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Simulação dos efeitos de políticas tecnológicas com modelo evolucionário de dinâmica industrial*

Simulation of the effects of technology policies with an evolutionary model of industrial dynamics

Resumo

Políticas de incentivo à inovação são fato recente em vários países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, assim como os estudos dessas políticas. Neste artigo foi adotado um modelo de simulação como via inédita de análise dos efeitos dessas políticas. Essa via tem como justificativa a percepção de que o fenômeno da inovação é parte integrante de um sistema - o sistema industrial - marcado pela dinâmica complexa. Por conta dessa percepção, foi elaborado um modelo de simulação da dinâmica industrial no contexto de uma indústria hipotética e atribuído dois valores diferentes ao parâmetro que caracteriza o grau de complexidade da aprendizagem tecnológica. Com base nesses valores, foram gerados dois conjuntos de simulação, os quais supostamente simulam as dinâmicas de indústrias de alta e de baixa tecnologia. Os resultados dessas simulações sugerem que os efeitos de cada tipo de política são extremamente sensíveis ao tipo de regime tecnológico prevalecente em cada indústria.

Palavras-chave:
Políticas tecnológicas; Dinâmica industrial; Simulação; Regime tecnológico; Modelo evolucionário

Abstract

Policies that intend to promote incentives to innovate, and the subsequent studies of these policies, are a recent occurrence in a number of countries. In the context of this article, the option chosen was to adopt a simulation model that embodied an unprecedented analysis with respect to the effects of such policies. This path is justified within the perception that the innovation phenomenon is an integral part of a system - the industrial system - marked by complex dynamics. This perception led to the development of a model to simulate industrial dynamics in the context of a hypothetical industry with two different values being assigned to one of the model's parameters. Based on these values, two sets of simulation were generated, which supposedly simulate the dynamics of high and low technology industries. The results of such simulations suggest that the effects of each type of technological policy are extremely sensitive to the prevailing technological regime in each industry.

Keywords:
Technological policies; Industrial dynamics; Simulation; Technological regime; Evolutionary model

Introdução

Em todos os exemplos conhecidos, economias que galgaram sucesso na liderança tecnológica ou como seguidoras de líderes contaram com suporte decisivo de suas políticas tecnológicas. O mix dessas políticas é bastante conhecido, sendo quase sempre o mesmo em todos os países: subsídios à inovação, incentivos fiscais, compras governamentais e fortalecimento das instituições de pesquisa científicas (ICTs). Entretanto, quanto ao papel de cada uma dessas políticas no sucesso tecnológico de cada país, há um longo caminho a percorrer para se chegar a uma conclusão geral. Afora os problemas de imaturidade dos bancos de dados sobre inovação, visto que só recentemente (algumas décadas, quando muito) o fenômeno da inovação virou tema prioritário da agenda de política pública de muitos países, o estudo desse fenômeno esbarra em um obstáculo ainda maior: seu caráter sistêmico.

A adoção e difusão de novas tecnologias (produtivas e organizacionais) envolvem a multiplicidade de variáveis (no âmbito da tecnologia, firma, indústria, economia, da legislação, etc.), com interações demasiadamente complexas, o que dificulta enormemente os estudos empíricos sobre os impactos das políticas tecnológicas, mesmo nos casos dos países com bancos de dados mais desenvolvidos.

Neste estudo será adotada uma rota alternativa aos estudos empíricos para investigar os efeitos dessas políticas. O objeto de pesquisa deste artigo é uma indústria hipotética, na qual vale o pressuposto de que suas firmas estão submetidas aos mesmos condicionantes tecnológicos. Nesse contexto, é possível formular a seguinte questão: no âmbito dessa indústria hipotética, qual alternativa de política tecnológica é mais eficiente do ponto de vista tecnológico, social e fiscal entre omix das alternativas mais comuns (a exemplo dos subsídios, isenções, compras e financiamento governamental). No campo da teoria evolucionária, essa questão requer um aditivo: qual alternativa mais eficiente para cada setor?

Nos modelos evolucionários de dinâmica industrial, as especificidades setoriais (tecnológicas e estruturais) não podem ser negligenciadas, pois bastam pequenas diferenças nos valores dos parâmetros desses modelos para que sejam produzidas mudanças radicais nos resultados da pesquisa.

No modelo de simulação apresentado neste artigo, o conceito de regime tecnológico foi usado como base delimitadora das especificidades da indústria simulada. Foram considerados dois tipos de regimes tecnológicos: um representando as características das indústrias de alta intensidade tecnológica e o outro, indústrias de baixa intensidade tecnológica.

Essa ênfase nas especificidades industriais está profundamente enraizada na noção de dinâmica complexa, a qual, inclusive, justifica o uso do método de simulação nas análises formais dessa dinâmica. Isso porque o caminho das séries temporais geradas em modelos de dinâmica complexa é altamente sensível a pequenas mudanças nos valores dos parâmetros ou nos valores iniciais das variáveis desses modelos1 1 () Essa sensibilidade não pode comprometer a capacidade do modelo de gerar trajetórias com medidas de variação dentro de intervalos que sejam representativos das séries reais do fenômeno modelado. ..

O regime tecnológico é fonte crucial de mudanças nos valores de parâmetros dos modelos evolucionários de dinâmica industrial, indicando que diferenças nas características do regime tecnológico podem alterar radicalmente os caminhos temporais gerados por esses modelos. Essas diferenças podem também mudar radicalmente os resultados do modelo dentro do mesmo cenário de mudança exógena, indicando que os efeitos de mudanças representativas de cada tipo de política tecnológica são condicionados pelo tipo de regime tecnológico prevalecente na indústria simulada. Em hipótese alguma é possível deduzir esses efeitos analisando o modelo com outros métodos que não o de simulação.

A próxima seção é dedicada a uma breve explanação sobre a importância do método de simulação para a teoria evolucionária da dinâmica industrial. Na seção 2, por sua vez, é apresentada uma síntese dos conceitos fundamentais da teoria evolucionária da dinâmica industrial. A descrição e o corpo matemático do modelo são apresentados nas seções 3 e 4. Os resultados do exercício de simulação e as conclusões encontram-se nas seções finais.

1 A simulação como método de pesquisa

O sistema econômico é inegavelmente um sistema dinâmico. Mesmo assim, as ciências econômicas evoluíram por meio do aperfeiçoamento de modelos teóricos não dinâmicos (atemporais). Só recentemente essa contradição metodológica foi incorporada como importante objetivo de estudo da teoria econômica (Shone, 2002SHONE, R. Economic dynamics: phase diagrams and their economic application. New York: Cambridge University Press, 2002.).

Em se tratando de modelos de dinâmica assintótica, a aplicação de métodos matemáticos com soluções estáticas representa uma alternativa relativamente simples, versátil e consistente de análise desses modelos. A solução numérica, isto é, a simulação, pode também ser usada. Contudo, os resultados simulados não divergem significativamente da solução estática, desde que o tempo de simulação seja suficientemente alongado.

A disseminação dos modelos de simulação vem acompanhada dos avanços nas tecnologias computacionais, e nada mais natural do que a substituição paulatina dos modelos matemáticos tradicionais por esses modelos. Entretanto, é errônea a ideia de que a simulação é uma ferramenta alternativa de análise de modelos dinâmicos. Na verdade, a disseminação das técnicas de simulação está revelando uma falha residente no âmago dos modelos de equilíbrio, cuja superação requer o abandono do método estático em favor do método de simulação. Essa falha veio à tona com a descoberta de que basta a ocorrência de não linearidades dentro do sistema dinâmico para potencializar a perda de assintocidade2 2 () A diferença fundamental entre modelos assintóticos e não assintóticos reside na mudança das propriedades dinâmicas do modelo (emergência de bifurcações, de caos, etc.) - o que altera radicalmente o formato das trajetórias temporais de cada variável - proveniente de pequenas mudanças nos valores iniciais dessas variáveis e/ou no valor de algum de seus parâmetros, seja qual for a extensão do tempo. .Exemplos de dinâmica caótica foram descobertos em modelos determinísticos discretos e contínuos muito simples, com uma e com três variáveis, respectivamente, bastando a presença de não linearidades (Monteiro, 2006MONTEIRO, L. H. A. Sistemas dinâmicos. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2006.)

Sendo plausível a presença de não linearidades em suas determinações, os sistemas de natureza econômica são fortes candidatos para o rol dos sistemas modelados com dinâmica não assintótica. É por isso que as soluções estáticas estão sendo abandonadas em favor da simulação, fazendo surgir novos desafios metodológicos para as ciências econômicas.

Os modelos dinâmicos constituídos de determinações não lineares e estocásticas, com várias dimensões (estados) e modos de adaptação por aprendizagem - algo típico dos sistemas de natureza econômica, a exemplo do sistema industrial -, só podem ser analisados com o método de simulação.

