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Abba Lerner à sombra e à luz de John Maynard Keynes: convergência e divergência em teoria e política econômica

Abba Lerner in the shadow and in the light of John Maynard Keynes: convergence and divergence in theory and economic policy

Resumo

O texto pretende apresentar brevemente os conteúdos da obra de Abba P. Lerner, com foco em sua abordagem para o problema do desemprego involuntário e em suas propostas para a geração do pleno emprego. Tendo em vista seu alegado alinhamento às construções teóricas de John M. Keynes a respeito dos mesmos temas, será feita uma comparação entre os conceitos e propostas apresentados pelos dois autores, aí apontando seus pontos de convergência e de divergência. Verifica-se que os autores compartilhavam uma orientação profundamente reformista em relação às economias capitalistas, cada um a seu modo propondo um padrão - ainda que decisivo, em ambas as abordagens - para a ação do Estado. A despeito desse aspecto comum, verifica-se que uma série de conteúdos teóricos da obra de Lerner o distanciaram sobremaneira de elementos fundamentais da visão original de Keynes.

Palavras-chave:
Demanda efetiva; Incerteza fundamental; Finança funcional; Moeda; Pleno emprego

Abstract

This text aims to briefly present the contents of Abba P. Lerner's work focusing on his approach to the involuntary unemployment issue, as well as on his proposals to attain full employment. Given his alleged alignment to John M. Keynes's theoretical framework on the same matters, a comparison between those two authors will be made in terms of concepts and proposals , thus presenting the convergence and divergence of the points made by both authors. It appears that the authors shared a deeply reformist orientation towards capitalist economies, with each proposing his own pattern - although crucially, regarding both approaches - for state policies. Despite this common feature, it seems to be clear that a series of theoretical content in Lerner's work caused him to distance himself from fundamental components of Keynes's original approach.

Keywords:
Effective demand; Fundamental uncertainty; Functional finance; Money; Full employment

Introdução

Abba P. Lerner, embora tenha publicado trabalhos em outras áreas de pesquisa em Economia, desde cedo se preocupou com o problema do desemprego involuntário e com o impacto que as ideias de John M. Keynes tiveram quanto ao entendimento e equacionamento do mesmo. Apesar de, por vezes, identificar a si mesmo como adepto das construções teóricas do autor britânico, Lerner teria demonstrado grande capacidade de apresentar novos conceitos e propostas de políticas econômicas, eventualmente em descompasso com sua alegada matriz teórica. Não por acaso, haveria pouco consenso quanto à efetiva filiação teórica de sua vasta e variada obra.

Para poder apreciar, ainda que de modo sucinto, os conteúdos teóricos e prescrições de políticas apresentados por Lerner em face daqueles antes introduzidos por Keynes, o presente texto foi estruturado em quatro itens, além desta breve introdução. No primeiro dos itens, é mostrado o impacto que a magnum opus de Keynes teria tido sobre Lerner, levando-o a se assumir como adepto das ideias do primeiro, embora apresentasse uma interpretação já bastante particular daquele autor, especialmente no tocante às prescrições de gestão macroeconômica. No item seguinte são comentados alguns dos aspectos mais originais de sua produção, sobretudo com respeito à natureza da moeda e suas implicações para a margem de manobra da política econômica de âmbito nacional - sempre tendo como paralelo os conceitos respectivos em Keynes e o foco na geração do pleno emprego. Num terceiro item, a comparação entre os conteúdos das contribuições de ambos os autores se torna mais explícita, tanto por conta dos aspectos ali discutidos (a economia aberta; a estabilidade de preços) quanto por conta das análises de outros autores que, em períodos mais recentes, se dedicaram ao estudo de Lerner e de Keynes. Segue-se uma breve conclusão.

1 Keynes e Lerner: investimentos, finança funcional e pleno emprego

O grave ambiente de crise e guerra das décadas de 1930 e 1940 certamente contribuiu para que as mesmas se mostrassem singularmente frutíferas no tocante às discussões sobre a geração e a manutenção do pleno emprego; de fato, autores como John M. Keynes e Abba P. Lerner, além de terem se debruçado sobre o tema, eventualmente o fizeram de modo convergente - embora nem sempre baseados em conceitos equivalentes, conforme se pretende mostrar. Embora o trabalho de Keynes seja amplamente reconhecido como o efetivo ponto de partida daquilo que posteriormente seria denominado "Macroeconomia" - desde a publicação de sua conhecida magnum opus, The General Theory of Employment, Interest and Money (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991.; doravante referida como "GT") -, Lerner, por seu turno, se encontraria em situação de muito menor destaque, ora tendo seu nome associado a pontuais contribuições teóricas, ora sendo preterido, especialmente quanto à análise do conjunto de sua variada produção. A breve visita à sua obra a ser aqui realizada talvez ajude a compreender alguns aspectos que contribuíram para esse resultado1 (1) Embora seja possível identificar diferentes áreas da Teoria Econômica para as quais Lerner apresentou contribuições, o escopo do presente texto leva à necessidade de privilegiar a análise daquelas relacionadas ao problema do desemprego involuntário e à obtenção e manutenção do pleno emprego. .

Keynes (1936)KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991. buscou retratar as economias capitalistas2 (2) Dada a imposição de brevidade (por conta do espaço disponível para esta exposição), segue-se uma descrição (bastante) sucinta do modelo teórico que perpassa a GT; comentários adicionais (porém igualmente breves) serão apresentados na sequência, oportunamente. como intrinsecamente instáveis quanto ao nível observado de renda e emprego, uma vez que ambos seriam determinados (num modelo simplificado de economia fechada e sem governo) pelo volume esperado de gastos da comunidade - tanto em consumo (cujo comportamento seria, para dado estado de preferências e de distribuição da renda, induzido pelo nível de renda corrente) quanto em investimento; essa proposição corresponderia ao princípio da demanda efetiva3 (3) Em formulação mais explícita (ainda que posterior à GT): "I say that effective demand is made up of two items - investment-expenditure and consumption-expenditure. (...) The theory can be summed up by saying that given the psychology of the public, the level of output and employment as a whole depends on the amount of investment" (Keynes, 1937a, p. 219 e 221). . Esta última categoria de gastos, porém, ocorreria como parte de um processo de escolha de alocação de poder de compra entre diferentes ativos, dado o objetivo de majoração de riqueza - avaliada em termos monetários - dos agentes. Na verdade, Keynes propõe que é exatamente por conta da existência da moeda que os gastos poderiam apresentar um caráter efetivamente autônomo - e, portanto, de indeterminação a priori. Em um conhecido artigo (Keynes, 1937aKEYNES, J. M. The general theory of employment. The Quarterly Journal of Economics, v. 51, n. 2, p. 209-223. 1937a), o autor sustenta que, dentre as funções básicas usualmente atribuídas à moeda - meio de troca, unidade de conta e reserva de valor - o aspecto mais relevante para a geração de renda diz respeito ao fato de que a moeda viabiliza a preservação do poder aquisitivo dos agentes no tempo. A moeda, entendida como forma abstrata de riqueza, implica a não necessidade de se exercer o poder de compra; ao contrário, dado o objetivo essencial de aumentar o valor monetário da riqueza dos agentes, as decisões de gasto devem passar pelo crivo da escolha entre as diferentes opções de valorização da riqueza, dentre as quais figura a simples retenção de um ativo amplamente aceito (portador de liquidez - máxima, no caso da moeda) e que transporte ao longo do tempo o poder de compra.

Tendo como essencial o objetivo da ampliação do estoque de riqueza, mensurada na sua forma mais abstrata (monetária), não haverá necessariamente a sistemática aquisição de formas específicas de riqueza apenas reprodutível (tal como, necessariamente, no escambo ou, alternativamente, em uma economia cooperativa, onde o objetivo da acumulação de riqueza per se não é o que move os agentes), fato que conduziria o agregado econômico ao pleno emprego de recursos. A este respeito, cabe aqui anotar a referência feita pelo autor a Marx, no que tange à distinção entre uma economia de trocas sem o propósito da acumulação e o capitalismo:

The distinction between a co-operative economy and an entrepreneur economy bears some relation to a pregnant observation made by Karl Marx (...). He pointed out that the nature of production in the actual world is not, as economists often seem to suppose, a case of C-M-C', i.e., of exchanging commodity (or effort) for money in order to obtain another commodity (or effort). That may be the standpoint of the private consumer. But it is not the attitude of business, which is a case of M-C-M', i.e., of parting with money for commodity (or effort) in order to obtain more money (Keynes, 1979KEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1979. v. XXIX., p. 81, grifos adicionados).

Em termos também simplificados (no âmbito da GT), a escolha alocativa dar-se-ia com respeito a três categorias de ativos: moeda, títulos ou bens de capital; a moeda, estéril4 (4) A moeda é dita "estéril" no sentido de não prover, àquele que a retém, qualquer retorno mensurável em unidades monetárias quando de sua retenção; evidentemente, isso não equivale a dizer que seu uso (isto é, a sua não retenção) não possa prover ao seu proprietário retorno positivo derivado de sua posse (ainda que apenas num futuro incerto). De outra parte, a moeda não deixa de oferecer a conveniência da liquidez máxima (acesso imediato a outras formas, específicas, de riqueza) e da reserva de valor (proteção intertemporal do poder de compra do agente, seu possuidor). Adicionalmente, a hipótese da ocorrência de deflação poderia magnificar o poder aquisitivo da unidade monetária; ainda assim, trata-se, obviamente, de mensurar o valor da moeda em função da riqueza em outra forma - mas não em unidades monetárias. , seria o ativo mais líquido e viabilizaria o estoque do poder de compra ao longo do tempo (função de reserva de valor); os títulos proveriam o rendimento associado à taxa monetária de juros; os bens de capital ofereceriam o retorno associado às suas futuras receitas (líquidas), obteníveis ao longo de sua vida útil. Porém, o ambiente permeado pela incerteza fundamental5 (5) O caráter fundamental da incerteza a que o autor se refere está essencialmente ligado ao fato de que não há qualquer possibilidade de construção de uma base sobre a qual probabilidades relativas a eventos futuros relevantes pudessem ser inferidas; logo, toda decisão é tomada em bases precárias quanto ao conhecimento do futuro, que permanece indeterminado. faz com que taxa de juros6 (6) Esta seria, para Keynes, um fenômeno totalmente monetário, ou seja, resultado da relação entre as disponibilidades (oferta) e demanda de liquidez; no entanto, a demanda por liquidez seria explicada por diferentes ordens de fatores (ou motivos), dentre os quais ganha destaque o conhecido motivo especulação, ligado ao uso da função de reserva de valor da moeda para aí alocar poder de compra quando da expectativa de aumentos da própria taxa de juros. Dessa forma, expectativas quanto ao comportamento da taxa de juros poderiam levar àquele mesmo comportamento esperado, especialmente em se tratando do movimento de alta; tal seria o caráter intratável da preferência pela liquidez - e, justamente por conta deste, seria de se esperar grande limitação quanto à política monetária (expansionista) voltada ao objetivo de redução dos juros (Keynes, 1936, p. 170-173). e escala da eficiência marginal do capital (ou seja, a escala da rentabilidade decrescente de uma categoria de bem de capital para diferentes níveis de investimento) sejam formadas com base em expectativas subjetivas / voláteis, donde se depreende que o nível agregado de gastos, dependente da opção autônoma dos possuidores de riqueza pelas inversões produtivas, será também volátil / indeterminado. Dessa forma, o nível de emprego seria aquele pleno / máximo apenas em circunstâncias fortuitas, pouco importando a presença da flexibilidade de salários, tal como preconizada pela ortodoxia de então. A incapacidade dos mercados de garantir per se o pleno emprego - resultando no fenômeno do desemprego involuntário - levaria à necessidade de ação / coordenação por parte do Estado nesse sentido, resguardado o papel central da propriedade privada do capital.

