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Uma nota sobre a literatura acerca das causas dos desequilíbrios globais no contexto da globalização financeira

A note on literature about the causes of global imbalances in the context of financial globalization

Resumos

Esta nota pretende examinar uma parte da literatura sobre as causas dos desequilíbrios globais. A maioria das análises concentra-se na ideia de que a causa dos desequilíbrios está na "superabundância global de poupança". A superabundância de poupança seria consequência direta de políticas adotadas deliberadamente por algumas economias emergentes nos últimos anos, particularmente na China. Em contraposição à tese da superabundância de poupança, há uma hipótese que identifica as causas dos desequilíbrios no arranjo financeiro desencadeado após o fim dos acordos de Bretton Woods em 1971, que se exacerbou nas duas últimas décadas. Sob a chamada globalização financeira, esse arranjo promoveu um temerário boom de ativos e uma excessiva expansão do crédito com consequências negativas sobre a economia real que foram materializadas na crise financeira de 2008. Por meio dessa literatura, é mostrado, ainda, que tais consequências tornam-se mais evidentes quando se analisam os fluxos brutos de capitais ao invés dos fluxos líquidos.

Desequilíbrios globais; Globalização; Desregulamentação; Crise financeira


This note intends to examine a part of the literature on the causes of global imbalances. Most analyses focus on the idea that the cause of the imbalance is related to the "global saving glut". The "saving glut" would be a direct result of policies deliberately adopted by some emerging economies in recent years, particularly in China. In contrast to the savings glut thesis, this study raises the hypothesis that the causes of the imbalances are in the financial arrangement which was triggered after the end of the Bretton Woods agreements in 1971 and exacerbated in the last two decades. Under the so-called financial globalization, this arrangement promoted a reckless boom in assets and an excessive expansion of credit with negative consequences on the real economy, which were embodied in the 2008 financial crisis. It will be shown further that such consequences become more evident when analyzing gross flows of capital instead of net flows.

Global economic crisis; Global imbalances; Financialization


Introdução

Desde o fim dos anos 1990, a economia mundial se caracterizou por uma ampliação sem precedentes dos desequilíbrios globais, alcançando seu ápice em 2006. Após a crise financeira internacional de 2008-2009, os desequilíbrios sofreram uma redução puxada sobretudo pelos Estados Unidos e a China, os dois países que então concentravam os maiores desequilíbrios e que, portanto, estavam no centro dos debates1 1 Em 2013, o superávit chinês foi reduzido a 2,5% do PIB ante os 10% de 2007, enquanto os Estados Unidos, após registrarem um déficit de 5,8% do PIB em 2006, reduziram para 2,7% em 2013. . Com isso, (Eichengreen 2014)EICHENGREEN, Barry. A requiem for global imbalances. Project Syndicate. 2014. Disponível em: http://www.project-syndicate.org/commentary/barry-eichengreen-notesthat-a-decade-after-external-imbalances-emerged-as-a-supposed-threat-to-the-globaleconomy--the-problem-has-disappeared. Acesso em: 2 apr. 2014.
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chegou a afirmar que, "the era of global imbalances is over". Mais cauteloso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) avalia que essa redução se deve mais à desaceleração do comércio mundial e do investimento do que à adoção de reformas estruturais com esse intuito (IMF, 2013IMF. World Economic Outlook, October: transitions and tensions. Washington: International Monetary Fund, 2013.). Realmente, a declaração de Eichengreen é exagerada, pois, embora menores, os desequilíbrios persistem, e não houve até o momento uma mudança importante no sistema econômico internacional que afastasse a possibilidade dos desequilíbrios retornarem aos níveis anteriores à crise.

De qualquer forma, o problema não é novo. Na década de 1980, o debate sobre os desequilíbrios surgiu com força depois da virada na política econômica norte-americana (Reaganomics), que resultou na formação de enormes déficits fiscais e na conta de transações correntes dos Estados Unidos, os chamados déficits gêmeos. Naquela ocasião, o acúmulo de déficits comerciais ocorria basicamente com o Japão, e a tese do hard landing do dólar ganhou grande repercussão (Belluzzo, 2005BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O dólar e os desequilíbrios globais. Revista de Economia Política, v. 25, n. 3 (99), jul./set. 2005.). Entretanto, diferente da situação anterior, quando os desequilíbrios estavam concentrados em um número reduzido de países, agora o problema alcança um conjunto mais amplo, em especial, várias economias periféricas.

Esta nota pretende examinar uma parte da literatura sobre as causas dos desequilíbrios globais. Ao contrário da década de 1980, em que a culpa recaía principalmente sobre as políticas domésticas dos Estados Unidos, agora, a mais popular interpretação a respeito dos desequilíbrios globais transfere a responsabilidade para as economias superavitárias do Leste Asiático. Vários autores afirmavam que tais desequilíbrios foram responsáveis pela crise financeira e que a sua permanência ameaçava à recuperação mundial2 2 Cf. (Obstfeld e Rogoff 2009),(Blanchard e Milesi-Ferretti 2009) e (Dunaway 2009). . Mas é o elevado déficit externo dos Estados Unidos, que começou a se formar no fim dos anos 1990, que está por trás da ideia de que os desequilíbrios precisam ser solucionados, pois, em algum momento, a confiança no dólar será abalada, e os agentes irão se recusar a continuar financiando os déficits.

Porém, ainda que os desequilíbrios estejam baseados tanto na esfera comercial quanto na financeira, a maior parte das análises enfatiza a esfera comercial do problema. Por outro lado, autores mais heterodoxos levantam a hipótese de que as causas dos desequilíbrios encontram-se no arranjo financeiro que surgiu após a quebra unilateral dos acordos de Bretton Woods em 1971 pelo governo norte-americano. Esse arranjo encontrou terreno fértil após a vitória de uma série de governos conservadores nos Estados Unidos e Europa no começo dos anos 1980 e com o fim da Guerra Fria na década seguinte. As políticas adotadas promoveram um temerário boom de ativos e uma excessiva expansão do crédito com consequências negativas sobre a economia real, que foram materializadas nas diversas crises financeiras nas últimas duas décadas.