Desde sua origem, a teoria evolucionária foi um campo de pesquisa dominado pelo método de simulação (Nelson; Winter, 1982NELSON, R.; WINTER, S. G. An evolutionary theory of economic change. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1982.). A pesquisa empírica (em todas as suas vertentes metodológicas) é usada como suporte da simulação. As determinações dinâmicas dos modelos evolucionários não podem ser deduzidas exclusivamente a partir de modelos estatísticos auto-regressivos. As análises de séries temporais com estatísticas descritivas e com modelos econométricos podem gerar resultados enganadores quando aplicadas em sistemas com características dinâmicas típicas dos modelos evolucionários (ver, por exemplo,Silva; Hasenclever, 2010SILVA, E. H.; HASENCLEVER, L. Simulação da dinâmica do crescimento em um modelo Kaldoriano-Evolucionário no contexto da Economia Brasileira. Revista Economia, v.11, n. 3, p. 505-535, 2010. ).

Alguns autores analisam os trade offs (versatilidadeversus aceitabilidade) da substituição dos métodos tradicionais pela simulação (Leombruni, 2002LEOMBRUNI, R. The methodological status of agent-based simulation. Turin: Center for Employment Studies, 2002. (Working Paper, n. 19). ). No entanto, a riqueza de detalhes a respeito das propriedades dinâmicas do modelo é a essência do método de simulação, pois essa riqueza de detalhes é a base de investigação dos fenômenos produzidos por sistemas com dinâmica complexa. A simulação, portanto, não é uma alternativa, mas sim a única alternativa de análise desses fenômenos.

O aperfeiçoamento das técnicas de simulação é o único caminho viável para os avanços da modelagem evolucionária. A calibração (Brenner; Murmann, 2004BRENNER, T.; MURMANN, J. P. The use of simulation in developing robust knowledge about causal process: methodological considerations and an application to industrial evolution. Jena: Max Planck Institute, 2004. (Papers on Economics and Evolution, #0303).), o teste de robustez (Brenner; Murmann, 2004BRENNER, T.; MURMANN, J. P. The use of simulation in developing robust knowledge about causal process: methodological considerations and an application to industrial evolution. Jena: Max Planck Institute, 2004. (Papers on Economics and Evolution, #0303).) e a validação empírica (Windrum et al., 2006) são assuntos da maior importância na agenda de pesquisas evolucionárias.

Neste artigo, o método de simulação é usado em sua forma mais rudimentar. O exercício de simulação foi aplicado sobre um modelo representativo de uma indústria hipotética. Os pressupostos desse modelo foram extraídos de outros modelos encontrados na literatura evolucionária. O modelo não tem, portanto, suas próprias fundamentações empíricas. Por conseguinte, não houve calibração empírica desse modelo. Não obstante, foram realizados alguns testes de natureza visual para verificar se o modelo possui propriedades dinâmicas típicas de qualquer sistema industrial, as quais são descritas na literatura evolucionária como "fatos estilizados" da dinâmica industrial e tecnológica.

Após a seleção ad hoc de alguns conjuntos de valores iniciais das variáveis e dos parâmetros do modelo, diversas rodadas de simulação foram implementadas para cada um desses conjuntos de valores. Na maioria dessas rodadas, foram produzidos resultados consistentes com os "fatos estilizados" dos sistemas industriais (Dosi et al., 1994 DOSI, G.; FREEMAN, C.; FABIANI, S. The process of economic development: introducing some stylized facts and theories on technologies, firms and institutions. Industrial and Corporate Change, v. 3, p. 1-46, 1994.). Com relação às taxas de crescimento da produção industrial e da produtividade, ambas oscilaram dentro de intervalos razoavelmente consistentes com a realidade (a maioria dos valores entre 0% e 4%) por um período de simulação razoavelmente longo (100 períodos). Foi observada também a tendência de convergência, entre as firmas, da taxa de investimento em P&D (relação P&D/faturamento bruto). Para determinados conjuntos de valores dos parâmetros, a média do valor dessa taxa, calculada com base nos valores de cada rodada de simulação, estabilizou-se em patamares entre 10% e 20%, enquanto em outros conjuntos esse valor ficou entre 1% e 10%. No primeiro caso, os valores dos parâmetros das equações determinantes do esforço inovativo são teoricamente consistentes com os pressupostos de uma indústria intensiva em conhecimento ou de alta tecnologia. No segundo, envolvem pressupostos de uma indústria de baixa intensidade tecnológica.

No final dos testes, foram selecionados dois conjuntos de valores iniciais e dos parâmetros que hipoteticamente representam dois tipos de indústria: a de alta e a de baixa intensidade tecnológica, respectivamente. Essa caracterização é apresentada com mais detalhes na seção 3 deste artigo.

Neste artigo não foram apresentados esses procedimentos de teste. Contudo, uma parte dos resultados desses testes foi apresentada em Silva e Hasenclever (2011SILVA, E. H.; HASENCLEVER, L.. Regime tecnológico e emergência dos padrões de estratégias inovativas das firmas. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA DA ANPEC, 39, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu, 2011.). Os conjuntos selecionados foram usados aqui como cenário de referência (benchmark) para simulação dos efeitos de políticas tecnológicas sobre a dinâmica industrial e tecnológica desses dois tipos de indústria.

2 Elementos teóricos da dinâmica industrial evolucionária

O entendimento da dinâmica industrial na perspectiva evolucionaria demanda três conceitos fundamentais: paradigma tecnológico, trajetória tecnológica e regime tecnológico.

De acordo com Dosi (1988DOSI, G.. Sources, procedures and microeconomic effects of innovation. Journal of Economic Literature, v. 26, n. 3, p. 1120-1171, Sept. 1988.), o paradigma tecnológico é definido nos seguintes termos:

A 'technological paradigm' defines contextually the needs that are meant to be fulfilled, the scientific principles utilized for the task, the material technology to be used, the material technology to be used. In other words, a technological paradigm cam be defined as a 'pattern' of solution of selected technoeconomic problems based on highly selected principles derived from the natural sciences...A technological paradigm is both an - exemplar - an artifact that is to be developed and improved (such as a car, an integrated circuit, a lathe, each with its particular technoeconomic characteristics) - and a set of heuristics (e.g., Where do we go from here? Where should we search? What sort of knowledge should draw on?

Por sua vez, trajetória tecnológica é entendida como:

the activity of technological process along the economic and technological trade-offs defined by a paradigm (Dosi, 1988DOSI, G.. Sources, procedures and microeconomic effects of innovation. Journal of Economic Literature, v. 26, n. 3, p. 1120-1171, Sept. 1988., p. 1.128).

A interpretação desses dois conceitos permite conceber o paradigma tecnólogo como a inovação que cria uma indústria inédita, dando às firmas pioneiras a oportunidade de explorar comercialmente uma invenção ou descoberta pela primeira vez. Essa invenção ou descoberta representa o "artefato" delineador das heurísticas do processo de busca tecnológica para o desenvolvimento e aperfeiçoamento desse artefato. Assim, a trajetória tecnológica representa a cadeia de inovações subsequentes vinda de uma inovação inédita, que marca a chegada do novo paradigma tecnológico. Essa cadeia é resultado dos esforços de desenvolvimento e aprimoramento do produto ou serviço que inaugurou o novo paradigma tecnológico. Essas inovações subsequentes são caracterizadas pela superação dos trade-offstécnicos e econômicos da produção. No geral, elas permitem aumentar a qualidade dos produtos ou serviços sem aumentar o custo de produção, ou reduzir esse custo sem comprometer a qualidade, ou aumentar a qualidade e reduzir os custos simultaneamente.

As inovações ocorridas dentro de uma trajetória tecnológica requerem um fluxo de novos conhecimentos. Em outros termos, requerem um processo contínuo de aprendizagem tecnológica. As propriedades cognitivas desses novos conhecimentos são específicas de cada paradigma tecnológico.

Essas propriedades definem o "ambiente" (Malerba; Orsenigo, 1993MALERBA, F.; ORSENIGO, L. Technological regimes and firms behaviour., Industrial and Corporate Change n. 1, v. 2, p. 45-71, 1993.; 1997MALERBA, F.. Technological regimes and sectoral patterns of innovative activities. Industrial e Corporate Change, n. 6, v. 1, p. 83-117, 1997.) ou as circunstâncias nas quais as firmas adquirem os novos conhecimentos tecnológicos. Essas circunstâncias põem em cena o conceito de regime tecnológico formando, assim, a tríade de conceitos fundamentais da teoria evolucionária da inovação.

