Acessibilidade / Reportar erro

Cepal, Furtado, Kowarick e o debate sobre o mercado de trabalho

Cepal, Furtado, Kowarick and the labour market debate

Resumo

Nos anos setenta se assiste com autores como Lúcio Kowarick a uma recolocação do tema da marginalidade na América Latina no interior da busca de novas concepções sociais e políticas deste tema tão caro a autores da antiga CEPAL, bem como a Furtado e José Nun, entre os mais conhecidos. O texto procura delinear esse momento bem como encaminhar a questão de sua relevância na atual era do capitalismo global.

Palavras-chave:
Marginalidade; Mercado de trabalho; Lúcio Kowarick; Pensamento social brasileiro; Pensamento econômico da Cepal

Abstract

During the seventies, authors such as Lúcio Kowarick helped reallocate the theme of marginality in Latin America to the center of a wider search for new social and political conceptions regarding the issue, which is fundamental to thinkers of the Economic Commission for Latin America (CEPAL) as well as to Celso Furtado and José Nun. This article aims to delineate this historical moment and discuss its relevance in modern global capitalism.

Keywords:
Marginality; Labour Market; Lúcio Kowarick; Brazilian social thought; Cepal economic thought

Introdução

A preocupação com a heterogeneidade social e produtiva no desenvolvimento do capitalismo na América Latina remonta, pelo menos, aos primeiros autores ligados à Comissão Econômica da América Latina - Cepal, e se tornou, também, um dos temas centrais em um autor como Celso Furtado. Nos anos 70, outros autores, partindo de reflexões baseadas neste marco teórico, como José Nun e Anibal Quijano Obregon (Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.), retomaram o problema da marginalidade urbana em países da América Latina nos anos 60 e 70, como o Brasil durante o “milagre”. Kowarick é um pioneiro ao colocar o problema sob um ângulo baseado em “O Capital” em “Capitalismo e Marginalidade na América Latina”, de 1975, tema articulado com o subdesenvolvimento e a dependência.

Marx nunca foi um autor esquecido em nossa região. O próprio Furtado, a princípio com posições mais próximas da antiga Cepal, logo ganha um estatuto intelectual particular com seu método histórico-estrutural, tendo Marx como uma importante referência. Todavia, nos anos da ditadura militar, particularmente na década de 70, procura-se em várias instituições uma leitura que dialogue com a Cepal mas que pretende uma autonomia em relação a esta, capaz de atualizar de forma rigorosa o problema do desenvolvimento e de suas conexões políticas. Esta releitura de “O Capital” e de outras obras dos fundadores do marxismo pode ser vista na Universidade de São Paulo - USP, no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap e na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.

Lúcio Kowarick participa deste momento analisando com um novo referencial o problema considerado por Furtado como central no nosso subdesenvolvimento, a saber, o desemprego. O autor, logo no primeiro parágrafo de seu livro, diz a que veio:

Este trabalho aborda a marginalidade tendo como ponto de referência a ampla temática do “desenvolvimento-subdesenvolvimento”, articulada em torno do que se convencionou denominar de teoria da dependência. Nosso intento primordial é buscar uma clarificação do processo de marginalização nas zonas urbanas. Neste sentido, tal processo será analisado tendo em conta a dinâmica e as exigências da acumulação do capital, na qual os grupos marginais serão conceituados como uma forma peculiar de inserção na divisão social do trabalho. Neste ângulo, o estudo do exército industrial de reserva e do custo de reprodução da força de trabalho são questões da maior relevância (Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 9).

Esta posição do autor se revelou de grande audiência à época, pois implica pensar as grandes massas despossuídas sob o ângulo privilegiado de sua funcionalidade ao crescimento econômico no período da ditadura militar e, portanto, inseridas de uma forma específica, a da “marginalidade”, no processo de acumulação. Desta forma, Kowarick fazia uma forte crítica à noção de marginalidade corrente entre a Cepal e muitos importantes pensadores do desenvolvimento latino- americano que a percebiam como resíduo humano de longa origem, cuja incorporação às nossas sociedades ainda estava por ser feita, derivando daí um imperativo político.

1 A tradição sobre o mercado de trabalho da Cepal, Celso Furtado e teoria de dependência

Para entender a ofensiva teórica de Lúcio Kowarick, bem como de outros como Francisco de Oliveira em “Crítica da Razão Dualista”, este texto passa, a seguir, a uma síntese das principais ideias dos autores com matriz na Cepal, pelo menos no início do seu percurso, como Furtado, além do próprio primeiro dirigente do órgão. Retomando um texto de Raúl Prebisch, de 1963, “Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano”, vejamos brevemente como o autor sistematiza os problemas do crescimento, da distribuição e do emprego. A principal característica das economias latino-americanas seria uma insuficiência dinâmica entorpecendo o progresso técnico e seus rebatimentos sobre o desenvolvimento econômico e social. Assim, a estrutura social da região é marcada pela falta de mobilidade social, pelo privilégio na distribuição do emprego e da renda e pelo consequente ritmo débil de acumulação de capital, a não ser em formas exageradas do consumo nas camadas superiores da sociedade, contrastando com a precária existência das massas populares.

A capacidade de imprimir maior ritmo de desenvolvimento é uma pré- condição para melhorar progressivamente a distribuição de renda. Outra condição, nesse sentido, para o autor, é a compressão do consumo dos grupos de rendas elevadas, traduzindo-se em acréscimo contínuo do capital acumulado. Isto ocorre porque os problemas da acumulação de capital, bem como da distribuição de renda, colocam-se em termos muito diversos dos relativos à evolução capitalista dos países mais adiantados.

Outro ponto importante são as restrições à importação por parte dos Estados Unidos, influindo de forma diversa sobre as exportações latino-americanas, o mesmo ocorrendo com o então Mercado Comum Europeu. Nesse contexto, o mercado comum latino-americano é um objetivo importante, dependendo de um esforço convergente de grandes dimensões. O desenvolvimento fechado da região precisa ser superado através de cooperação internacional tanto no campo de intercâmbio quanto no campo do financiamento.

Por outro lado, haveria estrangulamentos internos que limitavam ou impediam a força expansiva da acumulação de capital, como a insuficiente produção agrícola. Solucionar isto exigiria reduzir a brecha entre a renda média rural e urbana, para que a agricultura pudesse reter o fruto de seu progresso técnico, e ainda para que o avanço tecnológico se inserisse numa política que não despejasse sobre as cidades uma massa de população agora sem acesso à terra.