1 Superabundância global de poupança

Em termos gerais, os desequilíbrios globais podem ser conceituados da seguinte forma: o acúmulo de déficits e superávits em conta corrente que surgiram na economia global a partir dos anos 1990, em que alguns países caminham com elevados déficits (Estados Unidos, Reino Unido etc.), enquanto outros caminham com expressivos superávits (China, Japão, economias do Leste Asiático, Alemanha e exportadores de petróleo) (IMF, 2009IMF. World Economic Outlook, April: crisis and recovery. Washington: International Monetary Fund., 2009., p. 34). No Gráfico 1, elaborado pelo FMI, é possível observar o crescimento dos desequilibrios até a crise financeira global em 2008 e sua posterior redução.

Gráfico 1
Desequilíbrios Globais (% PIB Mundial) (1) Bulgária, Croácia, República Checa, Estônia, Grécia, Hungria, Irlanda Letônia, Lituânia, Polônia, Portugal, Romênia, Republica Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Turquia e Reino Unido. (2) Hong Kong, Indonésia, Coreia, Malásia, Filipinas, Singapura, Taiwan e Tailândia Fonte: FMI (World Economic Outlook).

Ainda que o problema atinja diversos países, na prática, o debate estava voltado principalmente para dois países nos quais os desequilíbrios estavam mais concentrados: Estados Unidos e China. Os Estados Unidos concentravam (e ainda concentram) em termos absolutos os maiores déficits. Por sua vez, segundo várias interpretações, a China era a principal responsável pela manutenção desse déficit, principalmente por utilizar sua política cambial de maneira desleal. Aqui trataremos da interpretação sobre as causas dos desequilíbrios globais que ganhou maior repercussão: a tese da "superabundância global de poupança" (global saving glut)3 3 De acordo com (Visco 2009), além da tese da "superabundância global de poupança", no campo ortodoxo/liberal, há pelo menos mais duas interpretações principais para essa situação: o "Bretton Woods II" e a acumulação de reservas internacionais devido à falta de alternativas nos mercados financeiros das economias periféricas (global asset shortage). Conforme veremos mais à frente, o global asset shortage pode ser considerado complementar à tese do excesso de poupança. .

Inicialmente, a explicação mais aceita para o desequilíbrio nas contas externas dos Estados Unidos dizia que esse era o resultado da baixa poupança (excesso de gastos) do governo, das famílias e empresas norte-americanas. A explicação ganhou força no início da década de 2000 devido aos déficits orçamentários no governo Bush Jr. A ideia da baixa poupança foi defendida por (Summers 2004)SUMMERS, Lawrence. Reflections on global account imbalances and emerging markets reserve accumulation. L. K. Jha Memorial Lecture Reserve Bank of India Mumbai, India, Mar. 2006. Disponível em: https://ideas.repec.org/p/ess/wpaper/id1042.html. Acesso em: 20 set. 2009.
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, porém, mais tarde, ele próprio abandonou essa explicação para o fenômeno. O problema é que, segundo a teoria ortodoxa, uma baixa taxa de poupança implicaria em alta taxa de juros. Entretanto, as taxas de juros mundiais permaneciam baixas (Summers, 2006SUMMERS, Lawrence. Reflections on global account imbalances and emerging markets reserve accumulation. L. K. Jha Memorial Lecture Reserve Bank of India Mumbai, India, Mar. 2006. Disponível em: https://ideas.repec.org/p/ess/wpaper/id1042.html. Acesso em: 20 set. 2009.
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)4 4 Segundo (Catão e Mackenzie 2006), as taxas de juros baixas atualmente não são anormais quando observadas sob uma perspectiva histórica. .

O ex-presidente do Fed (Banco Central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, é um dos principais proponentes da tese da superabundância global de poupança. Na realidade, foi através de um famoso discurso proferido em 2005 que Bernanke, na época governador do Fed, levantou a hipótese que depois passou a fazer parte da maioria das discussões sobre o assunto. No discurso, ele afirmou que os constantes déficits em transações correntes dos Estados Unidos, devido a sua magnitude, não poderiam ser explicados somente por fatores domésticos (queda na poupança pública e privada dos agentes norte-americanos), mas principalmente por eventos ocorridos na economia mundial.

Segundo (Bernanke 2005BERNANKE, Ben. The global saving glut and the U.S. Current Account Deficit, 2005. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/boarddocs/speeches/2005/200503102/. Acesso em: 15 set. 2010.
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), na década de 1990, ocorreu uma combinação de forças que criou um aumento da oferta de poupança mundial, que explicariam tanto os déficits em transações correntes dos Estados Unidos como as relativamente baixas taxas de juros de longo prazo no mundo. Uma dessas forças estava no envelhecimento da população em alguns países desenvolvidos, motivo importante para ampliação da poupança global. A outra razão proveio do forte aumento no preço do petróleo no mercado internacional, uma vez que favoreceu diretamente as nações exportadoras que, em sua maioria, são economias em desenvolvimento. No entanto, o comportamento da poupança nesses países e o aumento do preço do petróleo, ainda que importantes, não explicam a maior parte do crescimento da poupança global.

A superabundância de poupança seria consequência direta de políticas econômicas deliberadas adotadas a partir de 1996 por algumas economias periféricas, com dois objetivos principais: i) aceleração do crescimento induzido por exportações e; ii) a acumulação de reservas internacionais. (Bernanke 2005)BERNANKE, Ben. The global saving glut and the U.S. Current Account Deficit, 2005. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/boarddocs/speeches/2005/200503102/. Acesso em: 15 set. 2010.
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entende que essas mudanças são consequência da série de crises financeiras ocorridas durante os anos 1990. As reservas internacionais serviriam como forma de autosseguro contra futuras crises. De acordo com (Blanchard e Milesi-Ferretti 2009)BLANCHARD, Olivier; MILESI-FERRETTI, Gian Maria. Global imbalances: in midstream? IMF Research Department, Dec. 2009., seja como forma de autosseguro ou para aumentar as exportações, essas são estratégias que provocam distorções sistêmicas na economia mundial e precisam ser evitadas.

