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Trajetória e dinâmica tecnológica da indústria de máquinas-ferramenta no Brasil*

Trajectory and technological dynamics of the machine tool industry in Brazil

Resumo

A trajetória do setor de máquinas-ferramenta (MF) no Brasil entre 1930 a 1980 é caracterizada por forte crescimento, embora poucas firmas do setor acumularam capacidades tecnológicas nesse processo. A reserva de mercado gerou demanda para tal crescimento, mas configurou a especialização setorial em produtos com menor conteúdo tecnológico tendo em vista o mercado internacional. O setor de MF no Brasil possui empresas com capacidade de adaptação das inovações internacionais para o mercado interno, e nesses processos ocorrem a criação e a assimilação de conhecimento com as atividades de P&D, licenciamento, interações produtor-usuário, com fornecedores e acesso a conhecimentos das matrizes no caso de filiais de empresas estrangeiras.

Palavras-chave:
Máquinas-Ferramenta; Tecnologia; Economia brasileira; Aprendizado tecnológico; Bens de capital

Abstract

The trajectory of the machine tool industry in Brazil from 1930 to 1980 is characterized by strong growth, although few firms in the industry accumulated technological capabilities in the process. If on one hand the market reserve generated demand growth, on the another it lead sectoral specialization in products with lower technological content. At present, the machine tool sector in Brazil has the ability to adapt international innovations to the internal market, and in these processes the creation and assimilation of knowledge with R&D, external licensing, interactions producer-user and access to knowledge of matrices in the case of branches of foreign companies take place.

Keywords:
Machine tool; Technology; Brazilian economy; Technological learning; Capital goods

1 Introdução

A trajetória do processo de industrialização por substituição de importações (PISI) brasileiro foi marcada pela ênfase das empresas na acumulação de capacidade produtiva e menor disposição para acumulação de capacidade inovativa. A proteção da concorrência externa gerou demanda suficiente para o crescimento da indústria e do setor de máquinas-ferramenta (MF), mas também poucas empresas desenvolveram capacidade inovativa. Ademais, chama a atenção o caráter contraditório do arcabouço regulatório e competitivo do PISI para o setor de bens de capital: as importações foram estimuladas por taxas de câmbio diferenciadas, importações sem cobertura cambial e isenções fiscais, enquanto se protegia a produção nacional com barreiras tarifárias e não tarifárias. Essa ‘dinâmica’ institucional configurou a especialização do setor de MF em produtos com menor conteúdo tecnológico relativamente aos importados. Os ramos industriais capitaneados pelas empresas estrangeiras após 1956 também contribuíram para configurar tal quadro, pois as mesmas requereram MF de maior nível tecnológico, que deslocou a procura para o exterior.

O processo de abertura econômica mal planejado e as reformas estruturais no Brasil no início dos anos de 1990 produziram um ambiente altamente seletivo que, juntamente à mudança do paradigma tecnológico nas décadas anteriores, condicionou um processo de reestruturação produtiva conservador do setor de MF, levando-o a uma concentração de mercado e uma consolidação dos fabricantes nacionais e estrangeiros que tinham maiores capacidades tecnológicas e financeiras e plantas favoráveis para o aumento de economias de escala e escopo. Condições desfavoráveis de conjuntura macroeconômica, a baixa competitividade sistêmica e um ambiente inovativo pouco dinâmico, face à possibilidade quase ilimitada de importações de MF desenvolvidas em países industrialmente avançados detentores de sistemas nacionais de inovação maduros, também contribuíram para reestruturação conservadora. O setor se especializou em produtos de complexidade tecnológica intermediária tendo em vista o mercado internacional, com relação de complementaridade entre importações e exportações para alguns tipos de produto.

Com o objetivo de investigar a trajetória e a dinâmica tecnológica da indústria de MF no Brasil, o artigo tem 4 seções, além dessa introdução. Na seção 2 realiza-se uma breve análise sobre a trajetória do MF e suas condições competitivas, capacidades tecnológicas e a especialização do setor de MF até a década de 1980, buscando realçar as características produtivas e os esforços tecnológicos determinantes do desenvolvimento e a especialização das empresas fabricantes, inclusive para a produção de máquinas-ferramenta com controle numérico computadorizado (MF/CNC). Na seção 3 faz-se um resumo do seu processo de reestruturação industrial a partir de sua especialização produtiva e dinâmica tecnológica. Na Seção 4, tem-se uma análise dos esforços inovativos e capacidades tecnológicas, enquanto na seção 5 fazem-se as considerações finais.

2 Gênese e trajetória do setor de máquinas-ferramenta no Brasil

Embora existam evidências de uma indústria de máquinas e equipamentos no Brasil desde o final do século XIX (Marson, 2012MARSON, M. D. Origens e evolução da indústria de máquinas e equipamentos em São Paulo, 1870-1960. Tese (Doutorado em Economia)-Universidade de São Paulo, 2012.), a aceleração do PISI na década de 1930 criou as condições propícias ao crescimento de uma indústria de bens de capital no Brasil e, especialmente, da gênese de um setor de MF. Inicialmente, os incentivos para a produção de MF foram acionados pela demanda e as necessidades dos setores eletrometal-mecânicos para reparação, manutenção e fabricação de produtos de pouca complexidade nos ramos de bens de consumo não durável, durável e bens de capital (inclusive no nascente setor de MF), e também pelo estancamento da capacidade produtiva da indústria brasileira. A proibição e as precárias possibilidades de importação induziram o aparecimento de gargalos produtivos que geraram necessidades para a especialização da produção de bens de capital, como os tornos mecânicos convencionais, produzidos por empresas da primeira geração de imigrantes que desenvolveram seus produtos a partir da cópia e adaptação de tecnologia estrangeira através de engenharia reversa (Versiani; Bastos, 1982VERSIANI, F. R.; BASTOS, V. L. The Brazilian machine-tool industry: patterns of technological transfer and the role of the government. International Development Research Centre. Science and Technology Policy Instruments. Manuscript Report. Background Paper, Ottawa, n. 4, p. 1-36, Aug. 1982., p. 14).

Três causas ajudam a explicar os incentivos para o início da atividade no Brasil. Em primeiro lugar, a manutenção da renda do setor exportador (cafeeiro) com a desvalorização cambial preservou a renda doméstica e o mercado interno enquanto o crescimento da procura de bens de capital coincidiu com o forte aumento de seus preços de importações, exatamente em um período em que as possibilidades de importações eram as mais precárias possíveis (Furtado, 2000FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional/ Publifolha, 2000., p. 211). Em segundo, o decreto n. 19.739 de 07/03/1931 instituído para durar três anos - e que foi prorrogado até março de 1937 - proibia a importação de maquinaria para os setores industriais com capacidade ociosa (têxtil, alimentos, calçados, chapéus) (Fonseca, 2003FONSECA, P. C. D. Sobre a intencionalidade da política industrializante no Brasil na década de 1930. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 133-148, jan./mar. 2003.; Versiani; Bastos, 1982VERSIANI, F. R.; BASTOS, V. L. The Brazilian machine-tool industry: patterns of technological transfer and the role of the government. International Development Research Centre. Science and Technology Policy Instruments. Manuscript Report. Background Paper, Ottawa, n. 4, p. 1-36, Aug. 1982.). Esta determinação foi instrumental para induzir um núcleo inicial de fabricantes de MF. Em terceiro, as dificuldades de importações de insumos diversos, como peças, componentes e aço no período da Segunda Guerra estimulou a entrada de empresas e influenciou o desenvolvimento da atividade. Já depois do conflito, a regulação de uma taxa de câmbio sobrevalorizada foi a principal política que influenciou o processo de industrialização. Num primeiro momento o governo incentivou a produção de bens de consumo duráveis e deu tratamento favorável a importações dessa categoria de equipamentos; num segundo, com o rápido esgotamento das reservas internacionais, o governo adotou um regime de controle de importações de acordo com sua essencialidade com o objetivo de evitar simultaneamente uma desvalorização da moeda e possíveis pressões inflacionárias. O impacto para o setor de MF foi que alguns fabricantes paralisaram essa linha de produção. Em 1949, as importações representaram 68,7% do valor da oferta interna de maquinaria metal-mecânica1 1 Informações da Romi S/A, importante empresa e líder no segmento na época, também revelam que foram importadas aproximadamente 60 MF usadas norte-americanas em 1946 e 1950 MF inglesas em 1949, mais produtivas e de maior precisão, igualmente importantes para o melhoramento da precisão e qualidade de nova geração de MF desenvolvidas e fabricadas no início da década de 1950. Até este ano a empresa já tinha produzido 8.200 máquinas, incluindo 1.320 unidades exportadas. (Versiani; Bastos, 1982VERSIANI, F. R.; BASTOS, V. L. The Brazilian machine-tool industry: patterns of technological transfer and the role of the government. International Development Research Centre. Science and Technology Policy Instruments. Manuscript Report. Background Paper, Ottawa, n. 4, p. 1-36, Aug. 1982., p. 12-13).

Com o Plano de Metas, os setores industrais usuários de MF priorizados foram o automobilistico e de bens de capital. Os setores de material de transporte, mecânico e material elétrico cresceram, em média, no período entre 1955 a 1959, respectivamente, a 80%, 43% e 38% ao ano2 2 De acordo com o sentido dado ao processo de industrialização por essas políticas, ao capital estrangeiro coube predomínio nas indústrias denominadas dinâmicas, tais como, em material de transporte, mecânicos e equipamentos elétricos. Ao lado dos subsídios, o Estado exigiu elevados índices de nacionalização da produção de insumos, peças e componentes das atividades produtivas internalizadas, e realizou investimentos em infraestrutura e na indústria de base de mais longa maturação e de mais lenta rotatividade do capital, que criaram “economias externas” às empresas privadas, como produção e distribuição de energia-elétrica, extração e refino de petróleo, construção de ferrovias e rodovias e produção de aço. Aos investimentos privados estrangeiros e investimentos públicos vieram combinar-se os investimentos privados nacionais nos ramos da indústria tradicional de bens de consumo não durável, alguns ramos da indústria de bens de capital e da indústria metal-mecânica, os quais se expandiram a partir de relações interindustriais aproveitando a demanda derivada da grande empresa oligopolista estrangeira (Tavares, 1986). (Serra, 1983SERRA, J. Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-guerra. In: BELLUZZO, L. G. M.; COUTINHO, R. (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. 2. ed. Campinas: IE/Unicamp, 1983. v. 1, p. 56-121.). O aumento da produção de unidades de MF foi de 23% ao ano entre 1955 a 1961, calculado de acordo com as informações da Tabela 1, acompanhado por um forte aumento de importações de MF utilizadas nos “nascentes” setores automobilístico e de bens de capital. Em 1959 o setor participava com 11,6% da produção e 18,6% do emprego da indústria de bens de capital3 3 Em 1919, segundo estimativas de Bonelli e Façanha (1978), 95% da produção da indústria brasileira de bens de capital se concentrava em material de transportes, enquanto em 1939 esse gênero industrial respondia por aproximadamente 60% da produção e 39% do emprego. Neste mesmo ano, o gênero mecânica detinha 21,5% da produção, concentrado no subsetor de fabricação de MF e máquinas agrícolas, que correspondiam, respectivamente, a 6,5% e 6,1% da produção e 13,4% e 13,8% do emprego da indústria de bens de capital no Brasil. A taxa de crescimento real da produção interna dessa indústria entre 1919 a 1939, sob hipótese de que os preços relativos permaneceram constantes, foi de 12,4% (p. 321). Em 1949, a produção nos segmentos de MF e maquinaria agrícola respondiam, respectivamente, por 11,3% e 5,3% do total, enquanto no emprego chegava a 17% e 9,2%. Em 1961 existiam 90 produtores de MF no Brasil, sendo três subsidiárias de empresas estrangeiras, que vieram com a internalização de seus clientes no Brasil, e passaram a produzir MF mais sofisticadas e gradualmente foram nacionalizando parte da produção. Dessas 90 empresas, oito ocupavam mais de 100 pessoas e representava 55,4% do pessoal empregado, sendo que as duas maiores (Romi; Nardini) respondiam em conjunto por 33,4% do pessoal empregado total (Cruz, 1985, p. 7). .