São quatro as características que definem o regime tecnológico: o grau de oportunidade tecnológica, o grau de complexidade da base de conhecimento, o grau de tacitividade do conhecimento adquirido e o grau em que esse conhecimento depende dos conhecimentos acumulados (Malerba; Orsenigo, 1993MALERBA, F.; ORSENIGO, L. Technological regimes and firms behaviour., Industrial and Corporate Change n. 1, v. 2, p. 45-71, 1993.; 1997).

Em tese, todas as combinações entre essas características, em seus respectivos graus, geram um tipo de regime tecnológico. Os modelos evolucionários, no geral, são operados com um número relativamente pequeno de regimes tecnológicos. Os mais comuns são os regimes com alto grau de complexidade da base de conhecimento, combinados com alto grau de oportunidade tecnológica e baixo grau de tacitividade, e os regimes com baixo grau de oportunidade tecnológica, combinado com alto grau de cumulatividade e tacitividade.

Cada tipo de regime tecnológico atua como força imperativa que impulsiona as firmas para um conjunto particular de rotinas e de estratégias produtivas, expansionistas, inovativas, etc. (Winter, 1984WINTER, S. Schumpeterian competition in alternative technological regimes. Journal of Economic Behavior and Organization, v. 5, p. 287-320, 1984.). No entanto, essa força imperativa não é percebida pelas firmas, pois não atua diretamente sobre elas. Ela decorre de um processo dinâmico e evolutivo.

Uma implicação importante do modelo evolucionário de dinâmica tecnológica é a rejeição da ideia de "firma representativa" (Nelson; Winter, 1982NELSON, R.; WINTER, S. G. An evolutionary theory of economic change. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1982.). De modo nenhum, a ideia de emergência dos padrões de estratégia inovativa e de concorrência coaduna com a noção de "firma representativa". Na abordagem evolucionária, a diversidade de estratégias e de desempenho entre as firmas rivais é dada como fenômeno perene em qualquer mercado. As rotinas das firmas são perenes (ou quase), e essas rotinas são moldadas de acordo com os imperativos tecnológicos (regimes tecnológicos) - cada qual a essência de um paradigma tecnológico.

Desse modo, a dinâmica tecnológica cria padrões e diversidade simultaneamente. Sob os condicionantes tecnológicos, isto é, sob determinado regime tecnológico, as firmas caminham no sentido de explorar um escopo relativamente estreito de estratégias inovativas. No entanto, dentro desse escopo podem ocorrer disparidades em termos de tamanho e de resultados econômicos. É a própria dinâmica tecnológica (cumulatividade e path dependent) que impede a convergência de estratégia a ponto de tornar empiricamente consistente a noção de firma representativa. Em outra perspectiva (na emergência de um novo paradigma), a dinâmica tecnológica cria uma diversidade cujas características não permitem a identificação de um padrão setorial de mudança tecnológica. Contudo, esse padrão poderá surgir à medida que se consolida a trajetória tecnológica (Pavitt, 1984PAVITT, K. Sectoral patterns of technical change: towards a taxonomy and theory. Research Policy, n. 13, p. 343-373, 1984.).

O modelo de simulação apresentado neste trabalho não irá explorar todas essas facetas da dinâmica tecnológica. Ele não foi devidamente estruturado para investigar o processo evolutivo da dinâmica industrial em sua completude. No modelo não é adotada a hipótese de entrada e saída de firmas do mercado. No modelo não há diferenciação de produtos, visto que as trajetórias tecnológicas das firmas avançam sempre na mesma direção (ocorrem somente inovações de processo que produzem uma taxa constante de variação da produtividade). Não obstante, é preservado no modelo o princípio evolucionário da diversidade e da seleção natural, pois a produtividade de algumas firmas avançam mais rápido do que de outras.

Em muitas espécies, os indivíduos menos aptos, isto é, menos competitivos, não sofrem uma extinção instantânea. No geral, o declínio da participação desses indivíduos na população ocorre de modo paulatino. Nos casos em que há oportunidade de aprendizagem, pode ocorrer reversão dessa tendência para os indivíduos que adotam com acerto novos comportamentos.

No modelo apresentado neste artigo é adotado o pressuposto de que as firmas mudam suas estratégias inovativas por conta de resultados não satisfatórios. Esse pressuposto opera com uma regra de mudança muito simples (não baseada em princípios de otimização) e igual para todas as firmas. Mesmo assim, o modelo é capaz de gerar uma tendência de convergência nas estratégias inovativas das firmas, sem fazer desaparecer a ocorrência frequente de desvios em torno dessa tendência, reproduzindo assim a diversidade interfirmas (Silva; Hasenclever, 2011SILVA, E. H.; HASENCLEVER, L.. Regime tecnológico e emergência dos padrões de estratégias inovativas das firmas. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA DA ANPEC, 39, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu, 2011.).

Em razão de suas limitações, o modelo foi elaborado para investigar os efeitos de políticas tecnológicas sobre uma fase da dinâmica industrial: a fase em que já se consolidou a trajetória tecnológica, com ausência de rupturas dessa trajetória. As demais delimitações do modelo são apresentadas a seguir.

3 Linhas básicas do modelo de simulação

Neste artigo, todos os pressupostos do modelo de simulação, sejam eles do âmbito da firma ou das interações interfirmas, foram definidos com base em inferências teóricas, não tendo suporte empírico. As equações e os valores dos parâmetros foram todos definidos por meio de suposições teóricas, as quais são fortemente inspiradas em outros modelos evolucionários.

As inferências mais importantes são a de Cohen e Levinthal (1989COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Innovation and learning: two faces of R&D. The Economic Journal, v. 99, p. 569-596, 1989.) e de Silverberg e Verspagen (1994SILVERBERG, G.; VERSPAGEN, B. Learning, innovation and economic growth: a long-run model of industrial dynamics. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, p. 199-223, 1994.). As equações do modelo de simulação apresentado neste artigo são resultado de uma síntese dessas duas contribuições.

O modelo proposto por Cohen e Levinthal (1989COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Innovation and learning: two faces of R&D. The Economic Journal, v. 99, p. 569-596, 1989.) está alicerçado no conceito de capacidade absortiva, definido como a capacidade da firma de absorver conhecimentos externos gerados pelas firmas rivais, por instituições de ciências e tecnologia, pelos fornecedores, clientes, etc. De acordo com os autores, essa capacidade é condicionada pelo grau de complexidade da base de conhecimento, o qual foi apontado na seção anterior como uma das características do regime tecnológico.

O modelo de Silverberg e Verspagen (1994SILVERBERG, G.; VERSPAGEN, B. Learning, innovation and economic growth: a long-run model of industrial dynamics. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, p. 199-223, 1994.) está apoiado também nesse mesmo conceito de capacidade absortiva, com uma diferença: mudanças nessa capacidade não afetam diretamente a lucratividade da firma, conforme prevê o modelo de Cohen e Levinthal (1989COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Innovation and learning: two faces of R&D. The Economic Journal, v. 99, p. 569-596, 1989.), mas determinam a probabilidade de sucesso em termos de adoção de uma nova tecnologia, o que imprime uma dinâmica estocástica no modelo. Nessa perspectiva, o aumento do grau de complexidade da base de conhecimento diminui a probabilidade de sucesso inovativo para um dado montante de recursos aplicados na atividade inovativa.

O raciocínio desses autores pode ser ilustrado com exemplo matemático, conforme termos da equação e da figura a seguir. Na equação (1), a variável ( expressa o poder de absorção de conhecimentos externos. Se ( for igual à unidade, a firma tem capacidade de absorver todo o conhecimento produzido externamente que pode ser aproveitado em sua atividade inovativa. Em outro extremo, se ( for igual a zero, não existem condições de aproveitamento desse conhecimento.

em que:

= nível de capacidade absortiva;

= grau de complexidade da base de conhecimento; e

M = intensidade de P&D (P&D/faturamento).

De acordo com a equação (1), a capacidade absortiva depende não só do grau de complexidade da base de conhecimento (parâmetro ), como também do esforço tecnológico da firma. A intensidade de P&D (seja P&D formal ou informal, permanente ou esporádico) é considerada uma boa proxy desse esforço (Lazonick, (1993LAZONICK, W. Learning and the dynamics of international and competitive advantage. In: THOMSON, R. Learning and technological change. New York: St. Martins Press, 1993. p. 172 -197.).

A Figura 1 permite a visualização do efeito do parâmetro sobre a capacidade absortiva. Nessa figura estão representadas duas situações: = 1 e = 10. No primeiro caso, o nível de capacidade absortiva é relativamente baixo, mesmo para valores de M mais elevados. No segundo caso, ocorre o oposto: o nível é elevado mesmo para valores deM relativamente baixos.