Para o autor, a tecnologia nos países desenvolvidos veio se introduzindo no processo produtivo à medida que se acumulava o capital necessário. Os países subdesenvolvidos, por sua vez, tendem a assimilar uma tecnologia já elaborada com incessantes inovações que nela ocorrem requerendo um elevado capital por pessoa, que os países do centro alcançaram dentro do seu regime histórico. Se não se pode reinventar toda a tecnologia, deve-se alavancar o progresso técnico e planejar a industrialização. Isto concorreria para incorporar o contingente urbano vivendo nas franjas do mercado de trabalho, tornando a sociedade mais homogênea, bem como evitando problemas históricos da região como a inflação estrutural e o crônico déficit no balanço de pagamentos1 1 Em suas linhas principais esta posição da antiga Cepal já havia sido antecipada por Roberto Simonsen, contrapondo-se à visão liberal baseada na economia marginalista. O foco desta última é o equilíbrio em termos reais dos mercados com otimização do emprego, ao mesmo tempo em que percebe os problemas acima como decorrentes de má condução da política monetária e fiscal do intervencionismo indevido do Estado. Lembre-se aqui a célebre controvérsia sobre o planejamento entre Simonsen e Eugênio Gudin ao final da segunda guerra (Simonsen, 1977). .

A posição de Celso Furtado é próxima daquela de Raúl Prebisch, e é sintetizada a seguir. Como enfrentar esta condição de subdesenvolvimento no nível político dos países periféricos? Exatamente pela reforma nos planos político e social, pois o subdesenvolvimento supõe o controle da apropriação e uso do excedente por elites que imitam padrões de consumo sofisticados do centro, sem que haja um correspondente processo de acumulação de capital e progresso nos métodos produtivos na periferia. Como se sabe, já em seus primeiros textos no início dos anos cinquenta Furtado explica a criação no centro, nos primórdios de sua industrialização, de uma tecnologia baseada nas suas dotações de fatores produtivos que terminam por gerar ou por ser compatíveis com uma homogeneidade social acentuada. Como na periferia a adoção dessas tecnologias se baseia em uma dotação diversa de recursos, no qual o trabalho é recurso abundante em relação ao capital, a acumulação baseada na modernização dos padrões de consumo se traduz numa engrenagem de concentração de renda. Há, portanto, uma relação entre incorporação de progresso técnico gerado externamente, modernização seletiva de padrões de consumo, dependência técnica e política, heterogeneidade e marginalidade social.

Esse processo é irracional do ponto de vista do desenvolvimento da nação, que passa a se caracterizar por uma incapacidade crônica de consumo das camadas mais pobres. Isto, por sua vez, tende a minar o impulso ao investimento e a aceleração do crescimento. O subdesenvolvimento se torna não uma etapa superável, mas um estado ligado à estrutura econômica e política da nação periférica. Não há um encadeamento entre variáveis técnicas e econômicas que induzam ao progresso técnico, ao desenvolvimento das forças produtivas e à capacidade de consumo do conjunto da população.

Explicando melhor este ponto, pode-se afirmar que, para Furtado, o desenvolvimento é gerado por um incremento do investimento incorporando progresso tecnológico como forma de aumentar a participação no excedente frente ao fator trabalho. Contudo, a expansão resultante da renda e a relativa escassez deste último cria possibilidade de reorganização das relações de apropriação, favorecendo os salários e difundindo um padrão de consumo mais homogêneo por toda a sociedade. Nas sociedades periféricas, entretanto, o desenvolvimento se baseia na modernização seletiva de padrões de consumo que comanda a introdução de progresso técnico incapaz de propiciar essa homogeneidade social e técnica dado o excedente de trabalho. Furtado resume magistralmente este ponto na seguinte passagem:

Em síntese, o que caracteriza uma economia dependente, é que nela o progresso tecnológico é criado pelo desenvolvimento, ou melhor, por modificações estruturais, que surgem inicialmente do lado da demanda, enquanto nas economias desenvolvidas o progresso tecnológico é, ele mesmo, a fonte do desenvolvimento. De uma perspectiva mais ampla, cabe reconhecer que o desenvolvimento de uma economia dependente é reflexo do progresso tecnológico nos polos dinâmicos da economia mundial. Contudo, convém assinalar que o elemento dinâmico não é a irradiação do progresso tecnológico, e sim o deslocamento da curva da demanda (Furtado, 1968FURTADO, Celso. Um Projeto para o Brasil, Rio de Janeiro: Editora Saga, 1968., p. 23).

Por outro lado, o subdesenvolvimento se caracteriza pela implantação de um sistema produtivo como sucessivas adaptações, na qual a direção cabe às forças internas e externas que comandam o perfil da demanda, que não reflete o nível de acumulação alcançado. Isto pode ser lido em textos do início dos anos sessenta.

O “tempo” da economia subdesenvolvida e seus problemas específicos se formam na articulação entre o desenvolvimento técnico e social dos países centrais e a difusão dos padrões de consumo e eficiência que ele estabelece, de um lado, e de outro a capacidade dessa economia subdesenvolvida internalizar o processo da acumulação controlando seus fins e seus meios. Não se trata de uma temporalidade abstrata própria de um modelo de crescimento macroeconômico, como os que o pós- guerra viu nascer, mas de identificar os problemas históricos particulares a cada sociedade periférica e sua dinâmica. Daí que Furtado elabore uma teoria do subdesenvolvimento que depende das estruturas sociais e econômicas da sociedade periférica e da sua transformação histórica, diante da evolução aludida dos países centrais. Não há aí um etapismo rumo a um necessário desenvolvimento. Cabe antes pensar em uma arena política na qual ele se conformaria a partir de uma ética de solidariedade via construção de uma cultura comum com viabilidade histórica. Furtado articula, portanto, sua proposta de superação do subdesenvolvimento a partir de certa ética na política e certa cultura específica voltadas para a homogeneidade social e produtiva, a democracia, a industrialização, a soberania nacional.

Para que este processo tenha lugar, o autor pensa em condicionantes internos e externos, como a capacidade de proteger o espaço econômico nacional da concorrência internacional, os gastos autônomos necessários à dinamização da economia, isto é, sua viabilização envolvendo todo o formato da política econômica e seus desígnios, os condicionantes socioculturais capazes de elevar os gastos derivados de consumo e a expansão total da renda. A industrialização que se conformaria aí depende do grau de integração ou organicidade do sistema produtivo e de sua autonomia relativa frente ao resto do mundo, da capacidade do sistema de introduzir inovações e da relação, que deve ser virtuosa, entre a introdução do progresso técnico e a organização do mundo do trabalho.

O conceito de dependência está ligado a esses nexos referentes à subordinação econômica e política, articulados ao espaço interno de dominação social. É um conceito político e revela a preocupação furtadiana com a visão clássica dos processos históricos, incluindo os econômicos. Ele se refere a como, em cada momento histórico, se dá o processo de geração, apropriação e distribuição do excedente social. Mais que isto, refere-se a um crescimento industrial comandado por uma demanda final imitativa e seus impasses técnicos e sociais, e a um desenvolvimento comandado por indução externa. Surge daí problemas como a necessidade de um esforço de capitalização para o investimento superior à realidade da nação dependente, escalas inadequadas de produção, marginalização social derivada da inadequação tecnológica e a impossibilidade de endogeneizar o crescimento.

O Estado é a arena social e política para a superação desses impasses. Este não pode ser apenas desenvolvimentista, aprofundando a modernização, mas seu reformismo deve incidir sobre estruturas mais fundas da sociedade, ligadas no plano econômico à geração do progresso técnico, ao nível do salário e à criação de empregos. Trata-se, em suma, da proposição de uma política nacionalista e reformista e de uma ação original do Estado a partir das incongruências que a modernização por si só produz nos países dependentes.