A questão central é que o excesso de poupança nos mercados emergentes é depositado nas economias avançadas, principalmente nos Estados Unidos, provocando déficits em transações correntes e depreciando as taxas de juros de longo prazo. Além disso, o excesso de poupanças induz a uma expansão temerária do crédito com graves consequências à estabilidade econômica. Assim, a estratégia de algumas economias periféricas criou, no início do século XXI, um novo padrão nas relações internacionais, em que a economia mais avançada do mundo é também receptora líquida de capitais. Essa condição é a responsável pelas turbulências na economia mundial (Wolf, 2009WOLF, Martin. A reconstrução do sistema financeiro global. Tradução Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2009.).

Contudo, (Bernanke 2007)________. Global imbalances: recent developments and prospects. 2007. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20070911a.htm. Acesso em: 20 jun. 2010.
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avaliava que existiam motivos para crer que os desequilíbrios globais não eram necessariamente um problema, pelo menos no curto prazo. Em primeiro lugar, porque se tratava, em grande medida, de um fenômeno de mercado e, no caso especifico dos Estados Unidos, os desequilíbrios refletiam a capacidade de atração do seu sistema financeiro5 5 Quanto à especialidade dos mercados financeiros norte-americanos, (Krugman 2008) afirma que a crise das hipotecas subprime demonstrou que tais mercados são caracterizados menos pela sofisticação e mais pelo sofisma. Realmente, é bastante questionável a conclusão de Bernanke (2007) de que um dos atrativos do mercado financeiro norte-americano esteja nas suas salvaguardas legais, quando se tem visto as recorrentes falhas de regulação dos últimos anos. Provavelmente, um dos principais atrativos esteja justamente na falta de regras que elevam a rentabilidade, apesar dos maiores riscos envolvidos (Serrano, 2008, p. 115). Algo que, aliás, o próprio Bernanke veio a reconhecer. Cf. (Rampell, 2010). . E, ainda que alguns governos intervenham nos mercados cambiais e invistam parte dos seus lucros nos Estados Unidos, "the supply of capital from foreign governments is not as large as that from foreign private investors" (Bernanke, 2007________. Global imbalances: recent developments and prospects. 2007. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20070911a.htm. Acesso em: 20 jun. 2010.
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). Em segundo lugar, do ponto de vista das economias do Leste Asiático que sofreram crises financeiras na segunda metade dos 1990, os desequilíbrios significavam aumento das exportações e, consequentemente, recuperação do emprego e da renda. Por outro lado, por conta dos déficits comerciais, os Estados Unidos assistiram sua demanda agregada aumentar sem que houvesse pressões inflacionárias. Por último, apesar do elevado déficit em transações correntes não ser sustentável indefinidamente, os passivos externos ainda não significavam um grande peso para os Estados Unidos (Bernanke, 2007________. Global imbalances: recent developments and prospects. 2007. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20070911a.htm. Acesso em: 20 jun. 2010.
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).

Todavia, no longo prazo, Bernanke apontava que, devido ao tamanho dos déficits externos, chegará o momento em que os investidores preferirão não mais financiar os Estados Unidos. Ou seja, necessariamente ocorrerá um ajuste no futuro que provavelmente causará perturbações à economia mundial e que será tanto maior quanto mais tempo perdurarem os desequilíbrios globais (Bernanke, 2007________. Global imbalances: recent developments and prospects. 2007. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20070911a.htm. Acesso em: 20 jun. 2010.
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).

Portanto, algumas medidas precisariam ser tomadas a fim de reordenar gradualmente a economia mundial. A principal entre elas, a redução dos déficits em transações correntes dos Estados Unidos, deveria acontecer por meio de uma modificação na política econômica dos países superavitários que então forçasse a diminuição de suas poupanças. De acordo com (Bernanke 2007)________. Global imbalances: recent developments and prospects. 2007. Disponível em: http://www.federalreserve.gov/newsevents/speech/bernanke20070911a.htm. Acesso em: 20 jun. 2010.
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, medidas nesse sentido incluiriam reformas no setor financeiro, aumento dos gastos do governo em infraestrutura, no meio ambiente, segurança social e a valorização do câmbio. No caso específico da China, isso implicaria em eliminar (ou reduzir) os controles de capitais, algo semelhante ao que aconteceu com o Japão na segunda metade dos anos 1980 quando aceitou valorizar o iene após as pressões do governo norte-americano (Tavares; Belluzzo, 2004TRUMAN, Edwin. The international monetary system and global imbalances. Peterson Institute for International Economics, 2010. Disponível em: http://www.iie.com/publications/papers/truman0110.pdf. Acesso em: 12 set. 2011.
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, p. 132).

A hipótese de que um ajuste é inevitável, e que poderá trazer consequências imprevisíveis, é compartilhado por vários autores, entre eles Knight (2006), (Wolf 2009)WOLF, Martin. A reconstrução do sistema financeiro global. Tradução Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2009. e (Bergsten 2007)BERGSTEN, Fred. The current account deficit and the US economy. Testimony before the budget Committee of the United States Senate, Feb. 1. Disponível em: http://www.iie.com/publications/testimony/testimony.cfm?ResearchID=705. Acesso em: 9 mar. 2011.
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. Este último chegou a afirmar que: "The huge and growing international trade and current account imbalances centered on the US external deficits and net debtor position, represent the single greatest threat to the continued prosperity and stability of the United States and world economies" (Bergsten, 2007BERGSTEN, Fred. The current account deficit and the US economy. Testimony before the budget Committee of the United States Senate, Feb. 1. Disponível em: http://www.iie.com/publications/testimony/testimony.cfm?ResearchID=705. Acesso em: 9 mar. 2011.
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).

