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Região e indústria no Brasil: ainda a continuidade da “desconcentração concentrada”?

Region and industry in Brazil: is “concentrated deconcentration” still evident?

Resumo

O artigo apresenta uma análise da reestruturação produtiva na indústria e sua expressão territorial entre 1996-2015. Tendo como referência a questão regional brasileira, conclui pela continuidade do movimento de desconcentração das atividades industriais baseando-se em dados demográficos e de produtividade industrial numa perspectiva territorial multiescalar: macrorregiões, estados e microrregiões. Alerta, entretanto, sobre razões para se preocupar: a) a desconcentração ocorre em contexto de redução de relevância da atividade industrial; b) a desconcentração é mais evidente em ramos de atividade pouco intensivos em tecnologia e conhecimento, com baixa produtividade e mais atrelada a setores voltados para o processamento de recursos naturais e intensivos em mão de obra; e c) a atividade industrial ainda se mantém especialmente firme nas chamadas aglomerações industriais relevantes do Sudeste e Sul do país.

Palavras-chave:
Desenvolvimento regional; Desigualdades regionais no Brasil; Indústria e território; Aglomerações industriais relevantes

Abstract

This article provides an analysis of the rearrangements of the industrial sector across the territory in the 1996-2015 period. Recent data have confirmed that regional concentration of industrial activities faced decline. Meanwhile, the following concerns should be considered: a) there is an undeniable loss in importance of the industrial sector in the Brazilian economy; b) industrial restructuring has been centered on natural resource and labor-intensive industrial activities, where productivity levels are very low; and c) industrial activities are, despite the recent deconcentration, spatially concentrated in relevant industrial agglomerations located in the South and Southeast.

Keywords:
Regional development; Regional inequalities in Brazil; Industry and territory; Relevant industrial agglomerations

Introdução

Discutem-se neste artigo as trajetórias e manifestações do processo de desconcentração das atividades industriais no território brasileiro do período 1996-2015. Seu objetivo principal é avaliar se a desconcentração de atividades industriais ocorre de maneira dispersa no território ou se, pelo contrário, ela assume a forma chamada de “desconcentração concentrada” em que, a partir da economia paulista, privilegia a localização de plantas industriais nas demais porções do território das regiões Sudeste e Sul. Registra-se um leque de preocupações - apontadas por vários estudiosos desde meados dos anos 1990 (Cano, 1998CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970 e 1970-1995. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998.; Pacheco, 1998PACHECO, Carlos Américo. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Instituto de Economia-Unicamp, 1998.; Negri, 1996NEGRI, Barjas. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1980-1990). Campinas, SP.: Ed. Unicamp, 1996.) - relacionadas à possibilidade de reconcentração produtiva no território, de enfraquecimento dos laços econômicos entre as regiões e de desindustrialização da economia brasileira, temas que vem ocupando o centro do debate regional desde então.

O período observado corresponde aos anos entre 1996 e 2015. Duas décadas, portanto, marcadas por profundas transformações na dinâmica regional brasileira, como se verá adiante. As principais características do processo de desconcentração são analisadas visando, ao final, conjugar as trajetórias observáveis em diferentes escalas territoriais: nas tradicionais macrorregiões, nos estados e nas microrregiões.

Em particular, o artigo contribui com a atualização de um relevante tópico do desenvolvimento regional brasileiro feito por Diniz (1993)DINIZ, Clélio C. Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3. n. 1, 1993. e Diniz e Crocco (1996)DINIZ, Clélio C.; CROCCO, Marco Aurélio. Reestruturação econômica e impacto regional: o novo mapa da indústria brasileira. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, 1996., relacionado com a dinâmica industrial em microrregiões chamadas de aglomerações industriais relevantes. Estes autores manusearam conceitos e instrumentos analíticos com ricos aportes ao debate sobre a dinâmica da localização da atividade industrial no território brasileiro nas duas décadas compreendidas entre 1970 e 1991. No presente texto, a dinâmica microrregional da indústria dos anos 1996-2015 é escrutinada e comparada. Seus resultados traçam uma linha de trajetória da desconcentração industrial no país apontando continuidades e rupturas entre os dois períodos.

O artigo está organizado, além desta introdução, em três seções estruturais e uma conclusão final. Na seção 1 são discutidos os aspectos teóricos centrais do debate atual sobre o enfraquecimento da indústria e seus rebatimentos na dinâmica de desconcentração regional. Na seção 2, por meio da demonstração da verificação combinada de três fatores (a seguir apresentados), se confirma, para o período em estudo, a consolidação de um padrão regressivo de reestruturação da indústria brasileira. Na seção 3, elementos relevantes para o entendimento da dinâmica da indústria brasileira são apresentados com vistas à comprovação de desconcentração territorial, que foi, contudo, associada a um processo de reconfiguração da indústria consubstanciado em quebra de elos das economias regionais no mercado nacional.

Na seção final, propõe-se, em tom conclusivo, a consolidação de um padrão de desconcentração territorial da indústria, que ainda é definida pela localização preferencial de atividades em microrregiões localizadas nas regiões Sudeste e Sul do país, as quais respondem por cerca de 2/3 do emprego e do valor adicionado industrial de todas as aglomerações industriais relevantes do país em 2015.

1 Desenvolvimento regional no Brasil: o debate concentração/desconcentração

O Brasil se caracterizou, no século XX, por elevadas taxas de crescimento econômico associadas a um intenso processo de industrialização e urbanização. A mudança estrutural por que passou a economia nacional no período seguiu retardatariamente a trajetória de economias hoje desenvolvidas no sentido da realização de passagem de uma economia fundada em atividades da agricultura de baixa produtividade e reduzido mercado interno para a crescente incorporação de atividades industriais de elevada produtividade e progresso técnico. O país buscou, portanto, a transformação estrutural, no sentido do debate acadêmico impulsionado por autores como Lewis (1954)LEWIS, W. A. Economic development with unlimited supplies of labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954., Kaldor (1966)KALDOR, N. Causes of the slow rate of economic growth of The United Kingdom. London: Cambridge University Press, 1966., Prebisch (1949)PREBISCH, R. El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas. Desarrollo Econômico, v. 26, n. 103, p. 479-502, 1949. e Furtado (1961)FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.. Entre os dois primeiros autores, a premissa era, grosso modo, a superação do círculo vicioso da pobreza e do subdesenvolvimento pela dinâmica de economias crescentes de escala proporcionadas pela industrialização. Por outro lado, os autores latino-americanos citados, argumentavam adicionalmente que a forma de inserção dos países, regra geral, latino-americanos na economia capitalista mundial como provedores de matérias-primas precisaria ser superada pela internalização de um núcleo autônomo do progresso técnico, o qual seria consubstanciado no setor industrial.