Declaradamente alinhado a Keynes7 (7) "Perhaps I have become a hopeless 'Keynesian'" (Lerner, 1940, p. 591). , Abba Ptachya Lerner8 (8) Nascido no Império Russo, Lerner emigrou com sua família para o Reino Unido, aonde obteve sua formação acadêmica (London School of Economics); posteriormente, tornar-se-ia cidadão estadunidense naturalizado (Samuelson, 1964; Scitovsky, 1984). trouxe a público uma análise da GT ainda no ano de sua publicação (Lerner, 1936LERNER, A. P. (1936). Mr. Keynes' 'General Theory of Employment, Interest and Money'. International Labour Review, v. 34. n. 4, p. 435-454. Reprinted in: International Labour Review, v. 135, n. 3-4, p. 337-346, 1996.), revelando ali uma leitura criteriosa e voltada à valorização do confronto entre Keynes e os clássicos; acima de tudo, seu texto mostra a preocupação com a questão do desemprego involuntário e suas causas, assunto que perpassa toda a GT, bem como com as adequadas prescrições para o seu enfrentamento. Desde logo, Lerner (1936, p. 338-339)LERNER, A. P. (1936). Mr. Keynes' 'General Theory of Employment, Interest and Money'. International Labour Review, v. 34. n. 4, p. 435-454. Reprinted in: International Labour Review, v. 135, n. 3-4, p. 337-346, 1996. mostra compreender claramente que os cortes salariais não poderiam garantir melhoras no ambiente de negócios, fundamentalmente por não garantirem qualquer acréscimo de demanda efetiva, nos mesmos termos de Keynes; essencialmente, tratar-se-ia de levar em conta os efeitos da redução salarial sobre a demanda, o que vai concretamente depender dos efeitos da redução salarial sobre a demanda de moeda, os juros, as expectativas quanto a custos e lucratividade (eficiência marginal do capital)9 (9) Apesar disso, em artigos posteriores, a visão de Lerner acerca do conteúdo central da mensagem de Keynes viria a se mostrar menos claramente ligada a estes fatores, conforme se pretende demonstrar a seguir. . Vale dizer, Lerner compreende exatamente a centralidade dos investimentos enquanto determinantes do nível de renda agregada, como também a determinação "passiva" do montante agregado de poupança, sempre igual em valor aos investimentos (Lerner, 1938LERNER, A. P. Saving equals investment. The Quarterly Journal of Economics, v. 52, n. 2, p. 297-309, 1938.). Porém, o autor parece conferir uma grande importância à taxa de juros vigente, ao dar como estável certa escala de eficiência marginal (rentabilidade esperada) do capital - o que parece um tanto diverso das considerações originais de Keynes, para quem a incerteza se faz sentir tanto na demanda de moeda quanto na lucratividade esperada dos negócios:

It is clear that the amount of investment undertaken by entrepreneurs in any given position, given the marginal efficiency schedule of capital, will be determined by the rate of interest. The crux of the matter lies then in the theory of the determination of the rate of interest. (...) There may be difficulties for institutional or psychological reasons in reducing the rate of interest to sufficiently low a level to bring about that rate of interest which, with the existing propensity to consume, is necessary in order to bring about full employment (Lerner, 1936LERNER, A. P. (1936). Mr. Keynes' 'General Theory of Employment, Interest and Money'. International Labour Review, v. 34. n. 4, p. 435-454. Reprinted in: International Labour Review, v. 135, n. 3-4, p. 337-346, 1996., p. 344 e 345).

Apesar do provável excesso de peso concedido aos juros correntes, não resta dúvida de que Lerner compreendeu adequadamente a mensagem de Keynes no tocante à natureza daqueles: distanciando-se dos clássicos, o autor aponta a taxa de juros como fator de equilíbrio entre oferta e demanda de moeda, em vez de operar como fator de igualdade para poupança e investimentos (sempre iguais ex post, contabilmente). Um possível exagero quanto ao papel da política monetária levaria o autor a propor que a mensagem central da GT consistiria na centralidade dos investimentos e na capacidade do Estado de manipulá-los; porém, nenhuma menção explícita é feita com relação à incerteza fundamental e às possíveis (e eventualmente bruscas) mudanças na escala da eficiência marginal do capital e na preferência pela liquidez:

Our conclusion is that the amount of employment can be governed by policy directed towards affecting the amount of investment. This may be done either by lowering the rate of interest or by direct investment by the authorities. (...) Equilibrium with full employment is then possible only at lower interest rates than are practicable unless either (a) investment is increased by State production of capital goods (...) or (b) the propensity to save is diminished - consumption increased - by State expenditure on social services or by redistribution of income from the rich to the poor (...) (Lerner, 1936LERNER, A. P. (1936). Mr. Keynes' 'General Theory of Employment, Interest and Money'. International Labour Review, v. 34. n. 4, p. 435-454. Reprinted in: International Labour Review, v. 135, n. 3-4, p. 337-346, 1996., p. 345).

Tal descrição das propostas de Keynes parece ser pouco fiel ao seu conteúdo original, tanto por conta da pouca (ou nenhuma) importância conferida à incerteza e ao processo de formação das voláteis expectativas quanto pela prescrição de investimentos capitaneados diretamente pelo Estado e / ou do uso de transferências de renda enquanto formas de aumentar a demanda efetiva. Apesar desse fato, consta que Keynes teria tido acesso a uma versão preliminar do texto e manifestado sua aprovação em relação à maior parte de seus conteúdos10 (10) Tal informação pode ser encontrada no parágrafo de introdução ao artigo (provavelmente adicionado pelo editor da publicação), disponível apenas na versão original do periódico, de 1936. As referências ao artigo usadas no texto, porém, seguem a paginação da reimpressão de 1996. ; de qualquer modo, Lerner seguiu se servindo da obra de Keynes11 (11) Vide as suas referências a Keynes como "gênio" ou como "fronteira do avanço" no conhecimento relativo às questões da determinação do nível de emprego e das políticas para o pleno emprego (Lerner, 1940, p. 574 e 591). Em outros momentos de sua obra, o autor seguiu identificando explicitamente Keynes como seu principal referencial teórico (Lerner, 1943, p. 1963; 1978a). para advogar certas medidas de política econômica que foram adquirindo contornos cada vez mais esquemáticos.

Aquele mesmo tratamento simplificado (e simétrico) das situações de falta (e de excesso) de demanda efetiva e das referentes soluções propostas parece ter atingido o seu ápice em um conhecido artigo do autor, no qual o orçamento público corrente é apresentado como a ferramenta fundamental para a manipulação do gasto agregado (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943.). A ideia da "finança funcional" (functional finance) corresponderia à concepção do orçamento público como algo a ser apreciado unicamente por conta dos seus efeitos econômicos concretos (geração de renda, estabilidade de preços e emprego), sendo o seu saldo de menor (ou, antes, nenhuma) importância: os gastos do governo e sua arrecadação tributária, a expansão ou diminuição de suas dívidas, como também a expansão ou contração da oferta de moeda deveriam ser observados apenas do ponto de vista dos seus efeitos gerados no tocante ao controle do desemprego e das pressões inflacionárias (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943., p. 39).

Dentro desta perspectiva operacional, a primeira das funções do orçamento do Estado seria manter o nível agregado de gastos em patamar suficiente para absorver toda a produção factível (i.e., a oferta de pleno emprego) aos preços correntes, já que um menor patamar de gastos traria desemprego e um nível superior geraria inflação. Caso fosse necessário aumentar o volume de gastos, as ferramentas macro a empregar seriam os gastos do próprio governo ou a redução de impostos para estimular os gastos privados (via aumento da sua renda disponível); na situação inversa, a redução do nível de demanda efetiva poderia ser obtida com redução de gastos e / ou aumento de impostos, sendo os saldos orçamentários de pouca relevância:

An interesting, and to many a shocking, corollary is that taxing is never to be undertaken merely because the government needs to make money payments. According to the principles of Functional Finance, taxation must be judged only by its effects. Its main effects are two: the taxpayer has less money left to spend and the government has more money. The second effect can be brought about so much more easily by printing the money that only the first effect is significant. Taxation should therefore be imposed only when it is desirable that the taxpayers shall have less money to spend, for example, when they would otherwise spend enough to bring about inflation (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943., p. 40).

Impostos, venda de ativos públicos, dívidas ou emissão: os meios deveriam ser julgados apenas pelo critério da geração dos efeitos sobre o nível (desejado) de demanda efetiva, sendo a sua composição irrelevante; na verdade, Lerner tem em mente um uso bastante específico para os impostos - aquele de restringir o poder de compra privado - logo, em seus termos, os impostos não deveriam jamais ser usados apenas com a finalidade de angariar recursos ao Estado. Keynes (1980)KEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980a. v. XXV., por seu turno, mostrara sérias reservas quanto ao uso sistemático do déficit orçamentário (corrente), tanto pelo receio da impossibilidade de absorção de títulos de dívida pública em contextos recessivos (por conta da queda nas receitas e nos excedentes, direcionáveis para este tipo de aplicação) quanto pelo desperdício de recursos passíveis de emprego produtivo (ao menos durante o lapso de tempo entre sua identificação e a respectiva ação corretiva da política macroeconômica)12 (12) Em uma série de correspondências escritas ao longo de 1943, Keynes (1980, p. 316-353) apresenta seus receios quanto a formas de combate ao desemprego involuntário com foco no curto prazo, particularmente no tocante à manipulação da propensão a consumir. A proposta que se delineia a partir das considerações do autor britânico seria mais afeita à gestão dos fluxos de investimento, tendo em vista o propósito da manutenção do pleno emprego como estratégia de longo prazo (por oposição ao enfrentamento pontual dos episódios de queda da demanda efetiva); neste nível de renda agregada, tanto a arrecadação fiscal quanto a poupança privada seriam compatíveis com a emissão de títulos de dívida pública - os quais seriam absorvidos pelo setor privado como meio de poupança e paulatinamente amortizados pelo setor público. . Conforme se verá a seguir, Lerner não compartilhava desta reserva quanto ao uso de dívida - o mesmo valendo para a emissão de moeda.

A segunda das funções das finanças públicas diria respeito à questão de quando optar pelo caminho de contrair nova dívida junto ao setor privado e, neste aspecto, o critério de decisão refere-se aos efeitos esperados sobre a taxa de juros, fato que parece ligado à perspectiva de uma específica (e única) escala de eficiência marginal do capital13 (13) Abordar como dada a escala de eficiência marginal do capital (i.e., a rentabilidade do capital associada a cada volume de investimento de certo tipo) poderia corresponder a um mero exercício de exposição didática; no entanto, Lerner - apesar da leitura da GT - em nenhum momento faz menção à volatilidade das expectativas quanto à rentabilidade dos ativos instrumentais, aspecto caro à construção conceitual de Keynes (1936). . O governo deveria optar pela via da dívida apenas caso desejasse obter como resultado uma redução da oferta de moeda e aumento nas taxas de juros14 (14) Poder-se-ia argumentar, certamente, que a construção teórica de Lerner (1943) tem raízes no momento histórico peculiar de forte expansão das dívidas de muitos dos governos nacionais envolvidos no conflito armado de então. No entanto, e conforme se pretende mostrar a seguir, o autor jamais abdicou dos conceitos expostos nessa ocasião histórica particular em seus escritos posteriores (especialmente em: Lerner, 1951; 1961). que, uma vez elevadas, tratariam de inibir gastos excessivos em investimento que poderiam gerar inflação; de modo simétrico, o governo também poderia aumentar o volume de empréstimos (diretamente ou por meio da sua política relativa aos bancos) ou pagar dívida com emissão de moeda, caso desejasse obter maior oferta de moeda e juros mais baixos e maior nível de investimentos e emprego. Nestes aspectos, a visão de Lerner corresponderia a uma abordagem bastante mecanicista de certos conceitos apresentados por Keynes.

2 Moeda, impostos e orçamento público

As considerações do autor a respeito das condições sob as quais se processaria a emissão de moeda merecem maior destaque, já que se encontram alicerçadas sobre a obra de Knapp (1905)KNAPP, G. F. (1905). Staatliche Theorie des Geldes. Leipzig: Duncker & Humblot. English translation: The state theory of money. London: Macmillan & Company Limited, 1924.. De acordo com esta visão, "moeda" corresponderia ao que é oferecido e aceito em pagamentos; em princípio, qualquer objeto, mesmo que imaterial, poderia se enquadrar nesta definição, já que o que está no centro da questão é a aceitabilidade do que se constitui como base de um padrão monetário qualquer. E é justamente neste aspecto que as finanças do Estado são introduzidas, i.e., como fundamento de última instância da aceitabilidade social da moeda: dado que o governo tenha condições de impor o pagamento de obrigações (impostos) na forma da lei, ele também se encontra em condições de definir o meio de pagamento no qual aquelas obrigações podem ser quitadas:

The modern state can make anything it chooses generally acceptable as money and thus establish its value quite apart from any connection, even of the most formal kind, with gold or with backing of any kind. (...) if the state is willing to accept the proposed money in payment of taxes and other obligations to itself the trick is done (Lerner, 1947LERNER, A. P. Money as a creature of the State. The American Economic Review, v. 37, n. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association, 1947, p. 312-317., p. 313, grifos adicionados)

Dessa forma, ao definir a moeda que ele mesmo emite como o único meio pelo qual os impostos podem ser pagos, o Estado faria com que os agentes econômicos passassem a aceitá-la também, em face da obrigação fiscal a ser cumprida, em algum momento; mesmo no caso daqueles agentes isentos destas obrigações esta aceitabilidade ainda seria observada, já que guardariam relações econômicas com aqueles sujeitos à contingência de pagar impostos na moeda do Estado. Portanto, seria possível afirmar que, na atualidade, a moeda de qualquer país seria tax driven money (moeda guiada por impostos) ou, por outra, moeda de Estado.

Cabe aqui anotar que Keynes teria, a respeito da natureza da moeda moderna, um ponto vista talvez alinhado com o de Knapp / Lerner. Na verdade, embora não tenha sido pioneiro a tratar da teoria da moeda do Estado, em seu Treatise on Money (Keynes, 1930KEYNES, J. M. A treatise on money. London: Macmillan, 1930. v. I., p. 11-22) o autor apresenta uma série de evidências históricas a sugerir que, efetivamente, o Estado precedeu a generalização das trocas quando do estabelecimento de uma moeda oficial. No entanto, é possível observar importantes mediações teóricas entre a state theory of money no seu enunciado mais simples e as observações de Keynes. Para este, ainda que a generalização das trocas tenha sido precedida pela criação de moedas por Estados, desde há vários séculos, foi o crescimento do volume de intercâmbio de mercadorias que tornou urgente a adoção de um padrão de medida geral de valor (money-of-account, nos seus termos) e do meio portador da substância dessa mesma medida (a moeda).