A industrialização periférica só foi possível graças à difusão espacial da técnica através da expansão das empresas transnacionais no após guerra em direção dos países que haviam conseguido desenvolver um mercado interno compatível com seus tamanhos mínimos de planta. A tecnologia em que elas se baseavam estava já amortizada, o que facilitou superar limitações de capacidade de importação e problemas de rentabilidade ligados a este tipo de investimento industrial. O capital nacional desenvolve um papel apenas auxiliar nesta fase, dando flexibilidade ao sistema econômico, mas raramente disputando terreno nos setores dinâmicos daquelas empresas. O capital estatal agiu fornecendo infraestrutura básica e insumos diversos, especialmente no setor de bens de capital circulante, um setor de largo prazo de maturação e alta relação capital/produto.

O aprofundamento na industrialização não significou diminuição do grau de dependência externa, pois a substituição de importações acompanhada de certo fechamento da economia periférica significava um esforço de diversificação produtiva muito grande para essas economias. A demanda gerada pela modernização já era bastante diversificada, fazendo com que os investimentos industriais tendessem a se dispersar. Assim, as economias que mais avançaram por esse processo passaram a apresentar um baixo coeficiente de importação de produtos industrializados, e ao mesmo tempo pequena capacidade para competir nos mercados internacionais desses produtos. Em meados dos anos sessenta a internacionalização produtiva pôde prosseguir graças à concentração de renda e aos baixos salários da periferia. Além disso, houve na época uma grande disponibilidade de empréstimos internacionais financiando a reciclagem dos sistemas industriais na periferia nos marcos da tecnologia da segunda revolução industrial. A crise internacional a partir de meados dos anos setenta e a subida dos juros nos mercados internacionais impuseram, contudo, à industrialização subdesenvolvida um agudo estrangulamento cambial.

Para Furtado, o avanço da internacionalização financeira e tecnológica debilitou os sistemas econômicos nacionais e os países periféricos apresentam uma maior heterogeneidade cultural e econômica ao mesmo tempo em que se fragiliza a atividade do Estado, grandemente endividado nos circuitos externos e da dívida interna. Forma-se aí uma nova dependência, entre tensões inter-regionais, aguçadas rivalidades entre empresas e formação de grande contingente de miseráveis, fechando as portas para um projeto nacional de desenvolvimento. Por outro lado, os valores culturais do centro são, mais do que nunca, difundidos, e as classes médias e altas dos países periféricos copiam padrões de consumo e comportamento vindos do centro. Haveria aí a necessidade de uma crítica radical à doutrina monetarista que impacta a luta ideológica nesses países, mas o que se vê é uma nova ortodoxia que tira à ideia de desenvolvimento seu conteúdo político e valorativo. Toda a análise acima de Furtado pode ser encontrada em sua “Obra Autobiográfica”, em grande medida uma apresentação de suas principais análises e ideias ao longo de sua vida intelectual (Furtado, 1997FURTADO, Celso. Obra autobiográfica, 3v. Conteúdo: v1: Contos da vida expedicionária, A fantasia organizada; v2: Aventuras de um economista brasileiro, A fantasia desfeita; v3: Entre inconformismo e reformismo, Os ares do mundo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997.).

Como observa Kowarick (1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.), outros autores retomaram com propósitos próximos a Prébisch e a Furtado, mas preocupações particulares, a heterogeneidade social, destacando o conceito de marginalidade urbana. Gino Germani, por exemplo, pensa a necessidade de esse segmento ser incorporado pelo polo industrial moderno como condição para estabilidade e persistência do sistema:

A persistência de um setor não participante, ou participante de maneira parcial na sociedade industrial, em contraste com outro setor plenamente integrado na mesma, (...) pode ser considerada como uma limitação e uma ameaça para a sociedade industrial na medida em que impede a otimização dos recursos existentes, não só por deixar de lado um setor da população como também por restringir a base da seleção, reduzindo deste modo a funcionalidade da mesma. (...) É por isso que, se a estrutura industrial exige atitudes “modernas” e educação adequada a uma tecnologia cada vez mais complexa, a exclusão de um setor pode ser disfuncional para o sistema. Do lado do consumo poder-se-iam formular argumentos similares, posto que a marginalidade reduz as possibilidades de expansão do sistema (Germani apud Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 53).

De modo contrário a Germani, Quijano Obregon relaciona os setores atrasados com os evoluídos como uma conexão essencial na marginalidade:

A estrutura de dominação social inclui entre seus setores de interesse social fundamentais, os setores marginais, isto é, que tal sistema de dominação ou estrutura de poder dentro da estrutura geral da sociedade não pode existir nem se desenvolver sem que exista, dentro dela e se desenvolva um setor de interesse marginal. Em outros termos, que os grupos sociais, que dispõem dos recursos do poder geral na sociedade, não podem ocupar essa posição a não ser sob a base da existência de um setor de marginalidade social (Obregon apud Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 54).

Uma série de outros autores define a marginalidade como uma situação genérica de exclusão e pobreza, fazendo com que parte da população excedente não possa ser considerada exército industrial de reserva, portanto sem servir à acumulação nos seus momentos de crescimento nem na contenção dos salários (Hobsbawm apud Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 106). Esta posição é também defendida pelo argentino José Nun:

(...) o famoso capítulo XXIII de O Capital contribuiu para obscurecer a distinção entre superpopulação relativa e exército industrial de reserva.

(...) A incorreta assimilação das categorias superpopulação relativa e exército industrial de reserva levou a confundir, no estudo do capitalismo, os processos específicos que geram uma população excedente com os efeitos que este provoca no sistema. Ao contrário, ambas as questões devem ser diferenciadas: ao indagar esses processos específicos, obtêm-se as características próprias da “superpopulação relativa” desse modo de produção; o conceito de “exército industrial de reserva” corresponde, por outro lado, ao exame dos seus efeitos, das relações dessa superpopulação com a estrutura global (Nun apud Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 110).

Para José Nun, como para outros autores, o surgimento do capital monopolista na América Latina de forma abrupta e parcial, bem como o êxodo rural e as altas taxas de crescimento demográfico explicam a posição acima.

2 A alternativa técnica de Lúcio Kowarick

Neste momento passa-se às ideias centrais de Kowarick, o qual, sem negar de todo a herança sobre a concepção do desenvolvimento e de seus rebatimentos sobre o emprego, e muito menos deixar de considerar na sua própria análise a importância de conceitos como subdesenvolvimento e dependência, recoloca estes problemas sob nova luz. É hora, portanto, de expor como nosso autor os percebe, ainda que sem fazer justiça à ampla discussão contida em seu livro. O importante neste texto é tentar perceber os nexos constitutivos de sua alternativa teórica. Passa- se, pois, à apresentação do texto de Kowarick (1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.).