Tabela 1
Características das empresas, produção, importação e exportação de MF no Brasil - 1940-1955-1971 (Mil US$ de 2007)

As empresas estrangeiras que se instalaram em indústrias caracterizadas pelo emprego de tecnologia mais avançada requereram também MF de nível tecnológico mais avançado. A oferta interna de MF não tinha capacidade de atender essa fração da procura, e as importações cumpriram tal papel. Esse fato acentuou o desnível tecnológico entre a demanda e a oferta interna de MF. Ao mesmo tempo, instalaram-se várias pequenas e médias empresas mecânicas de reparos e manutenção de outros setores, pouco intensivas em capital, cujas exigências de MF quanto à qualidade e produtividade foram atendidas pela produção doméstica, apesar dos modestos padrões tecnológicos prevalecentes, o que explica, pelo menos em parte, o rápido crescimento do setor no período de 1956 a 1961. “Assim, a oferta nacional limitou-se quase que exclusivamente à produção de máquinas universais de menor complexidade e modesta qualidade em relações aos padrões internacionais, com exceção daquelas produzidas pelos fabricantes melhor equipados” (Vidossich, 1974VIDOSSICH, F. A indústria de máquinas-ferramenta no Brasil. Brasília: Ipea, 1974., p. 9).

Com a aceleração da inflação a partir de 1958 e o estancamento do crescimento econômico entre 1962 a 1966, a indústria de bens de capital no Brasil decresceu 2,7% a.a. A paulatina ocupação da capacidade ociosa derivada do aumento de produção de bens de consumo duráveis a partir de 1967, juntamente às inversões do setor público, estimulou o crescimento do investimento e reativou a procura por bens de capital e bens intermediários. As informações para o periodo apresentadas na Tabela 1 mostram que na década de 1960 o setor de MF se concentrou e centralizou com a diminuição do número de empresas e o aumento do seu tamanho médio: o número de empresas cai de 90 em 1961 para 61 em 1971 enquanto o número de empresas com mais de 100 empregados (e a participação delas no emprego total) passaram de 8 empresas (54,5% do emprego) para 18 empresas (e 76,2% do emprego), respectivamente. Quanto ao desempenho do setor de MF no período de 1962 a 1967, houve grande oscilação da produção e das importações, enquanto as exportações, que eram incipientes em 1961, atingiram 26% do total de MF produzidas e 13% do valor da produção em 1970.

As indústrias automobilística, autopeças e de bens de capital foram as maiores usuárias de MF no período do “Milagre”. No caso de máquinas pouco sofisticadas, a procura foi atendida pela oferta nacional, e as importações, seja também de parte e componentes, atenderam segmentos de mercado mais nobres. Aliado à diversificação da oferta doméstica, era reduzida a variedade de tipos e modelos produzidos por uma “multiplicidade de fabricantes que produzem máquinas idênticas ou muito semelhantes, tanto em técnica como em qualidade” (Vidossich, 1974VIDOSSICH, F. A indústria de máquinas-ferramenta no Brasil. Brasília: Ipea, 1974., p. 49).

Para maior variedade tecnológica de MF encontrada no Brasil em 1971 (como a porcentagem de variedade de MF produzidas e utilizadas no país em relação ao universo de modelos ofertados internacionalmente), ressalta-se o importante papel das importações de MF para atendimento da procura de tecnologia pela indústria nacional e o hiato tecnológico do parque nacional de MF.

“Mesmo quando referido ao grau de desenvolvimento dos setores que as utilizam. [...] do universo de tipos e modelos que constituem a oferta mundial de máquinas-ferramenta, apenas uma parcela é requerida pela indústria metalomecânica nacional; contudo, nem mesmo essa parcela tem sido atendida pelos fabricantes nacionais [...]. As importações têm desempenhado excelente papel no sentido de permitir, aos setores utilizadores de máquinas-ferramenta, a incorporação de tecnologia que os fabricantes nacionais não estão aptos a fornecer”4 4 Já a amostra das cinco empresas produtoras de MF estudadas por Cruz (1985), entre as quais destacava as empresas Romi, Nardini e Traub, permitiu afirmar que até o final da década de 1970 o setor cresceu e apresentava maior especialização e capacitação tecnológica. Destaca que “a especialização das firmas entre tipos de produtos foi reforçada com a instalação das firmas multinacionais, que se dirigiam aos segmentos mais sofisticados do mercado, onde concorrem principalmente com a Romi e a Nardini”. (p. 73). Cruz (1985, p. 73-74) observa, quando da instalação das novas plantas dessas duas empresas, que o setor iniciou com duas firmas relativamente grandes dentro de um ambiente tecnológico pouco desenvolvido, que, na ausência de fornecedores, etc., aumentava o grau de integração vertical. Porém, a organização em multiplantas lhes permitiu a especialização dos processos produtivos e busca de maiores economias de escala. Ademais, Cruz destaca o comportamento tecnológico bastante inovativo e a grande sofisticação tecnológica dessas empresas (Romi, Nardini e Traub). Apesar da aparente contradição entre as constatações de Vidossich e de Cruz, ambos estão corretos, destacando facetas distintas do setor. “Apesar da evolução do setor identificada por Cruz, o hiato ainda era grande entre o nível técnico das máquinas nacionais comparado com o de outras produzidas em países mais desenvolvidos” (Erber; Vermulm, 1993, p. 172). (Vidossich 1974VIDOSSICH, F. A indústria de máquinas-ferramenta no Brasil. Brasília: Ipea, 1974., p. 59-60).

Portanto, entre os níveis de sofisticação de tecnologias incorporadas no que tange à oferta nacional e estrangeira e à procura de MF (o mercado internacional de MF, oferta interna, demanda interna, oferta das empresas nacionais e oferta de subsidiárias estrangeiras), coexistiam dois hiatos tecnológicos: primeiro, um hiato entre a tecnologia empregada internamente no país em relação às últimas inovações mundiais (MF/CN/CNC - Máquinas-ferramenta com Controle Numérico e Controle Numérico Computadorizado); e segundo, um hiato tecnológico relativo correspondente ao desnível entre demanda interna e oferta interna de tecnologia. Havia grande defasagem temporal entre a mudança na estrutura da demanda e a capacidade tecnológica da oferta de MF porque os “usuários e produtores interagem no Brasil num mercado que é internacionalizado por meio de importações, da produção local feita por subsidiárias de empresas estrangeiras e até pelos padrões de produção internacionais adotados pelos usuários locais” (Tauile, 1985TAUILE, J. R. A difusão de máquinas-ferramentas com controle numérico no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 681-704, dez. 1985., p. 683). Em meados da década de 1970, o segmento era formado por três faixas distintas de produtores: i) empresas nacionais pequenas e médias, cuja produção, por ser menos sofisticada, se destina aos setores menos dinâmicos da economia; ii) empresas nacionais grandes e médias que produzem máquinas sofisticadas e em grande variedade, que se destinam aos setores mais dinâmicos; iii) empresas estrangeiras que, dadas as suas características e as suas vinculações, dirigem sua produção para os setores de ponta (Magalhães, 1976, p. 17 apudTauile, 1985TAUILE, J. R. A difusão de máquinas-ferramentas com controle numérico no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 681-704, dez. 1985., p. 686).

A política industrial e a manutenção da reserva de mercado que possibilitavam a importação de partes e componentes e davam incentivos à exportação, foram fundamentais para a atração de empresas estrangeiras5 5 Dentre aproximadamente 86 empresas que compunham o setor em 1975, 23 eram de propriedade do capital estrangeiro, sendo 19 alemãs, 4 italianas, 1 japonesa e 1 norte-americana. Dentre os principais motivos para o interesse das empresas estrangeiras em instalar filiais e/ou associadas no Brasil, destacam-se: i) possibilidades oferecidas pelo mercado brasileiro e dos outros países da ALALC; ii) estabilidade política; iii) salários menores; iv) necessidades de expansão das empresas estrangeiras; e v) incentivos governamentais (Magalhães, 1976, p. 17 apudTauile, 1985, p. 686). . A Resolução n. 3 (30 de abril de 1971) do Conselho de Desenvolvimento Industrial, “considerando o desnível tecnológico entre as máquinas-ferramenta produzidas no País, e as exigidas nos programas de desenvolvimento industrial”, criou incentivos para absorção de know-how externo e para criação de uma autêntica engenharia de produto nacional, estabelecendo “parâmetros de proporcionalidade entre as reduções dos impostos de importação e IPI sobre as partes complementares das máquinas a serem produzidas e os índices de nacionalização fixados...” (Vidossich, 1974VIDOSSICH, F. A indústria de máquinas-ferramenta no Brasil. Brasília: Ipea, 1974., p. 97). O (forte) crescimento do setor de MF no período do “Milagre” foi prolongado pelos investimentos do II PND, dadas as relações interindustriais específicas do segmento, com ganhos de produtividade e aumento do valor (e peso) dos produtos fabricados e exportados. Neste período, as empresas de MF receberam financiamentos do governo para expansão de capacidade produtiva (Cruz, 1985CRUZ, H. N. Mudança tecnológica no setor metal-mecânico do Brasil: resultados de estudos de caso. Tese (Livre-Docência em Economia)-Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985. Publicação do Instituto de Pesquisa Econômica.).

No início dos anos 1980, o Brasil apresentava uma indústria de bens de capital bem diversificada e sofisticada, porém pouco competitiva em termos internacionais, em decorrência da verticalização excessiva das empresas e insuficiente escala de produção em alguns segmentos. Os segmentos que produziam bens de capital seriados (como caminhões e tratores, por exemplo) eram os mais competitivos. O subsetor de MF também se destacava como competitivo, pelo menos aquelas empresas que possuíam uma história de aprendizados produtivos e tecnológicos e que buscaram ampliar seus conhecimentos para acompanhar a mudança radical da trajetória tecnológica do setor com as máquinas-ferramenta com controle numérico computadorizado (MF/CNC)6 6 Algumas empresas nacionais com maior capacitação tecnológica entraram na produção de MF com controle numérico na década de 1970. A primeira foi produzida pelas Indústrias Romi S.A em 1972, adaptada de uma máquina convencional. Segundo Laplane e Ferreira (1985, p. 116) em 1979 “três empresas nacionais (Romi, Nardini e Italbrás) e quatro estrangeiras (Wotan, Index, Heller e Traub) produziam MFCN”. Utilizando dados da Sobracon, Laplane (1990 apudErber; Vermulm, 1993, p. 176) afirma que até 1979 foram produzidas 110 MFCN e importadas outras 274. Estes dados são basicamente iguais aos apresentados por Tauile (1985): em 1980 o estoque de MF com controle numérico da indústria de transformação brasileira, especialmente no setor de bens de capital, era de 550 máquinas, das quais aproximadamente 23% eram produzidas no Brasil. . No início da década de 1980, o setor ainda era voltado basicamente para o mercado interno, mas tinha alcançando um coeficiente de exportação de 17,4% (Cruz, 1993CRUZ, H. N. Competitividade da indústria de máquinas-ferramenta. Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: MCT/Finep/PADCT/IE-Unicamp, 1993. (Nota Técnica Setorial)., p. 31) que se dirigia ao mercado da América Latina, principalmente para o México, Argentina, Peru, Uruguai e Chile (Araújo Jr. et al., 1992ARAÚJO JR., J.; CORREIA, P.; CASTILHO, M. Oportunidades estratégicas da indústria brasileira na década de 1990. In: VELLOSO, J. P. R. (Org.). Estratégia industrial e retomada do desenvolvimento. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992., p. 93), e constituía-se de MF convencionais cujo preço é fundamental à concorrência.