Keynes encontra o nexo entre estas duas distintas considerações ao analisar a complexidade do processo de estabelecimento da moeda como instituição social, unânime; o ambiente no qual tal unanimidade não foi ainda atingida corresponderia a um cenário de forte instabilidade, especialmente por conta da necessidade de denominar os termos de liquidação de contratos, cuja natureza envolve prazos diferidos. É importante notar que, com a disseminação de trocas que fazem uso de contratos, passa a residir no Estado a figura de garantidor do cumprimento daqueles (enforcement), inclusive no que tange à normatização dos termos em que estes mesmos contratos são celebrados. Como parte desse mesmo processo de construção de uma ordem jurídica aplicada às transações, advém a determinação do uso da moeda emitida pelo Estado como forma de liquidar os contratos. Adicionalmente, Keynes salienta as imensas dificuldades para o estabelecimento de um padrão monetário, especialmente no que tange à substituição de um padrão por outro (Keynes, 1930KEYNES, J. M. A treatise on money. London: Macmillan, 1930. v. I., p. 5): dado que os contratos são denominados em moeda corrente, a substituição de um numerário oficial por outro tem que ser tutelada / coordenada pelo Estado, uma vez que a falência de um padrão monetário significa, ao menos potencialmente, o completo caos para as relações contratuais anteriormente estabelecidas. Dessa forma, Keynes não aposta na capacidade de organização espontânea - ou na simples imposição da obrigação tributária - como condição suficiente para o estabelecimento pleno da moeda: a força da lei se faz necessária, sempre que houver a necessidade de transição entre padrões - e, parece claro, para o estabelecimento de um padrão qualquer, mesmo que sem um antecessor semelhante.

O ponto central de sua visão se liga ao fato de que, sob a incerteza fundamental, os agentes vão buscar refúgio em ativos que possam desempenhar a função de reserva de valor, de modo que suas decisões possam ser convenientemente postergadas; eis aí o papel reservado, par excellence, à moeda. O papel que assume o Estado quanto à emissão do ativo particular é crucial, pois é o seu sistema de leis (e de punições respectivas) que vai garantir que os demais ativos (como, por exemplo, títulos de dívida) operem efetivamente dentro de normas e, portanto, passem a ser confiáveis e universalmente aceitos em transações - vale dizer, líquidos. Por outro lado, a garantia de liquidação dos contratos (e, em especial, dos pagamentos diferidos no tempo) não pode ser efetiva se não houver uma caixa de compensação capaz de operar com continuidade, a despeito das condições observáveis entre os agentes privados em dado momento; dito de outro modo, trata-se da necessidade da presença de um garantidor das condições de funcionamento do sistema financeiro. Torna-se claro o papel a ser aí desempenhado pelo Estado, através da figura do bancar central; ele é, portanto, protagonista da confiança social na moeda e no sistema financeiro nela baseado.

Assim, o surgimento da moeda poderia ser espontâneo, mas a sua existência continuada, bem como o funcionamento regular de um sistema financeiro baseado naquela, dependeria da tutela do Estado - sob pena de afetar a liquidez que os agentes esperam obter tanto da moeda em si quanto dos ativos considerados líquidos; poder-se-ia concluir que a despeito da possibilidade de se criar moeda como instituição social sem o Estado, este acaba por se tornar indispensável à mesma. Nota-se, portanto, um ponto de (pelo menos, potencial) convergência entre a visão de Lerner (1947)LERNER, A. P. Money as a creature of the State. The American Economic Review, v. 37, n. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association, 1947, p. 312-317. quanto à natureza da moeda e a abordagem de Keynes (1930)KEYNES, J. M. A treatise on money. London: Macmillan, 1930. v. I. - ainda que este último conferisse à moeda (no âmbito da GT) um papel certamente distinto quanto à definição do nível de atividade econômica, por conta da incerteza fundamental.

De outra parte, para Keynes (1936)KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., a taxa de juros15 (15) "Thus the rate of interest at any time, being the reward for parting with liquidity, is a measure of the unwillingness of those who possess money to part with their liquid control over it. (...) It is the 'price' which equilibrates the desire to hold wealth in the form of cash with the available quantity of cash (...). " it is convenient to mean by the rate of interest the complex of the various rates of interest current for different periods of time, i.e. for debts of different maturities" (Keynes, 1936, p. 167; Ibidem, nota). O que importa, para Keynes, é demonstrar a centralidade da preferência pela liquidez para a determinação da taxa juros - determinação que á parte integrante do processo de tomada de decisão de alocação do poder de compra em contexto de incerteza fundamental: "There is, however, a necessary condition failing which the existence of a liquidity-preference for money as a means of holding wealth could not exist. This necessary condition is the existence of uncertainty as to the future of the rate of interest (...)" (Keynes, 1936, p. 168, Itálico no original). é um fenômeno puramente monetário, vale dizer, é formada pela interação entre a disponibilidade de moeda e a preferência pela liquidez; porém, esta última é objeto de expectativas tão voláteis e subjetivas quanto (ou mesmo mais que) aquelas concernentes à escala da rentabilidade esperada para os investimentos16 (16) Conforme sugerido antes, a função de reserva de valor desempenhada pela moeda (ativo de liquidez máxima) permite que ela seja usada convenientemente durante o processo (permeado pela incerteza) de escolha de composição da carteira de ativos que possa oferecer maior rentabilidade ao seu possuidor; daí que a taxa de juros seja entendida como prêmio pela liquidez. Keynes é cético quanto ao sucesso que se pode obter na manipulação da taxa de juros a partir de modificação na oferta de moeda - e tem o mesmo ceticismo em relação à manipulação da taxa de juros como meio de estimular o investimento: "For whilst an increase in the quantity of money may be expected, cet. par., to reduce the rate of interest, this will not happen if the liquidity preferences of the public are increasing more than the quantity of money; and whilst a decline in the rate of interest may be expected, cet. par., to increase the volume of investment, this will not happen if the schedule of the marginal efficiency of capital is falling more rapidly than the rate of interest (...)" (Keynes, 1936, p. 173). . Dessa forma, o poder do Estado quanto à emissão de moeda não poderia assegurar resultados quanto à definição da taxa de juros ou dos gastos privados em novos investimentos, tornando a política monetária uma ferramenta cujo manejo poderia conduzir a desfechos pouco passíveis de previsão - uma descrição que certamente não corresponde à abordagem mecanicista / esquemática de Lerner.

Na abordagem deste autor, observa-se que o Estado se encontra em posição de monopolista absoluto no que toca à emissão da moeda na qual podem ser quitadas obrigações fiscais, liquidados contratos, feitas as operações bancárias e mantida a reserva de valor da riqueza privada; não por outro motivo, suas decisões de emitir moeda seriam plenamente soberanas. Justamente por conta desta posição, o governo não deveria se abster de suas responsabilidades no tocante à gestão no nível agregado de gastos.

A emissão de moeda (para financiar o déficit público e / ou para reduzir os juros) não poderia causar inflação se feita quando a economia opera abaixo do pleno emprego, dada a existência de recursos produtivos ociosos; por outro lado, tomar empréstimos junto aos bancos privados (no caso do déficit público viabilizado por dívida) de tal modo que eles possam expandir, no mesmo volume dos empréstimos tomados pelo governo, sua oferta total de crédito geraria o mesmo efeito final (evitando, portanto, o efeito de crowding-out via política monetária expansionista / acomodatícia). Destaca-se aí o comportamento previsível e simétrico da taxa de juros e dos investimentos, em franca oposição à construção teórica da GT.

Um maior distanciamento em relação a Keynes deveria ser observado, porém, no tocante ao equilíbrio orçamentário de longo prazo, uma vez que, sendo os saldos orçamentários de curto prazo irrelevantes na abordagem de Lerner, não haveria porque atribuir valor diferenciado aos resultados obtidos pelas contas públicas em prazos mais dilatados - a obtenção do pleno emprego como resultado final seguiria sendo o único aspecto relevante17 (17) Lerner (1944, p. 319-320) afirma, porém, haver um método para manter a demanda efetiva sempre em nível compatível com o pleno emprego e, ao mesmo tempo, manter o orçamento público em equilíbrio: o uso dos impostos e transferências para redistribuir a renda em favor dos mais pobres, cuja propensão marginal a consumir é mais elevada. No entanto, afirma também o autor, este método seria ainda mais impopular que aquele de desconsiderar os saldos orçamentários do governo, já que a oposição dos homens de negócios seria, presumivelmente, mais direta no tocante a esta opção. . Desse modo, não haveria como nem porque propor algum método ou fórmula para manter as contas públicas em equilíbrio, dado o objetivo central da manutenção do pleno emprego e da estabilidade de preços:

A formula (...) was developed (...) in terms of a series of cyclical, capital and other special budgets which had to be balanced not annually but over longer periods. (...) it fails because there is no reason for supposing that the spending and taxation policy which maintains full employment and prevents inflation must necessarily balance the budget over a decade any more than during a year or the end of each fortnight (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943., p. 42).

Um dos resultados possíveis do uso continuado das finanças funcionais, respeitado o critério de se usar a emissão de moeda apenas quando conveniente do ponto de vista da manipulação dos juros, seria o aumento do estoque de dívida pública. Apesar desta potencial tendência, outro efeito, de sentido contrário, seria também muito provável: o compromisso contínuo com o combate ao desemprego e à inflação tenderia a gerar um ambiente de negócios estável e francamente favorável a um alto nível de investimentos privados, tornando a ação do governo para elevar a demanda efetiva menos necessária, ao longo do tempo. Evidentemente, o aumento da renda levaria ao aumento da base tributável e da arrecadação de impostos, mantidas constantes as suas alíquotas.

Mesmo que crescente, o estoque de dívida não representaria, porém, qualquer tipo de problema ou ameaça, tanto porque uma eventual recusa por parte do setor privado a aceitar mais títulos públicos poderia ser enfrentada com o provimento de recursos orçamentários via emissão de moeda, quanto pelo fato de que os estoques de dívida pública constituem, ao mesmo tempo, estoques de riqueza privada. Ainda que os gastos públicos lastreados em orçamento deficitário e dívida não gerassem arrecadação posterior em valor equivalente por conta dos juros, cabe anotar que estes constituem uma simples transferência de recursos entre agentes econômicos que integram o mesmo agregado - e ainda que estes fossem realmente "perdidos" pela sociedade como um todo, restaria ainda o benefício, provavelmente superior à teórica perda, de se evitar o desemprego. Logo, as dívidas contraídas pelo Estado - bem como o pagamento dos juros respectivos - corresponderiam a uma transferência de renda interna à sociedade, ao agregado da economia nacional, da mesma forma que qualquer outro tipo de dívida, entre quaisquer outros agentes:

The question is traditionally posed in terms of the burden of a public project financed by privately held internal debt; but the proposition is quite independent of whether the project is public or private as well as of whether the debt is private or public. The proposition holds as long as the project is financed internally, so that there are no outsiders to take over the current burden by providing the resources and to hand back the burden in the future by asking for the return of the resources18 (18) Este aspecto será objeto de tratamento mais detalhado no item terceiro deste texto. (Lerner, 1961LERNER, A. P. The burden of debt. The Review of Economics and Statistics, v. 43, n. 2, p. 139-141, 1961., p. 140, grifos adicionados)

Como se pode notar, a exceção a esta concepção de desimportância do estoque de dívida surge no caso do endividamento do governo junto a estrangeiros, os quais, além de constituírem um "vazamento" às transferências entre os setores público e privado nacionais, são detentores de direitos a receber denominados em moeda que o Estado nacional não pode emitir (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943., p. 43; 1944LERNER, A. P. (1944). The Economics of Control. New York: The Macmillan Company. Reprinted by Augustus M. Kelley Publishers, 1970., p. 305). Na verdade, os maiores volumes de riqueza financeira acumulados pelo setor privado nacional eventualmente trariam consigo o efeito positivo de aumentar a propensão a consumir da sociedade, dadas as suas menores preocupações com provisão de recursos para o futuro (efeito riqueza). Assim, os temores relativos a uma possível tendência a "empobrecer as gerações futuras" por conta do endividamento público usado para manter o pleno emprego no presente seriam injustificados, tanto pelos seus efeitos positivos imediatos (sobre o nível de demanda efetiva), quanto pelo estímulo prospectivo aos gastos em consumo e pela constatação lógica de que nunca se "toma emprestado do futuro", mas apenas de outros agentes, do presente, em se tratando de um sistema fechado (Lerner, 1961LERNER, A. P. The burden of debt. The Review of Economics and Statistics, v. 43, n. 2, p. 139-141, 1961., p. 140).