Para este autor a marginalidade deve ser vista dentro da inserção no sistema produtivo, deixando de lado questões como o baixo nível de remuneração e os precários padrões de consumo material e cultural. Ela se refere à classe trabalhadora urbana em sentido restrito, a qual, ainda que situada nos patamares mais baixos da pirâmide social com níveis irrisórios de remuneração, recebem seus salários a partir da participação no processo produtivo.

A distinção entre trabalhadores não marginais e marginais se dá pela inserção no sistema produtivo, uma vez que os assalariados na economia urbana estão presentes no setor fabril e no setor terciário, organizados na forma de empresas, sujeitando-se a um tipo de exploração ligado à produção de mais-valia. Por outro lado, os trabalhadores marginais participam de unidades produtivas não tipicamente capitalistas, com tecnologia arcaica e relações de produção que não podem ser definidas pelo assalariamento. Os trabalhadores por conta própria também estão inseridos neste segmento, o chamado lumpen não pertence à camada marginal, uma vez que está fora do mercado de trabalho. Como aponta o autor,

O importante a reter na caracterização de trabalho marginal aqui desenvolvida é a forma de inserção nas estruturas produtivas. Como apontamos anteriormente, a marginalidade configura-se pela não participação na produção de mais valia no caso que abrange o espectro de atividades autônomas antes referido, quer pelos trabalhadores presentes nas unidades artesanais e nas indústrias a domicílio, quer ainda pela mão de obra que é incorporada e expulsa das empresas capitalistas em razão das flutuações conjunturais ou estruturais da economia. Não é portanto o grau de usufruto do “produto social” que está em jogo (Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 89).

Dessa forma, grupos marginais podem ter um “nível de vida” semelhante ao dos assalariados com situação regular e estável de trabalho. O salário-mínimo influencia as escalas salariais imediatamente superiores e inferiores, e também é um parâmetro que norteia o montante de remuneração de um conjunto de serviços ligados ao trabalho autônomo. Portanto, as populações marginais não necessariamente têm uma renda equivalente ao salário-mínimo nem podem ser vistas a partir da sua capacidade de consumo. Isto é claro pela variação do salário-mínimo real e não se pode ligar seu valor a um limite da capacidade de consumo. Enfatizando, a marginalidade não pode ser definida segundo padrões de renda, mas, antes, por não pertencer ao núcleo estável dos trabalhadores ligados ao processo produtivo.

O autor lembra a distinção entre um mercado formal, baseado num tipo de emprego que tem em princípio uma definição legal, e um mercado informal, marcado por um acentuado risco por não estar apoiado no sistema legal, no qual concorre um número grande de pessoas trabalhando em diversas formas de emprego, predominando a precariedade e o subemprego e níveis de remuneração em geral baixos. Essa distinção nada tem a ver com a ideia de pauperização conduzindo transformações sociais, ponto inicialmente defendido por Marx e depois por ele revisto.

Por outro lado, os serviços e produtos originários dos setores marginais podem proporcionar custos que levem a um barateamento da reprodução da força de trabalho. Dessa forma, ainda que esses setores não possam ser vistos isoladamente nem se autorreproduzirem, têm um papel no sistema capitalista. As ocupações características do trabalhador marginal - serviços de reparação, conservação e confecção de roupas, construção de habitações e comercialização de alimentos - criam condições para que trabalhadores marginais se reproduzam a níveis mínimos de subsistência, viabilizando uma acumulação a altas taxas de exploração do trabalho:

(...) tudo leva a crer que os “grupos marginais”, não obstante as transformações ocorridas no processo de acumulação, continuam desempenhando o “papel” de exército industrial de reserva e que este “papel” é decorrente do movimento contraditório, básico e necessário que opõe o trabalho ao capital. E se assim for, nada permite afirmar que a lei geral do desenvolvimento capitalista deixou de ter um dos seus tentáculos mais potentes na existência do exército industrial de reserva. É claro que este não pode ser visto de maneira estática e compartimentada. Precisa ser analisado de forma dinâmica, isto é, em razão dos ciclos de expansão e retração do capital, e de como a força de trabalho é mobilizada para aderir ou não às exigências de sua reprodução. E deve ser também analisado integralmente, isto é, tendo em conta o modo como as formas desiguais de produção se combinam forjando uma divisão social do trabalho ao mesmo tempo parcializada e integrada, não só no âmbito de uma empresa ou de um ramo produtivo, mas também a nível societário e intersocietário (Ibid, p. 123).

As formas de inserção marginal na divisão social do trabalho oferecem, para o autor, uma dificuldade na medida em que o setor serviços não pode ser caracterizado como um terciário inchado, uma vez que uma grande parte dele está organizada conforme padrões capitalistas diretamente articulados com os setores dinâmicos industriais. O autor cita F. H. Cardoso e J. R. Reyna:

No setor de serviços são agregados desde os ramos de atividades econômicas que complementam a economia urbana-industrial, como transportes, serviços públicos, etc. (...) até os subempregados e os que disfarçam essa condição pelo exercício esporádico de atividades insuficientemente remuneradas (Cardoso; Reyna apud Kowarick, 1975KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 130).

Portanto, as formas de inserção marginal só podem ser vistas de forma aproximativa. O importante para o autor é notar que o processo de desenvolvimento latino-americano forja uma estrutura ocupacional moderna, mas não elimina, antes alimenta o trabalho marginal. Este trabalho tem uma dimensão considerável, abrangendo o emprego artesanal, trabalhadores autônomos, trabalho doméstico, vendedores ambulantes e outras formas de empregos marcados pela precariedade. Este polo marginal é caracterizado pela carência de recursos produtivos, ocupações instáveis de mínima produtividade e qualificação, apresentando rendimentos baixos e muitas vezes descontínuos.

Seguem-se agora alguns comentários ao texto de Kowarick, sem procurar minimizar seu alcance e sua importância. Uma primeira observação refere-se à caracterização dos trabalhadores marginais como pouco produtivos, e, por isso, alcançando apenas empregos de baixos rendimentos. Todavia, desde Adam Smith e sua famosa descrição de uma manufatura de alfinetes, sabe-se que a produtividade não pode ser vista a partir do indivíduo, mas de um processo coletivo de trabalho, que inclusive desqualifica o trabalhador. Por outro lado, mesmo neste caso em que a nascente indústria aumenta seu potencial de geração de excedente, a produtividade deste trabalhador “coletivo” não pode ser dissociada de outras características da indústria frente a sua capacidade de controlar preços e gerar, com isso, lucros adicionais. Carlos Eduardo do Nascimento Gonçalves faz a seguinte colocação:

(...) depois do tear automático nós temos o tear eletrônico, que significa que agora não mais dois caras em frente ao tear automático (sic), mas tem um cara andando de patins e controlando vinte teares, acabou. O quê significa isso? Significa também um aumento do valor adicionado por homem-hora, isso significa um aumento de produtividade. Mas até aí tudo bem. Mas acontece que tem um tipo de aumento de produtividade que não discutimos ainda, que é aquele que provém do poder de mercado das empresas, ou seja, esse tipo de produtividade pode significar um aumento do valor adicionado por trabalhador sem que, necessariamente, signifique o quê? Um aumento da intensidade de trabalho, uma melhoria da técnica, por exemplo. Simplesmente por que essa empresa que tem poder de mercado pode aumentar os seus preços - ela tem poder para isso - e esse aumento de preços vai significar o quê? Um aumento nesse valor adicionado por trabalhador; isso vai significar um aumento de produtividade sem que seja necessário mexer em nada, dentro da fábrica (Gonçalves, 1979GONÇALVES, Carlos E. do Nascimento. Produtividade: o que é? Do que depende? Exposição e debate de Carlos Eduardo do Nascimento Gonçalves. In: Produtividade e campanha salarial. São Paulo: Dieese, 1979., p. 67).