A definição do valor de é uma das delimitações do modelo de simulação. Para valores muito altos de , o modelo simula a dinâmica de uma indústria que contém ao menos um elemento condizente com o regime tecnológico prevalecente nas indústrias normalmente classificadas como de alta tecnologia (Lall, 2000LALL, S. The technological structure and performance of developing country manufactured exports, 1985-1998. 2000. (QEH Working Paper Series, n. 44).): o alto grau de complexidade da base de conhecimento. Opostamente, para valores muito baixos de , esse elemento é condizente com indústrias consideradas de baixa tecnologia (Lall, 2000).

Visto que essa diferença de valores pode mudar radicalmente os impactos das mudanças representativas de políticas tecnológicas sobre a dinâmica do modelo, o exercício de simulação foi realizado com dois conjuntos de rodadas de simulação: um conjunto para = 1 e outro para = 10.

Figura 1
Efeito do grau de complexidade da base de conhecimento sobre a capacidade absortiva da firma

Quanto às demais características do regime tecnológico para os dois conjuntos de simulação, valem os seguintes pressupostos: o grau de cumulatividade e o grau de tacitividade foram fixados em um patamar igual a zero em todos os períodos da simulação e em todos os cenários. Esta hipótese é uma aproximação simplificadora das características dos regimes tecnológicos prevalecentes em setores de alta tecnologia, a exemplo da biotecnologia e de setores tradicionais. No primeiro caso, as oportunidades tecnológicas têm como fonte primordial os conhecimentos científicos produzidos externamente. No segundo, as inovações de produtos e de processo em geral não evolvem engenharia complexa do ponto de vista da firma. Tanto produtos como processos podem ser aprimorados com obtenção de informações e processos de tentativas e erros relativamente simples. Concomitantemente, a menor relevância do processo de tentativas e erros em ambos os casos diminuem a importância dos elementos tácitos no processo de aprendizagem.

Com relação ao grau de oportunidade tecnológica, foi atribuído um valor inicial igual ao total de faturamento das firmas no primeiro período da simulação e uma taxa de crescimento igual a 1% por semestre (o semestre é a escala de tempo usada na simulação).

No tocante à dinâmica da competição de cada um desses conjuntos, foram adotados os seguintes pressupostos:

  1. As firmas produzem um produto homogêneo.

  2. A competição tem como variável-chave o preço dos produtos.

  3. O nível de preço de cada firma depende do nível de produtividade de sua mão de obra.

  4. As firmas fixam seus preços pela regra do mark-up, sendo este constante e igual para todas as firmas.

  5. A participação de mercado (market share) depende da relação entre o preço da firma e o preço médio de mercado. Este último é a média ponderada pelo market share dos preços individuais. Preço abaixo da média implica aumento do market share e vice-versa.

  6. O ganho ou perda do market share é um processo relativamente lento (visto que outros fatores não controláveis afetam omarket share), indicando a possibilidade de coexistência de firmas com preços diferentes, apesar de o produto ser homogêneo.

  7. vii) A capacidade produtiva - isto é, os investimentos - é endogenamente determinada pelo volume de vendas, não sendo, portanto, variável estratégica em termos de competitividade. Esta função de investimento é típica de modelos macroeconômicos pós-keynesianos (ou kaldorianos), mas é também uma representação próxima da realidade para setores caracterizados pelo baixo grau de cumulatividade e tacitividade. Nestes setores, o aumento do estoque de capital ou da ociosidade do capital pode ocorrer de forma incremental e não afeta sobremaneira os custos de produção, salvo quando acompanhado de uma mudança tecnológica.

Em consonância com o pressuposto da racionalidade limitada (Simon, 1979SIMON, H. From substantive to procedural rationally. In: HAHN, F.; HOLLIS, M. Philosophy and economic theory. Oxford Readings in Philosophy. Oxford: Oxford University Press, 1979. p. 65-86.), que está presente em todos os modelos evolucionários, foi adotada neste artigo a hipótese de que as decisões tomadas no âmbito das firmas giram em torno de eventos cujas informações são de pleno domínio dessas firmas, a exemplo do lucro e do market share das vendas dessas firmas.

As informações de que cada firma dispõe a respeito dos preços, dos custos, dos gastos inovativos e do market share das vendas de suas rivais não são suficientemente confiáveis para balizarem suas estratégias inovativas. Menos confiáveis ainda são as distribuições de probabilidade dos eventos futuros, sejam eles internos ou externos ao âmbito da firma, não importando o tempo de vida desta. A realização de uma inovação a partir dos investimentos em P&D é um exemplo de incerteza que ocorre no âmbito interno da firma, independentemente do seu tempo de vida.

Para fins do modelo aqui proposto, as únicas informações em que as firmas confiam plenamente quando avaliam a necessidade de mudança em suas estratégias inovativas são o lucro e o market share das vendas delas próprias e que estão sendo observados. Com base nessas informações, as firmas tomam suas decisões no campo das estratégias inovativas. A título de simplificação do modelo, omark up e o coeficiente de capital são tomados como parâmetros do modelo, não cabendo decisões estratégicas para eles.

Neste modelo, por conta de hipóteses simplificadoras, o desempenho competitivo depende exclusivamente do nível de preços. Esse nível, por sua vez, depende fundamentalmente das inovações de processo, as quais estão probabilisticamente associadas aos gastos com P&D. Por conseguinte, esses gastos ocupam uma posição-chave no processo de avaliação das estratégias competitivas das firmas, visto que eles são a única variável que essas firmas podem controlar quando elas deparam com a necessidade de mudança em suas posições competitivas.

Nessa linha de raciocínio, as mudanças nas estratégias inovativas serão implementadas somente em caso de perda de market share das vendas ou de prejuízos. Se a firma perde market share, mas registra lucros positivos, ela interpreta esses resultados como um sinal de que os níveis de investimento em P&D são inadequados para sustentar um bom desempenho competitivo. A reação esperada é o aumento do percentual do valor das vendas alocado para os gastos com P&D. Em caso de prejuízo, a necessidade de sobrevivência força a redução do percentual destinado a esses gastos. Em uma situação em que há manutenção ou crescimento do market share das vendas, compartilhada com lucros positivos, as firmas são levadas à conclusão de que o percentual do faturamento destinado à P&D é adequado para garantir uma boa posição competitiva.

Quanto ao processo de mudança tecnológica, são adotadas algumas simplificações no modelo. As inovações são exclusivamente de processo, afetando somente a produtividade da mão de obra, o que reflete diretamente no custo médio de produção. Não existe o efeito de safra tecnológica, indicando que o sucesso inovativo não se repete dentro de um mesmo intervalo de tempo. O modelo opera, portanto, com distribuição de probabilidade do tipo binominal, sendo cada intervalo de tempo a base de realização do evento probabilístico, que se resume no sucesso ou fracasso da inovação. Essa probabilidade varia positivamente com o percentual de gastos com P&D das firmas. Contudo, por causa da hipótese de racionalidade limitada, as firmas não têm conhecimento preciso da relação entre os gastos com P&D e a probabilidade do sucesso inovativo.

Com base nessa hipótese, é adotado também o pressuposto de que essas firmas desconhecem os mecanismos de causalidade e as interatividades que regem a dinâmica da competição. Elas não têm uma ideia precisa de como operam esses mecanismos. Não sabem exatamente quais as variáveis-chave dessa dinâmica e não possuem capacidade de formular um modelo explicativo plenamente confiável. Para elas, os conceitos de curva de demanda e de elasticidade-preço da demanda são inúteis. Obviamente, o mecanismo de seleção existe e foi modelado com base em um princípio análogo ao da seleção natural, o qual é conhecido como princípio de Fisher, matematicamente definido pela equação replicadora (Silverberg, 1988SILVERBERG, G.; DOSI, G.; ORSENIGO, L. Innovation, diversity and diffusion: a self-organization model. Economic Journal, v. 98, n. 393, p. 1032-1054, Dec. 1988.; Silverberg et al., 1988). O único campo em que as firmas são poupadas de eventos futuros incertos é o da aplicação da nova tecnologia. Sabem elas que a realização de um sucesso inovativo impacta diretamente a produtividade da mão de obra, reduzindo o custo médio e o preço final da produção.

Outra simplificação do modelo é a ausência de entrada ou saída de firmas no mercado. Não obstante, as firmas que não lograram êxito relativo em sua atividade inovativa e que foram empurradas para um market share próximo de zero ficarão impedidas de realizarem gastos com P&D e condenadas à probabilidade zero de sucesso inovativo. Em termos relativos, essas firmas estarão excluídas do mercado.

