paulo. É interessante notar que a variação média desse último período foi timidamente superior àquela verificada na década perdida.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
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