Nesse sentido, como calcular a produtividade de um vendedor ambulante ou do trabalho doméstico, por exemplo? Uma segunda dificuldade refere-se a assimilar a distinção entre setores capitalistas dinâmicos e setores marginais àquela entre mercado formal e mercado informal de emprego. A distinção entre estes se baseia em um dado institucional: o emprego formal é aquele com rendimento igual ou acima de um salário-mínimo, e com quarenta horas de trabalho semanais. Esta assimilação parece inadequada ao argumento do autor, uma vez que ele afirma que nos setores marginais podem ser encontrados rendimentos maiores que nos setores capitalistas2 2 Um problema adicional pode ser levantado a partir daí: como se determina o limite entre esses dois setores? Paulo Renato Sousa em “Emprego, salários e pobreza”, de 1980, abandona a distinção entre setor formal e informal em benefício da distinção entre setores capitalistas, orientados para obtenção de determinada taxa de lucro, e setores não capitalistas, orientados para a busca de um determinado rendimento considerado necessário para os trabalhadores e seus familiares, independentemente da busca de certa taxa de lucro. Esta última distinção não elimina a existência de complementaridade entre um setor capitalista e um setor não capitalista, mas abre outra perspectiva para a análise do mercado de trabalho. Tampouco tal análise ignora a constatação dos baixos rendimentos da maior parte dos trabalhadores nos dois setores. Pode-se, todavia, manter a dicotomia formal/informal para realçar as situações mais vulneráveis e precárias no mercado de trabalho. .

O conjunto do livro de Kowarick deixa claro que, para o autor, o setor marginal se caracteriza, embora não exclusivamente, pelos baixos rendimentos e precariedade laboral, o que favoreceria, inclusive, a acumulação para as empresas capitalistas, seja ajudando na venda dos produtos industriais ao conjunto da população, seja tornando mais barata a reprodução da força de trabalho.

Tal argumento, contudo, não dá conta da existência de grandes massas, cada vez mais urbanizadas, que caracterizam histórica e estruturalmente a sociedade brasileira, independentemente do desenvolvimento industrial. Desde a independência, progressivamente foi-se acumulando nas maiores cidades, especialmente na capital federal, uma população crescente de escravos de ganho e escravos domésticos, negros forros e brancos pobres, constituindo o que o léxico brasileiro denominou sob várias formas pejorativas: ralé, malta, patuleia, zé-povinho e muitas outras. Esta população tem características econômicas e nexos sociais e culturais próprios, fazendo com que ela não se apresente da mesma forma que o organizado “povo” que se poderia encontrar nos países mais desenvolvidos na Europa. Isto explica seu comportamento diante de acontecimentos como a Abolição, a Proclamação da República, a instituição da vacina obrigatória, chegando a levar, no Rio de Janeiro, a uma ação deliberada do governo da cidade no sentido de reordenar o traçado urbano e controlar as ações dessas massas.

Ainda hoje tais massas subsistem, sob inúmeras formas, nas periferias para as quais são expelidas, nas moradias precárias, na sujeição à violência, na sociabilidade particular das favelas, nos desafortunados em situação de rua, na sua relação própria com drogas e álcool baratos como forma de ganho ou de estímulo intelectual e físico. Daí que a chamada marginalidade, como definida por Kowarick, procure dar conta do funcionamento do capitalismo subdesenvolvido e dependente mas ignore a grande herança colonial e neocolonial brasileira, de forma distinta de Furtado. Como se sabe, a dinâmica da urbanização e do crescimento da população urbana é distinta da dinâmica da acumulação industrial, que timidamente se inicia a partir de 1870 e ganha um projeto nacional desde 1930 com o populismo varguista.

Francisco de Oliveira, em “Crítica à razão dualista”, publicado pela primeira vez em 1972, assim comenta a legislação trabalhista instituída por Vargas na década de 30:

Importa não esquecer que a legislação interpretou o salário mínimo rigorosamente como “salário de subsistência”, isto é, de reprodução; os critérios de fixação do primeiro salário mínimo levavam em conta as necessidades alimentares (em termos de calorias, proteínas, etc.) para um padrão de trabalhador que devia enfrentar um certo tipo de produção, com um certo tipo de uso de força mecânica, comprometimento psíquico, etc. Está se pensando rigorosamente em termos de salário mínimo, como a quantidade de força de trabalho que o trabalhador poderia vender. (...) O decisivo é que as leis trabalhistas fazem parte de um conjunto de medidas destinadas a instaurar um novo modo de acumulação. Para tanto, a população em geral, e especificamente a população que afluía às cidades, necessitava ser transformada em “exército de reserva” (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003., p. 38).

A observação feita no parágrafo anterior a esta citação indica que grande parte da população que se urbanizava ou da população em geral não pode ser considerada parte do exército industrial de reserva. Por outro lado, para o mesmo autor, se os níveis do salário-mínimo fossem superiores aos estabelecidos na legislação varguista, isto aumentaria demasiadamente a parcela de remuneração do trabalho na distribuição funcional de renda e o sistema entraria em crise por impossibilidade de acumular, mantendo-se próximos desse nível os salários de base industriais. As variações posteriores do salário-mínimo significariam uma remuneração abaixo ou acima do salário de subsistência. Lembre-se que Kowarick não tem exatamente esta posição, mas observa a importância do salário-mínimo, independentemente da cesta de consumo que possa comprar, como uma remuneração importante para a fixação dos salários de base.

Francisco de Oliveira segue a tradição da economia política clássica, que inclui Marx, na fixação dos salários ao nível de subsistência, ainda que esta varie com fatores históricos e sociais. A construção analítica do exército industrial de reserva serve a este propósito, em uma polêmica com Malthus e Ricardo sobre a lei da população, a qual fazia o salário equivaler ao nível de subsistência por movimentos biológicos e morais da classe trabalhadora. Marx procura indicar que a introdução da ciência e da técnica desvaloriza o trabalho até este mesmo nível criando uma parcela crescente de população sobrante. Esta vai em parte constituir o exército industrial de reserva, se nela incluir o lumpen, como se diz em “O Capital”, ou toda ela, se o excluirmos.

Passemos a algumas observações sobre esta construção. Ela é feita em valor, que não pode ser positivamente medido por horas de trabalho, antes indicando que o valor de uma mercadoria se refere a ser uma alíquota do trabalho social e um ponto de partida para a valorização do capital. No capitalismo global forjado nas últimas décadas, isto é mais verdadeiro. Como medir em horas de trabalho uma mercadoria fabricada na China, no todo ou parcialmente, e vendida a certo preço em outro país, como o Brasil? (Harvey, 2010HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.).