Por outro lado, (Cooper 2005 COOPER, Richard. Living with global imbalances: a contrarian view. Policy Briefs in international economics. Institute for International Economics. 2005. Disponível em: http://www.iie.com/publications/pb/pb05-3.pdf. Acesso em: 15 set. 2009.
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); (2006________. Understanding global imbalances. 2006. Disponível em: http://www.weforum.org/pdf/initiatives/IMCP_RichardCooper.pdf. Acesso em: 9 set. 2009.
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) discorda de que a solução estaria na diminuição da poupança dos países superavitários. Em primeiro lugar, porque o excesso de poupança é estrutural devido ao processo de envelhecimento em sociedades ricas, como a Alemanha e o Japão6 6 Vimos anteriormente que Bernanke (2005) concorda que parte do excesso de poupança decorre do envelhecimento da população, mas não explica a maior parte desse excesso. . Além disso, a possível valorização cambial dos países superavitários, além de não atenuar os desequilíbrios globais, ao contrário, poderia precipitar uma crise financeira internacional.

Os Estados Unidos atraem a poupança do resto do mundo, ainda que com retornos menores, porque possuem um mercado financeiro menos volátil, mais seguro e desenvolvido que os mercados emergentes (Cooper, 2005COOPER, Richard. Living with global imbalances: a contrarian view. Policy Briefs in international economics. Institute for International Economics. 2005. Disponível em: http://www.iie.com/publications/pb/pb05-3.pdf. Acesso em: 15 set. 2009.
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, p. 4). Ou seja, não é surpresa que o mundo invista 10% ou mesmo 15% de suas poupanças em ativos norte-americanos, o que sugere que seus déficits em transações correntes permanecerão ainda por um longo tempo.

Entretanto, (Borio e Disyatat 2011 ________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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), (Borio 2011 ________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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) e (Bibow 2008 BIBOW, Jörg. The International Monetary (Non-) Order and the 'Global Capital Flows Paradox. The Levy Economics Institute and Skidmore College, Apr. 2008.) chamam atenção para as inconsistências de dois elementos da tese: i) a presunção de que os fluxos líquidos de capitais dos países com superávits em transações correntes contribuíram para que os países deficitários financiassem um boom de crédito doméstico e; ii) que um aumento da poupança nos países superavitários deprime as taxas de juros mundiais, particularmente nos ativos denominados em dólar, os preferidos para os investimentos dos países superavitários.

Em relação ao primeiro elemento, os autores lembram que a conta de transações correntes e os fluxos líquidos de capitais revelam pouco sobre o financiamento. Eles expõem alterações nos ativos líquidos de um país decorrentes do comércio de bens e serviços. Porém, omitem as modificações nos fluxos brutos de capitais (entradas mais saídas), incluindo todas as transações que envolvem apenas ativos financeiros, nas quais constituem a maior parte da atividade financeira entre os países (sobre esse ponto voltaremos mais adiante). Some-se a isso que a conta de transações correntes mostra muito pouco sobre o papel que um país desempenha como tomador ou emprestador de recursos, até que ponto seus gastos com investimentos são financiados por fontes externas e sobre o impacto dos fluxos de capitais nas condições financeiras domésticas (Borio; Disyatat, 2011________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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; Borio, 2011________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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).

Quanto ao segundo elemento, está subjacente, na tese da superabundância de poupança, que as taxas de juros são formadas através de fluxos de gastos sustentados por fatores reais, na forma de propensão a poupar e investir. Conhecida como "teoria dos fundos emprestáveis", em nenhum momento essa teoria representa de maneira realista a determinação das taxas de juros nos mercados financeiros (Bibow, 2008BIBOW, Jörg. The International Monetary (Non-) Order and the 'Global Capital Flows Paradox. The Levy Economics Institute and Skidmore College, Apr. 2008., p. 17). Mas, segundo a tese, é ela que explica porque as taxas de juros estão deprimidas no mundo: um aumento da poupança nas economias periféricas inundou o mercado financeiro internacional, resultando em excesso de poupança sobre o investimento no mercado. (Borio e Disyatat 2011________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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, p. 20) lembram que as taxas de juros de mercado refletem fatores monetários e financeiros. Elas são o resultado da interação entre a política de juros adotada pelo banco central, as expectativas do mercado sobre as taxas de juros futuros e os prêmios de risco que, por sua vez, são influenciados pela oferta de ativos financeiros e preferências dos agentes econômicos.

2 Sobre o papel das finanças nos desequilibrios globais

Uma visão alternativa sobre as causas dos desequilíbrios globais leva em conta algumas características fundamentais do movimento de expansão do capitalismo mundial ocorrido nas últimas décadas. Essa expansão, denominada por vários autores de globalização financeira7 7 Cf., por exemplo, Chesnais (1998; 2005), (Carneiro 1999) e (Ferrari Filho; Paula 2004). , tem origem entre o fim dos anos 1960 e começo dos 1970. A emergência do Euromercado, o fim dos acordos de Bretton Woods em 1971 e a adoção do regime de câmbio flutuante a partir de 1973 são acontecimentos-chave dessa nova era (Belluzzo, 1997). Desse modo, em contraste com a tese da superabundância de poupança, autores como (Belluzzo 2005BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O dólar e os desequilíbrios globais. Revista de Economia Política, v. 25, n. 3 (99), jul./set. 2005.), (Borio e Disyatat 2011 ________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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), (Borio 2011 ________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
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), (Johnson 2009 JOHNSON, Karen H. Gross or net international financial flows: understanding the financial crisis. Council on Foreign Relations, Jul. 2009 Disponível em: http://www.cfr.org/publication/by_type/journal_article.html. Acesso em: 20 set. 2009.
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) e (Shin 2012 SUMMERS, Lawrence. The US current account deficit and the global economy. Per Jacobsson Lecture, International Monetary Fund, October, 2004. Disponível em: http://www.perjacobsson.org/2004/100304.pdf. Acesso em: 20 set. 2009.
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) buscam explicar o fenômeno dos desequilíbrios globais a partir de uma perspectiva que coloca o modus operandi do atual sistema financeiro internacional em evidência.

