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Ampliando a imigração ou criando um novo apartheid?

Pritchett, Lant. . Let their people come: breaking the gridlock on international labor mobility. Washington, DC: Center for Global Development, 2006.

Lant Pritchett é um economista estadunidense que atua como professor da cadeira de Prática do Desenvolvimento Econômico na John Kennedy School of Government, em Harvard. Sua obra “Let their people come: breaking the gridlock on global labor mobility” foi publicada em 2006 pelo Center for Global Development. A persistente ausência de convergência absoluta dos níveis de renda per capita entre países ricos e pobres, e o consequente incentivo para a migração, garantem ao leitor que seu tempo será ocupado por um tema econômico de importância crescente para o presente século, como atestam as notícias quotidianas.

Com cerca de 150 páginas distribuídas ao longo de uma Introdução e 5 capítulos, a obra aborda a questão da mobilidade internacional da mão de obra tomando posição, desde o início, em defesa da generosa ideia da redução das barreiras legais à migração para os países desenvolvidos. E o faz de forma tal que, sem deixar de despertar o interesse acadêmico especializado, permite acesso profícuo a leitores sem contato prévio com o tema.

Logo na Introdução, Pritchett avalia que o principal modo pelo qual os países ricos prejudicam os pobres é através do bloqueio à entrada em seus territórios de trabalhadores de baixa qualificação. E que embora a liberalização dessa entrada seja “a coisa certa a fazer”, ela enfrenta um desafio político monumental, posto que as populações dos países ricos, em vasta maioria, estão fortemente imbuídas da noção de que ela seria desastrosa. O autor, porém, indica que esse quadro poderia ser modificado, pois a imigração favoreceria não apenas o desenvolvimento “pró pobres”, mas também porque ela atenderia aos próprios interesses dos mais ricos. E que o modo de fazê-lo consiste em buscar essa liberação na medida, grau e forma considerados politicamente aceitáveis pelos eleitores dos países ricos.

No Capítulo 1 se argumenta que, a despeito dessa resistência política, há forças econômicas “irresistíveis” que operam no sentido de ampliar a mobilidade internacional da mão de obra: 1) o grande e crescente hiato salarial entre países ricos e pobres; 2) o crescimento demográfico diferenciado entre os mesmos; 3) a tendência da globalização dos fluxos comerciais e de capitais promover também a da mão de obra; e 4) o crescimento continuado em países ricos da demanda por trabalho não qualificado em setores de serviços não comercializáveis e com lenta evolução da produtividade. Com exceção da terceira, as demais forças são apresentadas com razoável evidência empírica em suporte.

O capítulo seguinte é dedicado ao estudo de uma quinta força atuante em prol da ampliação da mobilidade do trabalho, a discrepância entre a população efetiva e a desejada nos espaços nacionais. Esta última refletiria a real capacidade de certo território absorver mão de obra. Na medida em que em muitos países pobres a primeira seria significativamente superior à segunda, operaria uma substancial força de expulsão. O autor busca fornecer operacionalidade e robustez empírica ao conceito, o que parece, aliás, sua maior contribuição ao debate acadêmico.

Dedica-se o Capítulo 3 a identificar e avaliar as principais ideias (verdadeiras ou não) que se contrapõem àquelas cinco forças e respaldam, implícita ou explicitamente, a resistência política à maior mobilidade do trabalho: a) nacionalidade é considerada uma base moral legítima para a discriminação; b) obrigações morais com outros seres humanos não transcendem fronteiras nacionais; c) o desenvolvimento diz respeito exclusivamente a espaços nacionais, não a indivíduos; d) a mobilidade da mão de obra não é necessária (ou desejável) para melhorar as condições de vida; e) a maior imigração de trabalhadores não qualificados reduz os salários nos países receptores (e/ou aumenta o desemprego), deteriorando a distribuição de renda; f) imigrantes geram custos fiscais, pois os valores dos serviços públicos a eles providos superam o dos impostos por eles recolhidos; g) a ampliação da mobilidade da mão de obra aumenta o risco de crimes e de terrorismo; e h) a imigração gera choques culturais. Os itens de “e” a “h” são considerados particularmente problemáticos para as políticas pró imigração.

O penúltimo capítulo busca propor políticas que ampliem a mobilidade de mão de obra e, simultaneamente, acomodem as pressões antiimigração. Alguns princípios regentes para tais políticas são propostos, segundo os quais elas devem: 1) resultar de acordos bilaterais; 2) ser temporárias; 3) estabelecer quotas quantitativas de imigrantes (por categoria de trabalho e/ou região de destino); 4) engajar o país emissor no esforço de cumprimento do acordo; 5) prover proteção aos direitos fundamentais dos imigrantes; 6) maximizar o impacto no desenvolvimento do país emissor. Em suma, se propõe uma ligeira e fortemente controlada ampliação na mobilidade internacional da mão de obra, considerada a única possibilidade de fazer a agenda avançar.

O Capítulo 5 é um resumo dos principais pontos do livro.

É incontestável que a obra de Pritchett cumpre a função essencial de chamar a atenção para um tema frequentemente subestimado na discussão convencional sobre desenvolvimento. Ela também constitui uma útil síntese dos principais aspectos envolvidos no debate, com uma razoável análise dos interesses e preconceitos envolvidos.

No campo teórico, um aspecto saliente é o viés convencional na análise do mercado de trabalho, que se equilibra em um período de tempo não explicitado (mas implicitamente curto) mediante variações do salário real. Tal interpretação da capacidade de auto-equilíbrio do mercado de trabalho parece subestimar a real dimensão do impacto imediato da imigração sobre o desemprego e o subemprego. Assim, pode dificultar a construção de políticas adequadas para lidar com o fenômeno, aumentando a resistência política à maior liberdade de movimentação internacional.

Resta saber se a proposta de Pritchett conseguiria de fato induzir maior mobilidade internacional da mão de obra em escala significativa sem ser bloqueada pelos eleitores dos países ricos; ou, no afã de os atender, fazer dos imigrantes, na prática, cidadãos de segunda classe, com direitos reduzidos em relação aos locais. Fica em aberto, ainda, o papel que países como o Brasil, de renda média e baixa densidade demográfica, poderiam cumprir como receptores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017
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