As empresas nacionais já tinham uma longa trajetória de aprendizagem tecnológica a partir de capacidades de projetar e fabricar dos seus fundadores, em geral imigrantes, através da cópia e adaptações por engenharia reversa, desde a segunda metade da década de 1930. Nesta, produziam-se MF convencionais pequenas e na década de 1940 começa a produção dessas MF em escala industrial. Num segundo momento, na década de 1960, as empresas começaram a contratar engenheiros, e as que possuíam estratégias tecnológicas de liderança constituíram seus departamentos de P&D formal, sistematizado e institucionalizando suas atividades inovativas. Entretanto, como a indústria brasileira, o setor era caracterizado por grande heterogeneidade tecnológica e competitiva. A trajetória de crescimento e aprendizagem tecnológica das empresas líderes nacionais que trabalhavam com economias de escala no segmento de MF seriadas e a entrada de empresas estrangeiras com elevado padrão técnico possibilitaram a redução significativa do hiato tecnológico de produto na década de 1970. Para essas empresas nacionais líderes, a acumulação de capacidades tecnológicas se deu basicamente pelo desenvolvimento contínuo e incremental de produto, enquanto que para o desenvolvimento de MF mais complexas, a estratégia tecnológica foi o licenciamento e assistência técnica externa. Notadamente, o know-how assimilado pelas empresas do setor foi basicamente através do learning by doing e learning by using.

A diminuição dos investimentos público e privado afetou a indústria nacional, o setor de bens de capital e, especificamente, o setor de MF entre 1981 a 1983. Neste período, os instrumentos de política industrial foram postos a serviço dos objetivos macros prioritários para poupar divisas e o controle das importações perde o objetivo de fomentar a industrialização. As empresas estrangeiras também reverteram suas estratégias de expansão no Brasil. A crise interna coincidiu com a crise nas economias latino-americanas, tradicionais importadoras de MF do Brasil. Apesar disso, havia espaço para contornar a crise com a ampliação da produção de MF/CN para atender a necessidade de modernização dos usuários, principalmente os setores de bens de capital, autopeças e automobilística. Registra-se que as empresas líderes que buscavam entrar na nova trajetória tecnológica do setor através de licenciamento aumentaram os investimentos em P&D em relação à receita liquida. Em verdade apenas uma empresa fabricante de MF gastou em 1982 cerca de 80% do gasto em tecnologia do setor (Ferraz, 1987FERRAZ, J. C. O desempenho tecnológico da indústria brasileira: padrão de maturação e seus determinantes. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 17, p. 437-456, ago. 1987., p. 439). Nessa época, o maior usuário brasileiro de MF/CN era o maior fabricante nacional de MF/CN (Tauili, 1985, p. 693).

Foi também nos anos de 1980 que a Secretária Especial de Informática (SEI), conforme objetivo da Política Nacional de Informática, buscou induzir o desenvolvimento de capacidades tecnológicas de empresas produtoras de equipamentos de automação industrial de base microeletrônica no Brasil através do licenciamento da tecnologia no exterior. O recurso ao licenciamento era a solução “natural” diante do deslocamento da trajetória tecnológica no setor de MF, uma mudança radical com o advento do CNC, pois “o novo paradigma representava uma descontinuidade em termos de concepção de produto e processo - conhecimentos que as empresas locais não dispunham nem existiam em outras instituições no país” (Erber; Vermulm, 1993ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144)., p. 246). Entretanto, a reserva de mercado para bens de informática teve efeitos contraditórios. Se de um lado estimulava a acumulação de capacidades tecnológicas, de outro pressionava os custos da produção nacional e em médio prazo levava à defasagem das capacidades tecnológicas das empresas com o desenvolvimento célere da microeletrônica em nível mundial7 7 As possibilidades das firmas de produzir e eventualmente introduzir melhorias em produtos dizia respeito a uma geração tecnológica dada, “mas esses recursos podem não ser suficientes para viabilizar o desenvolvimento de novas gerações de produtos, sem recorrer novamente à transferência de tecnologia do exterior. Uma situação semelhante acontece em outros segmentos protegidos pela Reserva de Mercado instituído pela Política Nacional de Informática, como no caso da indústria brasileira de computadores” (Laplane; Ferreira, 1985, p. 135). .

Um dos aspectos mais controversos da política de informática na área de automação industrial da SEI é sobre a “eventual competitividade dos produtos produzidos localmente, dado o tamanho reduzido do mercado vis-à-vis, as escalas mínimas de produção que caracterizam os grandes produtores dos países avançados”8 8 “Parece existir consenso a respeito de que o mercado atual não comporta quatro empresas fabricantes (Romi, Diatur, Digicon e Maxitec + 2 em 1983: MCS Engenharia e Zselicks). O futuro das empresas dependerá, fundamentalmente, de que, no contexto de uma eventual retomada do crescimento, o mercado se expanda rapidamente. O incremento das vendas dependerá, também, de que as empresas fabricantes possam reduzir preços dos seus produtos. Existe nesse caso, um efeito perverso entre o tamanho do mercado e os preços, já que as empresas brasileiras trabalham com escalas reduzidas de produção. O resultado é que o preço dos produtos é superior ao internacional. O sistema Sinumerik-3 da Siemens, que tinha em 1982, um preço Fob de US$ 5.000, é vendido por US$ 15.000 pela Maxitec. Uma estratégia das empresas para ocupar a capacidade ociosa e aumentar as receitas tem sido a de diversificar suas linhas de fabricação, produzindo outros equipamentos de automação como controladores lógicos programáveis (CLP)”. (Laplane; Ferreira, 1985, p. 121). A Romi foi a única empresa fabricante de MF com projeto aprovado para a fabricação de CNC, a partir de tecnologia adquirida da empresa norte-americana Allen Bradley para fabricação do sistema Mach-3 para tornos, fresadoras e para uso geral de até 8 eixos. O licenciamento previa a capacitação progressiva nas áreas de controle de qualidade, software para CN e, finalmente, hardware eletrônico. (p. 120). Já as empresas estrangeiras desenvolveram tais tecnologias a partir do acesso aos conhecimentos de suas matrizes, e focaram na produção de centros de usinagem e máquinas especiais. (Laplane; Ferreira, 1985LAPLANE, M. F.; FERREIRA, C. K. L. A indústria brasileira de bens de capital. Versão final do relatório setorial do convênio Unicamp-IE. Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e Agroindustrial, 1985., p. 112). Considerava-se o preço das MF/CNC nacionais elevado frente ao dos concorrentes internacionais, devido às baixas escalas produtivas e ao maior preço da unidade de CNC. “Comparando os preços dos produtos brasileiros com seus equivalentes estrangeiros, o diferencial cai de 1,94 vez em 1983 para 1,63 em 1987. O CNC fabricado no Brasil com projeto nacional tem um diferencial de preço menor (aproximadamente 1,46 vez em 1987) do que o fabricado sob licença (2,72 vezes em 1987) [...] em função da introdução de novos modelos” (Erber; Vermulm, 1993ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144)., p. 193). Outros fatores que limitavam a competitividade externa do setor era o hiato tecnológico em termos de processo, com baixa utilização de automação tanto de projeto como de fabricação. Mesmo quando possuíam tais equipamentos e rotinas, poucas empresas os utilizavam de forma integrada, como projeto-fabricação CAD/CAM. Deficiências competitivas na cadeia produtiva também limitavam a competitividade. Segundo apontava em 1989 o Programa Setorial Integrado para o Setor de Máquinas-Ferramenta elaborado por Abimaq-Sindimaq, os principais fatores limitativos da competitividade externa da indústria nacional eram os custos de componentes eletrônicos e mecânicos que chegavam a custar cerca de três vezes mais que os importados (ibidem, p. 194). A rede de fornecedores do setor que pouco se desenvolveu também apresentava problemas na qualidade dos produtos e atrasos nos prazos de entrega. A integração vertical das maiores empresas amenizava esses problemas, mas prejudicava o nível de especialização devido à excessiva diversificação produtiva e dispersão dos esforços tecnológicos.

A política da SEI na área de automação industrial tinha objetivos e recursos limitados. Em alguns países da área da OECD, a política de automação da manufatura tinha um escopo maior a partir da difusão rápida e ampla de equipamentos de automação eletrônica era mais um instrumento que visava incrementar a competitividade dos setores selecionados. No caso brasileiro, a política de automação industrial tinha um caráter mais restrito, de escopo limitado, e apenas visava a capacitação tecnológica das empresas9 9 A partir de 1981, a produção de MF/CNC superou a importação dessas máquinas. Em 1985 chegou a representar cerca de 80% das unidades (470) vendidas no país. Em 1985, estima-se que no Brasil operavam 1.600 MF/CNC, sendo mais da metade produzidas no País. “A despeito do crescimento do parque instalado de MFCN, a difusão destas é incipiente” (Laplane; Ferreira, 1985, p. 116). Apesar de bem modesto e de baixo ritmo, o padrão de difusão de MFCN/CNC apresentou movimento análogo àquele verificado nas economias avançadas. Devido ao custo mais elevado, sua utilização restringiu-se inicialmente às empresas de grande porte, e, no Brasil, majoritariamente nas empresas estrangeiras, que em 1982 respondiam por 65% das máquinas instaladas, já que possuíam livre acesso aos conhecimentos e tecnologia das matrizes. Com a retomada do crescimento econômico entre 1984-1988 a partir do drive exportador e o aparente sucesso do Cruzado, a procura de MF se recuperou, como também a expansão da produção de MF/CNC, que entre 1984 e 1987 foi de 565% (Erber; Vermulm, 1993, p. 184). (Laplane; Ferreira, 1985LAPLANE, M. F.; FERREIRA, C. K. L. A indústria brasileira de bens de capital. Versão final do relatório setorial do convênio Unicamp-IE. Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e Agroindustrial, 1985., p. 137). O aperfeiçoamento das MF/CNC protegeu da recessão a indústria de MF nos países desenvolvidos, mas, todavia, ampliou o hiato tecnológico entre estes e os países em desenvolvimento que permaneceram relativamente atrasados com respeito às aplicações da tecnologia microeletrônica na manufatura.

Araújo et al. (1992)ARAÚJO JR., J.; CORREIA, P.; CASTILHO, M. Oportunidades estratégicas da indústria brasileira na década de 1990. In: VELLOSO, J. P. R. (Org.). Estratégia industrial e retomada do desenvolvimento. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992. destaca que o direcionamento progressivo das exportações brasileiras de MF para países desenvolvidos, como EUA, Alemanha, Itália e Canadá, mostra que a indústria realizou um esforço competitivo importante na década de 1980. O crescimento do comércio intraindustrial e a diversificação da pauta e do aumento do preço das exportações refletiam “um aumento no conteúdo tecnológico do produto exportado, e um fortalecimento do poder de competição externa”. (p. 93). No fim da década, a produção de MF estava consolidada e com nível tecnológico mais avançado comparativamente a países como Índia, México e Argentina (Cruz, 1993CRUZ, H. N. Competitividade da indústria de máquinas-ferramenta. Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: MCT/Finep/PADCT/IE-Unicamp, 1993. (Nota Técnica Setorial)., p. 4). A especialização entre os produtores do setor de MF no início da década de 1990 apresentava-se praticamente a mesma de meados dos anos 1970: as empresas estrangeiras produziam produtos de maior sofisticação, como MF especiais (como prensas) e centros de usinagem e o segmento de MF seriadas a CNC de média sofisticação concorriam empresas nacionais e estrangeiras, enquanto as empresas pequenas e médias nacionais ofertavam produtos menos sofisticados para setores de menor dinamismo.