Além disso, a construção reparte o valor criado no processo produtivo em salários e mais-valia ou excedente. Ambos são homogêneos, de forma que um aumento dos salários diminuiria o excedente e uma diminuição, sempre em valor- trabalho, aumentaria este excedente e potencializaria a acumulação. Não só, neste alto nível de abstração com que é tratado o problema, a acumulação se dá de modo automático, como o valor adicionado se parece com o trigo de Ricardo, ou seja, quanto mais trigo se gasta para produzir os salários de subsistência, menor o excedente disponível para os capitalistas, que aparentemente acumulam usando trigo. Quando Ricardo cria sua teoria do valor-trabalho para dar conta da heterogeneidade das mercadorias que compõem o capital e os salários, mesmo que não resolva satisfatoriamente sua nova teoria, mantém uma mesma visão. Por outro lado, o primeiro volume de “O Capital” não introduz a pluralidade dos capitais ou a conformação em setores ou departamentos desses mesmos capitais.

Lúcio Kowarick e Francisco de Oliveira se assemelham na utilização do exército industrial de reserva e na visão exposta da acumulação, ainda que o primeiro não assimile a cesta de consumo ou o salário-mínimo de forma restrita como faz o primeiro, que os percebe como quantidades de carboidratos, proteínas, etc. organicamente necessárias para a reprodução da força de trabalho. O específico do seu trabalho é rebater a ideia de uma economia latino-americana formada por setores justapostos ou sem conexão, sendo um moderno e outro tradicional. Na sua crítica a esta dualidade, atribuída, sobretudo, aos autores originários da Cepal, e na criação de uma visão da marginalidade funcional ao setor capitalista, como forma específica da acumulação e conformação do mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas e dependentes, consiste sua originalidade3 3 Pode-se a partir daí retomar o pensamento de John Maynard Keynes, especialmente na “Teoria Geral”, no qual encontramos uma economia política não marxista, mas que guarda preocupações próximas às de Marx no que se refere ao desenvolvimento econômico, à acumulação, à distribuição de renda e ao caráter progressivo, antagônico e contraditório do capital. Keynes pensa na dinâmica econômica e na possiblidade de exercer sobre ela um papel regulador e mesmo civilizador. Nessa ótica, os salários são fixados em termos nominais no mercado de trabalho, dentro do conflito entre sindicatos e as grandes corporações. Os lucros destas dependem de sua estrutura de custos e da demanda efetiva que permite a obtenção de certa margem de lucro. .

A demanda efetiva é determinada pelo investimento em bens de capital dada a distribuição de renda e os gastos em consumo. Finalmente, o investimento se liga às expectativas futuras de lucro face à taxa de juro como parâmetro de valorização do capital no mercado financeiro, dadas a preferência pela liquidez e as convenções estabelecidas num contexto de incerteza. O investimento é assim uma aposta sobre o futuro realizada por certo instinto particular dos que dominam as decisões empresariais em uma economia com um sistema financeiro desenvolvido.

Nesta visão, a acumulação e o investimento estão longe de ser óbvios e os salários não pressionam os lucros. Salários maiores não implicam em menores lucros, mas em uma renda mais elevada, e expectativas pessimistas tendem a desencadear uma crise econômica com sua sequela de desemprego, deflação e queda nos lucros e nos salários. Este quadro exige para Keynes uma ação ordenada da política do governo, no sentido de elevar os gastos e ampliar a liquidez da economia. A distribuição de renda, a coordenação pública dos investimentos privados, o gasto governamental e a expansão monetária tendem a diminuir a incerteza e evitar crises, buscando um crescimento econômico mais estável, dada a instabilidade intrínseca a uma economia monetária (Keynes, 2012KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Saraiva, 2012., especialmente cap. 2, 18 e 24).

No mesmo sentido, dentro de uma visão inspirada em Marx e na divisão da economia em três departamentos, o de produção de bens de capital, bens de consumo capitalista e bens de consumo assalariado, Michel Kalecki, em textos como a “Teoria da Dinâmica Econômica”, chega a conclusões próximas às de Keynes e mesmo antecipadoras destas. Todavia, como o autor está preocupado sobretudo com o papel da demanda efetiva sobre a dinâmica cíclica, deixa de lado uma visão elaborada sobre a taxa de juros, que considera estável no longo prazo.

Em Kalecki, os lucros são determinados pelos gastos em investimento e consumo capitalista, e os lucros somados ao consumo assalariado determinam certo nível de renda. Os gastos com consumo de ambas as classes estão ligados à porção da renda que tendem a dedicar com tais gastos. A distribuição da renda, o poder dos sindicatos e o de fixar o mark-up das empresas dados os seus mercados são cruciais na determinação da renda. Maior gasto com consumo assalariado não pressiona também os lucros e a acumulação, mas eleva a renda e incentiva o crescimento futuro do investimento e da acumulação. Todavia, o caráter contraditório do investimento, o de gerar renda e por outro lado criar capacidade produtiva adicional nas empresas gera uma dinâmica cíclica, diante da qual o Estado deve agir em sentido semelhante ao preconizado por Keynes (Kalecki, 1978KALECKI, Michel. Teoria da dinâmica econômica. São Paulo: Editora Abril, Os Pensadores, 1978., especialmente cap. 11).

Nestas abordagens da dinâmica capitalista há um esforço importante na compreensão da dinâmica do emprego e dos salários e na proposição de uma economia mais homogênea socialmente e mais estável. Há, pois, uma proposta política reformista e um estilo de interpretação da dinâmica de países que completaram sua industrialização pesada, mesmo no caso de nosso subdesenvolvimento industrializado e dependente. Elas tornam os debates do início do século XX sobre as crises de superprodução, crises de realização ou de subconsumo, no interior do marxismo, superados, o que não significa que Marx possa ser origem de interpretações das crises mais interessantes e atuais (Mèszaros, 2009MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.; Harvey, 2010HARVEY, David. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo, 2013.).

Por outro lado, a autora Maria da Conceição Tavares, que transita da Cepal para Kalecki e Keynes, teve sua visão rejeitada por Francisco de Oliveira (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.; Tavares,1972TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição das importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.; 1985TAVARES, Maria da Conceição. Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil. Campinas: Unicamp, 1985.). Essa visão não conflita com a percepção de uma economia heterogênea e indica mesmo como a industrialização brasileira não pôde corrigi-la no sentido da homogeneidade econômica e social. Tampouco conflita com a percepção de um mercado de trabalho fraturado em termos de renda e ocupação, mas que não prescinde e mesmo estimula o subemprego e o trabalho precário, sem que estes estejam fora da produção e circulação de bens e possam ser considerados marginais no sentido de Kowarick. Francisco de Oliveira, depois retomado por Kowarick, parte em sua análise dos chamados nexos fundamentais do capital, sem as mediações necessárias a uma melhor compreensão do capitalismo latino- americano e suas mazelas. Mesmo as propostas políticas de ambos não ficam claras nos livros aqui examinados.