A ênfase na dimensão microeconômica é outro aspecto relevante do modelo. A noção deindústria é posta concomitantemente à noção de regime tecnológico. Então, deve-se reconhecer o fato de que parte significativa dos gastos que garantem a demanda da indústria em análise é exogenamente determinada (depende da renda gerada nas demais indústrias da economia). Cada indústria "abocanha" uma parte do gasto total da economia. O fluxo de inovação - em especial, as inovações de produto - pode ser um dos determinantes da participação de cada setor nesse total de gastos. Para fins de simplificação do modelo, será adotada a hipótese de que essa participação é constante, porém a quantidade demandada varia inversamente com o nível de preços.

A seguir, será apresentado o conjunto de equações do modelo, o qual define matematicamente as relações de causalidade que serão submetidas ao exercício de simulação. Essas equações serão utilizadas nos dois conjuntos de rodadas de simulação ( = 1 e = 10).

4 Equações do modelo

O conjunto de equações do modelo está dividido em três blocos. O primeiro é composto de equações que captam as interações de mercado das firmas, determinando o desempenho econômico (vendas e lucros) destas. O mecanismo de seleção (dinâmica de mercado) é definido nesse bloco. O segundo bloco versa sobre a dinâmica tecnológica no âmbito da firma. Neste bloco são especificados a distribuição de probabilidade dos eventos inovativos e o processo de mudança tecnológica, sendo descritas as funções relativas às fontes geradoras e ao impacto dessa mudança em termos de inovações de processo (nesse modelo não ocorrem inovações de produto). No último bloco é especificada a dinâmica da aprendizagem, sendo ele composto por um número reduzido de equações, refletindo as restritas possibilidades de aprendizagem no campo das decisões estratégicas.

Bloco da Dinâmica seletiva

De acordo com as linhas básicas do modelo, a demanda daindústria3 3 () Para os propósitos deste artigo, é suficiente o uso da noção de indústria típica dos manuais de microeconomia: conjunto de firmas que atuam em um mesmo mercado. Entretanto, o modelo permite uma definição de cunho evolucionário: o conjunto de firmas que simultaneamente exploram as oportunidades tecnológicas criadas a partir do artefato (Dosi, 1988) que inaugura um novo paradigma tecnológico. simulada é representada pela parcela da renda nacional (valor hipotético) que é gasta com os produtos dessa indústria. Os valores totais das vendas e da quantidade demandada para o conjunto das firmas do modelo são dados pelas seguintes equações:

em que: Q(t) = quantidade vendida (t indica tempo) do conjunto das n firmas que formam a indústria simulada; Y(t) = renda nacional (valor hipotético);r = taxa de crescimento da renda nacional4 4 () As mudanças de valores das variáveis do modelo carregam uma noção de tempo real equivalente ao período de um semestre. Assim, o valor de r foi igualado a 0,02 - valor esse que se aproxima de uma média das taxas de crescimento da economia brasileira nas décadas de 80, 90 e 2000. ;L(t) = total de trabalhadores empregados na indústria simulada; L(i,t) = nível de emprego gerado pela firma i; P(t) = preço médio; = parcela da renda nacional gasta na compra de produtos da indústria simulada; e w = taxa de salário5 5 () No modelo não existe dinâmica para o índice geral de preços. A taxa de salário real é constante, visto que as mudanças de preços na indústria simulada não apresentam peso suficiente para mudar o poder de compra dos salários. ..

De acordo com a equação (2), a demanda da indústria simulada apresenta um componente exógeno (Y) e um componente endógeno (wL). O parâmetro é constante, indicando que a atividade inovativa não impacta a parcela da renda nacional gasta com produtos da indústria simulada. Contudo, a quantidade total demandada dessa indústria é função inversa da média de preços.

O nível de emprego gerado em cada firma é dado pela seguinte equação:

em que: L(i,t) = nível de emprego da firma i;Q(i,t) = valor das vendas da firma i; ea(i,t) = produtividade da mão de obra da firmai.

A dinâmica seletiva é regida pelo seguinte conjunto de equações:

em que: s(i,t) = market share da firmai no valor das vendas da indústria; P(i,t)= nível de preço da firma i; e = mark up (por hipótese simplificadora, todas as firmas praticam o mesmo mark up).

A equação (7) é a peça central da dinâmica competitiva. Nos termos dessa equação, as firmas em desvantagem competitiva (P(i,t) >P(t)) perdem market share. No entanto, a despeito dessa perda, essas firmas podem sobreviver por período de tempo relativamente longo, dependendo do valor do parâmetro (em todas as rodadas de simulação seu valor é igual a 0,1). Inclusive, haverá tempo suficiente para a firma reverter essa desvantagem, dependendo da evolução da sua atividade tecnológica e do seu sucesso inovativo. Nessa dinâmica, vai sendo preservada a heterogeneidade (de estratégia, de tamanho, de produtividade, etc.) da indústria.

Bloco da dinâmica tecnológica

As equações deste bloco foram elaboradas sob a égide teórica das contribuições deCohen e Levinthal (1989COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Innovation and learning: two faces of R&D. The Economic Journal, v. 99, p. 569-596, 1989.) e Silverberg e Verspagen (1994SILVERBERG, G.; VERSPAGEN, B. Learning, innovation and economic growth: a long-run model of industrial dynamics. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, p. 199-223, 1994.). Conforme indicado nos termos da equação (1), a dinâmica tecnológica do modelo depende da capacidade absortiva das firmas, a qual resulta do esforço inovativo (indicado pela taxa de investimento em P&D) dessas firmas. Em outros termos, o sucesso de cada firma depende do esforço inovativo dela mesma (indicado pelos seus gastos com P&D), das firmas rivais e das outras entidades que não as firmas rivais (instituições de pesquisa, fornecedores, cliente, etc.) geradoras de conhecimentos relevantes para o setor. A dinâmica das relações de determinação entre os esforços inovativos das firmas e a mudança tecnológica da indústria simulada comporta o seguinte conjunto de equações:

em que: a*(i,t) = produtividade da mão de obra da firmai, resultante da mudança tecnológica;a(i,t)= produtividade da mão de obra efetivamente operada pela firma i; = índice de avanço tecnológico (por hipótese simplificadora, é igual para todas as firmas); Pr(i,t) = probabilidade de sucesso inovativo (distribuição binominal) da firmai; T(i,t) = fator que define a probabilidade de sucesso inovativo da firma i;RD(i,t) = total de gastos com P&D;((i,t) = índice de capacidade absortiva; = grau despillover; 𝒯 = grau de oportunidade tecnológica;b(i,t) = relação P&D/vendas da firma i; = grau de complexidade da base de conhecimento; ((i,t) = parâmetro da função de distribuição de probabilidade do evento inovativo; e ( e ( = parâmetros do modelo.

As equações (10) e (15) foram extraídas do modelo de Silverberg e Verspagen (1994SILVERBERG, G.; VERSPAGEN, B. Learning, innovation and economic growth: a long-run model of industrial dynamics. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, p. 199-223, 1994.). A equação (10) é fruto da premissa de que a mudança tecnológica é um evento estocástico, mas dentro de um processo markoviano6 6 () Na modelagem evolucionária, o fenômeno da inovação é a fonte estocástica do modelo. No entanto, esse fenômeno não é absolutamente randômico, pois a sua probabilidade é condicionada pelos gastos com P&D e a direção e amplitude dessa mudança são de natureza path dependent (Dosi, 1988), quer dizer, depende da trajetória observada no passado. .A equação (13), por sua vez, foi formulada de acordo com os argumentos teóricos de Cohen e Levinthal (1989COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Innovation and learning: two faces of R&D. The Economic Journal, v. 99, p. 569-596, 1989.), porém devidamente adaptada para incorporar os elementos de incerteza típicos da atividade inovativa. A equação (14) é praticamente uma réplica da equação (1). Assim, esse conjunto de equações é a concretização do projeto de modelagem desenhado no referencial teórico.

A equação (14) carrega o elemento-chave da definição dos cenários. O parâmetro capta o grau de complexidade da base de conhecimento, cujos efeitos sobre a capacidade absortiva das firmas foram analisados no referencial teórico (Figura 1). Quanto menor o valor de , maior o grau de complexidade e, portanto, menor a capacidade de absorção de conhecimentos externos da firma para um dado montante de P&D; quanto menor essa capacidade, menor a probabilidade do sucesso inovativo. Um regime tecnológico com alto grau de complexidade da base de conhecimento implica a necessidade de uma relação P&D/vendas com alto valor para que a firma possa usufruir dos conhecimentos externos e do efeito catching up. Contudo, esse esforço pode comprometer os resultados financeiros da firma, pois o gasto com P&D é contabilizado no modelo como um custo indireto da produção (equação 18). Opostamente, um regime com baixo grau de complexidade da base de conhecimento corresponde a uma alta capacidade de absorção do conhecimento externo para esforços inovativos relativamente baixos. Nesse tipo de regime é esperada uma situação de desvantagem para as firmas que adotam estratégias agressivas de P&D, uma vez que o sucesso inovativo dessas firmas "vaza" para as firmas rivais com estratégias menos agressivas, as quais concomitantemente são poupadas do sacrifício financeiro decorrente da adoção de estratégias inovativas agressivas.