A expansão da produção e a utilização concentrada de MF/CNC trouxeram maior heterogeneidade tecnológica ao setor. A própria crise da economia brasileira e das finanças públicas na década de 1980 havia constrangido a formação de um mercado de massas e o desenvolvimento do sistema de inovação brasileiro. A emergência das tecnologias de base microeletrônica e a baixa procura dessas tecnologias pelas indústrias mecânicas no Brasil contribuíram para ampliar a heterogeneidade tecnológica entre os fabricantes de MF na medida em que, sendo o mercado pequeno e pouco sofisticado, junto com a crise, poucas empresas conseguiram entrar na nova trajetória tecnológica. O processo de abertura econômica viria acentuar os desafios competitivos diante dos esforços tecnológicos e produtivos requeridos para fazer frente às determinações evolutivas da trajetória tecnológica e competitivas do setor em nível internacional, com a concorrência em preço e tecnologia, o aumento das economias de escala e especialização e as condições sistêmicas para isonomia competitiva com as importações, tais como: condições de comercialização, financiamento, tributação, taxa de juros e câmbio e política industrial.

3 Reestruturação do setor de máquinas-ferramenta nos anos 1990/2000: especialização e dinâmica inovativa

A descontinuidade tecnológica imposta pelo novo paradigma representou uma mudança de caráter definitivo tanto para o desenvolvimento de produto quanto na forma de organizar o processo de produção do artefato. A mudança de paradigma tecnológico envolveu um processo evolutivo configurado em experiências e capacidades particulares para solução de problemas específicos de busca e inovação a partir de novos conhecimentos e aplicações das tecnologias da informação. O desenvolvimento paulatino de MF/CNC transformou as formas de produzir, as quais passaram a permitir associar a automação, precisão, integração e flexibilidade dos sistemas produtivos, em que as economias de escopo são uma fonte importante das economias de escala. A mudança de paradigma determinou uma alteração na trajetória e no regime tecnológico do setor aumentando as oportunidades de investimento em novas tecnologias ao mesmo tempo em que o conhecimento base do setor evoluiu para uma maior codificação, complexidade e integração com o conhecimento científico, revigorando as capacidades tecnológicas acumuladas das empresas com o novo conhecimento base mais sistêmico e complexo. Por isso, o padrão de concorrência setorial se alterou de forma radical com a necessidade de crescimento das escalas de produção, elevação dos investimentos em P&D, importância crescente da automação e integração microeletrônica no processo de fabricação e desenho e intensificação da relação com fornecedores e usuários.

Entre os efeitos positivos da abertura, a importação de partes, peças e componentes mecânicos e eletrônicos possibilitou aumentar a qualidade e o desempenho das MF/CNC com a diminuição de seus custos de produção e dos preços. Entretanto, a abertura expôs o setor à concorrência de forma sistêmica, pois com a crise, as diferenças e elevação da carga fiscal, instabilidade econômica, tendência a sobrevalorização do câmbio e o maior custo de financiamento em relação ao exterior, reduziram a competitividade dos produtores locais e favoreceram as importações (Chudnovsky; Erber, 1999CHUDNOVSKY, D.; ERBER, F. E. El impacto del Mercosur sobre la dinámica del sector de máquinas-herramienta. In: TACCONE, J. J.; GARAY, L. J. (Ed.). Impacto sectorial de la integración en el Mercosur. Buenos Aires: BID/Intal, 1999, p. 573-667., p. 590; Erber; Vermulm, 1993ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144)., p. 198). Essas condições sistêmicas persistiram nas décadas de 1990 e 2000, com menor ou maior grau de intensidade devido a períodos de desvalorização cambial, como entre 1999 a 2003, e/ou melhoria nas condições de comercialização com a queda dos juros da Finame Leasing a partir de 2005 e aumento da procura entre 2003 a 2008. Porém, em todo o período, as taxas de juros reais dos financiamentos no Brasil foram muito superiores às externas e, na maior parte, houve sobrevalorização cambial.

As reformas estruturais e um processo de abertura econômica mal planejado produziram um ambiente altamente seletivo e que condicionou, juntamente à mudança do paradigma tecnológico, um processo de reestruturação produtiva que levou a uma concentração de mercado e consolidação dos fabricantes de MF nacionais e estrangeiros que tinham maiores capacidades tecnológicas e financeiras e plantas produtivas favoráveis para o aumento de economias de escala. O aumento de produtividade, redução de custos, e a ampliação da complexidade e do valor dos produtos oferecidos (melhor relação preço/desempenho) ocorreu de forma mais pronunciada nas empresas líderes10 10 As “transformaciones de proceso tendieron a ser introducidas de forma más radical en las líderes del sector, muchas de las cuales cuentan con certificados ISO de la serie 9000. Entre las líderes, las subsidiarias están conectadas a sus matrices por vía electrónica, inclusive para el desarrollo de proyectos de máquinas, mientras que la firma líder nacional, la cual produce máquinas seriadas, concentra su producción en un número menor de líneas, logrando economizar recursos, fabricando sus máquinas en escala internacional” (Chudnovsky; Erber, 1999, p. 599). A empresa líder nacional, Romi, faturou por ano entre 1995 e 1997, em média, cerca de 1.300 tornos CNC, o que já representava mais que o dobro da escala mínima internacional. Entre 1990 a 1994 registra-se a tendência de ampliação da participação das MF/CNC produzidas pelo setor de MF, de 10% para 24% do total de máquinas produzidas, enquanto em valor de produção passaram de 45% para 54%. A Nardini, empresa fundada em 1908, hoje parte do grupo DebMaq do Brasil LTDA, que disputava a liderança na produção de tornos convencionais e a CNC com a Romi, entrou em dificuldades por um conjunto de motivos. As exportações da Nardini tinham sido muito afetadas pela crise e retração do mercado mexicano no início dos anos 1980. A Empresa também demorou para entrar no paradigma eletrônico. Problemas no mercado interno até 1997 haviam agravado sua situação, enquanto suas exportações foram direcionadas para os EUA, e entre 1995 e 1996, cerca de metade delas eram de MF/CNC. através da adoção de mudanças organizacionais com redução de pessoal visando racionalizar a produção; mudanças nos processos produtivos destinadas a reduzir custos; programas de qualidade e produtividade e novas rotinas ligadas a procedimentos, controles e boas práticas de gestão; redução dos níveis administrativos e a centralização das atividades de projeto; crescente importância da automação microeletrônica no processo de fabricação e desenho; processos just-in-time; células de produção; e aumento da aquisição de partes e componentes.

A trajetória do setor de MF nas últimas três décadas foi em direção à concentração e consolidação tecnológica das companhias líderes, estrangeiras e nacionais, que têm capacidades adquiridas em P&D e investem constantemente em inovação. As informações disponíveis indicam que a empresas líderes atendem a maior parte do mercado interno e quase a totalidade das exportações. Para essas companhias, a combinação de investimento em P&D, licenciamento e desenvolvimento próprio de tecnologia revela constituir estratégica tecnológica consistente de crescimento em longo prazo. Essa seria a estratégia competitiva das empresas classificadas como “líderes” por Erber e Vermulm (1993)ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144). e Vermulm (1996)VERMULM, R. Estratégias empresariais nos anos 80: o setor de máquinas-ferramenta. Cadernos de Gestão Tecnológica, Fundação Instituto de Administração-FIA/Cyted, n. 30, 1996.. Mesmo assim, continua a diferença de segmentos de mercados atendidos pelas empresas estrangeiras e empresas líderes nacionais. Os fabricantes de MF estrangeiros focam na produção de máquinas de estação múltipla e centros de usinagem para as corporações multinacionais, enquanto as companhias locais produzem tornos CNC e centros de torneamento e de usinagem para empresas locais.

O grupo de empresas mais afetado pela liberalização comercial foi o de fabricantes de bens seriados de menor porte, cuja escala não seria econômica frente à diversificação da produção e entre fabricantes de bens de nível médio de complexidade, produzidos por lotes, cujo mix preço/desempenho não seria competitivo face às importações. Outras empresas deixaram a indústria ou viraram fornecedores, representantes, etc., por várias causas: baixo crescimento econômico e nível insuficiente de investimentos na década de 1990, entrada tardia no paradigma eletrônico, alta diversificação produtiva e/ou porque possuíam baixas escalas para produção e por problemas financeiros. Estas empresas tinham menores capacidades acumuladas de P&D. Algumas dessas empresas buscaram realizar inovações de processos e mudanças organizacionais visando diminuir custos, mas infelizmente foram insuficientes frente à competição com as importações e o novo regime de concorrência. Erber e Vermulm (1993)ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144). e Vermulm (1996)VERMULM, R. Estratégias empresariais nos anos 80: o setor de máquinas-ferramenta. Cadernos de Gestão Tecnológica, Fundação Instituto de Administração-FIA/Cyted, n. 30, 1996. caracterizavam as estratégias competitivas dessas empresas como de “caudatária” e/ou “sobrevivência passiva”.

Em um terceiro grupo de fabricantes de MF convencionais por deformação, operam diversas pequenas empresas nacionais. Este grupo foi aparentemente menos afetado pela abertura econômica e pela mudança radical da trajetória tecnológica do setor, provavelmente porque a transformação tecnológica neste segmento foi menor, e porque seus produtos se dirigem a nichos de mercado pouco exigentes, onde a concorrência das importações não se fez sentir intensamente.

A especialização e as exportações foram ao encontro da relação de complementaridade através do comércio internacional em produtos como prensas, centros de usinagem e tornos a CNC. As Tabelas 2 e 3 mostram respectivamente as exportações e importações de MF em valor e em proporções do valor total de acordo com o número da posição de produtos da NCM. Nota-se, comparando as duas tabelas, que todas as posições de MF apresentaram importações líquidas entre a média dos anos desde o início da década de 1990 até 2005/2006. Todas as posições ou grupos de MF de produtos apresentaram importações líquidas entre a média dos anos desde o início da década de 1989/1990 até 2005/2006.

Tabela 2
Exportações de máquinas-ferramenta no Brasil - 1989-2006 - Médias anuais (em US$ milhões correntes e em %)
Tabela 3
Importações de Máquinas-Ferramenta no Brasil - 1989-2006 - Médias Anuais (em US$ milhões correntes e em %)

Neste período ocorreram modificações substanciais na estrutura das exportações brasileiras de MF. Em 1989/1990 cerca de dois terços das exportações consistiam de tornos, a maioria convencionais. A partir de 1992/1993 as exportações de MF por deformação (prensas - 8462) cresceram em relação ao biênio 1989/1990, passando de cerca de 13% em 1989/1990 para cerca de 50% das MF nos biênios médios seguintes. Registra-se também o aumento das exportações de centros de usinagem (8457), quando chegaram a representar em valor US$ 48.921 milhões em média entre 2003/2004, aproximadamente de 35% do total exportado. As exportações de tornos a CNC ultrapassam as de tornos convencionais em 1994, e já em 1995/1996 esses produtos representam 68% da categoria e entre 2002 e 2006, 83%. As exportações brasileiras (médias dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006) se destinaram para a Europa, 44,7%, principalmente para a Alemanha, 25,9%, país de origem das empresas que têm filiais no Brasil. Os EUA respondem por 19%, a América Latina, 18% (principalmente o México, 10,5%, e Argentina, 3,7%), enquanto para a China as exportações corresponderam a 9,9%. As exportações para a Alemanha estão concentradas em centros de usinagem, tornos a CNC e outras MF por deformação, enquanto para os EUA se concentram em tornos a CNC, prensas e MF retificadoras, etc. e centros de usinagem.