Por outro lado, a revisão teórica a partir de Marx permitiu aos autores a crítica do modelo de Arthur Lewis de oferta infinitamente elástica de mão de obra, deprimindo os salários e levando a um terciário que pôde ser visto como um depósito de trabalhadores sem função econômica. Crítica também neste sentido foi levada a cabo por autores que escreveram em períodos próximos a Kowarick, notadamente Paulo Renato Souza e Paulo Eduardo Baltar (Souza, 1970SOUZA, Paulo Renato. Como são definidos os salários: exposição e debate de Paulo Renato de Costa Souza in Produtividade e campanha salarial. São Paulo: Dieese, 1979.; Souza, 1980SOUZA, Paulo Renato. Emprego, salários e pobreza. Campinas: Hucitec, 1980.; 1983SOUZA, Paulo Renato. Os impasses atuais das políticas de emprego e de salário. In: Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise, v.2. São Paulo: Brasiliense, 1983.; Baltar, 2003BALTAR, Paulo. Salários e preços: esboço de uma abordagem teórica. Campinas: UNICAMP, 2003.). Parte de seus esforços consistiu na determinação dos salários de base no setor capitalista da economia, em especial na indústria. Para eles, os salários de base são determinados endogenamente à indústria, a partir daqueles pagos pela indústria mais débil, isto é, aquela com sindicatos mais fracos, situada em setores menos dinâmicos e com menor presença de grandes empresas. A fixação institucional do salário-mínimo tem também um papel sobre o piso salarial, seja rebaixando-o ou elevando-o.

A oferta de trabalhadores fora do núcleo capitalista atua no sentido de impedir a elevação desse salário, por exemplo, pela rotatividade praticada pelas empresas. Mas não se pode pensar que os salários em uma região, digamos o Nordeste, tenham papel significativo ou mesmo algum papel sobre uma região como São Paulo. Além disso, é possível afirmar que os salários de base tenham apreciável influência sobre o valor dos salários do setor não capitalista, servindo como um farol para os trabalhadores como um todo.

O valor do salário-mínimo guarda importância sobre a remuneração dos salários de base, assim como sobre a parcela da renda apropriada pelas camadas inferiores da pirâmide social, o montante de emprego e o volume do produto e ocupação. Ele determina a maior parte dos rendimentos de aposentados, pensionistas da previdência, vitaliza regiões e o rendimento de larga faixa da população, reduz a concentração de renda e dinamiza setores produtivos nos quais aquelas camadas se abastecem. Ao mesmo tempo, os salários majorados podem servir de farol para os trabalhadores sem capital cultural ou econômico, mas que podem participar de uma “nova classe trabalhadora” a partir de uma ética de trabalho duro, dentro do contexto em que vivem. Estes trabalhadores são estudados por Jessé Souza como os “batalhadores brasileiros” surgidos no período recente (Souza, 2012SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.). Na nossa visão, a tradição de análise que privilegiamos acima, partindo da Cepal, de Furtado e da teoria de dependência, pode ser importante para entender aspectos do capitalismo contemporâneo com autores como, por exemplo, Jessé Souza e Adalberto Cardoso.

Considerações finais

Estas considerações ensejam uma avaliação mais acurada e menos econômica que sociológica do exército industrial de reserva e do que Kowarick denominou “marginalidade urbana”. Como indica Jessé Souza,

Tendo pouco ou nenhum capital cultural legítimo e capital econômico, essa classe só pode contar com o aprendizado prático transmitido no seio da família, e com as relações familiares duradouras como “arma”, estratégia para sobreviver enquanto classe. Para essa classe, o grupo familiar é o principal grupo de sobrevivência, ou seja, o grupo social responsável pela sobrevivência física, nesse caso, econômica, e a sobrevivência social, ou seja, a garantia de um reconhecimento mútuo dos membros que ultrapasse a própria existência física de cada um, que permita a continuidade do indivíduo através da memória do grupo (Souza, 2012SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 144).

Estes trabalhadores criam condições em que entram no mercado e expandem mesmo esse mercado ao ensejar produto e ocupação mais rentável que a de trabalhadores na base das remunerações dos assalariados e ao ocupar um espaço econômico que não é, estritamente, criado pelos setores capitalistas, ainda que crucial à dinâmica do capitalismo moderno. Distinguem-se tanto da ralé como de outros trabalhadores tradicionalmente inseridos nas franjas do mercado. Eles compõem uma nova classe trabalhadora, uma parcela do que vem se apregoando como “nova classe média brasileira”. Ao mesmo tampo, ensejam o repensar do próprio conceito de exército industrial de reserva pois não se pode concebê-los como necessariamente disponíveis para empregos industriais (Souza, 2012SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 82).

Encaminhando já o final do artigo, é preciso lembrar com Adalberto Cardoso que:

(...) o Brasil precisará se haver, ainda por décadas, com considerável inércia social, econômica e demográfica resultante do longo período de instabilidade econômica, inflação alta, desorganização da estrutura produtiva, baixo crescimento e, principalmente, baixa qualificação da força de trabalho, que afetou gerações sucessivas nos últimos 30 ou 40 anos, criando um novo tipo de dualidade no mercado de trabalho que não costuma ser levado em conta nas análises ou no debate público corrente. Parte substancial dos 40% da população informalmente empregada em 2010 (...) não é empregável no mercado formal de trabalho (Cardoso, 2013CARDOSO, Adalberto. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013., p. 14).

Esta constatação precisa ser levada em conta quando se pensa na funcionalidade desse mercado de trabalho informal ou exército industrial de reserva. Além disso, a questão se torna mais complexa se considerarmos, com o mesmo autor, a produção e circulação do capital em nível mundial, bem como o comando sobre estas do capital financeiro subordinado aos ditames de Wall Street e do tesouro americano:

A financeirização informacional do capitalismo tornou inteiramente inadequado o campo conceitual derivado da ideia de informalidade. Ele impede que se compreendam as conexões que se estabelecem entre os vários elementos do sistema, além de conferir a sua periferia status inferior ao centro, que seria “formal”. O centro se alimenta de muitas maneiras da circulação de mercadorias por sua periferia, por mais baratas e de má qualidade que sejam, e por piores que sejam as relações de trabalho que sustentam a produção. No ponto de partida de qualquer cadeia de valor estará um recurso natural extraído ou transformado com altíssima tecnologia. Em seus entremeios haverá serviços de apoio à indústria que mobilizam as tecnologias mais avançadas de informação, transporte, armazenamento e financiamento. E o destino final de parte (mesmo que infinitesimal) do capital realizado será, sempre, o centro do sistema, mesmo depois de transcorrido muito tempo e de muitas transações materiais e financeiras (Cardoso, 2013CARDOSO, Adalberto. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013., p. 26-27).