Outra observação ainda poderia ser feita com respeito aos estoques crescentes de dívida pública e riqueza privada: estes seriam manipuláveis por meio da ação de impostos específicos, sem risco de comprometer a dinâmica dos investimentos privados. De fato, os acréscimos aos estoques de riqueza privada aumentariam a base contributiva desta natureza, ou seja, a propriedade de ativos financeiros, donde a possibilidade de se gerar mais arrecadação sobre altas rendas (dada uma estrutura de impostos progressivos) e heranças; restaria ainda a proposta de confisco de porções da riqueza financeira:

(...) if for any reason the government does not wish to see private property grow too much (whether in the form of government bonds or otherwise) it can check this by taxing the rich instead of borrowing from them, in its program of financing government spending to maintain full employment. (...) By this means the debt can be reduced to any desired level and kept there (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943., p. 49)

Desse modo, Lerner parece não ignorar que haja significativos efeitos redistributivos da renda nacional por conta da finança funcional e do acúmulo de dívida pública nas mãos de agentes econômicos do setor privado (Lerner, 1944LERNER, A. P. (1944). The Economics of Control. New York: The Macmillan Company. Reprinted by Augustus M. Kelley Publishers, 1970., p. 307); mesmo assim, os instrumentos à disposição do Estado lhe permitiriam equacionar os potenciais problemas daí decorrentes.

Para Keynes, as limitações quanto à efetividade da política monetária levam a política fiscal ao papel de protagonista quanto à estabilização do nível de demanda efetiva em patamar compatível com o pleno uso dos recursos disponíveis. O britânico aponta para o potencial de geração de renda a partir dos gastos públicos em investimentos quando o gasto privado não atinge patamares socialmente desejáveis; cabe ressaltar, porém, que Keynes (1936)KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991. foi pouco específico em relação aos meios financeiros e políticos que permitiriam esse tipo de intervenção por parte do Estado; suas breves notas a este respeito (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 378) levam a entender que o manuseio das finanças públicas deveria obedecer a critérios distintos daqueles válidos para as finanças privadas, sendo a mobilização daquelas conveniente para gerar demanda efetiva. No âmbito da GT, uma das passagens mais explícitas quanto ao uso da política fiscal provavelmente corresponde àquela nota de rodapé onde o autor parece querer separar os tipos de gasto do governo em categorias distintas:

It is often convenient to use the term 'loan expenditure' to include both public investment financed by borrowing from individuals and also any other current public expenditure which is so financed. Strictly speaking, the latter should be reckoned as negative saving, but official action of this kind is not influenced by the same sort of psychological motives as those which govern private saving. Thus 'loan expenditure' is a convenient expression for the net borrowings of public authorities on all accounts, whether on capital account or to meet a budgetary deficit. The one form of loan expenditure operates by increasing investment and the other by increasing the propensity to consume (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 128-129 - nota, grifos adicionados).

Keynes aqui diferencia as despesas com investimentos capitaneados pelo Estado das demais despesas efetuadas pelo mesmo - bem como as partes do orçamento público destinadas a cada fim. No contexto em que a nota foi redigida, o autor discute justamente o uso dos gastos públicos viabilizados por empréstimos, procurando estabelecer que, embora o desemprego involuntário possa ser eficazmente combatido com despesas públicas de qualquer natureza, elas possuiriam diferentes graus de "conveniência social". Sob seu ponto de vista, as despesas do Estado com, por exemplo, o auxílio a desempregados, seriam "totalmente wasteful", ao passo que os gastos públicos em investimentos poderiam ser apenas "parcialmente wasteful"19 (19) A respeito dessa citação, cabe apontar a preocupação do autor com o dilema relativo ao pleno emprego: nesta circunstância, seria impossível aumentar simultaneamente investimento e consumo; logo, a opção por priorizar os gastos com novas inversões tinha por base o propósito de aumentar prospectivamente a renda da comunidade em ritmo mais acelerado que na hipótese de destinar mais recursos ao consumo - embora, segundo o autor, as sociedades devessem escolher qual o ritmo de crescimento (e grau de sacrifício do consumo) lhes seria mais conveniente (Keynes, 1936, p. 376-377). , já que se prestam a uso futuro, ainda que desprovidos da mesma "conveniência" econômica pela ótica individual, privada ou, como Keynes a denomina, a ótica dos "financistas prudentes" (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 129-131).

De acordo com o que descreve o autor20 (20) Em documento original de 1943 (comentário a respeito da visão do Tesouro sobre a manutenção do emprego): Keynes, 1980b p. 320-325. , dada a natureza instável das expectativas associadas à lucratividade monetária do investimento privado e, portanto, do nível agregado de gasto e de emprego daí derivado, caberia a entes públicos (não privados) - portanto, não guiados, ao menos exclusivamente, pelo objetivo pecuniário ou por necessidades de cunho individual - levar a cabo gastos que se prestassem ao papel de manter a renda macro em nível socialmente conveniente. É manifesta a sua opção pelo uso dos investimentos desencadeados a partir do Estado (diretamente, ou através de entidades semiautônomas / semipúblicas) como forma de calibrar o nível total de gastos, numa operação anticíclica. Logo, despesas em consumo estimuladas pelo Estado também seriam geradoras de renda, mas, conforme indicado, Keynes parecia preocupado em dar uso mais produtivo aos gastos públicos e recursos materiais disponíveis, tendo em vista o porvir.

De outra parte, Keynes demonstraria jamais perder de vista a preocupação com as finanças do governo, não obstante a receita de gastos anticíclicos - em investimentos. Justamente por este motivo fora apresentada sua proposta de implantar dois orçamentos separados para o Estado, conforme brevemente sugerido ainda na GT (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 128, nota); em marcante analogia com os orçamentos de uma empresa privada (que também tem gastos correntes e despesas de maior envergadura, com ativos instrumentais), Keynes propõe que, no longo prazo, ambos mostrariam tendência ao equilíbrio, desde que mantida a estratégia - também de longo prazo - de preservar o pleno emprego como situação macroeconômica basal. No que tange ao curto prazo, o balanço de despesas e arrecadações correntes (orçamento corrente) deveria ser formatado para gerar superávits (novamente, dado o contexto de pleno emprego); estes superávits seriam "transferidos" ao orçamento de longo prazo (orçamento de capital), com a função de apoiar os gastos em investimentos, seja reduzindo a dívida acumulada com investimentos anteriores, seja permitindo novos investimentos - daí que Keynes classifique estas dívidas como "produtivas" (Keynes, 1980bKEYNES, J. M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980b. v. XXVII., p. 278). O objetivo seria usar o orçamento de capital tendo como meta uma taxa de desemprego entre 3% e 5% (o prático pleno emprego), situação na qual seria possível manter o estoque de dívida pública em declínio, como percentual da renda nacional - até mesmo por conta da tendência a gerar crescimento econômico continuado. Seriam, portanto, "improdutivas" as dívidas geradas no âmbito do orçamento comum: mesmo com o objetivo perene de manutenção do pleno emprego, os eventuais déficits de curto prazo nada seriam senão o resultado de falhas de previsão; o nível de arrecadação cairia acompanhando o declinante nível de renda (e gasto privado) - ceteris paribus, haveria necessariamente um déficit corrente, mesmo que excluindo eventuais despesas adicionais que se apresentem em contextos de crise. O déficit corrente seria, portanto, um "expediente desesperado" para se combater a falta de demanda efetiva, algo a ser utilizado em última instância (Keynes, 1980bKEYNES, J. M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980b. v. XXVII., p. 354 e 356). Nada mais distante dos princípios básicos da functional finance, portanto.

Lerner (1944, p. 317)LERNER, A. P. (1944). The Economics of Control. New York: The Macmillan Company. Reprinted by Augustus M. Kelley Publishers, 1970. afirma, de modo muito próximo às considerações de Keynes relativas ao caráter complementar do investimento público, que o Estado deveria assumir o papel de manutenção do nível de ótimo social para o agregado dos gastos, evidentemente tendo em vista a situação do pleno emprego; no entanto, considera desimportantes os saldos orçamentários do governo. De fato, Kregel (1985, p. 32KREGEL, J. Budget deficits, stabilization policy and liquidity preference: Keynes's post-war policy proposals. In: VICARELLI, F. Keynes's relevance today. London: MacMillan, 1985.; 1995, p. 261, 267 e 271)KREGEL, J. The viability of economic policy and the priorities of economic policy. Journal of Post Keynesian Economics, v. 17, n. 2, p. 261-277, 1995. procura explicitar ao máximo o quanto as propostas de Lerner se distanciam daquilo que Keynes efetivamente propôs como política para a obtenção do pleno emprego, justamente por conta de seu excessivo "mecanicismo". Em linha de argumentação semelhante, Seccareccia (1995, p. 44)SECCARECCIA, M. Keynesianism and public investment: a Left-Keynesian perspective on the role of government expenditures and debt. Studies in Political Economy, v. 46, Spring, p. 43-78, 1995. também procura tratar Lerner como uma interpretação empobrecida / mecanicista de Keynes.

É curioso notar que Keynes (1980b, p. 326)KEYNES, J. M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980b. v. XXVII. comenta ter lido o artigo de Lerner sobre a finança funcional (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943.) e manifesta aprovação ao fato de que os déficits públicos, se geradores de pleno emprego, podem não conduzir a uma situação de insustentabilidade da dívida pública - até porque, afirma Keynes, Lerner parece supor que a deficiência de demanda efetiva tenda a se apresentar cronicamente, quando, de fato, ela tende a ser intermitente - tornando a necessidade de gastos públicos compensatórios menor do que entenderia aquele autor. Colander (1984, p. 1574)COLANDER, D. Was Keynes a Keynesian or a Lernerian? Journal of Economic Literature, v. 22, n. 4, p. 1572-1575, 1984 chama atenção para o fato de que Keynes teria aprovado o aspecto lógico subjacente à operação da finança funcional; e vai além, ao propor que:

Lerner was the perfect prophet of Keynes. Lerner had a simplicity of exposition and a wonderfully simplistic view of policy. For him, if it made sense in theory, it made sense in practice. Keynes was far more of a realist. His views on theory and practice were connected through his deep understanding of the political process, a burden under which Lerner did not labor (Colander, 1984COLANDER, D. Was Keynes a Keynesian or a Lernerian? Journal of Economic Literature, v. 22, n. 4, p. 1572-1575, 1984, p. 1573).

Scitovsky, por seu turno, parece advogar a mesma ideia:

In the area of macroeconomics, Lerner provided the logical framework (functional finance) for Keynes's policy recommendations (...) (Scitovsky, 1984SCITOVSKY, T. Lerner's contribution to economics. Journal of Economic Literature, v. 22, n.4, p. 1547-1571, 1984., p. 1547).

Porém, à luz das observações anteriores, parece pouco razoável supor que Lerner teria sido o grande responsável por tornar a teoria de Keynes mais inteligível e aplicável. Embora Keynes reconhecesse que, do ponto de vista puramente lógico, a mecânica de curto prazo da finança funcional fizesse sentido, certas objeções - teóricas e práticas - à sua mecânica seriam incontornáveis. Na abordagem do autor britânico, o uso das emissões de moeda como forma de financiar gastos públicos deficitários em contextos de crise profunda poderia levar a abalos na confiança quanto à capacidade do Estado de preservar o valor da sua moeda, fato que poderia, por sua vez, limitar o escopo da liberdade orçamentária em certos contextos21 (21) Pode-se discutir o quanto haveria de fundamentação racional nos receios relacionados ao comportamento da dívida pública; no entanto, Keynes entende que as expectativas (quanto aos juros e à rentabilidade do capital), por serem formadas em contexto de incerteza, são carentes de objetividade (Keynes, 1937a, p. 217). Ademais, políticas conduzidas pelo Estado com o objetivo de aumentar o nível de renda e emprego poderiam encontrar fortes obstáculos por conta do abalo na "confiança" do ambiente de negócios, sendo esta tributária de uma "psicologia confusa"; o método de financiamento da iniciativa governamental teria efeitos potenciais sobre preços e taxa de juros (Keynes, 1936: 119-120). Por esse motivo, a proposta apresentada pelo autor britânico seria compatível com a estabilidade da dívida pública - em princípio, um elemento favorável à estabilidade também das expectativas. ; o mesmo se aplica, por outro lado, à capacidade do governo de emitir dívida junto ao setor privado - as conjunturas recessivas corresponderiam a situações de queda da poupança e, por consequência, da capacidade de absorção de novos títulos públicos pelos agentes privados22 (22) Keynes (1937b), ao expor as diferenças entre finance e funding, mostra que, do ponto de vista agregado, a emissão de dívida (no caso, para investimento) se faz equacionar pela expansão do nível de renda e, portanto, da poupança - dado que o mecanismo do multiplicador tenha encontrado tempo suficiente para entrar em operação. Ora, é fácil perceber que a mesma lógica se aplica ao gasto público viabilizado por emissão de títulos; de fato, Keynes (1982, p. 525) mostra receio quanto à possibilidade de absorção de títulos de dívida pública antes que os efeitos dos gastos relacionados a emissão anterior de dívida pudessem tomar lugar, expandindo a poupança. . Por não contemplar mais detalhadamente os aspectos relativos à incerteza, à formação de expectativas e ao modus operandi da acumulação privada de riqueza nas suas diferentes formas, Lerner não se mostrou capaz de abordar aquelas possíveis circunstâncias.