Um dos resultados indesejados desta etapa de transformações estruturais foi a elevada concentração territorial das atividades econômicas. A economia da região Sudeste transformou-se na mais importante do país já desde fins do século XIX como resultado do boom de demanda internacional sobre a economia cafeeira, permanecendo assim desde então. Segundo estatísticas de contas nacionais (IBGE)1 (1) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o órgão oficial do governo brasileiro, ligado ao Ministério do Planejamento, para realização das contas econômicas nacionais e regionais, bem como os dados censos populacionais. , a região Sudeste havia sido responsável, em 1949, por 65,9% do produto interno bruto (PIB) nacional, participação que sofreu leve redução em 1980 quando atingiu 62,4%, mantendo ainda seu protagonismo com 54,0% do total no ano mais recente, de 2015. Registra-se, contudo, uma tendência à desconcentração regional da atividade econômica, mais visivelmente depois de 1970.

Por conta das dificuldades para produzir uma orientação firme para o melhor uso das possibilidades contidas no extenso território nacional, a questão regional tem sido desde fins dos anos 1950 um tema muito relevante do debate político e acadêmico nacional (GTDN, 1967GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste. 2. ed. Recife, PE: Sudene, 1967.; PIMES, 1985PIMES. Desigualdades regionais no desenvolvimento brasileiro. Recife, PE: UFPE/ Ipea/Sudene, 1985.; Cano, 1998CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970 e 1970-1995. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998.). Uma das vertentes do debate considera de crucial relevância o papel da indústria como fator dinâmico da expansão de atividades econômicas e, portanto, como vetor de forças de concentração e desconcentração a cada momento. Se no período 1930-1970, de intensa industrialização, a tônica foi a concentração industrial na região Sudeste com epicentro em São Paulo, a partir de 1970 começou-se a observar um fenômeno de desconcentração em direção à região Sul e, mais fracamente, para as regiões Nordeste e Norte.

Reconhece-se a existência de duas forças predominantes para o movimento de desconcentração. De um lado, as deseconomias de aglomeração na região metropolitana de São Paulo, e também no restante do próprio estado, contribuíram para a busca de novos territórios e mão de obra mais baratos para a indústria e, de outro lado, a ação do governo federal - por meio de políticas regionais de desenvolvimento, da criação de infraestruturas de transportes, comunicações e energia, visando a integração do mercado nacional e de elevados investimentos das empresas de propriedade estatal. Foram ambas decisivas para o estímulo à relocalização de empreendimentos privados em áreas estagnadas ou mais pobres do país (Cano, 1998CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970 e 1970-1995. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998.).

Em fins dos anos 1980, a ocorrência de forte crise fiscal e financeira comprometeu a capacidade de atuação do Estado, impedindo-o de continuar a realizar as inversões necessárias para a redução das disparidades regionais. O processo de desconcentração passou a enfraquecer-se e a preocupação com a reconcentração da atividade produtiva voltou à agenda nacional. Cano (1998)CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970 e 1970-1995. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998., Pacheco (1998)PACHECO, Carlos Américo. Fragmentação da Nação. Campinas, SP: Instituto de Economia-Unicamp, 1998., Negri (1996)NEGRI, Barjas. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1980-1990). Campinas, SP.: Ed. Unicamp, 1996. e Diniz (1995)DINIZ, Clélio C. A dinâmica regional recente da economia brasileira e suas perspectivas. Brasília, DF: Ipea, 1995. (Texto para Discussão, n. 375). foram alguns dos estudiosos que passaram a alertar que o novo ambiente de abertura comercial e financeira da economia brasileira, se não devidamente monitorado, poderia levar ao enfraquecimento, por meio de um nível de concorrência exacerbada e internamente desvantajosa, da indústria nacional. Neste cenário adverso à indústria, a atividade econômica tenderia a reconcentrar-se na região Sudeste, onde o nível instalado de infraestruturas e de qualificação da mão de obra era muito superior.

Nos anos recentes, com a constatação da perda de relevância da atividade industrial no país e instauração de um quadro de desindustrialização, as preocupações ficaram ainda mais intensas. A perda de substância industrial da economia brasileira ocorre precocemente, quando o país apenas atingiu um nível intermediário de renda no contexto internacional. Como resultado, sua continuidade tenderá a produzir limitações instransponíveis para o crescimento futuro, inclusive das atividades terciárias, com repercussões danosas sobre o desenvolvimento regional equilibrado no país (Cano, 2012CANO, Wilson. A desindustrialização no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 831-851, 2012.; Arend et al., 2016AREND, Marcelo; SINGH, Guilherme; BICHARRA, Julimar. Mudança estrutural redutora da produtividade: o falling behind brasileiro. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 44, Anpec, 2016.).

Face o reconhecimento da centralidade que a atividade industrial teve para a integração das economias regionais ao mercado nacional por meio de diversos mecanismos intersetoriais de articulação, os quais foram benéficos para o crescimento nas regiões menos desenvolvidas, faz-se aqui um esforço de avaliação das consequências do seu enfraquecimento e redução de seu tamanho para a dinâmica do desenvolvimento regional brasileiro no período recente de 1996-2015.

2 A indústria em contexto de perda de centralidade na economia brasileira

2.1 Base de dados e classificação de atividades industriais

A investigação da trajetória e transformações da indústria é realizada com base nos dados de valor de transformação industrial (VTI), valor bruto da produção industrial (VBPI), população ocupada (POC), segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), disponibilizada pela Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); nas estimativas de valor adicionado bruto (VAB) da indústria e de população presentes nas Contas Regionais do IBGE; bem como nos dados de emprego em nível microrregional, segundo a CNAE, disponibilizados pela Relação Anual de Informações Sociais. Os valores monetários foram deflacionados a preços de 2015, segundo o índice de preço ao produtor amplo (IPA) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A classificação da OCDE (1987)OCDE. Structural adjustment and economic performance. Paris: OCDE, 1987. com base no fator competitivo predominante na indústria é utilizada para identificar grupos de indústria nas regiões brasileiras. Esta metodologia tem como base o trabalho original de Pavitt (1984)PAVITT, Keith. Sectoral patterns of technical change: Towards a taxonomy and a theory. Research Policy, n. 13, p. 343-373, 1984. devotado a categorizar e entender como setores de atividade com características próprias podem ser definidos pela realização e/ou aplicação que fazem de processos inovativos. Neste sentido, o que está em perspectiva, neste presente trabalho, com uso da metodologia de fator competitivo, é a expressão regional relacionada à internalização de padrões de intensidade tecnológica em grupos ou ramos da indústria brasileira2 (2) A taxonomia originalmente proposta por Pavitt (1984) organiza ramos industriais em três tipos básicos segundo suas caraterísticas inovativas: indústrias dominadas pelo fornecedor e de comportamento passivo quanto à aplicação de inovações (supplier dominated); indústrias intensivas em escala de produção (production intensive); e indústrias baseadas em conhecimento (science based). .