A estrutura das importações de MF também sofreu modificações, homologa à estrutura das exportações, mas pode-se observar que as importações sempre foram menos concentradas que as exportações, o que reflete, entre outras características, o grau de desenvolvimento da oferta nacional. Embora as importações de todos os grupos de produtos apresentem aumento em valor, os que mais se destacam entre a proporção do total são os grupos: as prensas, os centros de usinagem (que dobram sua importância na pauta entre 1989/1990 e 2005/2006), os tornos CNC e MF retificadoras e brunidoras. As importações brasileiras (médias dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006) têm como origem principalmente os países desenvolvidos, notadamente a Alemanha, 24,6%, Japão, 16,5%, Itália, 14,5%, EUA, 9,0%, Suíça, 7,9% e Espanha 4,3%.

O indicador da relação entre o valor/peso (US$/kg) das importações e exportações é mostrado na Tabela 4, como “instrumento de comparação do conteúdo tecnológico”, proposto por Vidossich (1974, p. 54)VIDOSSICH, F. A indústria de máquinas-ferramenta no Brasil. Brasília: Ipea, 1974.. Como um indicador bastante vulnerável de complexidade da MF, tem sido sempre encontrada uma relação em que o valor unitário das importações (Vum) é maior que o valor unitário das exportações (Vux), apontando sempre um indicador maior que um, conforme a tabela para o ano de 1993. Para esse ano, tal relação Vum/Vux foi de cerca de 3,4, o que significa que o Vum foi 3,4 vezes maior que o Vux em 1993. Em 1971, tal índice foi de cerca de 2,8 e entre 1986/1988, 3,5. Por outro lado, parece que as flutuações do Vum/Vux por tipo de produto são condicionadas por uma miríade de motivos, como pelo maior ou menor grau de sofisticação (e volume) das importações de MF (Ex.: algum processo produtivo que esteja sendo instalado por alguma empresa, etc. vs. uma corrente de bens baratos dos países asiáticos), queda das tarifas de importações e pela valorização e desvalorização cambial. De fato, os determinantes das flutuações do Vum/Vux parecem ser diversos. De toda forma, naqueles tipos de produtos que o setor se especializou através do comércio intraindustrial, parece demonstrar alguma tendência. Nestes termos, tendo em conta que tal indicador é “tanto menos adequado quanto maior é o grau de agregação da categoria de bens examinados”, pois são fabricados em economias onde “são distintos os preços dos fatores de produção e dos insumos essenciais” (p. 54), e que tal indicador tende a subestimar as diferenças entre as importações e a produção local (Chudnovsky; Erber, 1999CHUDNOVSKY, D.; ERBER, F. E. El impacto del Mercosur sobre la dinámica del sector de máquinas-herramienta. In: TACCONE, J. J.; GARAY, L. J. (Ed.). Impacto sectorial de la integración en el Mercosur. Buenos Aires: BID/Intal, 1999, p. 573-667.), seguem algumas considerações.

Tabela 4
Indicador da Relação entre Valor/Peso (US$/kg) das Importações (VUM) e das Exportações (VUX) de Máquinas-Ferramenta no Brasil - 1993, 1996, 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006

A tabela mostra que o indicador Vum/Vux diminuiu constantemente entre 1993 e 2006, o que sugere que pode ter havido uma diminuição do hiato tecnológico entre a demanda e a oferta de MF produzidas no Brasil. A tabela indica que para todas as categorias de MF ocorreu queda substancial do indicador, especialmente nas posições de produto 84.57, 84.58, 85.59 e 84.62, que é condizente com o processo de consolidação tecnológica das empresas líderes discutido. Essa afirmação merece maior explicação.

Conforme a análise qualitativa revelou, as empresas líderes estrangeiras e nacionais conseguiram aumentar a produtividade, reduzir custos, ampliar a complexidade e o valor dos produtos oferecidos (melhor relação preço/desempenho). A queda das barreiras tarifárias e não tarifárias também contribuiu para a substancial queda do Vum de MF, assim como a utilização crescente das próprias MF/CNC pelos fabricantes das nações desenvolvidas, principalmente do Japão, Alemanha, Itália, EUA, Suíça, que promoveram um forte aumento das economias de escala e escopo dos fabricantes desses países. Os setores de MF desses países também apresentaram forte dinamismo tecnológico, derivado do aumento dos investimentos em P&D e do desenvolvimento tecnológico gerado a partir de interações e cooperação constante entre produtor-usuários em seus países. O próprio processo de difusão de um paradigma também leva a quedas substanciais de preços11 11 Quanto à diminuição dos preços, se utilizarmos os índices de preços de máquinas e equipamentos IPA-OG (oferta global) e IPA-DI (disponibilidade interna) tendo como deflatores a série de preços do grupo de bens do qual são classificados, o IPA-DI bens de produção, nota-se a tendência de queda quase contínua dos preços relativos dos bens de capital do início da década de 1990 até 2003. Com a abertura econômica, o aumento das importações e queda dos investimentos, houve leve queda de preços até 1994. Com o aumento dos investimentos em 1995 e 1996, os preços relativos das máquinas e equipamentos sobem, e posteriormente apresentam significativa diminuição até 2003. Entre 1995 e 2003, enquanto o IPA-DI bens de produção aumenta 272,1%, o IPA-DI e IPA-OG máquinas e equipamentos subiram, respectivamente, 202,8% e 174,1%. O declínio de preços resulta aparentemente de três fenômenos combinados: o baixo crescimento da demanda interna (tendo como causa a evolução macroeconômica turbulenta, a diminuição das tarifas sobre produtos finais e componentes), pressão competitiva das importações e os esforços de reorganização da produção. (Dosi, 1988).

Deve-se destacar o grande aumento do Vux dos centros de usinagem entre 1993 e 1996, e em menor medida, o Vux dos tornos CNC entre 2002 e 2006, que foi o fator que contribuiu para diminuição do Vum/Vux dessas categorias de produtos (84.57 e 84.58). As importações provenientes de Taiwan e China foram crescentes nos últimos anos, principalmente nos centros de usinagem, tornos CNC e mandrilhadoras, o que contribuiu para a redução do preço médio (US$/kg) das importações brasileiras de MF desses produtos. Pode-se dizer, por outro lado, que a concorrência das MF dos dois países asiáticos tem o efeito de diminuição dos preços internacionais de MF seriadas do tipo commodities, principalmente, diante dos menores preços relativos dos fatores nesses países nesse período. Entretanto, ressalta-se mais uma vez: a utilização do Vum/Vux como indicador do nível de complexidade da produção doméstica deve ser cautelosa.

Portanto, o grupo mais afetado pela liberalização comercial foi o de fabricantes nacionais do segmento de tornos e centros de usinagem seriados ou produzidos em lotes, constituído por empresas mais frágeis e outras com estratégias tecnológicas seguidoras, em decorrência do baixo crescimento econômico e nível insuficiente de investimentos na década de 1990. Isso ocorre porque estas empresas entraram tardiamente no paradigma eletrônico, trabalhavam com excessiva diversificação produtiva (com reflexos para dispersão dos esforços de P&D e baixas escalas para produção de MF seriadas), e por causa de problemas financeiros. As que continuaram e cresceram como fabricantes líderes de MF/CNC seriadas o fizeram com respaldo das capacidades tecnológicas adquiridas e estratégias competitivas e tecnológicas mais agressivas frente à mudança na demanda, a concorrência com as importações e às exigências tecnológicas para acompanhar a determinação técnica imposta pelo desenvolvimento da trajetória do setor. Mesmo assim, continuou havendo uma diferença de segmentos de mercados atendidos pelas empresas multinacionais e empresas líderes nacionais. Os fabricantes de MF estrangeiros focam na produção de máquinas de estação múltipla e centros de usinagem para as corporações multinacionais, enquanto as companhias locais produzem tornos CNC e centros de torneamento e de usinagem para empresas locais. Nestes termos, pode-se concluir que o setor de MF brasileiro é competitivo no segmento de MF seriadas ou sob encomenda, especialmente nas categorias 84.57 e 84.58, e MF por deformação (84.62).

O novo regime competitivo com a abertura economica tem favorecido usuários de MF, pois diante da diversidade de tipos de máquinas no mercado mundial e um melhor fluxo de informações entre preço/qualidade/desempenho e possibilidades de importações, há um aumento no grau de liberdade para a escolha do equipamento. A difusão de MF/CNC não é apenas entre os usuários, mas também entre os fabricantes, e os possiveis efeitos cumulativos que podem surgir nesse processo de interação entre produtor-usuário são importantes (Alcorta, 2000ALCORTA, L. New economic policies and the diffusion of machine tools in Latin America. World Development, v. 28, n. 9, p. 1657-1672, 2000.).

4 Esforços inovativos, desempenho competitivo e heterogeneidade tecnológica

O objetivo dessa seção é investigar os tipos de esforços e aprendizados tecnológicos e a dinâmica inovativa do setor de máquinas-ferramenta (MF) no Brasil. A partir de tais esforços, as empresas aprendem e assimilam informações e conhecimentos para o empreendimento de inovações no artefato tecnológico em questão (MF) e acumulam capacidades tecnológicas. No caso do setor de MF, investimentos e capacitação em P&D são particularmente importantes visto que a fabricação das MF atende a especificidades técnicas requeridas pelos usuários e à determinação técnica da evolução da fronteira tecnológica do setor e, portanto, determinante da posição da empresa e do seu grau de competitividade no mercado internacional. O processo de mudança técnica no setor de MF é caracterizado por ser incremental e sistêmico, com o desenvolvimento sequencial de várias formas de aprendizados relativos à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos, transferência e aquisição de tecnologia e desenvolvimento de habilidades em engenharia e adaptação de MF para condições e finalidades específicas. Investimentos dos fabricantes de MF em P&D e interações diversas (C&T, fornecedores, clientes, etc.) geram aprendizados e inovações que ampliam suas capacidades de absorção de conhecimentos. Nestes termos, buscam acumular capacidades tecnológicas particulares para solução de problemas específicos e inovação a partir de novos conhecimentos e aplicações das tecnologias da informação, como determinado pelo seu paradigma tecnológico. O processo evolutivo das MF/CNC transforma as formas de produzir, as quais passam a permitir associar a automação, precisão, integração e flexibilidade dos sistemas produtivos. A trajetória e o regime tecnológico do setor são condicionados por altas oportunidades de investimento nas novas tecnologias pelos setores usuários ao mesmo tempo em que o conhecimento base do setor evoluiu para uma maior codificação, complexidade e integração com o conhecimento científico. As capacidades tecnológicas acumuladas das empresas foram rejuvenescidas com o novo conhecimento base sistêmico e complexo. Por isso o padrão de concorrência setorial se alterou de forma radical com a necessidade de crescimento das escalas de produção, dos investimentos em P&D, da automação e integração microeletrônica no processo de fabricação e desenho e intensificação da relação com fornecedores e usuários.

Como hipótese estilizada para qualificar a dinâmica inovativa do setor, sugere-se que a acumulação de capacidades tecnológicas e competitivas dinâmicas do setor de MF de introduzir inovações depende: de fortes interações (learning by interacting) com seus clientes (necessidades de desenvolvimento tecnológico e melhoramento de performances), de uma eficiente rede de fornecedores especializados; do serviço de pós venda e assistência técnica no país e no exterior; da capacidade de criação, absorção e apropriação de novos conhecimentos a partir de gastos em P&D (learning by researching) e de um estreito relacionamento com ciência e tecnologia - pesquisa básica e aplicada - (learning by from advances in S&T). Pela posição central que o setor de MF ocupa nas cadeias produtivas e no sistema de inovação industrial, as inovações de produto do setor são mudanças de processo para as empresas do complexo eletrometal-mecânico e de outros setores, como fornecedores da cadeia aeronáutica, por exemplo.