Os critérios quanto à escolha dos estímulos ao consumo e ao investimento, bem como os instrumentos a serem usados com este propósito, constituem outro ponto de choque entre as visões de Lerner e Keynes. Este autor (Keynes, 1980bKEYNES, J. M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980b. v. XXVII., p. 319) entende que manipulações da propensão do público a consumir via alterações de impostos apresentariam dificuldades imensas, tanto do ponto de vista da sua efetividade (hábitos de consumo estáveis) quanto pela sua extrema impopularidade (quando da elevação / restauração de alíquotas de impostos); os investimentos, porém, seriam mais manobráveis, especialmente quando levados a cabo pelo setor público. Dessa forma, além de não tratar os gastos em consumo ou investimento como equivalentes razoáveis enquanto geradores de demanda efetiva, Keynes se distancia de Lerner ao questionar o quanto o consumo seria efetivamente instrumentalizável, em comparação com os investimentos - desde logo, preferíveis. Mais que isso, Keynes parece querer diferenciar políticas "ofensivas" (antecipação das quedas no nível de demanda efetiva e administração dos gastos totais em investimento) e "defensivas" (gastos deficitários para combater uma queda já verificada), optando pelas primeiras.

3 Economia aberta e inflação: aprofundando o dissenso.

De acordo com o que foi exposto, Lerner reconhece que os princípios de operação da finança funcional não se mostram adequados no caso do endividamento externo, o qual corresponderia efetivamente a empobrecimento da nação endividada em moeda estrangeira. De modo francamente análogo a Keynes (1980a, p. 269-282)KEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980a. v. XXV., o autor (Lerner, 1944LERNER, A. P. (1944). The Economics of Control. New York: The Macmillan Company. Reprinted by Augustus M. Kelley Publishers, 1970., p. 382-386) sustenta que o objetivo perene do pleno emprego somente poderá se mostrar viável, à escala internacional, se todos os países (ou, ao menos, um número suficientemente grande deles) o perseguirem concomitantemente, de tal modo que não se observe como restrição o fato de a economia nacional estar aberta aos fluxos mundiais de comércio. Para isso, a escolha do adequado regime cambial se mostra crucial: embora seja tecnicamente possível usar desvalorizações cambiais de modo a reduzir importações e expandir exportações - o que também poderia ser obtido via reduções salariais e de custos, somadas a elevações nos impostos sobre importados ou imposição de quotas de importação - tal expediente se mostraria limitado quanto ao seu escopo, dada a evidente falácia de composição; daí a prescrição da adoção do câmbio flutuante e da prática do livre-comércio (Lerner, 1951LERNER, A. P. (1951). Economics of employment. New York: McGraw-Hill. Traducción española: Economía del pleno empleo. Madrid: Aguilar, 1957., p. 304-305) como modo de implantar, internamente, a finança funcional e, externamente, não enfrentar impedimentos ao seu pleno funcionamento: as taxas cambiais cuidariam de calibrar o poder de compra internacional de cada país de acordo com seu saldo comercial, não restando motivos para impor restrições à ampla liberdade comercial. De modo mais abrangente, Lerner recomendaria a adoção de uma série de procedimentos para que o pleno emprego pudesse ser obtido em meio a um ambiente de efetivo multilateralismo econômico: (i) implantação universal da finança funcional; (ii) livre-comércio ou, no mínimo, prática do comércio internacional com tarifas fixas; (iii) fim do lastro metálico como base do padrão monetário internacional, então vigente (essencialmente por conta do câmbio fixo a ele associado); (iv) ação do Fundo Monetário Internacional como coordenador mundial das taxas de câmbio, sendo cada país um quotista do FMI na sua própria moeda. A ação do FMI dar-se-ia de modo a tentar manter, tanto quanto possível, a estabilidade das taxas de câmbio, comprando ou vendendo, a partir das suas reservas, a(s) moeda(s) que apresentasse(m) variações cambiais relevantes; eventualmente, sua atuação operaria no sentido de oficializar uma mudança na taxa de câmbio de um país que não consegue, de outro modo, manter a estabilidade nas suas contas externas - porém, todo este mecanismo deveria ser colocado em ação de modo sigiloso, de tal forma que as especulações a seu respeito pudessem ser evitadas. Dessa forma, regulamentações dos fluxos financeiros e comerciais seriam substituídas pela ação estabilizadora do FMI, pela busca combinada do pleno emprego e pela flexibilidade cambial - tendo como resultado significativa estabilidade cambial, que, uma vez efetivamente atingida, poderia até mesmo criar condições para adoção de uma moeda fiduciária internacional (Lerner, 1951LERNER, A. P. Money as a creature of the State. The American Economic Review, v. 37, n. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association, 1947, p. 312-317., p. 310-316).

Embora a posição de Lerner quanto à necessidade de um caráter internacional para as políticas em prol do pleno emprego estivesse alinhada à visão de Keynes23 (23) A conhecida proposta de Keynes para a organização de um sistema monetário internacional no último pós-guerra envolvia a adoção de uma moeda internacional fiduciária, gerida a partir de uma caixa de compensação internacional que congregaria os bancos centrais nacionais, que definiram valores estáveis para suas moedas em relação à moeda internacional (provisoriamente denominada "bancor"). Uma organização francamente inspirada nos moldes de um sistema bancário de âmbito nacional permitiria, no plano mundial, a criação e a destruição de liquidez conforme as necessidades internacionais de cada momento, ao passo que também seria possível conceder grande margem de manobra para ajustes nas contas externas de países deficitários. A principal novidade seria a criação de regras de ajuste também para os países superavitários, de tal modo que se preservasse, prospectivamente, uma situação de equilíbrio nas contas externas de todos os países-membro do sistema proposto (Keynes, 1980a, p. 168-195). , os caminhos propostos para efetivar tal empreitada se mostraram francamente distintos. De fato, pode-se constatar que, mais uma vez, Lerner se distancia das propostas do autor britânico, para quem a adoção de uma moeda internacional plenamente fiduciária seria ponto de partida para adoção de políticas nacionais de busca do pleno emprego, e não o seu resultado final - ao mesmo tempo em que a regulamentação dos fluxos de capitais constituiria pré-requisito para evitar que as moedas dos países se convertessem em ativos passíveis de especulação, comprometendo o saldo das contas externas e, portanto, a autonomia da gestão macro do país. Ainda com esse foco, Keynes se mostra favorável à estabilidade das taxas de câmbio24 (24) A estabilidade não deveria, porém, ser confundida com rigidez, uma vez que o câmbio deveria ser ajustável em função do objetivo maior do pleno emprego; conclui-se que as autoridades manteriam, no mínimo, algum controle sobre a taxa de câmbio - e sobre os fluxos de capitais. , uma vez que a moeda estrangeira poderia se comportar como mais um ativo com preço sujeito a constante reavaliação25 (25) Não por outro motivo, Keynes se mostra partidário dos instrumentos de controle de capitais, procurando deixar claro que o trânsito de recursos financeiros entre os países deveria ser regulado de modo a coibir apenas aqueles cujo propósito não fosse o de criar mais recursos produtivos (Keynes, 1980a: 186). ; além disso, fica claro que a estabilidade das taxas de câmbio evitaria práticas de desvalorizações competitivas que, conforme antes indicado, não podem ter sucesso no agregado. A ideia da International Clearing Union como arranjo monetário internacional seria a combinação dos dois propósitos básicos aqui defendidos: a relativa estabilidade (com possibilidade de ajustes) das taxas de câmbio e o equacionamento das restrições externas às políticas de pleno emprego, no plano doméstico (Keynes, 1980aKEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980a. v. XXV., p. 168-176 e 185-187).

Ao propor que o FMI fosse o provedor de liquidez em qualquer moeda nacional eventualmente muito escassa, Lerner sugeria que nenhum país precisaria recear déficits comerciais externos, em vista do fato de que poderia usar o recurso de desvalorização cambial compensatória automática ou tutelada pelo Fundo, cuja ação seria imensamente facilitada pelo fato de todas as moedas nacionais serem fiduciárias e dotadas de mesmo status26 (26) Mas sem atribuir a nenhuma moeda o caráter de moeda-chave; as reservas do FMI seriam compostas pelas mais diversas moedas nacionais, portanto. ; como fator de complemento a esta estratégia multilateral, o FMI poderia implantar a determinação de que o país cuja moeda se encontra escassa (devido aos seus superávits de balanço de pagamentos) seja compelido a reduzir suas tarifas de comércio externo junto aos demais países-membro do Fundo27 (27) Muito embora esta sugestão de Lerner esteja muito próxima da "cláusula da moeda escassa" que efetivamente viria a integrar os estatutos do FMI, a diferença fundamental quanto ao funcionamento factual da instituição diria respeito à pluralidade das moedas nacionais que comporiam as suas reservas, a partir das quotas que Estados membros adquiririam apenas com suas próprias moedas. Adicionalmente, haveria a prescrição extra de penalizar os superavitários com novos parâmetros comerciais. O distanciamento em relação à proposta de Keynes aqui parece, mais uma vez, relacionado ao fato de que Lerner não parte da moeda única para apresentar soluções. . Tal como a finança funcional em plano nacional, esta seria uma regra de operação de escala internacional, válida de modo simétrico a todas as nações - seria o multilateralismo como via de acesso ao pleno emprego no âmbito doméstico, tendo como resultado um maior nível de crescimento em termos mundiais.

Ainda que vencida a restrição externa, permaneceriam certos problemas relativos à implantação concreta da finança funcional dentro de cada país; Lerner (1951, p. 331-333)LERNER, A. P. (1951). Economics of employment. New York: McGraw-Hill. Traducción española: Economía del pleno empleo. Madrid: Aguilar, 1957. procura apontá-los de modo exaustivo, ainda que sugira serem todos passíveis de solução, ou, no mínimo, menos inconvenientes que o desemprego. Haveria, assim, os interesses contrários à finança funcional desde um ponto de vista particularista ou setorial, como no caso dos bancos e dos "capitães de indústria" (no setor produtivo privado); suas objeções seriam relativas às perdas ocasionadas pelos juros reduzidos via emissão de moeda (no caso dos bancos) e à perda do poder de controle capitalista sobre a determinação do nível de atividade econômica28 (28) Nesse aspecto, não há paralelo com a obra de Keynes, mas há notável proximidade com o famoso artigo de Kalecki (1943), no qual são apresentadas restrições de cunho político (e de classe social) à manutenção do pleno emprego. . Conquanto os bancos pudessem ser compensados por um maior volume de negócios (resultante do pleno emprego), pouco restaria como consolo ao privilégio perdido pelos referidos "capitães", senão o mesmo aumento no volume e na estabilidade dos negócios, de modo continuado. Por fim, colocar-se-ia a questão de como garantir que as negociações salariais, no contexto do pleno emprego, não conduzam a uma espiral inflacionária de conflito distributivo (dada a previsível remarcação de preços resultante de aumentos salariais), uma vez que já não houvesse desemprego relevante como "estabilizador do nível geral dos salários" (Lerner, 1951LERNER, A. P. (1951). Economics of employment. New York: McGraw-Hill. Traducción española: Economía del pleno empleo. Madrid: Aguilar, 1957., p. 331).

Na verdade, tal preocupação já se encontra presente desde a publicação de um de seus mais conhecidos artigos:

Less well worked out is a technique of dealing with the other responsibility of the creator of money - the responsibility for maintaining its value. The key points here are not in the direct supply of money, or even in the regulation of the level of spending. The key points are in the determination of wage rates and in the determination of rates of markup of selling prices over costs. (...) Higher wages relatively to prices are necessary for long-run prosperity but raising wages will do no good because they will only lead to higher prices and inflation. The dilemma can be resolved only by the government going to work on both money wage determination and on markup rates (Lerner, 1947LERNER, A. P. Money as a creature of the State. The American Economic Review, v. 37, n. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association, 1947, p. 312-317., p. 315 e 316).

A sugestão da necessidade da adoção do que atualmente se denominaria "política de rendas" seria algo recorrente ao longo das elaborações teóricas de Lerner, até o final de sua vida. Embora o autor, em princípio, abordasse os problemas relativos ao descontrole dos preços como resultado de um excesso de demanda (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943.), ele não tardaria a reconhecer que o conflito distributivo da espiral inflacionária de preços e salários, conquanto possa ter sido iniciado por um evento pontual qualquer (aí incluído o próprio excesso de demanda), tende a se manter por conta das pressões cruzadas de reajustes, as quais podem se perpetuar mesmo na ausência do foco original do fenômeno inflacionário. Logo, seria absolutamente irrelevante determinar qual a origem primeira de um surto inflacionário qualquer (Lerner, 1958LERNER, A. P. (1958). Inflationary depression and the regulation of administered prices. In: THE RELATIONSHIP of prices to economic stability and growth. Compendium of Papers Submitted by Panelists Appearing Before the Economic Committee, 85th Congress, 2nd Session . Washington: U. S. Government Printing Office. Reprinted in: MUELLER, M. G. (Ed.). Readings in macroeconomics. 2nd ed. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., 1971., p. 363), já que, uma vez em curso, no contexto do pleno emprego especialmente, ele somente poderia ser contido via pesados custos sociais:

The [orthodox] argument is that in prosperity the bargaining power of workers is too great. The employers do not resist the workers' pressure for higher wages because they do not want to lose their high profits in labor disputes and can easily pass the higher wages on in higher prices. The workers, disappointed to find their wage rise lost in higher prices, then press for a further rise, and so the vicious circle of inflation is set on its hectic course. (...) Only a depression can stop the vicious circle (Lerner, 1948LERNER, A. P. Rising prices. The Review of Economics and Statistics, v. 30, n. 1, p. 24-27, 1948., p. 26).