Para este fim, os ramos industriais foram reagrupados segundo cinco tipos de fatores de competitividade, a saber: a) indústrias cujo principal fator competitivo interno são os recursos naturais, b) indústrias intensivas em mão de obra e, portanto, cujo diferencial competitivo é o fator trabalho, c) indústrias intensivas em escala de produção e que se apoiam em redução de custos por meio de expansão de rendimentos de escala, d) indústrias com tecnologia diferenciada, que lhes permite atender, em escala considerável, a diversificados tipos de demanda a partir de uma mesma linha de produção; e e) indústrias baseadas em ciência, em que seu diferencial competitivo é de tipo avançado, específico e singular de tecnologia incorporada no produto, que lhe permite obter durante um período de tempo razoável rendas de monopólio pela invenção3 (3) Para mais detalhes sobre a metodologia ver OCDE (1987) e aplicações práticas para a União Europeia em Borbély (2004) e para o Brasil em Nassif (2008). Os ramos de atividade que compõem cada grupo de indústria são os seguintes segundo a classificação brasileira oficial CNAE 2.0 do IBGE: a) Intensivos em recursos naturais: Extração de: carvão mineral; petróleo e serviços relacionados; minerais metálicos; minerais não metálicos; Fabricação de: produtos alimentícios e bebidas; produtos de fumo; produtos de madeira; celulose, papel e produtos de papel; coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool; e produtos minerais não metálicos; b) Intensivos em mão de obra: Fabricação de: produtos têxteis; artigos de vestuário e acessórios; preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados; produtos de metal (exceto máquinas e equipamentos); móveis e industrias diversas; reciclagem; c) Indústrias baseadas em escala: Edição, impressão e reprodução de gravações; fabricação de produtos químicos e farmacêuticos; artigos de borracha e plástico; metalurgia básica; fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias; d) indústrias de tecnologias diferenciadas: Fabricação de máquinas e equipamentos; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e e) indústrias baseadas em ciência: Fabricação de: equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos; outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores; manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos. .

A classificação é utilizada para obter elementos sobre a existência de um vetor de impulsão comandado pela capacidade de absorção ou inovação técnica (innovation and technology push) ou, se, pelo contrário, a produção e comercialização de produtos intensivos em mão de obra e/ou em recursos naturais tendem a predominar na estrutura industrial das regiões. Alternativamente, permite analisar mais pormenorizadamente as especializações regionais em produtos intensivos em escala - por serem estes resultantes de processos prolongados de redução de custos (nas firmas), tendem a ser mais intensas nas regiões onde o desenvolvimento industrial teve início mais favorável, causando dificuldades para outra região competir na mesma produção. Do mesmo modo, a especialização regional em bens diferenciados, assim como nos produtos baseados em ciência, por causa dos elevados custos fixos e riscos em P&D, frequentemente promove obstáculos intransponíveis para novas regiões entrantes. Por estas razões, a tipologia contribui para evidenciar em que atividades, no caso brasileiro, o processo de concentração regional de economias de aglomeração nas atividades industriais mostra sinais de reversão.

2.2 Trajetória da atividade industrial entre 1996-2015

A forma sob a qual a restruturação da atividade industrial se apresentou nas últimas duas décadas tem um caráter regressivo predominante. Este fenômeno tem sido associado à redução da produtividade média do trabalho nestas atividades (Galeano; Feijó, 2013GALEANO, Edileuza; FEIJÓ, Carmem. A estagnação da produtividade do trabalho na indústria brasileira nos anos 1996-2007: análise nacional, regional e setorial. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 1, n. 23, p. 9-50, 2013.; Arend et al., 2016AREND, Marcelo; SINGH, Guilherme; BICHARRA, Julimar. Mudança estrutural redutora da produtividade: o falling behind brasileiro. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 44, Anpec, 2016.). Para efeitos da presente discussão, a regressividade industrial é definida pela atuação conjunta de três fatores: a) baixo crescimento de seu VTI, b) redução da produtividade média por trabalhador, e c) perda de densidade industrial pelo aumento de importância das atividades intensivas em recursos naturais e em trabalho. Cada uma destas facetas será discutida a seguir.

Crescimento lento da indústria. Os dados analisados mostram que o ajustamento da indústria brasileira se caracterizou pelo predomínio de baixas taxas anuais de crescimento da atividade manufatureira (Tabela 1). Sua evolução lenta se combina com a constatação de movimentos divergentes quando se considera a atividade extrativa e a de transformação. A extrativa apresenta expansão muito forte de seu VTI, à taxa anual de 9,4% entre 1996-2015, sendo sua aceleração maior entre 1996-2006 do que na fase posterior, que vai até 2015. A indústria de transformação, por sua vez, registrou variação bem inferior, à taxa de 1,6% ao ano e crescimento mais acelerado depois de 2007. A performance acelerada da indústria extrativa pouco conseguiu alterar a trajetória de crescimento do VTI da indústria total; aqui, o peso muito menos preponderante dos ramos extrativos - ainda que na presença de taxas muito elevadas de expansão - pouco repercutiu sobre a expansão global da indústria.

Tabela 1
Brasil Evolução do Valor da Transformação Industrial (VTI), da produtividade média e composição (%) das atividades industriais no VTI, por tipo de indústria e fator competitivo

Quando as indústrias são classificadas por fator competitivo, nota-se, em particular, como naqueles grupos em que a indústria manufatureira brasileira se mostra mais consolidada (baseados em mão de obra e intensivos em escala) apresentou fraca evolução do seu VTI. Os intensivos em trabalho e em escala se mostraram quase estagnados no período, com taxas de 0,8% e 0,4% ao ano, respectivamente; o grupo de indústrias com tecnologias diferenciadas apresentou variação negativa para o período total. As indústrias intensivas em recursos naturais experimentaram destaque favorável por suas taxas elevadas e seu peso no conjunto da indústria. As atividades baseadas em ciência apresentam também forte aceleração, contudo, partem de uma base comparativa pequena e estão em fase de consolidação de suas atividades.

O quadro revelado é de preocupação quanto ao perfil setorial que a indústria vem constituindo no país. A restruturação da indústria brasileira combina fraca evolução dos ramos de atividade mais relevantes (baseados em trabalho, em escala e diferenciados) com expansão significativa das atividades baseadas em recursos naturais.