Para caracterização das empresas de acordo com seus esforços inovativos e desempenho competitivo, faremos uso de informações e dados de um trabalho do IPEA, cuja metodologia vem sendo bastante empregada para classificação das empresas em nível setorial em quatro tipos: líderes, seguidoras, emergentes e frágeis (De Negri; Lemos, 2011DE NEGRI, J. A.; LEMOS, M. B (Org.). O núcleo tecnológico da indústria brasileira. Brasilia: Ipea/Finep/ABDI, 2011.). A preocupação central dessa metodologia é qualificar a dinâmica inovativa das empresas, classificando-as segundo alguns indicadores para compreender a relação entre a dinâmica ou padrões de comportamento tecnológicos setoriais (P&D, inovações, diferenciação de produto, menor custo/faturamento) e desempenho das empresas (preço-prêmio, produtividade, exportação, salário etc.).

A dinâmica inovativa ou padrões de comportamento tecnológico setoriais são entendidos como os tipos de processos de aprendizagem tecnológicos para acumulação de conhecimento pelas firmas através da busca de inovações. A ideia não é ressaltar a dimensão ou o tamanho da empresa, mas suas estratégias e seus esforços tecnológicos, com a intenção de distinguir o desempenho das empresas segundo seus processos inovativos e de aprendizados tecnológicos considerados estratégicos em ações e rotinas voltadas para a construção de vantagens competitivas dinâmicas.

A metodologia do trabalho organizado por De Negri e Lemos, do IPEA (2011), compatibiliza diversas pesquisas e informações das empresas nacionais e estrangeiras com 30 ou mais pessoas ocupadas, tendo como fonte de dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) do IBGE, e outras, como da Secex/MDIC e RAIS/MTE. Como a PIA busca informações nas empresas com mais de 30 empregados, necessita-se de compatibilização das informações da Pintec, e as demais informações seguem essa estratificação intrassetorial. A metodologia correlaciona dois ou no máximo três indicadores para classificação de quatro tipos de empresas de forma ex ante (através de testes paramétricos e não paramétricos), como segue:

  1. Empresas Líderes: i) Inovadora de produto novo para o mercado e que exporta com preço prêmio ou, ii) Inovadora de processo novo para o mercado, exportadora e de menor (quartil inferior) relação custo/faturamento no seu setor industrial (Grupo CNAE - 3 dígitos);

  2. Empresas Seguidoras: i) demais exportadoras não líderes ou, ii) empresas que tem produtividade (valor da transformação industrial por trabalhador) igual ou superior às exportadoras não líderes no seu setor industrial (Grupo CNAE - 3 dígitos);

  3. Empresas Emergentes: empresas não classificadas como líderes e seguidoras, logo não exportadoras, mas que investem continuamente em P&D ou inovam produto novo para o mercado mundial ou possuem laboratórios de P&D (departamentos de P&D e que tem mestres/doutores ocupados em P&D); e

  4. Empresas Frágeis: demais firmas.

Uma caracterização das empresas do setor de MF (CNAE fiscal 29.4) com 30 ou mais pessoas ocupadas é mostrado na Tabela 5, que inclui todos os fabricantes de MF de arranque e deformação de metal, para madeira, vidro, pedras etc., MF manuais elétricas e não elétricas, fabricação de freios hidráulicos e peças e acessórios para MF. O problema é que essa definição mais ampla do setor a três dígitos tende a superestimar a quantidade de empresas realmente líderes e seguidoras no setor de MF de arranque e deformação de metal, e assim enviesar indicadores de atividades tecnológicas com a subestimação real da dinâmica tecnológica das empresas líderes. Feitas essas ressalvas, continuamos com a caracterização das empresas.

Tabela 5
Caracterização das empresas do Setor de Máquinas-Ferramenta - 2005* * Refere-se às inovações no período 2001-2003. Para facilitar a exposição trabalha-se com o ano de divulgação da pesquisa PINTEC, o ano de 2005. - empresas com mais de 30 pessoas ocupadas (Em R$ milhões e %)

O número de empresas com 30 ou mais pessoas ocupadas no setor em 2005 era de 181 firmas, as quais ocupavam cerca de 17.000 pessoas. Essas empresas correspondem à maior parte do faturamento do setor e praticamente à totalidade da atividade tecnológica. Conforme a tabela, as nacionais representam cerca de 90% das empresas do setor de MF, empregam 77% do pessoal, pagam 63% dos salários totais, apresentam faturamento de 56% do total e apropriam-se de 74% dos lucros do setor. O faturamento médio das empresas de MF foi da ordem de R$ 16.470 mil, e a média é de 92 empregos por empresa.

Conforme a Tabela, dos 181 fabricantes de MF no Brasil, 26 são empresas líderes, 14,0% do total. Essas empresas são líderes porque trazem produtos novos para o mercado, exportam com preço prêmio, têm maior produtividade, gastam mais em P&D, empregam a maior parte de pessoal ocupado em P&D do setor, pagam salário médio mais elevado e empregam cerca de dois quintos do pessoal ocupado no setor. Foram identificadas quatro empresas estrangeiras entre as líderes que pagam salários médios mais altos que as líderes nacionais, apresentam maior produtividade e ficam com 35% dos lucros do grupo de empresas líderes. Isso pode indicar que, no caso das empresas líderes que buscam diferenciar seus produtos mediante inovação tecnológica, os custos associados à mão-de-obra de alta qualificação são um fator especialmente relevante como fonte de rendimentos crescentes de escala, conforme sugerido por De Negri et al. (2011)DE NEGRI, J. A.; LEMOS, M. B (Org.). O núcleo tecnológico da indústria brasileira. Brasilia: Ipea/Finep/ABDI, 2011..

As empresas seguidoras são 73, 40% do total. As empresas nacionais são maioria entre essas empresas, 77%, apesar de faturarem 52% do total da categoria e pagarem salário médio abaixo da média setorial. Registra-se que 75% das 16 empresas estrangeiras identificadas (12 firmas) encontram-se na categoria de empresas seguidoras, que pagam salários médios e trabalham com produtividade maior que as líderes nacionais, mas ficam com 48% do faturamento e 17% dos lucros do total das empresas seguidoras. A concentração de filiais estrangeiras entre as empresas seguidoras parece indicar que as mesmas utilizam outras práticas inovativas para o desenvolvimento de produto, como o acesso ao conhecimento de suas matrizes.

As outras duas categorias de empresas são as emergentes e as frágeis. As primeiras não são exportadoras, mas investem continuamente em P&D ou possuem departamentos de P&D com mestres/doutores ocupados e/ou inovaram em produto novo para o mercado mundial. No setor encontram-se cinco empresas emergentes, todas nacionais, que gastaram cerca de 4,5% da receita líquida de vendas (RLV) com P&D interno e externo, mais que o dobro do P&D/RLV médio das empresas líderes, de 1,9%. As elevadas barreiras inovativas à entrada no setor justificam o maior esforço inovativo em P&D das empresas emergentes. Essas empresas são fortes candidatas a entrar no seleto grupo de líderes, embora, por algum motivo, ainda paguem baixos salários. As empresas frágeis integram as demais 77 firmas e empregam cerca de um quinto do pessoal do setor, apresentam produtividade menor, pagam baixos salários e mesmo assim auferem lucros elevados.

A Tabela 6 mostra que 99 das 181 empresas do setor, 55%, inovaram em 2005. Como esperado, pela própria metodologia de categorização das empresas, as 26 empresas líderes foram 100% inovadoras, assim como as cinco empresas emergentes. Já entre as 73 empresas identificadas como seguidoras, apenas 39 ou cerca de 53% do total inovaram em 2005, enquanto entre as 77 empresas frágeis, apenas 29 empresas ou 38% realizaram inovações. Essas informações sobre as atividades tecnológicas corroboram a hipótese de que as empresas que inovam mais em produto e processo e investem uma maior porcentagem em P&D/RLV são mais exportadoras, apropriam-se de preço prêmio e têm melhores desempenhos produtivo e competitivo.

Tabela 6
Taxa e tipos de inovação no Setor de Máquinas-Ferramenta, por categoria de empresas - 2005 (nº e % das empresas)

Chama a atenção o fato de que 14% das empresas inovaram em produto novo para o mercado e apenas 3% realizaram inovações de processo novo para o mercado. A totalidade (100%) das empresas líderes, assim como 100% das empresas emergentes, realizaram inovações de produto em 2005. Nota-se que 92% das empresas líderes inovaram ofertando produto novo para o mercado nacional e apenas uma empresa inovou em produto novo para o mercado internacional.

Esse comportamento mostra que as capacidades tecnológicas das empresas líderes estão voltadas para a adaptação de produto visando o mercado interno. Da mesma forma, cerca de 38% (10 das 26) das empresas líderes realizaram inovações de processo em 2005, enquanto cerca de 15% realizaram inovações de processo novo para o mercado.

Segundo informações da Tabela 7, que mostra o esforço inovativo para o empreendimento de inovações, as empresas líderes gastaram em P&D interno mais de 50% dos gastos totais em atividades inovativas e ocupam 82% do pessoal de P&D do setor. As firmas líderes deste segmento investem 1,9% da RLV em P&D interno e externo, número próximo a Itália, França e Espanha, mas distante do nível alemão, de 3,6% (Araújo, 2011ARAÚJO, B. C. Indústria de bens de capital. In: DE NEGRI, J. A.; LEMOS, M. B. O núcleo tecnológico da indústria brasileira. Brasília: Ipea/Finep/ABDI, 2011. v.1, p. 409-514., p. 466). A atividade em P&D é a principal forma de criação e absorção de conhecimentos dos tipos know-why, know-what e know-how, os principais insumos intangíveis para o tratamento e processamento de informações para a capacitação tecnológica e para o empreendimento dos processos inovativos no setor de MF.

Tabela 7
Esforço inovativo para a inovação no Setor de Máquinas-Ferramenta, por categoria de empresas - 2005 (Em R$ milhões e %)

Como já referido, nas décadas de 1980 e 1990, respectivamente, a mudança de paradigma e crise e a reestruturação contribuíram para o aumento do grau de concentração e consolidação tecnológica das empresas líderes do setor. De fato, em 2002 e 2003 a Romi S/A gastou em média cerca de R$ 16,6 milhões em P&D, aproximadamente, 5% de sua Receita Operacional Líquida, o que correspondeu a pouco mais que 50% dos investimentos em P&D do setor. As empresas seguidoras, por outro lado, apresentam um comportamento distinto quanto aos seus esforços tecnológicos para a realização de processos inovativos visando à inovação. Apenas 22, ou 30% das 73 empresas classificadas como seguidoras, realizaram inovações de produto em 2005, enquanto cerca de 33% delas realizaram inovações de processo novo para a empresa. Essas empresas gastaram 1,9% da RLV em atividades inovativas, mas apenas 0,1% em P&D/RLV. 75% das empresas estrangeiras identificadas como seguidoras, (12 no total), realizam outros procedimentos e esforços tecnológicos comparativamente às líderes.

A Tabela 8 mostra informações sobre o volume e a distribuição percentual dos gastos em atividades inovativas no setor de MF, por categoria de empresas. As empresas líderes concentram mais de 50% dos gastos inovativos em P&D interno, enquanto as seguidoras apenas 4,4%. A aquisição de máquinas e equipamentos é a principal atividade inovativa das empresas seguidoras e representou cerca de 78% do total dos gastos em atividades inovativas, possivelmente o motivo que explique a realização de inovações de processo e de produto já analisado.