Frente a tal diagnóstico, caberia questionar a respeito da existência de propostas alternativas à terapia recessiva, uma vez colocado o objetivo de pleno emprego como crucial. É extremamente interessante notar que, apesar de sustentar que a alternativa à recessão existe, Lerner insistiria em identificar como problema central a tendência dos salários nominais ao aumento (durante a expansão) e inflexibilidade à queda (na retração) e, a partir daí, a inflexibilidade também dos preços. Não seria necessário abrir mão da livre negociação para o estabelecimento de preços e salários caso estes fossem plenamente flexíveis; de outra parte, o pleno emprego estaria perfeitamente assegurado nesta situação, dados os efeitos esperados sobre a oferta real de moeda, juros e propensão a consumir, no caso de uma "deflação corretiva":

(...) we do not have the degree of price flexibility in the downward direction to make complete laissez faire a satisfactory monetary and fiscal policy. Unemployment (caused by deficient buyer's demand) does not reduce the wage and price level quickly enough to the level needed to restore full employment. (...) To achieve the task unemployment must reduce the wage level and thereby the price level, to the degree necessary to increase expenditure in real terms (as each dollar spent constitutes more real purchasing power) to the volume necessary to give a satisfactory level of employment (Lerner, 1958LERNER, A. P. (1958). Inflationary depression and the regulation of administered prices. In: THE RELATIONSHIP of prices to economic stability and growth. Compendium of Papers Submitted by Panelists Appearing Before the Economic Committee, 85th Congress, 2nd Session . Washington: U. S. Government Printing Office. Reprinted in: MUELLER, M. G. (Ed.). Readings in macroeconomics. 2nd ed. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., 1971., p. 365, grifos adicionados).

Dessa forma, propõe o autor, o cerne do problema de demanda efetiva insuficiente estaria relacionado à lentidão do processo de ajuste de preços e salários ao menor nível de atividade, a qual impediria a operação dos mecanismos de ajuste automáticos de mercado; Lerner sustentaria ainda que essa morosidade do ajuste colocaria em marcha ainda outras forças que operam no sentido recessivo, i.e., a postergação de decisões de gastos em função de menores preços esperados - o que, entende-se, não ocorreria caso os ajustes "para baixo" fossem imediatos e bem circunscritos, no tempo. Logo, este seria o "caso especial" da GT de Keynes, onde apenas a política fiscal pode responder por um aumento no nível de demanda efetiva (Lerner, 1958LERNER, A. P. (1958). Inflationary depression and the regulation of administered prices. In: THE RELATIONSHIP of prices to economic stability and growth. Compendium of Papers Submitted by Panelists Appearing Before the Economic Committee, 85th Congress, 2nd Session . Washington: U. S. Government Printing Office. Reprinted in: MUELLER, M. G. (Ed.). Readings in macroeconomics. 2nd ed. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., 1971., p. 366). Lerner parece aqui referir-se, de alguma forma, ao caso de um aumento persistente na preferência pela liquidez (que ficaria conhecido na literatura econômica como a "armadilha da liquidez"); embora pudesse aqui talvez ser apontada uma raiz proveniente da GT, o autor parece ser bem pouco fiel à abordagem original de Keynes, pelo fato de não explicitar o papel da incerteza, do processo de formação de expectativas e do grau de confiança nas mesmas, bem como dos efeitos decorrentes sobre a demanda de moeda e, por outro lado, sobre a escala da eficiência marginal do capital29 (29) Lerner (1963, p. 233) limitar-se-ia a dizer que os juros podem não cair em face de uma deflação que eleva a oferta real de moeda ou, ainda, mesmo juros em queda podem não resultar em maiores níveis de investimento; ainda assim, encontram-se ausentes de sua análise os conceitos caros - acima indicados - à construção teórica de Keynes. Por outro lado, Lerner também não contempla certos efeitos da queda no nível de salários e preços que constam na GT (capítulo XIX), como é o caso do efeito riqueza perverso representado pelo aumento dos encargos financeiros e da redistribuição de renda em favor do rentier, contraproducente com respeito à propensão marginal a consumir da sociedade. . Esta interpretação de Lerner pode ser reforçada por sua (nova) descrição relativa à Revolução Keynesiana:

The key element in the revolution was the official recognition of a downward rigidity of the money wage. Its significance was obscured at first by Keynes's focusing on the inability of workers to reduce the real wage. The confusion was compounded by Keynes's denial that downward wage flexibility would cure the unemployment and a great debate between neoclassical economists arguing that with sufficient wage flexibility falling prices would cure any unemployment by increasing the real value of claims to wealth, and Keynesians pointing out that Keynes spoke only of degrees of flexibility achievable in the real world, which would be swamped by deflationary dynamic expectations. Both sides were right and both failed to see that the recognition of 'downward rigidity' involved nothing less than the dethronement of the market as the determinant of price (Lerner, 1967LERNER, A. P. Employment theory and employment policy. The American Economic Review, v. 57, n. 2, p. 1-18, 1967. Papers and Proceedings of the Seventy-ninth Annual Meeting of the American Economic Association., p. 1-2, grifos adicionados).

Conclui-se que Lerner, ao menos nesta fase de sua obra, não descarta a visão de Keynes como um autor "imperfeccionista"30 (30) Vale dizer, um adepto da ideia (ortodoxa) segundo a qual a lentidão dos ajustes de preços e salários seriam as responsáveis pela ausência de um mecanismo de ajuste automático de mercado, colocando as economias sempre no rumo do pleno emprego. Lerner e Colander (1982) sustentariam ainda que o problema da lentidão no ajuste de salários e preços teria sido tratado por Keynes apenas no sentido da sua baixa, jamais no tocante à sua elevação: "Keynes did not deal with this problem of rising wages and prices in an expectational inflation. He was naturally preoccupied with the problem of wages and prices not falling fast enough or far enough (...). Our problem is that wages refuse to fall behind. They refuse to fall relatively to the expected (rising) price level" (Lerner; Colander, 1982, p. 42-43). , colocando de lado o foco principal da GT, qual seja, a incerteza e a subjetividade que envolvem as (portanto, instáveis) decisões de gasto (autônomo) gerador de emprego e renda; este aspecto parece reforçar as críticas de Kregel (1995)KREGEL, J. The viability of economic policy and the priorities of economic policy. Journal of Post Keynesian Economics, v. 17, n. 2, p. 261-277, 1995. e Seccareccia (1995)SECCARECCIA, M. Keynesianism and public investment: a Left-Keynesian perspective on the role of government expenditures and debt. Studies in Political Economy, v. 46, Spring, p. 43-78, 1995. à obra de Lerner.

Assim, ainda que já equacionado o problema de demanda efetiva via finança funcional, restaria ainda o problema de como lidar com a inflação, até porque ele poderia se manifestar até mesmo sem ser atingido o pleno emprego:

When we have strong trade unions with the power to raise wages, strong corporations with the power to set prices administratively, and a general atmosphere in which it is considered normal, natural and only fair for wages to be increased regularly, and by amounts greater than the average increase in productivity or in the share of the product that labor can obtain, prices increase, and the economy is subject to seller's inflation31 (31) Scitovsky (1984, p. 1547-1548) apresenta o conceito de "seller's inflation" de Lerner como uma antecipação a elementos posteriormente observados na obra de Milton Friedman. . (...) Seller's inflation is a byproduct of the process; and, together with seller's inflation, we can also have depression - indeed we will have depression with our seller's inflation, just to the degree that the authorities try to cure the inflation by reducing ('excess') demand. (...) In a perfectly competitive economy, we cannot have inflation and depression at the same time (Lerner, 1958LERNER, A. P. (1958). Inflationary depression and the regulation of administered prices. In: THE RELATIONSHIP of prices to economic stability and growth. Compendium of Papers Submitted by Panelists Appearing Before the Economic Committee, 85th Congress, 2nd Session . Washington: U. S. Government Printing Office. Reprinted in: MUELLER, M. G. (Ed.). Readings in macroeconomics. 2nd ed. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., 1971., p. 367, 369 e 368).

Por conta do "duplo monopólio" - relativo ao processo de negociações salariais coletivas e de forte poder sindical, de um lado, e de grandes empresas oligopolistas definidoras de seus preços, do outro - preços e salários mostram-se rígidos e estabelecidos por decisões administrativas que excluem a operação típica do mercado competitivo. Admite-se que este seria eventualmente incapaz de gerar as forças de mercado autocorretivas quanto à manutenção do pleno emprego; porém, mais importante, admite-se que a alternativa ao uso da depressão como forma (ineficaz, aliás) de combater os surtos inflacionários deve passar por este novo canal, o duplo monopólio. Dessa forma, o que estava anteriormente apenas sugerido (na citação de Lerner, 1947LERNER, A. P. Money as a creature of the State. The American Economic Review, v. 37, n. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association, 1947, p. 312-317.), ganharia então o contorno efetivo das políticas de rendas32 (32) Lerner (1958; 1967; 1978b) e Lerner; Colander (1982). . Lerner entende que aumentos salariais superiores aos aumentos na produtividade do trabalho gerariam inflação; dessa forma, boa parte das regras de ajustes permitidos para (preços e) salários adotaria como referência um nível médio deste indicador.

A busca por regras mais adequadas e formas de implantação mais práticas para um sistema de gerenciamento dos reajustes de preços e salários marcaria decisivamente os trabalhos de Lerner, desde o seu formato mais inacabado, onde seriam apenas contempladas regras de reajuste de preços e salários a serem cumpridas via fiscalização (Lerner, 1958LERNER, A. P. (1958). Inflationary depression and the regulation of administered prices. In: THE RELATIONSHIP of prices to economic stability and growth. Compendium of Papers Submitted by Panelists Appearing Before the Economic Committee, 85th Congress, 2nd Session . Washington: U. S. Government Printing Office. Reprinted in: MUELLER, M. G. (Ed.). Readings in macroeconomics. 2nd ed. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., 1971., p. 370-371), até os ousados planos de incentivos de mercado à estabilidade geral de salários / preços (Lerner, 1978bLERNER, A. P. A wage-increase permit plan to stop inflation. Brookings Papers on Economic Activity, n. 2, p. 491-505, 1978b. e Lerner; Colander, 1982LERNER, A. P.; COLANDER, D. Anti-inflation incentives. Kyklos, v. 35, n. 1, p. 39-52, 1982.). Entre estes extremos, haveria a possibilidade da adoção de marcos de referência ("guideposts") para reajustes máximos de salários, a partir dos quais seriam estabelecidos os preços. Uma possível objeção a esta estratégia de regulação seria o seu foco exclusivo nos salários, sendo deixados os preços sem controle específico (Lerner, 1967LERNER, A. P. Employment theory and employment policy. The American Economic Review, v. 57, n. 2, p. 1-18, 1967. Papers and Proceedings of the Seventy-ninth Annual Meeting of the American Economic Association., p. 12); no entanto, não haveria alternativa prática a este modo de proceder:

Alternatively, prices or wages could be stabilized. Prices, however, are much more complicated than wages, and price regulation is more easily evaded by quality changes. The best option seems to be to stabilize wages, which are already largely administered by collective bargaining and other large-scale wage decisions (Lerner, 1978bLERNER, A. P. A wage-increase permit plan to stop inflation. Brookings Papers on Economic Activity, n. 2, p. 491-505, 1978b., p. 493).

A adoção de um plano de estabilização de salários seria, portanto, a rota de escape à espiral inflacionária e às expectativas de mudanças prováveis (fora das regras estabelecidas), tanto nos níveis absolutos de preços e salários quanto no aspecto distributivo (distribuição funcional da renda). Em suas propostas mais elaboradas para o controle de salários, Lerner procura introduzir regras e instrumentos de estabilização que sejam tão determinados pelo mercado quanto possível; a explícita preferência pela regra - por oposição à discrição - teria por base a concepção de que conflitos podem ser evitados caso um plano seja definido de tal modo que diferentes segmentos sociais não se sintam eventualmente prejudicados a priori.

Keynes, por seu turno, jamais fora partidário de tal política de rendas, nem tampouco afirmara que a rigidez salarial seria a razão para a ocorrência ou persistência dos gaps de demanda efetiva. Muito ao contrário, ele se mostrara francamente partidário da rigidez dos salários nominais:

(...) it would be much better that wages should be rigidly fixed and deemed incapable of material changes, than that depressions should be accompanied by a gradual downward tendency of money-wages, a further moderate wage reduction being expected to signalise each increase of, say, 1 per cent in the amount of unemployment. For example, the effect of an expectation that wages are going to sag by, say, 2 per cent in the coming year will be roughly equivalent to the effect of a rise of 2 per cent in the amount of interest payable for the same period. (...) There is, therefore, no ground for the belief that a flexible wage policy is capable of maintaining a state of continuous full employment; - any more than for the belief that an open-market monetary policy is capable, unaided, of achieving this result (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 265 e 267, grifos adicionados).