Com a ascensão de governos conservadores, na Inglaterra, com Margaret Thatcher, em 1979, e nos Estados Unidos, com Ronald Reagan, em 1980, foi dado o grande impulso no rumo da globalização financeira. Acompanhada de uma virada para uma ideologia anti-Estado e um retorno da confiança na capacidade autorreguladora do mercado, o capital financeiro, a mais geral e abstrata forma de riqueza capitalista, ganhou status permanente na valorização e expansão do capital. A ampliação dos déficits gêmeos dos Estados Unidos na primeira metade da década de 1980 cumpriu papel central nesse processo ao dotar os agentes privados em todo mundo de títulos de grande liquidez e de reserva universal (Belluzzo, 2005BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O dólar e os desequilíbrios globais. Revista de Economia Política, v. 25, n. 3 (99), jul./set. 2005.).

A desregulamentação financeira desencadeada durante esse período trouxe uma profunda transformação nos sistemas financeiros das economias avançadas. As medidas seguidas pelos governos conservadores puseram fim aos controles sobre movimentos de capitais, entendidas como fundamentais no antigo sistema de Bretton Woods. Outras medidas foram aprovadas com o objetivo de desmantelar as regulamentações financeiras internas que vigoravam desde o período entre guerras, "cuja primeira consequência, no começo da década de 1980, consistiu na rápida expansão dos mercados de bônus interligados internacionalmente" (Chesnais, 1998CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Tradução por Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996., p. 25).

A desregulamentação ensejou a criação de novos instrumentos financeiros numa velocidade jamais vista. O mercado financeiro internacional inseriu-se na busca de novas formas de expandir os serviços financeiros em decorrência da diminuição das restrições às atividades das instituições. Uma grande parte das decisões de investimento empresarial passou a ser realizada dentro do espírito especulativo de curto prazo.

A alta mobilidade de capitais e a inexistência de uma instituição com instrumentos capazes de coordenar o sistema monetário e financeiro internacional fez com que o sistema de taxas de câmbio flutuantes se caracterizasse por forte instabilidade. Isso se revelou no brutal aumento das operações financeiras sobre as moedas e no desenvolvimento de novos instrumentos financeiros para a cobertura de riscos, especialmente os chamados derivativos, ligados à variação das moedas e juros. Os derivativos permitem aos agentes a eliminação de riscos decorrentes das oscilações de preços dos ativos financeiros ao transferir os riscos para outros agentes, garantindo um aumento da previsibilidade (Farhi, 2001FARHI, Maryse. Dinâmica dos ataques especulativos e regime cambial. Economia e Sociedade, Campinas, n. 17. p. 55-79, 2001.).

Todavia, de forma contraditória, os mercados de derivativos servem à especulação realizada através de apostas nas variações de câmbio, de preços e de taxas de juros, e também porque facilitam o acesso ao mecanismo de alavancagem. Consequentemente, o risco de crises sistêmicas se elevou bastante, já que os agentes podem operar com um volume extraordinariamente maior de recursos que os disponíveis à vista e pela capacidade de acentuar a volatilidade dos ativos. Em momentos de forte instabilidade, os agentes tendem a diminuir sua alavancagem e liquidar posições em diferentes mercados. De tal modo, a generalização desses instrumentos financeiros modificou a configuração das crises financeiras trazendo sérias implicações para o ajuste do balanço de pagamentos dos países (Farhi, 2001FARHI, Maryse. Dinâmica dos ataques especulativos e regime cambial. Economia e Sociedade, Campinas, n. 17. p. 55-79, 2001., p. 56).

Um dos aspectos cruciais desse ambiente de excessiva volatilidade é a constituição do chamado "sistema financeiro sombra" (shadow bank system). Esse sistema é formado por entidades, como bancos de investimentos e fundos de hedge, que são sustentadas por instituições financeiras e mantidas fora de seus balanços. De acordo com Morris (2008, p. 37), no começo de 2007, o volume de empréstimos dos "bancos sombra" era maior que todo o sistema bancário tradicional dos Estados Unidos. Um sistema que, deve-se ressaltar, sequer presta contas às autoridades reguladoras8 8 A formação do sistema financeiro sombra foi a maneira que os bancos encontraram para aumentar suas operações sem precisar reservar os coeficientes de capital requeridos pelos Acordos de Basiléia. Cf. (Cintra e Farhi 2008) .

Outra questão central a ser destacada refere-se aos fluxos brutos de capital, ou seja, a soma total das entradas e saídas de capital. Isso porque, conforme (Johnson 2009 JOHNSON, Karen H. Gross or net international financial flows: understanding the financial crisis. Council on Foreign Relations, Jul. 2009 Disponível em: http://www.cfr.org/publication/by_type/journal_article.html. Acesso em: 20 set. 2009.
http://www.cfr.org/publication/by_type/j...
), a análise dos fluxos líquidos tende a evidenciar a contribuição de países que mantêm elevados superávits em transações correntes para a formação dos desequilíbrios globais.