Tabela 8
Volume e distribuição percentual dos gastos em atividades inovativas no Setor de Máquinas-Ferramenta por categoria de empresas -2005 (Em R$ milhões e %)

Já para as empresas líderes, as aquisições de máquinas e equipamentos corresponderam a apenas 10,2 milhões ou 19% de seus gastos com atividade inovativa em 2005, e que possivelmente implicaram nas inovações de processo novo para o mercado. Estas características parecem indicar que as empresas seguidoras adotam relativamente mais inovações de processo e utilizam-se do conhecimento incorporado para buscar acompanhar as líderes que investem mais em P&D.

Adicionalmente, registra-se também que as empresas líderes e seguidoras distribuíram seus gastos com aquisição de P&D externo, treinamentos e projeto industrial de forma análoga. Com o conhecimento mais codificado em nível setorial, os treinamentos podem visar a novas qualificações dos trabalhadores. Quanto aos gastos com a introdução de inovações (por exemplo, com pesquisa e testes, publicidade, lançamento e comercialização de novo produto, marketing), as empresas líderes destinaram 7,8%, enquanto as seguidoras apenas 0,8%.

As empresas frágeis apresentam restritas atividades tecnológicas formais. As firmas seguidoras e frágeis podem concentrar uma proporção maior de empresas que fabricam MF para deformação de metais, e/ou atuarem em segmentos de mercado em que a revolução tecnológica não provocou uma descontinuidade profunda na característica/uso do artefato. Já entre as empresas emergentes, apenas uma realizou, em 2005, inovações de produto novo para o mercado interno, enquanto outra empresa (ou a mesma) realizou inovação de produto para o mercado externo, o que representou 20% das empresas nos dois casos. Os gastos em atividades dessas empresas também estão concentrados em aquisição de máquinas e equipamentos, cerca de 80% do total, enquanto os gastos em P&D mostram-se em 2005 também elevados, com 17% do total, que representaram 4,5% da RLV da categoria. As empresas emergentes também realizaram gastos em introdução de inovações, 1,2%, como em marketing, etc.

No entanto, não se pode deixar de registrar que, se as compras de novas MFs permitem aos próprios fabricantes de MF um salto tecnológico, o reduzido esforço de P&D das empresas seguidoras, e principalmente das empresas frágeis, e o baixo esforço próprio no sentido de adaptar e aperfeiçoar a tecnologia adquirida - excluindo as empresas estrangeiras seguidoras que buscam conhecimentos de outras empresas do grupo - impliquem para que essas empresas assimilem um conhecimento limitado e parcial de seus próprios processos produtivos, assim como na baixa flexibilidade para adaptação da tecnologia e o desenvolvimento de produto às especificidades locais e às tendências da demanda.

Conclusivamente, as empresas líderes no Brasil realizam inovações visando o mercado interno, pois a maioria dessas firmas inova em produtos para o mercado nacional, enquanto apenas uma líder e outra emergente trouxeram novidades para o mercado internacional. Pode-se inferir que as empresas nacionais e estrangeiras líderes (que produzem MF seriadas e lotes, e do segmento que trabalha sob encomenda, onde a relação produtor-usuário é mais importante) que cooperam e investem em P&D, e as estrangeiras seguidoras que buscam conhecimento das matrizes, sejam as mais agressivas em suas estratégias tecnológicas e as empresas mais competitivas do setor. Algumas empresas estrangeiras são possuidoras de mandato de desenvolvimento tecnológico por parte do grupo ao qual pertencem, sendo responsáveis pelo desenvolvimento e pela modernização de alguns produtos. Tal dinâmica inovativa sinaliza que essas empresas têm capacidades inovativas dinâmicas de desenvolverem processos de aprendizagem tecnológicos constantes e rotineiros (P&D) voltados para as inovações, como a diferenciação de produto e inovações de processos, e buscam trabalhar com economias de escala e escopo e maior eficiência produtiva. Nestes termos, estruturam-se informações e acumulam-se capacidades tecnológicas e produtivas na forma de conhecimento tácito (know-how), enraizado nas pessoas e organização, e também um conhecimento mais complexo e sistêmico (know-why), como patentes, segredos industriais, etc. Tal codificação permite que o conhecimento seja armazenado, apropriado, manipulado, reproduzido, com a possibilidade de ser transmitido e cedido/vendido. Apenas recentemente, as Indústrias Romi S/A adquiriu uma companhia alemã, a Burkhardt + Weber, especializada em sistemas flexíveis de manufatura, estratégia afinada com o desenvolvimento do setor em nível internacional. Tendo acesso a um sistema de inovação mais avançado, essa empresa líder nacional pode a partir da própria interação com os usuários, fornecedores e parceiros dessa empresa na Alemanha, absorver e incorporar novos conhecimentos e tecnologias ao artefato e acelerar seu processo de desenvolvimento tecnológico.

O restante de empresas seguidoras e frágeis do setor de MF apresenta esforços inovativos mais restritos, ligados mais à aquisição de novas MFs. Apesar de essas empresas poderem concentrar uma proporção maior de firmas que fabricam MF para deformação de metais, e/ou em segmentos de mercado em que a revolução tecnológica não provocou uma descontinuidade profunda na característica/uso do artefato, isso não justifica que 80% das empresas do setor realizem atividade de P&D apenas ocasionalmente. Por isso, as seguidoras apresentam características de serem imitativas e as empresas frágeis dependentes. Estes dois “tipos” de empresas sinalizaram em sua maioria as informações dos concorrentes como importantes como fonte de informação para a inovação - com exceção das filiais de empresas estrangeiras “seguidoras”.

No primeiro caso, o das seguidoras “imitadoras”, o processo de inovação vem através da cópia dos produtos e das tecnologias de outras empresas, sem a realização de atividade rotineira de P&D. Com efeito, estas empresas não desenvolvem capacidades e habilidades para acompanhar de perto a dinâmica tecnológica do setor. Já as empresas frágeis “tradicionais” parecem, no limite, não encontrar razão para mudança tecnológica significativa de seus produtos. Sendo assim, essas empresas parecem recorrer mais a processos informais de aprendizagem tecnológica, através do learning-by-doing e learning-by-using que se processa no âmbito da produção, learning-by-interacting decorrente das relações interativas com fornecedores e clientes e learning from inter-industry spillovers, derivado dos esforços de desenvolvimento de produto por imitação, cópia e/ou significativamente de forma incremental. Capacidades de imitar, mesmo quando estão enraizadas, parecem condição insuficiente para o processo de se inserirem na nova economia do conhecimento e do aprendizado. Tais esforços caracterizam a dinâmica inovativa passiva dessas empresas.

5 Considerações finais

O setor de MF no Brasil possui empresas com capacidade de adaptação às inovações internacionais, e nesses processos ocorrem a criação e a assimilação de conhecimento com as atividades de P&D e interações produtor-usuário voltadas para a inovação tecnológica. Um núcleo tecnológico importante constituído de poucas empresas líderes e fabricantes estrangeiros inovadores (líderes e seguidores) têm capacidades inovativas dinâmicas de desenvolverem processos de aprendizagem tecnológicos constantes e rotineiros (P&D) voltados para as inovações, como a diferenciação de produto e inovações de processos, e buscam trabalhar com economias de escala e escopo e maior eficiência produtiva. Em verdade se configuram duas dinâmicas inovativas no setor de MF no Brasil: um grupo de empresas entre as líderes e seguidoras que investem continuamente em P&D complementado através de licenciamento e o desenvolvimento de produto, e, no caso de empresas estrangeiras, a partir do acesso aos conhecimentos de outras empresas do grupo e/ou através das relações estabelecidas entre produtor-usuários, ambos estrangeiros. E outro grupo de empresas de estratégias tecnológicas passivas e majoritariamente imitativas tendo em vista os baixos esforços inovativos formais.

A causa básica desse fenômeno é a heterogeneidade dos esforços inovativos tanto entre os fabricantes de MF quanto entre os usuários e instituições e a fraca interação estrutural entre eles, que tem condicionantes históricos. A trajetória do processo de industrialização por substituição de importações (PISI) brasileiro foi marcada pela ênfase na acumulação de capacidade produtiva, e menor disposição das empresas na acumulação de capacidade inovativa. A proteção da concorrência externa gerou demanda suficiente para o crescimento do setor de máquinas-ferramenta, mas também poucas empresas desenvolveram capacidade inovativa. Os ramos industriais capitaneados pelas empresas estrangeiras após 1956 também contribuíram para configurar tal quadro, pois as mesmas requeriam máquinas-ferramenta de elevado conteúdo tecnológico, que deslocava a procura para o mercado externo. O caráter contraditório do arcabouço regulatório e competitivo do PISI para o setor de bens de capital e a dinâmica institucional das políticas de industrialização brasileira contribuiu para configurar a especialização do setor de MF em produtos com menor conteúdo tecnológico relativamente ao mercado internacional justamente porque desviou demanda para o exterior, fragmentou a demanda e instituiu um regime de livre entrada na indústria com baixa competição, configurando sua heterogeneidade tecnológica e competitiva.