Vê-se aqui, claramente, que o autor equipara as políticas de redução dos salários nominais às de expansão da oferta de moeda33 (33) Tal como sugerido, o processo de formação da taxa de juros em Keynes (1936) é perpassado pela incerteza fundamental; por ser o ativo de máxima liquidez e desempenhar a função de reserva de valor, a demanda pela liquidez poderá ser influenciada quanto a expectativas concernentes ao próprio prêmio pela liquidez (taxa monetária de juros). Logo, um eventual consenso em torno da elevação esperada da taxa de juros poderia tornar ineficaz qualquer tentativa de redução da taxa por via de política monetária expansionista. É fácil perceber, portanto, que o mesmo tipo de expectativas, voltadas a novas reduções previstas para os salários nominais, poderia levar à postergação, por tempo indeterminado, das novas decisões de investir. quanto a seus efeitos e prováveis limitações. A favor da política monetária expansiva, porém, cabe destacar o argumento fundamental de que ela não incorre em pressões deflacionárias ou redistributivas contraproducentes quanto ao objetivo de preservar ou aumentar o nível de demanda efetiva. Dessa forma, o uso (ainda que com efetividade limitada) da política monetária seria largamente preferível à política de flexibilidade salarial, particularmente no tocante à flexibilidade para baixo, no contexto de baixos níveis de demanda efetiva. Além disso, o nível de preços responderia, antes de tudo, ao nível corrente de demanda efetiva; porém, a amplitude desta resposta será certamente reduzida pelos salários rígidos, eles próprios fatores de atenuação das flutuações da demanda.

Poder-se-ia afirmar que Lerner estava em busca de criar instituições para lidar com a necessidade da estabilidade de preços34 (34) Na visão de Keynes, haveria poucos motivos para supor que a inflação pudesse constituir problema efetivo antes de se atingir o pleno emprego de recursos. Uma vez atingido esse ponto, evitar o descontrole do nível de preços envolveria a adoção de dois estratagemas: (i) para controle das pressões de custos, deveria se constituir um fundo para compor estoques reguladores das principais matérias-primas, como no caso dos combustíveis (Keynes, 1980b, p. 197-199); (ii) para a estabilização dos salários (cujo problema de determinação seria, sobretudo, político - dado o maior poder de barganha dos sindicatos), deveria ser adotada alguma forma de pacto para alinhar os aumentos salariais aos aumentos de produtividade. concomitante à viabilidade técnica (que acreditava já ter obtido) de manutenção do pleno emprego em economias capitalistas; a rigor, o autor parece disposto a propiciar, com as propostas de estabilidade de preços e salários (no pleno emprego, é claro), resultados de cunho claramente político:

The (...) much more important result is the indirect effect on the image of the West in the eyes of the challenging East and the uncommitted South. It would remove the remnants of belief in the Marxian theory that capitalism is inferior to communism because it must maintain a "reserve army of unemployed" to keep the exploited workers in increasing misery. It does not matter that the argument has been transmogrified to say that a totalitarian society is superior to a democratic society because it alone is able to regulate wages and prices for full employment without inflation. A successful (...) system would vaporize the grain of truth in this, demonstrate the combination of these two objectives with two other great objectives, greater efficiency and freedom, strengthen (or perhaps one should say rescue) the esteem of the South for the West, and weaken the belief of the East, and even of the Further East, that the West is hypnotically moving toward its Marx-ordained doom (Lerner, 1967LERNER, A. P. Employment theory and employment policy. The American Economic Review, v. 57, n. 2, p. 1-18, 1967. Papers and Proceedings of the Seventy-ninth Annual Meeting of the American Economic Association., p. 16-17).

Dessa forma, Lerner parece partilhar da convicção de Keynes35 (35) "It is certain that the world will not much longer tolerate the unemployment which, apart from brief intervals of excitement, is associated - and, in my opinion, inevitably associated - with present-day capitalistic individualism. But it may be possible by a right analysis of the problem to cure the disease whilst preserving efficiency and freedom" (Keynes, 1936, p. 381). segundo a qual a manutenção da ordem capitalista dependeria de tornar o sistema capaz da geração sistemática do pleno emprego. Pode-se notar, em ambos, a convicção de que o conhecimento sobre os mecanismos basais de operação das economias capitalistas e sobre os potenciais recursos para o equacionamento de algumas de suas debilidades seria condição necessária - e, talvez, suficiente - para garantir o progressivo fim da escassez e dos conflitos, seja no tocante aos enfrentamentos individuais ou de classes sociais.

Conclusão

Lerner apresenta grande parte de suas contribuições teóricas em um período francamente marcado pelo impacto da publicação da GT; sua admiração pelo trabalho de Keynes o fizera compreender a necessidade de apresentar ferramentas para o combate ao desemprego involuntário - porém, nem sempre em consonância com a obra e o autor que, alegadamente, seriam sua principal referência.

Os aspectos mais originais de seus trabalhos (principalmente a moeda como "criatura do Estado", a finança funcional, as propostas para arena internacional e as políticas de rendas), embora estivessem sempre voltados aos problemas encontrados no caminho para a obtenção e a manutenção do pleno emprego, quase nunca mostraram compartilhar com a obra de Keynes os conceitos relativos à incerteza fundamental e o (decorrente e) delicado processo de formação de expectativas referentes aos investimentos privados e à posse de moeda - bem como as distinções feitas quanto ao formato do orçamento público, a efetividade da política monetária e o papel dos salários nominais. No entanto, a clareza e simplicidade (talvez excessivas) de suas propostas eventualmente fizeram delas, curiosamente, o retrato (ainda que indevidamente) mais conhecido das prescrições de política econômica atribuídas a Keynes.

Ambos compartilhavam, porém, de certo otimismo com respeito às possibilidades de implantação de suas principais recomendações, apostando na capacidade de geração de um ambiente macroeconômico mais propício ao equacionamento das demandas dos diferentes segmentos sociais, superando a escassez, o desemprego e a ocorrência de crises / quedas do nível de demanda efetiva. Conquanto seja possível dizer que por, talvez, três décadas, certas ideias e políticas inspiradas por (ou levemente assemelhadas a) proposições desses dois autores tenham logrado promover crescimento, reduzir o desemprego e mitigar desigualdades sociais típicas do capitalismo, o mundo acadêmico e político tem se dedicado mais recentemente a combater ferozmente toda iniciativa ou concepção forjada naqueles moldes. Mesmo a ocorrência da mais grave crise econômica desde os tempos de Keynes e Lerner não tem se mostrado suficiente para romper o embargo à retomada do papel do Estado na defesa do emprego e da renda.

  • (1)
    Embora seja possível identificar diferentes áreas da Teoria Econômica para as quais Lerner apresentou contribuições, o escopo do presente texto leva à necessidade de privilegiar a análise daquelas relacionadas ao problema do desemprego involuntário e à obtenção e manutenção do pleno emprego.
  • (2)
    Dada a imposição de brevidade (por conta do espaço disponível para esta exposição), segue-se uma descrição (bastante) sucinta do modelo teórico que perpassa a GT; comentários adicionais (porém igualmente breves) serão apresentados na sequência, oportunamente.
  • (3)
    Em formulação mais explícita (ainda que posterior à GT): "I say that effective demand is made up of two items - investment-expenditure and consumption-expenditure. (...) The theory can be summed up by saying that given the psychology of the public, the level of output and employment as a whole depends on the amount of investment" (Keynes, 1937aKEYNES, J. M. The general theory of employment. The Quarterly Journal of Economics, v. 51, n. 2, p. 209-223. 1937a, p. 219 e 221).
  • (4)
    A moeda é dita "estéril" no sentido de não prover, àquele que a retém, qualquer retorno mensurável em unidades monetárias quando de sua retenção; evidentemente, isso não equivale a dizer que seu uso (isto é, a sua não retenção) não possa prover ao seu proprietário retorno positivo derivado de sua posse (ainda que apenas num futuro incerto). De outra parte, a moeda não deixa de oferecer a conveniência da liquidez máxima (acesso imediato a outras formas, específicas, de riqueza) e da reserva de valor (proteção intertemporal do poder de compra do agente, seu possuidor). Adicionalmente, a hipótese da ocorrência de deflação poderia magnificar o poder aquisitivo da unidade monetária; ainda assim, trata-se, obviamente, de mensurar o valor da moeda em função da riqueza em outra forma - mas não em unidades monetárias.
  • (5)
    O caráter fundamental da incerteza a que o autor se refere está essencialmente ligado ao fato de que não há qualquer possibilidade de construção de uma base sobre a qual probabilidades relativas a eventos futuros relevantes pudessem ser inferidas; logo, toda decisão é tomada em bases precárias quanto ao conhecimento do futuro, que permanece indeterminado.
  • (6)
    Esta seria, para Keynes, um fenômeno totalmente monetário, ou seja, resultado da relação entre as disponibilidades (oferta) e demanda de liquidez; no entanto, a demanda por liquidez seria explicada por diferentes ordens de fatores (ou motivos), dentre os quais ganha destaque o conhecido motivo especulação, ligado ao uso da função de reserva de valor da moeda para aí alocar poder de compra quando da expectativa de aumentos da própria taxa de juros. Dessa forma, expectativas quanto ao comportamento da taxa de juros poderiam levar àquele mesmo comportamento esperado, especialmente em se tratando do movimento de alta; tal seria o caráter intratável da preferência pela liquidez - e, justamente por conta deste, seria de se esperar grande limitação quanto à política monetária (expansionista) voltada ao objetivo de redução dos juros (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 170-173).
  • (7)
    "Perhaps I have become a hopeless 'Keynesian'" (Lerner, 1940LERNER, A. P. Some Swedish stepping stones in economic theory (Review article). The Canadian Journal of Economics and Political Science, v. 6, n. 4, p. 574-591, 1940., p. 591).
  • (8)
    Nascido no Império Russo, Lerner emigrou com sua família para o Reino Unido, aonde obteve sua formação acadêmica (London School of Economics); posteriormente, tornar-se-ia cidadão estadunidense naturalizado (Samuelson, 1964SAMUELSON, P. A. P. Lerner at Sixty. The Review of Economic Studies, v. 31, n. 3, p. 169-178, 1964.; Scitovsky, 1984SCITOVSKY, T. Lerner's contribution to economics. Journal of Economic Literature, v. 22, n.4, p. 1547-1571, 1984.).
  • (9)
    Apesar disso, em artigos posteriores, a visão de Lerner acerca do conteúdo central da mensagem de Keynes viria a se mostrar menos claramente ligada a estes fatores, conforme se pretende demonstrar a seguir.
  • (10)

    Tal informação pode ser encontrada no parágrafo de introdução ao artigo (provavelmente adicionado pelo editor da publicação), disponível apenas na versão original do periódico, de 1936. As referências ao artigo usadas no texto, porém, seguem a paginação da reimpressão de 1996.
  • (11)

    Vide as suas referências a Keynes como "gênio" ou como "fronteira do avanço" no conhecimento relativo às questões da determinação do nível de emprego e das políticas para o pleno emprego (Lerner, 1940LERNER, A. P. Some Swedish stepping stones in economic theory (Review article). The Canadian Journal of Economics and Political Science, v. 6, n. 4, p. 574-591, 1940., p. 574 e 591). Em outros momentos de sua obra, o autor seguiu identificando explicitamente Keynes como seu principal referencial teórico (Lerner, 1943LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943., p. 1963; 1978aLERNER, A. P. The scramble for Keynes' mantle. Journal of Post Keynesian Economics, v. 1, n. 1, p. 115-123, 1978a.).
  • (12)

    Em uma série de correspondências escritas ao longo de 1943, Keynes (1980, p. 316-353)KEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980a. v. XXV. apresenta seus receios quanto a formas de combate ao desemprego involuntário com foco no curto prazo, particularmente no tocante à manipulação da propensão a consumir. A proposta que se delineia a partir das considerações do autor britânico seria mais afeita à gestão dos fluxos de investimento, tendo em vista o propósito da manutenção do pleno emprego como estratégia de longo prazo (por oposição ao enfrentamento pontual dos episódios de queda da demanda efetiva); neste nível de renda agregada, tanto a arrecadação fiscal quanto a poupança privada seriam compatíveis com a emissão de títulos de dívida pública - os quais seriam absorvidos pelo setor privado como meio de poupança e paulatinamente amortizados pelo setor público.
  • (13)

    Abordar como dada a escala de eficiência marginal do capital (i.e., a rentabilidade do capital associada a cada volume de investimento de certo tipo) poderia corresponder a um mero exercício de exposição didática; no entanto, Lerner - apesar da leitura da GT - em nenhum momento faz menção à volatilidade das expectativas quanto à rentabilidade dos ativos instrumentais, aspecto caro à construção conceitual de Keynes (1936)KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991..
  • (14)

    Poder-se-ia argumentar, certamente, que a construção teórica de Lerner (1943)LERNER, A. P. Functional finance and the federal debt. Social Research, v. 10, n. 1, p. 38-51, 1943. tem raízes no momento histórico peculiar de forte expansão das dívidas de muitos dos governos nacionais envolvidos no conflito armado de então. No entanto, e conforme se pretende mostrar a seguir, o autor jamais abdicou dos conceitos expostos nessa ocasião histórica particular em seus escritos posteriores (especialmente em: Lerner, 1951LERNER, A. P. (1951). Economics of employment. New York: McGraw-Hill. Traducción española: Economía del pleno empleo. Madrid: Aguilar, 1957.; 1961LERNER, A. P. The burden of debt. The Review of Economics and Statistics, v. 43, n. 2, p. 139-141, 1961.).
  • (15)