Redução da produtividade da indústria. Em processos de modernização produtiva e de mudança estrutural se espera que as atividades industriais sejam portadoras da elevação da produtividade geral da economia. No Brasil das décadas recentes, contudo, isso aconteceu com pouca intensidade. A produtividade industrial média, estimada pela relação entre o VTI e o número de pessoas ocupadas na indústria (VTI/POC) apresentou características divergentes do padrão esperado. A produtividade média da indústria total, regra geral, sofre involução de 1996 até 2006. A partir deste último ano, nota-se uma reação com uma evolução positiva, ainda não suficiente para contrarrestar os efeitos negativos presentes no subperíodo anterior (Tabela 1).

Foi na indústria de transformação que a evolução da produtividade média se tornou mais problemática. Esta reage negativamente aos impactos da abertura comercial, com a variação anual da produtividade sofrendo redução de -1,9% entre 1996-2006. A partir daí, retoma o crescimento com a taxa anual positiva de 0,4% a.a. entre 2007-2015. No cômputo geral do período 1996-2015, a produtividade da indústria de transformação apresenta, contudo, taxa de variação negativa, estabelecendo-se no patamar de -0,5% ao ano.

Noutro compasso, a produtividade média global da atividade extrativa expandiu-se aceleradamente à taxa de 4,8% para 1996-2015. O comportamento da produtividade média deste tipo de atividade é mais intenso na primeira fase (1996-2006), com taxa de 6,9% a.a., do que na segunda fase (2007-2015), quando atingiu 2,4% a.a. Na extrativa, a produtividade se acelera em função do momento mais favorável da demanda mundial por commodities e perde fôlego na fase seguinte. O contrário acontece com a indústria de transformação, que sofre mais no primeiro período e intenta uma retomada posteriormente.

Especialização setorial regressiva. A estrutura industrial brasileira perdeu densidade técnica no período. As atividades da indústria de transformação, onde a incorporação do progresso técnico costuma ser mais relevante, e os ganhos de escala e redução de custo médio maiores, sofreram um encolhimento considerável. Sua participação no total do VTI do setor foi de 97,7% em 2006, sendo reduzida ao final do período para 90,7% (Tabela 1).

A dinâmica da especialização da atividade industrial pode ser mais bem compreendida pela análise do grupo de indústria definido pelo fator competitivo. Por este recorte analítico fica muito evidente a forte especialização em atividades ligadas a recursos naturais, as quais passaram de cerca de 1/3 na composição do VTI em 2006 para, praticamente, 50% do conjunto das atividades industriais em 2015. Tornou-se o grupo de indústrias intensivas em recursos naturais, aquele de atividade predominante na pauta industrial brasileira. Perdem terreno na composição setorial da indústria as atividades intensivas em trabalho (de 14,4% para 11,5%) e as intensivas em escala (de 35,5% para 26,2%), que detinham significativa presença nas atividades, chegando, conjuntamente, a deter 49,9% do total em 1996; findaram em 2015 com apenas 37,7%. Também as atividades de tecnologia diferenciadas - representativas de robustez tecnológica e de elevada competitividade - não foram poupadas, houve redução de metade de sua posição relativa (de 13,4% para 7,1%). Experimentou uma expansão o grupo de baseadas em ciência, que passou de 2,3% para 5,7% entre o início e o final do período.

As informações indicam a consolidação de um cenário da indústria brasileira de ajustamento produtivo com fortes características regressivas. A produtividade da indústria de transformação, em particular, foi reduzida e somente os ramos de indústria ligados aos setores intensivos em recursos naturais apresentaram ganhos consistentes de produtividade média. Por fim, a composição do VTI entre grupos de indústria se redefiniu no sentido contrário ao que se espera para países que buscam consolidar sua estrutura produtiva (Galeano e Feijó, 2013GALEANO, Edileuza; FEIJÓ, Carmem. A estagnação da produtividade do trabalho na indústria brasileira nos anos 1996-2007: análise nacional, regional e setorial. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 1, n. 23, p. 9-50, 2013.), ou seja, ao invés de aumentar a diversificação setorial, o país viu sua indústria se tornar mais dependente e concentrada em ramos ligados a atividades baseadas em recursos naturais (49,5% do total).

3 Reestruturação produtiva da indústria no território

3.1 Evolução do VTI: indústria total, extrativa e transformação

A trajetória de crescimento do VTI da indústria total e de seus componentes da extrativa e transformação é apresentada para o período de 1996-2015 e subperíodos quinquenais para as grandes regiões brasileiras (Tabela 2). O comportamento mais geral para a indústria no período total é de expansão acelerada no Centro-Oeste (6,1% ao ano), seguida, nesta ordem, pela região Sul (3,4%), Nordeste (3,1%), Norte (2,3%) e Sudeste (1,1%). Nota-se, grosso modo, elevada volatilidade nas taxas de crescimento, com subperíodos alternando-se entre crescimento e decrescimento. As regiões apresentam crescimento mais elevado no subperíodo de 1996-2000, para em seguida o VTI desacelerar em taxas mais baixas. Novamente, há crescimento mais forte no subperíodo 2006/2010 seguida pela outra desaceleração a partir de 2011. Nesta última etapa, o VTI das regiões Sul e Sudeste, mais industrializadas e com maior peso na composição nacional da indústria, recua e apresenta taxas negativas de crescimento.

Tabela 2
Brasil Evolução regional do VTI na indústria total, extrativa e transformação Taxas (%) anuais de crescimento

Na extrativa, a evolução do VTI é muito mais instável do que na indústria de transformação. Com preços dos produtos dados no mercado internacional em cotações diárias, o faturamento das empresas torna-se correspondentemente mais flutuante. As taxas de crescimento são mais expressivas nos dois primeiros subperíodos de 1996/2000 e 2001/2005 do que nos subsequentes. Destacam-se as regiões Norte, Nordeste e Sudeste com variações anuais acima de 5%; as regiões Sul e Centro-Oeste não se beneficiaram de crescimento na extrativa inicialmente. A partir de 2006 e até 2015 somente a região Centro-Oeste apresentou dinâmica setorial mais elevada e de maneira consistente. As demais regiões, contraditoriamente, ora crescem no terceiro subperíodo e involuem na etapa posterior, como é o caso da região Norte, ora apresentam elevada taxa negativa e em seguida recuperam a atividade no último subperíodo (Nordeste e Sudeste).

Nas atividades da indústria de transformação, por sua vez, as regiões mais atrasadas (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) tiveram evolução superior na maior parte dos subperíodos do que as mais desenvolvidas industrialmente (Sul e Sudeste). As taxas de variação do VTI mais robustas nas regiões de retraso industrial também têm como característica o fato de serem mais resilientes à queda: estas regiões não apresentaram variações negativas (quedas) no VTI nos sucessivos subperíodos analisados.