O aumento dos fluxos brutos de capitais na economia mundial nas últimas décadas provocou um desligamento dos fluxos de capitais com as necessidades de financiamento dos países (Carneiro, 1999CARNEIRO, R. A globalização financeira: origem, dinâmica e perspectivas. Campinas: Unicamp. IE, out. 1999. (Texto para Discussão, IE/Unicamp, n. 90)., p. 63; BIS, 2011BIS (Bank for International Settlements). BIS Annual Report 2010/11. Disponível em: http://www.bis.org/publ/arpdf/ar2011e.htm. Acesso em: 5 fev. 2012.
http://www.bis.org/publ/arpdf/ar2011e.ht...
). Ou seja, a possibilidade de um ajuste natural entre deficitários e superavitários não deve ser considerada, pois mesmo aqueles países que estejam com a conta de transações correntes em equilíbrio podem receber fluxos de capitais de grande magnitude. Por isso, os fluxos brutos de capitais, ao capturar as duas vias de fluxos, são um indicador sobre a integração financeira que permite um exame mais confiável sobre a economia mundial ao invés dos fluxos líquidos adotados na maioria das análises (Das, 2010DAS, Dilip K. Financial globalization: growth, integration, innovation and crisis. New York: Palgrave Macmillan, 2010., p. 170; Johnson, 2009JOHNSON, Karen H. Gross or net international financial flows: understanding the financial crisis. Council on Foreign Relations, Jul. 2009 Disponível em: http://www.cfr.org/publication/by_type/journal_article.html. Acesso em: 20 set. 2009.
http://www.cfr.org/publication/by_type/j...
; Shin, 2012SUMMERS, Lawrence. The US current account deficit and the global economy. Per Jacobsson Lecture, International Monetary Fund, October, 2004. Disponível em: http://www.perjacobsson.org/2004/100304.pdf. Acesso em: 20 set. 2009.
http://www.perjacobsson.org/2004/100304....
; Borio; Disyatat, 2011________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
http://www.bis.org/publ/work346.pdf...
). Logo, quando se verifica que são os fluxos brutos de capitais que dominam as mudanças no balanço de pagamentos, desenhase um quadro mais claro sobre as reais causas dos desequilíbrios globais.

Seguindo (Johnson 2009 JOHNSON, Karen H. Gross or net international financial flows: understanding the financial crisis. Council on Foreign Relations, Jul. 2009 Disponível em: http://www.cfr.org/publication/by_type/journal_article.html. Acesso em: 20 set. 2009.
http://www.cfr.org/publication/by_type/j...
), (Shin 2011 SHIN, Hyun Song. Global banking glut and loan risk premium. 2012. Disponível em: http://www.princeton.edu/~hsshin/www/mundell_fleming_lecture.pdf. Acesso em: 15 fev. 2012.
http://www.princeton.edu/~hsshin/www/mun...
) e (Borio e Disyatat 2011 ________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
http://www.bis.org/publ/work346.pdf...
), é possível levantar alguns pontos fundamentais que se contrapõem à hipótese do excesso de poupança. Em primeiro lugar, deve-se observar que a enorme expansão dos fluxos brutos de capitais nas últimas duas décadas ocorreu principalmente entre as economias avançadas9 9 Os fluxos brutos de capitais passaram de algo em torno de 10% do PIB mundial em 1998 para 30% em 2007 (Borio; Disyatat, 2011, p. 13). De acordo com (Lane e Milesi-Ferretti 2008, p. 3), a criação do euro foi um fator importante pelo crescimento das transações financeiras entre as economias centrais, já que eliminou o risco cambial entre os participantes da área do euro. . Ainda que a participação no comércio das economias centrais tenha se reduzido, a participação nas transações financeiras aumentou, apesar da crise financeira global em 2008.

Por outro lado, a conta de transações correntes dos Estados Unidos não jogou papel fundamental nos influxos de capitais antes da crise financeira: os fluxos brutos de capitais que entraram e saíram dos Estados Unidos foram muito maiores que o déficit em transações correntes. Em 2007, os Estados Unidos receberam US$ 2.064,6 trilhões. Ou seja, um valor muito superior ao déficit em transações correntes, que foi de US$ 710 bilhões (IMF, 2013IMF. World Economic Outlook, October: transitions and tensions. Washington: International Monetary Fund, 2013.).

Assim sendo, ainda que os Estados Unidos não apresentassem déficits em transações correntes, o fluxo de capitais para o país teria sido bastante considerável. Isso não acontece por acaso, pois decorre da capacidade do seu sistema financeiro, o mais liquido e profundo do mundo, e sua atuação "como prestamista e devedor de última instância" (Belluzzo, 1997, p. 188). Ademais, a Europa foi a principal fonte de capitais para os Estados Unidos, principalmente o Reino Unido, e não a China, o Japão e outras economias periféricas como sugere a tese da superabundância de poupança.

É também importante avaliar a origem dos fluxos financeiros: se são de fontes oficiais ou de investidores privados. Embora a discussão dos desequilíbrios globais tenha enfatizado o papel das fontes oficiais de recursos (principalmente do governo chinês), a maior parte dos influxos brutos de capitais para os Estados Unidos tem origem no setor privado, particularmente dos bancos europeus (Shin, 2012SUMMERS, Lawrence. The US current account deficit and the global economy. Per Jacobsson Lecture, International Monetary Fund, October, 2004. Disponível em: http://www.perjacobsson.org/2004/100304.pdf. Acesso em: 20 set. 2009.
http://www.perjacobsson.org/2004/100304....
). Por exemplo: dos US$ 2.064,6 trilhões que os Estados Unidos receberam em 2007, US$ 1.583,6 trilhão foi de investidores privados. Isso não causa surpresa quando se leva em conta que "Today, assets in the international financial system are predominantly held by the private sector, which was not always the case. In the case of international holdings of dollar assets, official holdings as of the end of 2008 were less than 15 percent of the total by a conservative estimate" (Truman, 2010VISCO, Ignazio. The global crisis - the role of policies and the international monetary system. 2009. Disponível em: http://www.bis.org/review/r090715e.pdf. Acesso em: 15 jun. 2010.
http://www.bis.org/review/r090715e.pdf...
, p. 4).

De fato, a análise dos fluxos líquidos não capta possíveis rompimentos dos empréstimos bancários entre os países nem prevê corretamente quais as fontes de tensões.