    "Thus the rate of interest at any time, being the reward for parting with liquidity, is a measure of the unwillingness of those who possess money to part with their liquid control over it. (...) It is the 'price' which equilibrates the desire to hold wealth in the form of cash with the available quantity of cash (...). " it is convenient to mean by the rate of interest the complex of the various rates of interest current for different periods of time, i.e. for debts of different maturities" (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 167; Ibidem, nota). O que importa, para Keynes, é demonstrar a centralidade da preferência pela liquidez para a determinação da taxa juros - determinação que á parte integrante do processo de tomada de decisão de alocação do poder de compra em contexto de incerteza fundamental: "There is, however, a necessary condition failing which the existence of a liquidity-preference for money as a means of holding wealth could not exist. This necessary condition is the existence of uncertainty as to the future of the rate of interest (...)" (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 168, Itálico no original).
  • (16)

    Conforme sugerido antes, a função de reserva de valor desempenhada pela moeda (ativo de liquidez máxima) permite que ela seja usada convenientemente durante o processo (permeado pela incerteza) de escolha de composição da carteira de ativos que possa oferecer maior rentabilidade ao seu possuidor; daí que a taxa de juros seja entendida como prêmio pela liquidez. Keynes é cético quanto ao sucesso que se pode obter na manipulação da taxa de juros a partir de modificação na oferta de moeda - e tem o mesmo ceticismo em relação à manipulação da taxa de juros como meio de estimular o investimento: "For whilst an increase in the quantity of money may be expected, cet. par., to reduce the rate of interest, this will not happen if the liquidity preferences of the public are increasing more than the quantity of money; and whilst a decline in the rate of interest may be expected, cet. par., to increase the volume of investment, this will not happen if the schedule of the marginal efficiency of capital is falling more rapidly than the rate of interest (...)" (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 173).
  • (17)

    Lerner (1944, p. 319-320)LERNER, A. P. (1944). The Economics of Control. New York: The Macmillan Company. Reprinted by Augustus M. Kelley Publishers, 1970. afirma, porém, haver um método para manter a demanda efetiva sempre em nível compatível com o pleno emprego e, ao mesmo tempo, manter o orçamento público em equilíbrio: o uso dos impostos e transferências para redistribuir a renda em favor dos mais pobres, cuja propensão marginal a consumir é mais elevada. No entanto, afirma também o autor, este método seria ainda mais impopular que aquele de desconsiderar os saldos orçamentários do governo, já que a oposição dos homens de negócios seria, presumivelmente, mais direta no tocante a esta opção.
  • (18)

    Este aspecto será objeto de tratamento mais detalhado no item terceiro deste texto.
  • (19)

    A respeito dessa citação, cabe apontar a preocupação do autor com o dilema relativo ao pleno emprego: nesta circunstância, seria impossível aumentar simultaneamente investimento e consumo; logo, a opção por priorizar os gastos com novas inversões tinha por base o propósito de aumentar prospectivamente a renda da comunidade em ritmo mais acelerado que na hipótese de destinar mais recursos ao consumo - embora, segundo o autor, as sociedades devessem escolher qual o ritmo de crescimento (e grau de sacrifício do consumo) lhes seria mais conveniente (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 376-377).
  • (20)

    Em documento original de 1943 (comentário a respeito da visão do Tesouro sobre a manutenção do emprego): Keynes, 1980bKEYNES, J. M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980b. v. XXVII. p. 320-325.
  • (21)

    Pode-se discutir o quanto haveria de fundamentação racional nos receios relacionados ao comportamento da dívida pública; no entanto, Keynes entende que as expectativas (quanto aos juros e à rentabilidade do capital), por serem formadas em contexto de incerteza, são carentes de objetividade (Keynes, 1937aKEYNES, J. M. The general theory of employment. The Quarterly Journal of Economics, v. 51, n. 2, p. 209-223. 1937a, p. 217). Ademais, políticas conduzidas pelo Estado com o objetivo de aumentar o nível de renda e emprego poderiam encontrar fortes obstáculos por conta do abalo na "confiança" do ambiente de negócios, sendo esta tributária de uma "psicologia confusa"; o método de financiamento da iniciativa governamental teria efeitos potenciais sobre preços e taxa de juros (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991.: 119-120). Por esse motivo, a proposta apresentada pelo autor britânico seria compatível com a estabilidade da dívida pública - em princípio, um elemento favorável à estabilidade também das expectativas.
  • (22)

    Keynes (1937b)KEYNES, J. M. The "ex-ante" theory of the rate of interest. The Economic Journal, v. 47, n. 188, p. 663-669, 1937b., ao expor as diferenças entre finance e funding, mostra que, do ponto de vista agregado, a emissão de dívida (no caso, para investimento) se faz equacionar pela expansão do nível de renda e, portanto, da poupança - dado que o mecanismo do multiplicador tenha encontrado tempo suficiente para entrar em operação. Ora, é fácil perceber que a mesma lógica se aplica ao gasto público viabilizado por emissão de títulos; de fato, Keynes (1982, p. 525)KEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1982. v. XXI. mostra receio quanto à possibilidade de absorção de títulos de dívida pública antes que os efeitos dos gastos relacionados a emissão anterior de dívida pudessem tomar lugar, expandindo a poupança.
  • (23)

    A conhecida proposta de Keynes para a organização de um sistema monetário internacional no último pós-guerra envolvia a adoção de uma moeda internacional fiduciária, gerida a partir de uma caixa de compensação internacional que congregaria os bancos centrais nacionais, que definiram valores estáveis para suas moedas em relação à moeda internacional (provisoriamente denominada "bancor"). Uma organização francamente inspirada nos moldes de um sistema bancário de âmbito nacional permitiria, no plano mundial, a criação e a destruição de liquidez conforme as necessidades internacionais de cada momento, ao passo que também seria possível conceder grande margem de manobra para ajustes nas contas externas de países deficitários. A principal novidade seria a criação de regras de ajuste também para os países superavitários, de tal modo que se preservasse, prospectivamente, uma situação de equilíbrio nas contas externas de todos os países-membro do sistema proposto (Keynes, 1980aKEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980a. v. XXV., p. 168-195).
  • (24)

    A estabilidade não deveria, porém, ser confundida com rigidez, uma vez que o câmbio deveria ser ajustável em função do objetivo maior do pleno emprego; conclui-se que as autoridades manteriam, no mínimo, algum controle sobre a taxa de câmbio - e sobre os fluxos de capitais.
  • (25)

    Não por outro motivo, Keynes se mostra partidário dos instrumentos de controle de capitais, procurando deixar claro que o trânsito de recursos financeiros entre os países deveria ser regulado de modo a coibir apenas aqueles cujo propósito não fosse o de criar mais recursos produtivos (Keynes, 1980aKEYNES, J. M. The Collected Writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980a. v. XXV.: 186).
  • (26)

    Mas sem atribuir a nenhuma moeda o caráter de moeda-chave; as reservas do FMI seriam compostas pelas mais diversas moedas nacionais, portanto.
  • (27)

    Muito embora esta sugestão de Lerner esteja muito próxima da "cláusula da moeda escassa" que efetivamente viria a integrar os estatutos do FMI, a diferença fundamental quanto ao funcionamento factual da instituição diria respeito à pluralidade das moedas nacionais que comporiam as suas reservas, a partir das quotas que Estados membros adquiririam apenas com suas próprias moedas. Adicionalmente, haveria a prescrição extra de penalizar os superavitários com novos parâmetros comerciais. O distanciamento em relação à proposta de Keynes aqui parece, mais uma vez, relacionado ao fato de que Lerner não parte da moeda única para apresentar soluções.
  • (28)

    Nesse aspecto, não há paralelo com a obra de Keynes, mas há notável proximidade com o famoso artigo de Kalecki (1943)KALECKI, M. Political aspects of full employment. The Political Quarterly, v. 14, n. 4, p. 322-330, 1943., no qual são apresentadas restrições de cunho político (e de classe social) à manutenção do pleno emprego.
  • (29)

    Lerner (1963, p. 233)LERNER, A. P. (1963). Keynesian economics in the sixties. In: LEKACHMAN, R. (Ed.). Keynes' general theory. New York: St. Martin's Press. Tradução brasileira: Teoria geral de Keynes. São Paulo: Ibrasa, 1968. limitar-se-ia a dizer que os juros podem não cair em face de uma deflação que eleva a oferta real de moeda ou, ainda, mesmo juros em queda podem não resultar em maiores níveis de investimento; ainda assim, encontram-se ausentes de sua análise os conceitos caros - acima indicados - à construção teórica de Keynes. Por outro lado, Lerner também não contempla certos efeitos da queda no nível de salários e preços que constam na GT (capítulo XIX), como é o caso do efeito riqueza perverso representado pelo aumento dos encargos financeiros e da redistribuição de renda em favor do rentier, contraproducente com respeito à propensão marginal a consumir da sociedade.
  • (30)

    Vale dizer, um adepto da ideia (ortodoxa) segundo a qual a lentidão dos ajustes de preços e salários seriam as responsáveis pela ausência de um mecanismo de ajuste automático de mercado, colocando as economias sempre no rumo do pleno emprego. Lerner e Colander (1982)LERNER, A. P.; COLANDER, D. Anti-inflation incentives. Kyklos, v. 35, n. 1, p. 39-52, 1982. sustentariam ainda que o problema da lentidão no ajuste de salários e preços teria sido tratado por Keynes apenas no sentido da sua baixa, jamais no tocante à sua elevação: "Keynes did not deal with this problem of rising wages and prices in an expectational inflation. He was naturally preoccupied with the problem of wages and prices not falling fast enough or far enough (...). Our problem is that wages refuse to fall behind. They refuse to fall relatively to the expected (rising) price level" (Lerner; Colander, 1982LERNER, A. P.; COLANDER, D. Anti-inflation incentives. Kyklos, v. 35, n. 1, p. 39-52, 1982., p. 42-43).
  • (31)

    Scitovsky (1984, p. 1547-1548)SCITOVSKY, T. Lerner's contribution to economics. Journal of Economic Literature, v. 22, n.4, p. 1547-1571, 1984. apresenta o conceito de "seller's inflation" de Lerner como uma antecipação a elementos posteriormente observados na obra de Milton Friedman.
  • (32)

    Lerner (1958LERNER, A. P. (1958). Inflationary depression and the regulation of administered prices. In: THE RELATIONSHIP of prices to economic stability and growth. Compendium of Papers Submitted by Panelists Appearing Before the Economic Committee, 85th Congress, 2nd Session . Washington: U. S. Government Printing Office. Reprinted in: MUELLER, M. G. (Ed.). Readings in macroeconomics. 2nd ed. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., 1971.; 1967LERNER, A. P. Employment theory and employment policy. The American Economic Review, v. 57, n. 2, p. 1-18, 1967. Papers and Proceedings of the Seventy-ninth Annual Meeting of the American Economic Association.; 1978bLERNER, A. P. A wage-increase permit plan to stop inflation. Brookings Papers on Economic Activity, n. 2, p. 491-505, 1978b.) e Lerner; Colander (1982)LERNER, A. P.; COLANDER, D. Anti-inflation incentives. Kyklos, v. 35, n. 1, p. 39-52, 1982..
  • (33)

    Tal como sugerido, o processo de formação da taxa de juros em Keynes (1936)KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991. é perpassado pela incerteza fundamental; por ser o ativo de máxima liquidez e desempenhar a função de reserva de valor, a demanda pela liquidez poderá ser influenciada quanto a expectativas concernentes ao próprio prêmio pela liquidez (taxa monetária de juros). Logo, um eventual consenso em torno da elevação esperada da taxa de juros poderia tornar ineficaz qualquer tentativa de redução da taxa por via de política monetária expansionista. É fácil perceber, portanto, que o mesmo tipo de expectativas, voltadas a novas reduções previstas para os salários nominais, poderia levar à postergação, por tempo indeterminado, das novas decisões de investir.
  • (34)

    Na visão de Keynes, haveria poucos motivos para supor que a inflação pudesse constituir problema efetivo antes de se atingir o pleno emprego de recursos. Uma vez atingido esse ponto, evitar o descontrole do nível de preços envolveria a adoção de dois estratagemas: (i) para controle das pressões de custos, deveria se constituir um fundo para compor estoques reguladores das principais matérias-primas, como no caso dos combustíveis (Keynes, 1980bKEYNES, J. M. The collected writings of John Maynard Keynes. London: MacMillan, 1980b. v. XXVII., p. 197-199); (ii) para a estabilização dos salários (cujo problema de determinação seria, sobretudo, político - dado o maior poder de barganha dos sindicatos), deveria ser adotada alguma forma de pacto para alinhar os aumentos salariais aos aumentos de produtividade.
  • (35)

    "It is certain that the world will not much longer tolerate the unemployment which, apart from brief intervals of excitement, is associated - and, in my opinion, inevitably associated - with present-day capitalistic individualism. But it may be possible by a right analysis of the problem to cure the disease whilst preserving efficiency and freedom" (Keynes, 1936KEYNES, J. M. (1936). The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan; New York: First Harvest / Harcourt, 1991., p. 381).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2016
  • Aceito
    02 Abr 2018
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