Em suma, para efeito de uma leitura mais conclusiva para o comportamento de taxas de variação no VTI, pode-se afirmar que a indústria total se fortaleceu mais em direção às regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste (com variações superiores) e em seguida nas regiões Norte e Sudeste, nesta ordem. A indústria teve menor ímpeto de crescimento na região Sudeste, onde ela é, justamente, mais representativa. As estruturas industriais nas regiões alvo de políticas regionais preferenciais, em que pese sua menor expressão relativa no cenário nacional, apresentam-se mais resistentes aos momentos de crise, mantendo taxas de crescimento positivas, ainda que em níveis baixos.

3.2 Composição regional da atividade industrial: alterações em curso

De maneira a realizar a observação dos padrões regionais/estaduais específicos, são apresentados dados sobre as mudanças de participação percentual na atividade produtiva. São mostradas as participações de cada estado e macrorregião no ano inicial e final e o saldo de crescimento ou recuo da participação relativa de cada um, visando a leitura do quadro atual da desconcentração em curso (Tabela 3).

Tabela 3
Brasil, Regiões e Estados Composição (%) regional do Valor da Transformação Industrial (VTI), para a indústria total, extrativa e transformação

Inicialmente, registra-se que a desconcentração territorial do VTI total parte fundamentalmente da região Sudeste e, em particular, da economia de São Paulo para o restante do país. A força da desconcentração a partir de São Paulo - estado que perde 15,3 pontos percentuais (doravante, p.p.) no período considerado - opera, grosso modo, em direção a quatro vetores territoriais preferenciais. Primeiro, se distribui em parte para os demais estados da própria região - Rio de Janeiro expande sua participação no setor em 2,6 p.p., Espírito Santo aumenta 1,4 p.p. e Minas Gerais adiciona 0,5 p.p. No total, estes três estados aumentaram sua participação em 4,7 p.p.

O segundo vetor avança para a região Sul. As economias estaduais nesta expandiram 4,7 p.p. no VTI da indústria nacional. Os ganhos de participação foram mais representativos, respectivamente, para o Paraná (+1,9 p.p.), Santa Catarina (+1,7 p.p.) e Rio Grande do Sul (+1,1 p.p.). Esta região isoladamente teve aumento de sua participação no equivalente a 40,8% da perda ocorrida na região Sudeste. A atividade extrativa teve papel de pouca importância e sua produção foi reduzida de 4,5% para 2,0% do total nacional entre 1996 e 2015. É na indústria de transformação que os estados da região se destacaram, com crescimento de 6,2 p.p. (de 16,2% em 1996 para 22,4% em 2015) no total nacional.

O terceiro vetor estabelecido é o que se dirige ao aproveitamento da expansão das rendas do agronegócio no Centro-oeste. Nesta região houve expansão da indústria total, com ganhos de 3,1 p.p., destacando-se Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com respectivamente 1,6, 0,9 e 0,6 p.p. cada. Este vetor de desconcentração foi capaz de capturar o equivalente a 26,9% da parte desconcentrada pelo Sudeste. O vigor de sua produção industrial esteve nas atividades de transformação, em que os ganhos totais foram de 3,5 p.p. no período. A indústria extrativa regional teve participação no total nacional reduzida de 3,6% em 1996 para 2,0% em 2015.

Por fim, a região Nordeste constitui-se em quarto destino das forças de desconcentração da indústria. Teve sua participação na indústria total aumentada em 2,0 p.p. (de 8,6% para 10,6%), sendo que a economia estadual com maior destaque foi a da Bahia, com ganhos de 1,1 p.p. Todas as demais economias estaduais tiveram incrementos pouco significativos, com exceção de Alagoas, que teve, na verdade, redução de participação (-0,5 p.p.). A indústria extrativa regional recuou e perdeu -9,0 p.p. no total nacional da extrativa, com quedas mais acentuadas em RN (-4,0 p.p.) e BA (-4,3 p.p.). Na direção contrária, a indústria de transformação ganhou 2,7 p.p. no período. Novamente, o destaque foi para a BA, que aumentou 1,4 p.p. no total nacional.

Na região Norte o movimento da indústria foi de um ganho de 1,7 p.p. no período. A indústria de transformação regional teve papel relevante para o resultado geral, pois seu ganho de 1,2 p.p. no total nacional contrabalançou a perda regional de -1,7 p.p. na extrativa nacional. A dinâmica da indústria de transformação está mais localizada no estado do Amazonas, em especial na Zona Franca de Manaus, enquanto que a indústria extrativa está no estado do Pará com a extração e exportação de minerais ferrosos (Carajás).

Numa leitura conclusiva, nota-se que o sentido da desconcentração regional da atividade industrial é de redução da posição relativa da economia paulista com ganhos para as demais economias estaduais da região Sudeste (exceto SP) e do Sul. Adicionalmente, as atividades chegam às economias das três demais regiões (CO, NE e NO). O território relevante para a localização da atividade industrial continua a se constituir no Sudeste e Sul, que detinha em 2015 79,2% do VTI da indústria total e 78,3% do VTI da indústria de transformação.

3.3 Especializações territoriais em atividades de baixa densidade

Um dos aspectos mais graves das transformações por que passa a indústria brasileira é que sua capacidade de geração de valor agregado vem se reduzindo no âmbito do processo produtivo. Na verdade, o componente relacionado com a obtenção de valor pela via da montagem de produtos/insumos importados vem ganhando relevância crescente na cadeia produtiva. Para se avaliar tal fenômeno, é utilizada aqui a relação entre o valor da transformação industrial (VTI), que corresponde ao valor adicionado próprio, sobre o valor bruto da produção industrial (VBPI). Esta relação (VTI/VBPI) pode ser tomada como um índice de densidade produtiva setorial em cada momento. Quanto mais elevado este índice, maior é a agregação de valor setorial e vice-versa. Outro modo de entender o indicador é que quanto menor o VTI relativamente ao VBPI, maior é a proporção de insumos importados no processo produtivo. Quanto maior o índice se apresenta em dada atividade, setor e/ou região, maior é a capacidade de a atividade, setor ou região operar efeitos multiplicadores intersetoriais (e inter-regionais) para frente e para trás na cadeia produtiva.