Bloco de adptação de rotinas inovativas

Seguindo as linhas básicas do modelo, as firmas vão adquirindo experiência a respeito da melhor estratégia ou rotina de inovação (no caso, o percentual da receita dedicado às atividades de P&D, medido pelo parâmetrob da equação 17) por meio de um longo processo de tentativa e erro. Elas não têm capacidade de conhecer e muito menos prever as estratégias adotadas pelas rivais. Acima de tudo, não têm a capacidade de prever os resultados futuros de cada estratégia adotada. Sendo assim, não existe outra alternativa para as firmas senão avaliar os resultados concretos que elas definitivamente conhecem, isto é, os resultados que são exclusivos do âmbito interno da firma, entre eles o lucro e o market shareobservados - considerados mais importantes em termos de avaliação do desempenho competitivo.

As regras de aprendizagem e seleção das estratégias inovativas são definidas de acordo com o seguinte esquema:

Se então

em que: Π(i,t) = lucro da firma i (por simplificação, foi adotada a hipótese de que não existem gastos com matéria-prima nem depreciação); CF(i,t) = custo fixo, o qual segue uma regra específica de variação: quando a taxa acumulada de variação de Q(i,t) ultrapassa o valor de 50% (positivo ou negativo), o custo fixo aumenta (ou diminui) 50% e a taxa acumulada retorna ao valor zero; e ( e (: constantes.

Nesse conjunto de regras, o primeiro destaque é a observação de que as firmas avaliam o resultado de suas estratégias uma vez a cada período. A dimensão temporal pensada neste modelo é equivalente a uma série com períodos semestrais. Isso significa que as firmas demandam um período equivalente a um semestre para concluir o processo de avaliação de suas estratégias inovativas. Os parâmetros ( e ( são positivos e menores que 1. Então, ocorrem três situações distintas: A primeira delas representa a situação em que a firma registra lucro positivo e aumento ou manutenção do market share das vendas. Nesse caso, existe a convicção na firma de que a estratégia adotada é uma boa escolha, não havendo necessidade de mudá-la. No segundo caso, é registrado lucro positivo, porém houve perda de market share. Essa situação cria pressões para mudar a estratégia inovativa dentro da firma, devido à ameaça de perda de mercado. Visto que a firma ainda dispõe de margem positiva de lucro, é natural imaginar a ocorrência de pressões internas para o aumento dos recursos destinados aos investimentos em P&D. No caso específico deste modelo, a estratégia inovativa é a única maneira de se buscar uma melhoria do desempenho competitivo via redução dos custos e dos preços. No entanto, vale lembrar que as firmas não dispõem de um modelo de competição em que elas podem depositar absoluta confiança. Elas não têm certeza a respeito das variáveis-chave da competição e muito menos sobre as relações de causalidade envoltas na dinâmica de seleção do mercado. O aumento dos gastos com P&D foi modelado como sendo única via ao alcance das firmas para tentar melhorar o desempenho de mercado.

A última situação comporta uma reação típica de sobrevivência. Ao contabilizarem prejuízo ou lucro zero, as firmas tomam medidas para minimizar as perdas, o que implica obviamente o corte de gastos - em especial, dos gastos que não comprometem as atividades operacionais dessas firmas.

5 Cenários de simulação dos efeitos de políticas tecnológicas

O conjunto de equações do modelo de simulação expressa a dinâmica da competição e as regras de decisão de uma indústria hipotética, pois essas equações foram elaboradas de acordo com pressupostos puramente teóricos, com suporte da literatura evolucionária.

De acordo com a seção anterior, este modelo foi elaborado de modo a produzir dois conjuntos de simulações. Um desses conjuntos comporta resultados cujas inferências são supostamente mais adequadas à dinâmica das indústrias de alta tecnologia. O outro conjunto se adapta melhor às indústrias de baixa tecnologia.

Os cenários do exercício de simulação definidos a seguir são válidos para os dois tipos de conjuntos, visto que as mudanças representativas de cada tipo de política tecnológica são as mesmas para os dois conjuntos. Entretanto, os efeitos simulados dessas mudanças em cada cenário são radicalmente diferentes.

Foram selecionadas algumas mudanças supostamente representativas do grupo mais comum de políticas tecnológicas: subsídios à inovação, isenções fiscais, compras governamentais e fortalecimento das ICTs. A seguir, as definições dos cenários.

5.1 Cenário A: cenário básico (benchmark)

As trajetórias geradas neste cenário revelam o desempenho do modelo na suposta ausência de políticas tecnológicas. Com este cenário é possível extrair conclusões a respeito do alcance das mudanças provocadas por essa política.

As características deste cenário são definidas nos seguintes termos:

  1. O número de firmas é fixo e igual a cinco (5).

  2. Os valores iniciais das variáveis do modelo são iguais para todas as firmas.

  3. A taxa de crescimento dos gastos com pesquisa das ICTs no campo de interesse tecnológico das firmas (variável T) é igual a 1% ao semestre.

  4. A economia cresce a uma taxa (parâmetro r na equação 3) de 2% ao semestre.

  5. O período de tempo necessário para obtenção de um sucesso inovativo é exatamente igual ao tempo necessário para finalizar o projeto inovativo (um semestre). Os recursos financeiros investidos na inovação são plenamente consumidos dentro desse período.

5.2 Cenário B: subsídios à inovação

O padrão de operacionalização desse incentivo no modelo é o fornecimento a fundo perdido de recursos financeiros para as empresas, porém com a exigência de uma contrapartida (recurso adicional) por parte da empresa beneficiada. A perspectiva social é uma característica importante dos subsídios à inovação, visto que os percentuais do valor da contrapartida variam em uma proporção inversa ao tamanho da empresa.

Do ponto de vista da simulação, esse padrão de subsídio à inovação foi delimitado nos seguintes termos:

  1. As características a, b, c, d e e do cenário A continuam válidas.

  2. Empresas com porte menor podem solicitar recursos financeiros quatro (4) vezes maior do que os recursos próprios aplicados no projeto de inovação. Empresas com porte médio podem solicitar recursos com valor igual ao dos recursos próprios aplicados no projeto. Empresas com porte maior podem solicitar recursos equivalentes a um quarto (1/4) dos recursos próprios investidos no projeto inovativo.

  3. O sucesso em termos de obtenção do financiamento público de cada solicitação é um evento randômico, pois o governo emprega uma equipe de consultores ad hoc para julgar o mérito de cada projeto. Na simulação, foi adotada a hipótese de que a probabilidade de aprovação dessas solicitações é igual para todas as empresas, independentemente do tamanho da empresa7 7 () Este cenário foi definido seguindo os termos da Lei de Inovação, a qual, diferentemente da Lei do Bem, prevê maior acessibilidade para empresas de pequeno e médio porte. Na prática, no entanto, é provável que firmas de maior porte sejam as maiores beneficiárias deste instrumento. ..

  4. Não existe o fenômeno da cumulatividade nesse evento, quer dizer, o sucesso na aprovação de um projeto não aumenta a probabilidade de aprovação da próxima ou das próximas solicitações.

5.3 Cenário C: isenção fiscal

No modelo foi explorado apenas um tipo de imposto, cuja base de tributação é o faturamento bruto. Por conseguinte, a única possibilidade de simulação é a aplicação do valor desse imposto na atividade inovativa.

No modelo, a carga tributária sobre as firmas foi estipulada em 10% sobre o faturamento bruto. Com isso, a característica principal deste cenário é a canalização desse valor para compor, juntamente com os gatos com P&D, o total de investimentos com atividade inovativa de cada firma. Foi admitido na simulação que todas as firmas estão empenhadas em usufruir desse benefício.

As características deste cenário são definidas nos seguintes termos:

  1. As características a, b, c, d e e do cenário A permanecem válidas.

  2. Todo o valor equivalente a 10% do faturamento bruto de cada firma é canalizado para as atividades de inovação, juntamente com os recursos próprios de P&D dessas firmas.

5.4 Cenário D: compras governamentais

As características deste cenário representam mudanças fictícias, a exemplo dos outros cenários, tendo como objetivo analisar os efeitos decorrentes da introdução de um "prêmio" sobre a dinâmica do modelo (a compra governamental) para as firmas que inovam.

As características deste cenário podem ser descritas nos seguintes termos:

  1. As características a, b, c, d e e do cenário A permanecem válidas.

  2. Uma firma que obtém sucesso inovativo fecha imediatamente contrato de compra com o governo por período de um semestre. O governo compra dessa firma uma quantidade de produtos três (3) vezes maior que o volume produzido no semestre anterior ao preço desse semestre.