Fluxos de capitais de grande magnitude precisam ser acomodados pelo país, o que pode afetar gravemente o sistema financeiro nacional, não obstante, em termos líquidos, os capitais que permanecem no país não pareçam muito significativos. E quanto menos regulados, mais dramáticas tendem a ser suas consequências. Os fluxos líquidos também podem esconder grandes discrepâncias em termos de composição, comoem relação ao volume de investimento externo direto e de investimento em portfólio, além de outras características dos fluxos de capitais, entre elas, a maturidade e a composição de moedas.

O exame sobre os fluxos brutos de capitais após a crise mostra seu caráter errático. Em 2008, houve uma ligeira queda nos desequilíbrios globais, porém os fluxos brutos diminuíram fortemente, sobretudo pela contração dos fluxos nas economias avançadas. Após a intensa retração em 2008 e 2009, já em 2010, os Estados Unidos atraíram um fluxo bruto de US$ 1.245,7 trilhão, enquanto sua conta corrente registrou um déficit de "somente" US$ 470,9 bilhões. Deve-se ressaltar que, em nenhum momento, o papel do dólar como moeda de reserva internacional foi colocado em dúvida. O temor do FMI, e de vários analistas, de que uma crise poderia suscitar um ajustamento abrupto e desordenado em consequência de uma forte redução na demanda por títulos norte-americanos provocando um brusco realinhamento da taxa de câmbio (disruptive adjustment) não ocorreu (IMF, 2006IMF. World Economic Outlook (WEO): financial systems and economic cycles. September. Washington: International Monetary Fund, 2006.). Ao contrário, no auge da crise do subprime houve um aumento da demanda por títulos norte-americanos e valorização do dólar.

Assim, quando o foco da análise passa a ser os fluxos brutos ao invés da conta de transações correntes, os fatores financeiros ganham proeminência. A questão passa a ser o que sustenta os desequilíbrios globais. Nesse sentido, ao invés de "excesso de poupança", (Borio e Disyatat 2011 ________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
http://www.bis.org/publ/work346.pdf...
) e (Shin 2012 SUMMERS, Lawrence. The US current account deficit and the global economy. Per Jacobsson Lecture, International Monetary Fund, October, 2004. Disponível em: http://www.perjacobsson.org/2004/100304.pdf. Acesso em: 20 set. 2009.
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) sugerem que há um "excesso de elasticidade" no sistema monetário e financeiro internacional10 10 (Borio e Disyatat 2011, p. 24) definem excesso de elasticidade como: "the degree to which the monetary and financial regimes constrain the credit creation process, and the availability of external funding more generally". Shin (2012) denomina esse excesso de elasticidade de global banking glut, em contraposição ao global saving glut. . Em termos gerais, é a elevada "elasticidade" dos mercados financeiros globais que estimula a expansão desenfreada do crédito, a inflação de ativos e o endividamento de empresas e famílias. Fracas restrições provocam uma elasticidade excessiva no mercado financeiro, com booms de crédito e endividamento que a qualquer momento podem se tornar insustentáveis11 11 Isso não era considerado problema para o Fed, pois o endividamento crescente das famílias e das empresas, segundo Greenspan (2008, p. 333), caminha de mãos dadas com o progresso .

Nesse cenário, acirrou-se a concorrência entre as instituições financeiras na busca de novos clientes em qualquer parte do mundo. A intensa transferência de ativos de um país para outro, que não é captada pela conta de transações correntes (Shin, 2012SUMMERS, Lawrence. The US current account deficit and the global economy. Per Jacobsson Lecture, International Monetary Fund, October, 2004. Disponível em: http://www.perjacobsson.org/2004/100304.pdf. Acesso em: 20 set. 2009.
http://www.perjacobsson.org/2004/100304....
), leva à intensa volatilidade das taxas de câmbio com todas as consequências sobre o balanço de pagamentos. Entre as consequências estão os desequilibrios globais, tendo o déficit em transações correntes dos Estados Unidos cada vez mais um caráter estrutural. Em períodos de crescimento da economia norte-americana, esses desequilibrios tendem a se agravar e a se reduzir em períodos de recessão. Mas eles continuarão a fazer parte da economia global, assim como as recorrentes crises financeiras.

Considerações finais

A discussão sobre os desequilíbrios globais, tendo como tese mais aceita o excesso de poupança, esconde as causas principais das turbulências que a economia mundial vem sofrendo há pelo menos três décadas. Essa tese responsabiliza determinadas economias periféricas, secundariza o papel dos Estados Unidos e de outras economias desenvolvidas nos desequilíbrios globais e isenta o Fed de possíveis erros na condução da política monetária.

Entretanto, a origem dos desequilíbrios está nos mecanismos desenvolvidos no sistema financeiro internacional e na posição desfrutada pelos Estados Unidos no sistema monetário internacional; dois acontecimentos que se encontram interligados. O sistema financeiro norte-americano fornece liquidez ao mercado internacional enquanto atrai capitais de todo o mundo em busca de valorização e segurança. Entre as consequências desse processo estão os desequilíbrios globais. Trata-se de um fenômeno intrínseco à atual estrutura do sistema, por isso não pode ser solucionado sem que se coloque um freio no "excesso de elasticidade" alcançado. E, passados seis anos da crise, as tentativas de se criar novas regras no funcionamento do mercado financeiro internacional ainda estão muito aquém do esperado, é provável que num futuro próximo se assista ao retorno dos níveis pré-crise financeira.