A Tabela 4, com dados de 1996 até 2015 para a indústria extrativa, de transformação e total, regionalizada para o Brasil, macrorregiões e estados, permite avançar temporalmente nos principais elementos do tema em análise. Inicialmente, percebe-se que há um padrão geral estabelecido no período: o índice de densidade produtiva da indústria total cai para o Brasil e na maioria de suas macrorregiões entre 1996 e 2015, com exceção da região Norte onde a densidade manteve-se4 (4) Sampaio (2015) e Monteiro e Lima (2017), com dados para o período 1996-2011, confirmaram a trajetória de perda da densidade produtiva e, por consequência, verificaram a paulatina redução dos efeitos de encadeamento intersetoriais da indústria brasileira. . A densidade produtiva é superior, por ordem, em 2015, vista pelas macrorregiões, na região Norte (46,0%) no Sudeste (44,5%), Nordeste (43,7%), Sul (40,6%), e Centro-Oeste (36,0%). Contudo, em sentido inverso da tendência de perda de densidade, há economias estaduais em que se constatou a ampliação da densidade industrial total no período: na macrorregião Norte: Roraima e Pará; Nordeste: Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba; no Sudeste: Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro; e no Centro-Oeste: Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.

Tabela 4
Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação Índice de Densidade Produtiva da Indústria (VTI/VBPI)

Na indústria de transformação, o mesmo padrão de redução da densidade entre o ano inicial e o final também se verifica para o Brasil e suas regiões. O Brasil perde 5,4 pontos percentuais de densidade produtiva, com as regiões perdendo, do maior para o menor: Norte, -7,1 p.p.; Sudeste: -5,9 p.p.; Sul: -3,2 p.p.; Nordeste: -2,9 p.p.; e Centro-Oeste: -0,9 p.p. Na fase inicial deste período analisado - nos anos de 1996 e 2005 - a região Sudeste liderava, entre as macrorregiões, o valor da densidade da indústria de transformação; contudo, já em 2015, a densidade se tornou superior na região Nordeste (42,5%), seguida por Sudeste (41,9%) e Sul (40,5%).

Na contramão da queda da densidade na indústria de transformação, a atividade extrativa aumentou seu índice de densidade produtiva, contribuindo para a sustentação do índice global de densidade da indústria nacional. O índice nacional saiu de 57,2% em 1996 e atingiu 71,8% em 2015, com crescimento líquido de 14,6 pontos percentuais. Este resultado favorável do Brasil foi em grande medida gerado nas regiões Norte e Sudeste, que aumentaram, respectivamente, sua densidade em 23,5 p.p. e 17,1 p.p. no período, em função dos ganhos significativos nos estados do Pará (Norte) e Espírito Santo e Rio de Janeiro (em atividade de petróleo, principalmente). A região Sul também apresentou crescimento do índice de densidade, de 0,8 p.p., embora com intensidade muito baixa. Nas demais regiões do país, os índices de densidade pioraram, com queda de -4,4 p.p. no Norte, de -1,6 p.p. no Centro-Oeste e de -1,1 p.p. no Nordeste.

O patamar do índice de densidade produtiva na atividade extrativa é bem superior ao da indústria de transformação em todas as regiões e todos os anos analisados. Este fato indica que nesta atividade o processo produtivo contém maior autonomia frente a componentes importados que a atividade da indústria de transformação. A região Nordeste liderava entre as macrorregiões o índice de densidade da indústria extrativa em 1996 (67,6%), seguida pela região Norte, com 60,6%. Passados vinte anos, em 2015, a liderança regional cabe à região Norte (84,1%) e ao Sudeste, com 70,8%. Nordeste aparece em terceira posição, com 66,6%. A região Centro-Oeste, em que os recursos naturais são base de sua estrutura econômica, se encontra com relativamente baixo índice, 58,2%.

Evidências adicionais dos padrões de especialização setorial nas regiões podem ainda ser obtidas por meio da contribuição de cada grupo de indústria definido pelo fator competitivo para o total do VTI em cada região. A Tabela 5 a seguir traz os elementos mais significativos para a investigação. Em maior parte das grandes regiões brasileiras - Norte, Nordeste e Sudeste - as indústrias baseadas em recursos naturais apresentam as mais elevadas taxas de crescimento, o que contribuiu para a alteração na composição regional de atividades industriais em prol da extração/processamento de recursos naturais.

Tabela 5
Contribuição percentual (%) do Grupo de Indústria ao Crescimento do VTI Regional, por fator competitivo no período 1996-2015

Apenas as regiões Sul e Centro-Oeste destoaram desse padrão muito centrado em elevada ampliação das atividades baseadas em recursos naturais. No Sul, o grupo de baseados em mão de obra apresentou taxas bastante significativas, que contribuíram para o aumento de sua participação no total do VTI regional, cuja participação relativa sairia de 23,7% para 65,4%. No Centro-Oeste, o destaque, em termos de expansão, esteve nas industrias baseadas em escala - com poder de alterar a sua posição na composição relativa de 16,1% para 32,4% entre 1996 e 2015 - ainda que as atividades intensivas em recursos naturais tenham uma alta representatividade no VTI regional.

Os grupos de indústria baseados em economias de escala e em tecnologias diferenciadas - os quais respondem pelos ramos de atividades de mais elevado conteúdo de capital - estiveram claramente em desvantagem na reestruturação produtiva recente. Suas taxas de crescimento do VTI não permitiram que a participação na composição regional apresentasse aumento, como seria desejável num processo virtuoso de mudança estrutural.

Elementos essenciais desta análise, em meio ao quadro de nuances bem variadas, devem ser registrados. No Brasil recente, são os grupos de indústria intensivos em recursos naturais que têm emprestado força expansionista para a maioria das economias regionais, inclusive para a mais industrializada, o Sudeste. Fugiram a esta tendência a região Sul, em que as atividades baseadas em mão de obra foram mais relevantes (41,7 p.p.) e o Centro-Oeste, com um crescimento de 16,3 p.p. das indústrias intensivas em escala.

3.4 Tendências de concentração e desconcentração produtiva: o território das Aglomerações Industriais Relevantes (AIRs)

O debate da desconcentração produtiva ganha novos contornos quando acessado por meio do recorte ou escala territorial das microrregiões geográficas. Na década de 1990, Diniz (1993DINIZ, Clélio C. Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3. n. 1, 1993. e 1995)DINIZ, Clélio C. A dinâmica regional recente da economia brasileira e suas perspectivas. Brasília, DF: Ipea, 1995. (Texto para Discussão, n. 375). e Diniz e Crocco (1996)DINIZ, Clélio C.; CROCCO, Marco Aurélio. Reestruturação econômica e impacto regional: o novo mapa da indústria brasileira. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, 1996. trouxeram para a discussão regional brasileira o conceito de aglomeração industrial relevante (AIR), correspondendo à microrregião geográfica com 10 mil ou mais empregos industriais em cada ano. Com o objetivo de investigar a força das economias de aglomeração produzidas pela indústria no território nacional, verificaram, para os anos de 1970, 1980 e 1991, que estava em curso no país um processo de “desconcentração concentrada” e restrita a um chamado polígono industrial que, grosso modo, compreendia um certo número representativo de microrregiões industriais das regiões Sudeste e Sul do país. Resultou desta análise que o problema da concentração da atividade industrial não se resumia à relação Sudeste versus demais regiões, mas sim a que o campo aglomerativo e de atração da indústria no Brasil crescia a partir da região metropolitana de São Paulo em direção ao interior do estado, passando em seguida para as demais economias da própria região Sudeste e, finalmente, para a região Sul.