  3. A expansão da capacidade produtiva das firmas para atender à demanda do governo é assegurada com a expansão dos custos de produção.

5.5 Cenário E: financiamento de pesquisas nas ITCs

Neste cenário não são exploradas as dimensões não financeiras das políticas de fortalecimento das ICTs. O efeito dessa mudança é representado na simulação com aumento da taxa de expansão dos gastos com pesquisa nas ICTs em áreas tecnológicas relevantes para as firmas, o que implica aumentar o grau de oportunidade tecnológica dessas firmas.

Dadas essas condições, este cenário foi definido com as seguintes características:

  1. As características a, b, c, d e e do cenário A permanecem válidas.

  2. O grau de oportunidade tecnológica (variável T na equação 13) cresce a uma taxa de 3% a. s.

6 Os exercícios de simulação e seus resultados

De acordo com as delimitações do modelo, foram realizados dois conjuntos de simulações para o mesmo conjunto de equações8 8 () Nesta pesquisa foi utilizado o software MATLAB/SIMULINK .Esse duplo exercício de simulação tem por objetivo captar a influência do valor do parâmetro ( (equação 14) nos resultados da simulação. A ideia foi simular os efeitos de políticas tecnológicas sobre dois tipos de indústrias hipotéticas: uma caracterizada pelo alto e a outra pelo baixo grau de complexidade do conhecimento, o que é típico de indústrias de alta e de baixa intensidade tecnológica, respectivamente. Foram definidos cinco cenários, sendo eles válidos para os dois conjuntos de simulações. Cada cenário foi contemplado com cinco rodadas de simulação9 9 () Antes da produção dos resultados, os exercícios de simulação foram repetidos várias vezes em cada cenário, ficando claro que as séries simuladas em cada exercício tinham valores com diferenças não muito significantes, o que motivou os cálculos em apenas cinco repetições, pois este número foi considerado suficiente para gerar uma boa amostra dos resultados. Lembrando que a realização de número relativamente pequeno de repetições é prática comum nos modelos evolucionários. Isto se deve ao fato de que esses modelos - como é caso do modelo do presente artigo - apresentam "atratores" relativamente fortes, de modo que os choques randômicos não alteram substancialmente a topografia do vetor de valores de cada ponto das séries simuladas. .Essas rodadas representam experimentos do modelo, visto que os resultados das simulações são alterados por mudanças estocásticas. Por conseguinte, cada rodada de simulação do mesmo cenário gera uma trajetória diferente para cada variável do modelo.

As trajetórias temporais nas figuras a seguir representam média simples dos valores das séries simuladas, que foram geradas em cada uma dessas rodadas.

Na Figura 2 é apresentada a média das séries simuladas da produtividade da mão de obra de cada cenário na indústria hipotética de alta tecnologia (HT). A produtividade da mão de obra foi usada como indicador da mudança tecnológica do modelo em ambos os tipos de indústria. O cenário B foi o que promoveu maior avanço nesse indicador. Esse resultado permite concluir que os incentivos gerados pelos subsídios à inovação são a melhor alternativa para estimular a adoção de novas tecnologias nas indústrias do tipo HT. A trajetória produzida pelo cenário E aparece em segundo lugar. Os cenários C e D não produziram mudanças substanciais na maior parte do período de simulação, indicando que os subsídios à inovação e as compras governamentais não representam boas alternativas de incentivo para esse tipo de indústria.

Figura 2
Séries simuladas da produtividade do grupo de simulação com ( = 1

Para o segundo conjunto de simulações, cujo foco é uma indústria hipotética de baixa tecnologia (LT), os resultados são diferentes, conforme se verifica na Figura 3. Nesse conjunto, o cenário D produziu a trajetória de maior impulso sobre a adoção de novas tecnologias, indicando que as compras governamentais são a melhor opção de incentivo para indústrias do tipo LT. As trajetórias produzidas nos cenários D e E também ficaram destacadas em relação ao cenário básico. Novamente, o cenário representativo das isenções fiscais não produziu mudanças substanciais.

A diferença crucial reside principalmente nos resultados do cenário D. Nota-se também que, no grupo de simulações do grupo LT, as trajetórias da produtividade crescem a taxas maiores. Qual é, portanto, o papel do parâmetro ( nos resultados da simulação? Sem a intervenção do governo, o crescimento "natural" das oportunidades tecnológicas (parâmetro 𝒯 da equação 13) é absorvido pelas firmas com menor esforço inovativo (Figura 1) do tipo LT, fazendo aumentar a probabilidade de sucesso inovativo sem necessidade de aumento substancial na taxa de investimento em P&D.

Figura 3
Séries simuladas da produtividade do grupo de simulação com ( = 10

A questão se torna mais complexa em relação ao cenário D. Esse cenário foi desenhado para fazer das compras governamentais um prêmio à inovação. Isso porque essa compra é realizada logo após o sucesso inovativo e por apenas o período de um semestre. No caso do grupo HT, esse aumento repentino do faturamento não favorece substancialmente o sucesso inovativo por duas razões: A primeira decorre da lei da probabilidade, pois a probabilidade de realização de um sucesso logo após outro sucesso é naturalmente menor. Por outro lado, o aumento substancial do faturamento eleva os gastos com P&D, mas não deve elevar a capacidade absortiva das firmas (Figura 1) na mesma proporção. No grupo LT, vale também a mesma lei de probabilidade; no entanto, nesse grupo, a capacidade absortiva aumenta significativamente diante de um aumento substancial no faturamento das firmas.

O foco social é outra dimensão relevante das políticas tecnológicas. Neste artigo, foi contemplado somente o indicador de concentração da produção: o índice Herfindahl-Hirschman. As séries simuladas desses índices para cada grupo estão registradas nas Figuras 4 e 5. No caso do primeiro grupo, o cenário B gerou a tendência mais forte de concentração da produção. As mudanças representadas nos demais cenários tiveram efeito melhor do ponto de vista social, pois geraram séries com tendências menos concentracionistas em relação ao cenário A (cenário sem mudança).

Esse resultado é surpreendente, visto que o desenho do cenário B estabelece condições que favorecem as firmas de menor porte, as quais são contempladas com o montante relativamente maior de subsídios e com probabilidade de aprovação de projetos idêntica à das firmas de porte maior. Provavelmente, a tendência de concentração gerada pelos subsídios à inovação seria muito mais intensa caso as firmas de maior porte tivessem mais chance de aprovação dos seus pedidos. Os demais cenários - cujos desenhos não especificam vantagens para firmas de menor porte - produziram menor impacto sobre o ritmo de crescimento da tendência de concentração da produção.

Os resultados mudam por completo no segundo grupo de simulações. De acordo com as séries registradas na Figura 8, as mudanças representadas pelos incentivos às ICTs produziram o maior índice de concentração da produção no final da série, seguidas das compras governamentais. Nesse conjunto, os subsídios e as isenções fiscais às inovações produziram trajetórias pouco menos concentracionistas em relação ao cenário A.

Encontrar uma explicação para essa mudança radical no quadro das simulações de cada grupo é um exercício desafiador. O modelo opera com grande número de interações, combinadas com efeitos feedback e cumulativos, sendo praticamente impossível explicar o caminho temporal das séries simuladas a partir da análise das equações do modelo. Como ilustração, vale observar que nem sempre ocorre a coincidência de cenários para os indicadores de produtividade e de concentração. No caso do grupo LT, é surpreendente a observação de que as mudanças representativas dos incentivos às ICTs impactaram fortemente o índice de concentração a partir do vigésimo período da simulação. Com certeza, nenhum agente formulador de políticas tecnológicas poderia esperar um resultado desse tipo. A mesma surpresa é válida para a política de subsídios à inovação no grupo HT.

Figura 4
Séries simuladas do índice de concentração do grupo de simulação com ( = 1

Figura 5
Séries simuladas do índice de concentração do grupo de simulação com ( = 10

Outro testemunho dessa complexidade aparece com a análise dos aspectos financeiros das mudanças produzidas pelas políticas tecnológicas.

As séries representadas nas Figuras 6 e 7 são o registro do saldo fiscal (diferença entre o valor arrecadado e o valor gasto com o programa) sobre o faturamento bruto do conjunto das firmas. A enorme diferença entre os cenários D e E do primeiro grupo de simulação chama a atenção. Do ponto de vista da adoção de novas tecnologias, esses dois cenários produziram resultados quase semelhantes (Figura 2). Contudo, o custo fiscal no cenário E aumenta de modo sistemático e, no final da simulação, atinge um valor quase seis vezes maior se comparado ao cenário D (Figura 6). Quer dizer, em dado momento da simulação o aumento da produção de conhecimento externo pelas instituições de pesquisa se torna inútil se comparado com o de outros tipos de políticas de mesmo potencial tecnológico. Isso era esperado, visto que a capacidade absortiva das firmas é restringida pela complexidade do conhecimento (Figura 1).