NOTAS

  • 1
    Informações da Romi S/A, importante empresa e líder no segmento na época, também revelam que foram importadas aproximadamente 60 MF usadas norte-americanas em 1946 e 1950 MF inglesas em 1949, mais produtivas e de maior precisão, igualmente importantes para o melhoramento da precisão e qualidade de nova geração de MF desenvolvidas e fabricadas no início da década de 1950. Até este ano a empresa já tinha produzido 8.200 máquinas, incluindo 1.320 unidades exportadas.
  • 2
    De acordo com o sentido dado ao processo de industrialização por essas políticas, ao capital estrangeiro coube predomínio nas indústrias denominadas dinâmicas, tais como, em material de transporte, mecânicos e equipamentos elétricos. Ao lado dos subsídios, o Estado exigiu elevados índices de nacionalização da produção de insumos, peças e componentes das atividades produtivas internalizadas, e realizou investimentos em infraestrutura e na indústria de base de mais longa maturação e de mais lenta rotatividade do capital, que criaram “economias externas” às empresas privadas, como produção e distribuição de energia-elétrica, extração e refino de petróleo, construção de ferrovias e rodovias e produção de aço. Aos investimentos privados estrangeiros e investimentos públicos vieram combinar-se os investimentos privados nacionais nos ramos da indústria tradicional de bens de consumo não durável, alguns ramos da indústria de bens de capital e da indústria metal-mecânica, os quais se expandiram a partir de relações interindustriais aproveitando a demanda derivada da grande empresa oligopolista estrangeira (Tavares, 1986TAVARES, M. C. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 1986.).
  • 3
    Em 1919, segundo estimativas de Bonelli e Façanha (1978)BONELLI, R.; FAÇANHA, L. O. A indústria de bens de capital no Brasil: desenvolvimento, problemas e perspectivas. In: SUZIGAN, W. (Ed.). Indústria: política, instituições e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ipea, 1978. p. 309-372. (Série Monográfica)., 95% da produção da indústria brasileira de bens de capital se concentrava em material de transportes, enquanto em 1939 esse gênero industrial respondia por aproximadamente 60% da produção e 39% do emprego. Neste mesmo ano, o gênero mecânica detinha 21,5% da produção, concentrado no subsetor de fabricação de MF e máquinas agrícolas, que correspondiam, respectivamente, a 6,5% e 6,1% da produção e 13,4% e 13,8% do emprego da indústria de bens de capital no Brasil. A taxa de crescimento real da produção interna dessa indústria entre 1919 a 1939, sob hipótese de que os preços relativos permaneceram constantes, foi de 12,4% (p. 321). Em 1949, a produção nos segmentos de MF e maquinaria agrícola respondiam, respectivamente, por 11,3% e 5,3% do total, enquanto no emprego chegava a 17% e 9,2%. Em 1961 existiam 90 produtores de MF no Brasil, sendo três subsidiárias de empresas estrangeiras, que vieram com a internalização de seus clientes no Brasil, e passaram a produzir MF mais sofisticadas e gradualmente foram nacionalizando parte da produção. Dessas 90 empresas, oito ocupavam mais de 100 pessoas e representava 55,4% do pessoal empregado, sendo que as duas maiores (Romi; Nardini) respondiam em conjunto por 33,4% do pessoal empregado total (Cruz, 1985CRUZ, H. N. Mudança tecnológica no setor metal-mecânico do Brasil: resultados de estudos de caso. Tese (Livre-Docência em Economia)-Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985. Publicação do Instituto de Pesquisa Econômica., p. 7).
  • 4
    Já a amostra das cinco empresas produtoras de MF estudadas por Cruz (1985)CRUZ, H. N. Mudança tecnológica no setor metal-mecânico do Brasil: resultados de estudos de caso. Tese (Livre-Docência em Economia)-Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985. Publicação do Instituto de Pesquisa Econômica., entre as quais destacava as empresas Romi, Nardini e Traub, permitiu afirmar que até o final da década de 1970 o setor cresceu e apresentava maior especialização e capacitação tecnológica. Destaca que “a especialização das firmas entre tipos de produtos foi reforçada com a instalação das firmas multinacionais, que se dirigiam aos segmentos mais sofisticados do mercado, onde concorrem principalmente com a Romi e a Nardini”. (p. 73). Cruz (1985, p. 73-74)CRUZ, H. N. Mudança tecnológica no setor metal-mecânico do Brasil: resultados de estudos de caso. Tese (Livre-Docência em Economia)-Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985. Publicação do Instituto de Pesquisa Econômica. observa, quando da instalação das novas plantas dessas duas empresas, que o setor iniciou com duas firmas relativamente grandes dentro de um ambiente tecnológico pouco desenvolvido, que, na ausência de fornecedores, etc., aumentava o grau de integração vertical. Porém, a organização em multiplantas lhes permitiu a especialização dos processos produtivos e busca de maiores economias de escala. Ademais, Cruz destaca o comportamento tecnológico bastante inovativo e a grande sofisticação tecnológica dessas empresas (Romi, Nardini e Traub). Apesar da aparente contradição entre as constatações de Vidossich e de Cruz, ambos estão corretos, destacando facetas distintas do setor. “Apesar da evolução do setor identificada por Cruz, o hiato ainda era grande entre o nível técnico das máquinas nacionais comparado com o de outras produzidas em países mais desenvolvidos” (Erber; Vermulm, 1993ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144)., p. 172).
  • 5
    Dentre aproximadamente 86 empresas que compunham o setor em 1975, 23 eram de propriedade do capital estrangeiro, sendo 19 alemãs, 4 italianas, 1 japonesa e 1 norte-americana. Dentre os principais motivos para o interesse das empresas estrangeiras em instalar filiais e/ou associadas no Brasil, destacam-se: i) possibilidades oferecidas pelo mercado brasileiro e dos outros países da ALALC; ii) estabilidade política; iii) salários menores; iv) necessidades de expansão das empresas estrangeiras; e v) incentivos governamentais (Magalhães, 1976, p. 17 apudTauile, 1985TAUILE, J. R. A difusão de máquinas-ferramentas com controle numérico no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 681-704, dez. 1985., p. 686).
  • 6
    Algumas empresas nacionais com maior capacitação tecnológica entraram na produção de MF com controle numérico na década de 1970. A primeira foi produzida pelas Indústrias Romi S.A em 1972, adaptada de uma máquina convencional. Segundo Laplane e Ferreira (1985, p. 116)LAPLANE, M. F.; FERREIRA, C. K. L. A indústria brasileira de bens de capital. Versão final do relatório setorial do convênio Unicamp-IE. Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e Agroindustrial, 1985. em 1979 “três empresas nacionais (Romi, Nardini e Italbrás) e quatro estrangeiras (Wotan, Index, Heller e Traub) produziam MFCN”. Utilizando dados da Sobracon, Laplane (1990 apudErber; Vermulm, 1993ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144)., p. 176) afirma que até 1979 foram produzidas 110 MFCN e importadas outras 274. Estes dados são basicamente iguais aos apresentados por Tauile (1985)TAUILE, J. R. A difusão de máquinas-ferramentas com controle numérico no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 681-704, dez. 1985.: em 1980 o estoque de MF com controle numérico da indústria de transformação brasileira, especialmente no setor de bens de capital, era de 550 máquinas, das quais aproximadamente 23% eram produzidas no Brasil.
  • 7
    As possibilidades das firmas de produzir e eventualmente introduzir melhorias em produtos dizia respeito a uma geração tecnológica dada, “mas esses recursos podem não ser suficientes para viabilizar o desenvolvimento de novas gerações de produtos, sem recorrer novamente à transferência de tecnologia do exterior. Uma situação semelhante acontece em outros segmentos protegidos pela Reserva de Mercado instituído pela Política Nacional de Informática, como no caso da indústria brasileira de computadores” (Laplane; Ferreira, 1985LAPLANE, M. F.; FERREIRA, C. K. L. A indústria brasileira de bens de capital. Versão final do relatório setorial do convênio Unicamp-IE. Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e Agroindustrial, 1985., p. 135).
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    “Parece existir consenso a respeito de que o mercado atual não comporta quatro empresas fabricantes (Romi, Diatur, Digicon e Maxitec + 2 em 1983: MCS Engenharia e Zselicks). O futuro das empresas dependerá, fundamentalmente, de que, no contexto de uma eventual retomada do crescimento, o mercado se expanda rapidamente. O incremento das vendas dependerá, também, de que as empresas fabricantes possam reduzir preços dos seus produtos. Existe nesse caso, um efeito perverso entre o tamanho do mercado e os preços, já que as empresas brasileiras trabalham com escalas reduzidas de produção. O resultado é que o preço dos produtos é superior ao internacional. O sistema Sinumerik-3 da Siemens, que tinha em 1982, um preço Fob de US$ 5.000, é vendido por US$ 15.000 pela Maxitec. Uma estratégia das empresas para ocupar a capacidade ociosa e aumentar as receitas tem sido a de diversificar suas linhas de fabricação, produzindo outros equipamentos de automação como controladores lógicos programáveis (CLP)”. (Laplane; Ferreira, 1985LAPLANE, M. F.; FERREIRA, C. K. L. A indústria brasileira de bens de capital. Versão final do relatório setorial do convênio Unicamp-IE. Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e Agroindustrial, 1985., p. 121). A Romi foi a única empresa fabricante de MF com projeto aprovado para a fabricação de CNC, a partir de tecnologia adquirida da empresa norte-americana Allen Bradley para fabricação do sistema Mach-3 para tornos, fresadoras e para uso geral de até 8 eixos. O licenciamento previa a capacitação progressiva nas áreas de controle de qualidade, software para CN e, finalmente, hardware eletrônico. (p. 120). Já as empresas estrangeiras desenvolveram tais tecnologias a partir do acesso aos conhecimentos de suas matrizes, e focaram na produção de centros de usinagem e máquinas especiais.
  • 9
    A partir de 1981, a produção de MF/CNC superou a importação dessas máquinas. Em 1985 chegou a representar cerca de 80% das unidades (470) vendidas no país. Em 1985, estima-se que no Brasil operavam 1.600 MF/CNC, sendo mais da metade produzidas no País. “A despeito do crescimento do parque instalado de MFCN, a difusão destas é incipiente” (Laplane; Ferreira, 1985LAPLANE, M. F.; FERREIRA, C. K. L. A indústria brasileira de bens de capital. Versão final do relatório setorial do convênio Unicamp-IE. Secretaria da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e Agroindustrial, 1985., p. 116). Apesar de bem modesto e de baixo ritmo, o padrão de difusão de MFCN/CNC apresentou movimento análogo àquele verificado nas economias avançadas. Devido ao custo mais elevado, sua utilização restringiu-se inicialmente às empresas de grande porte, e, no Brasil, majoritariamente nas empresas estrangeiras, que em 1982 respondiam por 65% das máquinas instaladas, já que possuíam livre acesso aos conhecimentos e tecnologia das matrizes. Com a retomada do crescimento econômico entre 1984-1988 a partir do drive exportador e o aparente sucesso do Cruzado, a procura de MF se recuperou, como também a expansão da produção de MF/CNC, que entre 1984 e 1987 foi de 565% (Erber; Vermulm, 1993ERBER, F. S.; VERMULM, R. Ajuste estrutural e estratégias empresariais. Rio de Janeiro: Ipea, 1993. (Série Ipea, n. 144)., p. 184).
  • 10
    As “transformaciones de proceso tendieron a ser introducidas de forma más radical en las líderes del sector, muchas de las cuales cuentan con certificados ISO de la serie 9000. Entre las líderes, las subsidiarias están conectadas a sus matrices por vía electrónica, inclusive para el desarrollo de proyectos de máquinas, mientras que la firma líder nacional, la cual produce máquinas seriadas, concentra su producción en un número menor de líneas, logrando economizar recursos, fabricando sus máquinas en escala internacional” (Chudnovsky; Erber, 1999CHUDNOVSKY, D.; ERBER, F. E. El impacto del Mercosur sobre la dinámica del sector de máquinas-herramienta. In: TACCONE, J. J.; GARAY, L. J. (Ed.). Impacto sectorial de la integración en el Mercosur. Buenos Aires: BID/Intal, 1999, p. 573-667., p. 599). A empresa líder nacional, Romi, faturou por ano entre 1995 e 1997, em média, cerca de 1.300 tornos CNC, o que já representava mais que o dobro da escala mínima internacional. Entre 1990 a 1994 registra-se a tendência de ampliação da participação das MF/CNC produzidas pelo setor de MF, de 10% para 24% do total de máquinas produzidas, enquanto em valor de produção passaram de 45% para 54%. A Nardini, empresa fundada em 1908, hoje parte do grupo DebMaq do Brasil LTDA, que disputava a liderança na produção de tornos convencionais e a CNC com a Romi, entrou em dificuldades por um conjunto de motivos. As exportações da Nardini tinham sido muito afetadas pela crise e retração do mercado mexicano no início dos anos 1980. A Empresa também demorou para entrar no paradigma eletrônico. Problemas no mercado interno até 1997 haviam agravado sua situação, enquanto suas exportações foram direcionadas para os EUA, e entre 1995 e 1996, cerca de metade delas eram de MF/CNC.
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    Quanto à diminuição dos preços, se utilizarmos os índices de preços de máquinas e equipamentos IPA-OG (oferta global) e IPA-DI (disponibilidade interna) tendo como deflatores a série de preços do grupo de bens do qual são classificados, o IPA-DI bens de produção, nota-se a tendência de queda quase contínua dos preços relativos dos bens de capital do início da década de 1990 até 2003. Com a abertura econômica, o aumento das importações e queda dos investimentos, houve leve queda de preços até 1994. Com o aumento dos investimentos em 1995 e 1996, os preços relativos das máquinas e equipamentos sobem, e posteriormente apresentam significativa diminuição até 2003. Entre 1995 e 2003, enquanto o IPA-DI bens de produção aumenta 272,1%, o IPA-DI e IPA-OG máquinas e equipamentos subiram, respectivamente, 202,8% e 174,1%. O declínio de preços resulta aparentemente de três fenômenos combinados: o baixo crescimento da demanda interna (tendo como causa a evolução macroeconômica turbulenta, a diminuição das tarifas sobre produtos finais e componentes), pressão competitiva das importações e os esforços de reorganização da produção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2016
  • Aceito
    04 Nov 2016
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