Este veio de pesquisa teve desdobramentos subsequentes em Saboia (2001SABOIA, J. A. Descentralização industrial no Brasil na década de noventa: um processo dinâmico e diferenciado regionalmente. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 11, n. 2. 2001. e 2013)SABOIA, J. A. Continuidade do processo de desconcentração regional da indústria brasileira nos anos 2000. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 23, n. 2, p. 219-278, maio/ago. 2013. e Abdal (2017)ABDAL, Alexandre. Desenvolvimento regional no Brasil contemporâneo: para uma qualificação do debate sobre desconcentração industrial. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 2, p. 107-126, 2017., trabalhos que - pelo emprego de dados mesorregionais posteriores a 1991 e o conceito de AIRs - continuaram a concluir pela desconcentração territorial da indústria para além do polígono preferencial nas regiões Sudeste e Sul. A análise aqui apresentada atualiza este debate por meio de dados do valor da transformação industrial (VTI) e população ocupada (POC) do IBGE para o período 1995-2015, apontando algumas das dinâmicas regionais mais relevantes das AIRs5 (5) Diferentemente de Diniz (1993, 1995) que considera apenas os empregos da indústria de transformação, para o cálculo recente das AIRs foram considerados também os empregos da indústria extrativa. A razão para esta mudança está na maior importância relativa que assumiram as atividades extrativas minerais (petróleo, minérios de ferro, etc.) e agrícolas (soja, milho, outras) na estrutura produtiva nacional a partir os anos 2000 em face à expansão da demanda externa por tais commodities. Não apenas o nível de emprego nas atividades correspondentes foi aumentado como seu conteúdo tecnológico avançado (caso da extração de petróleo) contribuiu para uma reconfiguração técnica para o segmento da indústria extrativa. . Em particular, avançou-se neste artigo um recorte das aglomerações relevantes por classe de tamanho de população, de maneira a compreender mais amplamente a relevância de escalas regionais de aglomeração e seu papel na atratividade da indústria.

O quadro geral das AIRs em termos de sua quantidade, do número de empregos industriais e de empresas, traz novidades. Partindo de um total de 85 em 1995, as AIRs vão sucessivamente se ampliando até atingir um total 160 unidades em 2015. São 75 novas aglomerações industriais no país, número que, praticamente, duplica a situação original em 1995. Desse modo, se constata que, em meio ao forte ajustamento produtivo, com baixa produtividade e predominância de expansão do VTI em grupos de atividades baseados em recursos naturais e mão de obra - como visto anteriormente -, o território nacional para as aglomerações industriais não se encolheu no período.

Responderam as AIRs em 1995 por 80,9% (3,8 milhões) do total do emprego industrial do país, cifra que se elevou para 82,6% em 2005 e para 84,5% (6,2 milhões) em 2015 (Tabela 6). Os empregos na indústria extrativa foram multiplicados por três no período, levando sua participação no total a se elevar de 1,0% para 2,1% do total das AIRs. As atividades da indústria de transformação são a parte mais significativa do emprego das AIRs (com parcela superior a 95% do total em cada ano).

Tabela 6
Quantidade, número de empregos e número de empresas das aglomerações industriais relevantes* * Aglomerações industriais relevantes correspondem a microrregiões geográficas com 10 mil ou mais empregos industriais em cada ano. , em anos escolhidos entre 1995 e 2015

A distribuição regional das AIRs por tamanho de população revela aspectos significativos da dinâmica territorial das aglomerações industriais nos anos escolhidos, de 2000 e 2015 (Tabela 7). Nota-se, em primeiro lugar, confirmando o padrão reconhecido por Diniz (1993)DINIZ, Clélio C. Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3. n. 1, 1993., que é no Sudeste onde o número de AIRs de todos os tamanhos de população é maior. Sua participação no total nacional das AIRs foi de 48,5% em 2000, reduzida para 45% em 2015, a despeito de o número absoluto ter ainda aumentado no período: passou de 48 para 72 AIRs, num total nacional de 160 no Brasil. Juntamente com a região Sudeste, é no Sul que a atividade industrial encontra sua melhor localização. Nesta, o número de AIRs passou de 28 para 45 entre 2000 e 2015, isto é, de 28,3% para 28,1% do total nacional em cada ano. Portanto, a região manteve sua participação em aglomerações industriais no período.

Tabela 7
Brasil e Regiões Quantidade, população e produtividade média das aglomerações industriais relevantes* * AIRs são microrregiões geográficas do IBGE com mais de 10 mil empregos industriais. , por região e tamanho de população em 2000 e 2015

O tecido industrial brasileiro apresenta-se fortemente imerso no território metropolitano e de grande dimensão de população. Em 2015, as 29 AIRs com população acima de 1 milhão de habitantes correspondiam a um total de 84 milhões de habitantes, ou 62% do total da população nas AIRs brasileiras. A região Sudeste detinha neste ano, por sua vez, 57,1% do total nacional deste grupo superior de população. Lemos e Cunha (1996)LEMOS, Mauro Borges; CUNHA, Altivo Almeida. Novas aglomerações industriais e desenvolvimento regional recente no Brasil. Revista Econômica do Nordeste, v. 27. n. 24. p. 725-761, 1996. haviam dado foco a este tema em investigação sobre regiões industriais no período 1986-1994, constatando a estreita relação entre hierarquia urbana e economias de aglomeração. Por outro lado, e corroborando com a importância dos processos de urbanização e seu adensamento, inexistem AIRs em microrregiões com população inferior a 100 mil habitantes no território nacional.

Quanto ao comportamento observado para a produtividade média, aqui obtida pela razão entre o valor adicionado bruto e a população ocupada, as AIRs apresentam produtividade mais elevada quanto maior o tamanho de população correspondente. Este padrão predomina para o conjunto do Brasil e tem como expressões mais representativas os padrões nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste.