Finalmente, ainda fazendo uma citação longa deste autor,

É sabido que o mercado de trabalho no Brasil ofereceu, historicamente, empregos precários para a maioria de seus ocupantes, em áreas tanto urbanas quanto rurais. Salários baixos, alta rotatividade, baixa qualificação das ocupações, uso predatório da força de trabalho não eram e não são características apenas das ocupações ditas “informais”. Essas características resultaram do efeito combinado, ao longo da moderna história do país (falo do último século e meio), da alta concentração da propriedade fundiária, agricultura orientada para exportação de alguns poucos bens, baixos níveis de industrialização, altas taxas de migração rural-urbana, baixo investimento em educação, incapacidade de a economia urbana gerar empregos suficientes para os migrantes, pobreza relativa do Estado em face das carências sociais em geral, que reduziram o escopo e a abrangência das políticas de proteção social, entre outros. A lenta emergência de um mercado de trabalho urbano regulado depois de 1930 atraiu massas de migrantes rurais miseráveis e com altos níveis de analfabetismo (80% ou mais) em busca de melhores condições de vida, ou do que chamei, em outro lugar, de “promessas dos direitos sociais e trabalhistas” (empregos formais, acesso à previdência social e a serviços de educação e saúde), que as novas áreas urbanas foram incapazes de universalizar (Cardoso, 2013CARDOSO, Adalberto. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013., p. 70-71).

Esta trajetória do capitalismo brasileiro e latino-americano está clara desde os primeiros textos da Cepal (Prebisch, 1951PREBISCH, Raúl. Interpretação do processo de desenvolvimento econômico (Estúdio Econômico de la CEPAL - 1949), Revista Brasileira de Economia, ano 5, nº1, Março de 1951.) e no conjunto da obra de Celso Furtado. As propostas reformistas e nacionalistas destes autores, ainda que utilizassem um hoje inaceitável modelo de Lewis, partiram não propriamente de uma dualidade tradicional versus moderno, mas, antes, de uma heterogeneidade produtiva e social nestes países, e buscaram sua superação através da industrialização, aumento da renda per capita do trabalhador rural (antes que essa possibilidade fosse cortada pela modernização perversa do agrobusiness), reforma fundiária, protecionismo, planejamento estatal. Em outras palavras, buscavam a construção de sociedades soberanas, democráticas, com igualdade social e industrializadas. Este é o núcleo central de seus esforços teóricos e práticos, ainda plenamente atuais.

Referências bibliográficas

  • BALTAR, Paulo et al. Trabalho no governo Lula: uma reflexão sobre a recente experiência brasileira. Global Labour University Working Papers, v.9, p.1-38, 2010. (Disponível em www.cesit.org).
    » www.cesit.org
  • BALTAR, Paulo. Salários e preços: esboço de uma abordagem teórica. Campinas: UNICAMP, 2003.
  • CARDOSO, Adalberto. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
  • CARDOSO, Adalberto. Ensaios de sociologia do mercado de trabalho brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.
  • FURTADO, Celso. A nova dependência: dívida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982.
  • FURTADO, Celso. Análise do ‘modelo’ brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1972.
  • FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1992.
  • FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. São Paulo: Círculo do Livro.
  • FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2009.
  • FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 12. ed. rev. São Paulo: Ed. Nacional, 1974.
  • FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Círculo do Livro.
  • FURTADO, Celso. Obra autobiográfica, 3v. Conteúdo: v1: Contos da vida expedicionária, A fantasia organizada; v2: Aventuras de um economista brasileiro, A fantasia desfeita; v3: Entre inconformismo e reformismo, Os ares do mundo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997.
  • FURTADO, Celso. Um Projeto para o Brasil, Rio de Janeiro: Editora Saga, 1968.
  • GONÇALVES, Carlos E. do Nascimento. Produtividade: o que é? Do que depende? Exposição e debate de Carlos Eduardo do Nascimento Gonçalves. In: Produtividade e campanha salarial. São Paulo: Dieese, 1979.
  • HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • HARVEY, David. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • KALECKI, Michel. Teoria da dinâmica econômica. São Paulo: Editora Abril, Os Pensadores, 1978.
  • KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
  • MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.
  • MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.
  • OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.
  • PREBISCH, Raúl. Interpretação do processo de desenvolvimento econômico (Estúdio Econômico de la CEPAL - 1949), Revista Brasileira de Economia, ano 5, nº1, Março de 1951.
  • SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? 2.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
  • SOUZA, Paulo Renato. Como são definidos os salários: exposição e debate de Paulo Renato de Costa Souza in Produtividade e campanha salarial. São Paulo: Dieese, 1979.
  • SOUZA, Paulo Renato. Emprego, salários e pobreza. Campinas: Hucitec, 1980.
  • SOUZA, Paulo Renato. Os impasses atuais das políticas de emprego e de salário. In: Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise, v.2. São Paulo: Brasiliense, 1983.
  • TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição das importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
  • TAVARES, Maria da Conceição. Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil. Campinas: Unicamp, 1985.
  • 1
    Em suas linhas principais esta posição da antiga Cepal já havia sido antecipada por Roberto Simonsen, contrapondo-se à visão liberal baseada na economia marginalista. O foco desta última é o equilíbrio em termos reais dos mercados com otimização do emprego, ao mesmo tempo em que percebe os problemas acima como decorrentes de má condução da política monetária e fiscal do intervencionismo indevido do Estado. Lembre-se aqui a célebre controvérsia sobre o planejamento entre Simonsen e Eugênio Gudin ao final da segunda guerra (Simonsen, 1977).
  • 2
    Um problema adicional pode ser levantado a partir daí: como se determina o limite entre esses dois setores? Paulo Renato Sousa em “Emprego, salários e pobreza”, de 1980, abandona a distinção entre setor formal e informal em benefício da distinção entre setores capitalistas, orientados para obtenção de determinada taxa de lucro, e setores não capitalistas, orientados para a busca de um determinado rendimento considerado necessário para os trabalhadores e seus familiares, independentemente da busca de certa taxa de lucro. Esta última distinção não elimina a existência de complementaridade entre um setor capitalista e um setor não capitalista, mas abre outra perspectiva para a análise do mercado de trabalho. Tampouco tal análise ignora a constatação dos baixos rendimentos da maior parte dos trabalhadores nos dois setores. Pode-se, todavia, manter a dicotomia formal/informal para realçar as situações mais vulneráveis e precárias no mercado de trabalho.
  • 3
    Pode-se a partir daí retomar o pensamento de John Maynard Keynes, especialmente na “Teoria Geral”, no qual encontramos uma economia política não marxista, mas que guarda preocupações próximas às de Marx no que se refere ao desenvolvimento econômico, à acumulação, à distribuição de renda e ao caráter progressivo, antagônico e contraditório do capital. Keynes pensa na dinâmica econômica e na possiblidade de exercer sobre ela um papel regulador e mesmo civilizador. Nessa ótica, os salários são fixados em termos nominais no mercado de trabalho, dentro do conflito entre sindicatos e as grandes corporações. Os lucros destas dependem de sua estrutura de custos e da demanda efetiva que permite a obtenção de certa margem de lucro.
  • 4
    JEL J23.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2014
  • Aceito
    06 Dez 2017
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br