Não obstante, surgem resultados inesperados para o grupo LT. Nesse grupo, o aumento substancial dos gastos com as ICTs não se traduziu em uma vantagem relativa em termos de aumento da produtividade, pois o ritmo mais intenso de crescimento desse indicador até o final da série ficou por conta do cenário D, seguido do cenário B (Figura 2). Entre esses dois cenários, houve correspondência entre os gastos e os resultados. O cenário D produziu, no final da simulação, a maior produtividade e também o maior comprometimento fiscal em relação ao cenário B.

Nota-se, portanto, que o valor gasto nem sempre é primordial para os resultados da política tecnológica, mesmo na ausência de um cenário de desperdício ou ineficiência de gestão.

Figura 6
Séries simuladas do saldo fiscal do grupo de simulação com ( = 1

Figura 7
Séries simuladas do saldo fiscal do grupo de simulação com ( = 10

Várias outras dimensões dos efeitos de políticas tecnológicas não foram analisadas. Não obstante, a conclusão geral é a mesma para todas elas: o modelo gera resultados inesperados e pequenas alterações em alguns de seus parâmetros mudam radicalmente os resultados da simulação. Obviamente, a falta do embasamento empírico não permite realizar o teste de robustez empírica do modelo. Assim, é prematuro afirmar que os subsídios à inovação ou fortalecimento das ICTs nem sempre representam melhores alternativas para recuperar o atraso tecnológico do país sem aprofundar sua dívida social. As análises anteriores foram obtidas a partir do modelo de uma indústria hipotética, supostamente representativa das indústrias de alta e baixa intensidade tecnológica. Entretanto, independentemente do tipo de indústria, a inovação é sempre parte integrante de uma dinâmica complexa. Em todos os casos, é necessário frisar que a formulação de políticas de incentivo à inovação baseada em princípios intuitivos (não levando em conta o fenômeno da complexidade em todas as suas dimensões) pode afundar em mitos e entrar em um labirinto de tentativas e erros sem avanços, seja no âmbito da criação desses instrumentos ou no de suas avaliações.

Conclusões

Neste artigo foi apresentado um método alternativo de análise dos efeitos de políticas tecnológicas. A novidade desse método reside no reconhecimento de que a inovação é parte integrante da dinâmica industrial e que essa dinâmica é marcadamente complexa.

A ferramenta mais promissora para a análise de fenômenos com dinâmica complexa são os modelos de simulação, os quais são largamente empregados pela teoria evolucionária da inovação. Neste artigo foi apresentado um modelo de simulação de uma indústria hipotética, cujos pressupostos são derivados de alguns modelos teóricos encontrados na literatura evolucionária.

Os resultados produzidos pelo exercício de simulação dão suporte à convicção de que o subsídio à inovação é um poderoso instrumento de estímulo à inovação em indústrias com regimes tecnológicos típicos de indústrias de alta tecnologia, o que era intuitivamente esperado. Resultado radicalmente diferente é obtido com a modelagem de regimes típicos de indústrias de baixa tecnologia. Nesse caso, sobressai o cenário representativo dos incentivos às ICTs, seguido do cenário representativo das compras governamentais. Por outro lado, não há uma associação direta entre o total de gasto do governo representado em cada cenário e o ritmo de crescimento do indicador de produtividade do modelo. Existem cenários em que o aumento do déficit em quase nada alterou a trajetória do indicador de produtividade do modelo.

Outro resultado inesperado foi a constatação de que mudanças representativas dos subsídios à inovação com foco nas empresas de pequeno porte no contexto das indústrias de alta tecnologia produziram tendência de concentração mais forte do que as mudanças sem esse tipo de foco. No contexto de indústrias de baixa tecnologia, a mesma mudança produziu efeito contrário, reduzindo o ritmo de crescimento da concentração. Chama a atenção também o fato existir correlação entre a concentração e o aumento da produtividade em apenas alguns cenários.

Resultados inesperados ou surpreendentes foram obtidos com outras variáveis, cujas análises não foram apresentadas neste artigo. Muitos outros resultados deste tipo seriam obtidos com outras alterações nos parâmetros do modelo, a exemplo da redução do grau de spillover (parâmetro θ na equação 13) ou da introdução de um componente cumulativo na função de probabilidade de sucesso inovativo. Assim, a maioria dos resultados da simulação não pode ser deduzida da análise intuitiva ou matemática do modelo. Esse - e qualquer outro modelo de dinâmica complexa - só pode ser analisado com o método de simulação.

Por ser parte integrante de um sistema com dinâmica complexa - o sistema industrial -, o fenômeno da inovação deverá ser analisado tendo por base modelos com esse tipo de dinâmica. Com isso, a análise dos efeitos das políticas de incentivos à inovação pressupõe necessariamente que a intervenção do governo sobre o fenômeno da inovação é uma intervenção sobre um sistema marcado pela dinâmica complexa. Se assim for, os estudos dos efeitos de políticas tecnológicas fundamentados em abordagens empíricas ou teóricas que não contemplam a perspectiva dos sistemas de dinâmica complexa e da simulação podem produzir mitos e afundar no mar de controvérsias improdutivas.

Referências bibliográficas

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  • 1
    () Essa sensibilidade não pode comprometer a capacidade do modelo de gerar trajetórias com medidas de variação dentro de intervalos que sejam representativos das séries reais do fenômeno modelado.
  • 2
    () A diferença fundamental entre modelos assintóticos e não assintóticos reside na mudança das propriedades dinâmicas do modelo (emergência de bifurcações, de caos, etc.) - o que altera radicalmente o formato das trajetórias temporais de cada variável - proveniente de pequenas mudanças nos valores iniciais dessas variáveis e/ou no valor de algum de seus parâmetros, seja qual for a extensão do tempo.
  • 3
    () Para os propósitos deste artigo, é suficiente o uso da noção de indústria típica dos manuais de microeconomia: conjunto de firmas que atuam em um mesmo mercado. Entretanto, o modelo permite uma definição de cunho evolucionário: o conjunto de firmas que simultaneamente exploram as oportunidades tecnológicas criadas a partir do artefato (Dosi, 1988DOSI, G.. Sources, procedures and microeconomic effects of innovation. Journal of Economic Literature, v. 26, n. 3, p. 1120-1171, Sept. 1988.) que inaugura um novo paradigma tecnológico.
  • 4
    () As mudanças de valores das variáveis do modelo carregam uma noção de tempo real equivalente ao período de um semestre. Assim, o valor de r foi igualado a 0,02 - valor esse que se aproxima de uma média das taxas de crescimento da economia brasileira nas décadas de 80, 90 e 2000.
  • 5
    () No modelo não existe dinâmica para o índice geral de preços. A taxa de salário real é constante, visto que as mudanças de preços na indústria simulada não apresentam peso suficiente para mudar o poder de compra dos salários.
  • 6
    () Na modelagem evolucionária, o fenômeno da inovação é a fonte estocástica do modelo. No entanto, esse fenômeno não é absolutamente randômico, pois a sua probabilidade é condicionada pelos gastos com P&D e a direção e amplitude dessa mudança são de natureza path dependent (Dosi, 1988DOSI, G.. Sources, procedures and microeconomic effects of innovation. Journal of Economic Literature, v. 26, n. 3, p. 1120-1171, Sept. 1988.), quer dizer, depende da trajetória observada no passado.
  • 7
    () Este cenário foi definido seguindo os termos da Lei de Inovação, a qual, diferentemente da Lei do Bem, prevê maior acessibilidade para empresas de pequeno e médio porte. Na prática, no entanto, é provável que firmas de maior porte sejam as maiores beneficiárias deste instrumento.
  • 8
    () Nesta pesquisa foi utilizado o software MATLAB/SIMULINK
  • 9
    () Antes da produção dos resultados, os exercícios de simulação foram repetidos várias vezes em cada cenário, ficando claro que as séries simuladas em cada exercício tinham valores com diferenças não muito significantes, o que motivou os cálculos em apenas cinco repetições, pois este número foi considerado suficiente para gerar uma boa amostra dos resultados. Lembrando que a realização de número relativamente pequeno de repetições é prática comum nos modelos evolucionários. Isto se deve ao fato de que esses modelos - como é caso do modelo do presente artigo - apresentam "atratores" relativamente fortes, de modo que os choques randômicos não alteram substancialmente a topografia do vetor de valores de cada ponto das séries simuladas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2013
  • Aceito
    08 Ago 2015
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