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  • 12
    JEL: F320, G010.
  • 1
    Em 2013, o superávit chinês foi reduzido a 2,5% do PIB ante os 10% de 2007, enquanto os Estados Unidos, após registrarem um déficit de 5,8% do PIB em 2006, reduziram para 2,7% em 2013.
  • 2
    Cf. (Obstfeld e Rogoff 2009OBSTFELD, Maurice; ROGOFF, Kenneth. Global imbalances and the financial crisis: products of common causes. Nov., 2009. Disponível em: http://elsa.berkeley.edu/~obstfeld/santabarbara.pdf. Acesso em: 12 jun. 2010.
    http://elsa.berkeley.edu/~obstfeld/santa...
    ),(Blanchard e Milesi-Ferretti 2009BLANCHARD, Olivier; MILESI-FERRETTI, Gian Maria. Global imbalances: in midstream? IMF Research Department, Dec. 2009.) e (Dunaway 2009DUNAWAY, Steven. Global imbalances and the financial crisis. Council on Foreign Relations. Mar. 2009. (Council Special Report, n. 44). Disponível em: http://www.cfr.org/publication/by_type/journal_article.html. Acesso em: 10 fev. 2011.
    http://www.cfr.org/publication/by_type/j...
    ).
  • 3
    De acordo com (Visco 2009VISCO, Ignazio. The global crisis - the role of policies and the international monetary system. 2009. Disponível em: http://www.bis.org/review/r090715e.pdf. Acesso em: 15 jun. 2010.
    http://www.bis.org/review/r090715e.pdf...
    ), além da tese da "superabundância global de poupança", no campo ortodoxo/liberal, há pelo menos mais duas interpretações principais para essa situação: o "Bretton Woods II" e a acumulação de reservas internacionais devido à falta de alternativas nos mercados financeiros das economias periféricas (global asset shortage). Conforme veremos mais à frente, o global asset shortage pode ser considerado complementar à tese do excesso de poupança.
  • 4
    Segundo (Catão e Mackenzie 2006CATÃO, L.; MACKENZIE, G. Perspectives on low global interest rates. Washington, DC: IMF, Mar. 2006. (IMF Working Paper).), as taxas de juros baixas atualmente não são anormais quando observadas sob uma perspectiva histórica.
  • 5
    Quanto à especialidade dos mercados financeiros norte-americanos, (Krugman 2008KRUGMAN, Paul. Não chores por mim, América. 2008. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/index.php?ID_RESENHA=412030&lang=pt-BR. Acesso em: 10 aug. 2010.
    http://www.itamaraty.gov.br/index.php?ID...
    ) afirma que a crise das hipotecas subprime demonstrou que tais mercados são caracterizados menos pela sofisticação e mais pelo sofisma. Realmente, é bastante questionável a conclusão de Bernanke (2007) de que um dos atrativos do mercado financeiro norte-americano esteja nas suas salvaguardas legais, quando se tem visto as recorrentes falhas de regulação dos últimos anos. Provavelmente, um dos principais atrativos esteja justamente na falta de regras que elevam a rentabilidade, apesar dos maiores riscos envolvidos (Serrano, 2008SERRANO, Franklin. A economia americana, o padrão dólar flexível e a expansão mundial nos anos 2000. In: MEDEIROS, Carlos et al. O mito do colapso do poder americano. Rio de Janeiro: Record, 2008., p. 115). Algo que, aliás, o próprio Bernanke veio a reconhecer. Cf. (Rampell, 2010RAMPELL, Catherine. Lax oversight caused crisis, Bernanke Says. The New York Times, Jan. 4, 2009 Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/01/04/business/economy/04fed.html?_r=0. Acesso em: 10 fev. 2011.
    http://www.nytimes.com/2010/01/04/busine...
    ).
  • 6
    Vimos anteriormente que Bernanke (2005) concorda que parte do excesso de poupança decorre do envelhecimento da população, mas não explica a maior parte desse excesso.
  • 7
    Cf., por exemplo, Chesnais (1998; 2005), (Carneiro 1999CARNEIRO, R. A globalização financeira: origem, dinâmica e perspectivas. Campinas: Unicamp. IE, out. 1999. (Texto para Discussão, IE/Unicamp, n. 90).) e (Ferrari Filho; Paula 2004FERRARI FILHO, Fernando; PAULA, Luiz Fernando (Org.). Globalização financeira: ensaios de macroeconomia aberta. Petrópolis: Vozes, 2004.).
  • 8
    A formação do sistema financeiro sombra foi a maneira que os bancos encontraram para aumentar suas operações sem precisar reservar os coeficientes de capital requeridos pelos Acordos de Basiléia. Cf. (Cintra e Farhi 2008CINTRA, Marcos Antônio Macedo; FARHI, Maryse. A crise financeira e o global shadow banking system. Novos Estudos CEBRAP, n. 82, 2008.)
  • 9
    Os fluxos brutos de capitais passaram de algo em torno de 10% do PIB mundial em 1998 para 30% em 2007 (Borio; Disyatat, 2011________; DISYATAT, Piti. Global imbalances and the financial crisis: link or no link? May, 2011. (BIS Working Papers, n. 346). Disponível em: http://www.bis.org/publ/work346.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
    http://www.bis.org/publ/work346.pdf...
    , p. 13). De acordo com (Lane e Milesi-Ferretti 2008LANE, Philip; MILESI-FERRETTI, Gian Maria. The drivers of financial globalization. American Economic Review, v. 98, n. 2, 2008., p. 3), a criação do euro foi um fator importante pelo crescimento das transações financeiras entre as economias centrais, já que eliminou o risco cambial entre os participantes da área do euro.
  • 10
    (Borio e Disyatat 2011BORIO, Claudio. Did global imbalances cause the financial crisis? VOX - Research-based policy analysis and commentary from leading economists. 2011. Disponível em: http://www.voxeu.org/index.php?q=node/6795. Acesso em: 11 ago. 2011.
    http://www.voxeu.org/index.php?q=node/67...
    , p. 24) definem excesso de elasticidade como: "the degree to which the monetary and financial regimes constrain the credit creation process, and the availability of external funding more generally". Shin (2012) denomina esse excesso de elasticidade de global banking glut, em contraposição ao global saving glut.
  • 11
    Isso não era considerado problema para o Fed, pois o endividamento crescente das famílias e das empresas, segundo Greenspan (2008, p. 333), caminha de mãos dadas com o progresso

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2012
  • Aceito
    08 Set 2014
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