Em 2000, a produtividade média regional da indústria nas AIRs foi superior à média nacional em todos os tamanhos de população na região Sudeste, no conjunto das metrópoles nortistas (muito mais em função de Manaus do que de Belém), e no grupo de AIRs com população entre 500 mil e 999,9 mil habitantes no Centro-Oeste. Nas regiões Sul e Nordeste, em todos os tamanhos de população, a produtividade se mostrou abaixo da nacional de seu grupo. Em 2015, por sua vez, a produtividade média foi maior em todos os tamanhos de população de AIRs do Centro-oeste, as quais se tornaram superiores às médias da registradas na região Sudeste.

No geral, a produtividade média em cada grupo, definido por tamanho de população por AIRs, somente foi superior à média nacional do mesmo grupo, nos anos verificados, na região Sudeste. Contudo, já em 2015, as AIRs no Centro-Oeste apresentaram elevados valores de produtividade e, até mesmo, acima dos padrões da região Sudeste. Contudo, vale observar que a regra geral que prevaleceu no período foi de queda no valor absoluto da produtividade, entre 2000 e 2015, em todas as regiões. Sem dúvida, a forte depressão econômica que se instalou no país neste último ano foi fatal para a redução no valor adicionado bruto por pessoa empregada da indústria.

O debate sobre o polígono da desconcentração concentrada da indústria. Nos estudos originais de Diniz (1993DINIZ, Clélio C. Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3. n. 1, 1993. e 1995)DINIZ, Clélio C. A dinâmica regional recente da economia brasileira e suas perspectivas. Brasília, DF: Ipea, 1995. (Texto para Discussão, n. 375). e Diniz e Crocco (1996)DINIZ, Clélio C.; CROCCO, Marco Aurélio. Reestruturação econômica e impacto regional: o novo mapa da indústria brasileira. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, 1996., a preocupação fundamental foi asseverar a existência de uma área poligonal onde se localiza a dinâmica industrial brasileira: as AIRs que perfazem este polígono preferencial para a atividade industrial estão situadas exclusivamente em porções das regiões Sudeste e Sul do país6 (6) A região do polígono industrial, segundo descrita por Diniz, é delimitada pela área que abrange Belo Horizonte-Uberlândia (MG) - Londrina/Maringá (PR) - Porto Alegre (RS) - Florianópolis (SC) - São José dos Campos (SP) - Belo Horizonte (MG) (Diniz, 1993). Corresponde ao grupo de AIRs de maior valor agregado e também de elevadas taxas de crescimento do emprego no período 1970-1991 do país, localizadas nas regiões Sul e Sudeste. Neste grupo, seguindo a especificação adotada pelo autor, ficaram de fora as microrregiões do estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo que cresceram pouco ou decresceram o nível de emprego à época (ver notas explicativas ao pé da Tabela 8). . Compõem, portanto, um território relativamente homogêneo e favorável ao desenvolvimento das atividades industriais de maior valor agregado.

Posteriormente, Saboia (2001SABOIA, J. A. Descentralização industrial no Brasil na década de noventa: um processo dinâmico e diferenciado regionalmente. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 11, n. 2. 2001. e 2013)SABOIA, J. A. Continuidade do processo de desconcentração regional da indústria brasileira nos anos 2000. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 23, n. 2, p. 219-278, maio/ago. 2013. e Abdal (2017)ABDAL, Alexandre. Desenvolvimento regional no Brasil contemporâneo: para uma qualificação do debate sobre desconcentração industrial. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 2, p. 107-126, 2017. também investigaram o caso brasileiro. Com algumas alterações metodológicas, pelo uso de dados mesorregionais, estes autores concluíram que, pelo menos até 2011, o polígono preferencial ainda se constituía em área relevante para a indústria brasileira. Esta conclusão é compatível, em cada um dos estudos, com o fato de que também se verifica a desconcentração espacial da indústria ora dentro do polígono - com crescimento mais acentuado em número de AIRs de menor tamanho de população em detrimento das mais consolidadas, caso em geral das regiões metropolitanas do Sudeste -, que ocorre com mais vigor; ora para fora do polígono, em direção a AIRs do Centro-Oeste, Nordeste e Norte, com menor força.

Os dados do período 1996-2015, apresentados na Tabela 8, trazem evidências de que esta área poligonal continua a se revelar o espaço relevante da atividade industrial no país, contudo, sua força aglomerativa apresenta sinais de reversão. Verifica-se, inicialmente, que a parcela de AIRs do polígono no total nacional de AIRs diminuiu, entre 2000 e 2015, passando de 69,7% para 65,6%.

Tabela 8
Brasil Quantidade, população, trabalhadores e produtividade média em aglomerações industriais relevantes* * AIRs são microrregiões geográficas do IBGE com mais de 10 mil empregos industriais. , por região dentro e fora do Polígono Preferencial em 2000 e 2015 Como proporção (%) do total das AIRs do Brasil

Este polígono preferencial foi responsável por 77,1% do emprego industrial das AIRs em 2000. Em seguida, sua participação diminuiu para 67,9% em 2015. Este território preferencial continua a responder por 2/3 do emprego e também do valor agregado industrial das aglomerações industriais no país no ano recente. No interior do polígono, as AIRs de maior tamanho de população perderam posição relativa no VAB da indústria, o qual passou de 71,0% em 2000 para 61,6% em 2015.

Houve uma nítida alteração, neste período, nos níveis de produtividade das aglomerações extra-polígono, com ganhos bem pronunciados resultando, em 2015, em valores superiores aos das aglomerações intra-polígono. Outra distinção nos valores de produtividade média por trabalhador (PMeT), entre as AIRs do polígono e as do não-polígono, é a relacionada à dispersão - e, portanto, à heterogeneidade produtiva - da média da PMeT entre os grupos de AIR por tamanho de população: é maior na área fora do polígono nos dois anos considerados. Observa-se no recorte dos grupos de AIRs fora do polígono, segundo tamanho de população, que é forte a elevação da produtividade no grupo de menor tamanho, passando de 62,7% da média nacional do grupo em 2000 para 142,3% da média nacional em 2015. Na outra ponta, no grupo de maior tamanho de população, houve redução da produtividade do trabalho: de 110,1% da média nacional do grupo em 2000 para apenas 76,8% da média em 2015.

A dinâmica de localização da indústria no Brasil, portanto, alia elementos de desconcentração em escala macrorregional - em que o Sudeste perde e as demais regiões brasileiras ganham - com elementos da escala microrregional, com contínua, ainda que fraca, redução da participação do polígono industrial representado por microrregiões com elevado nível de emprego industrial nas regiões Sul e Sudeste. A área definida pelo polígono apresentou taxas de evolução entre 2000-2015 de seu VAB (1,3% ao ano) bem menos expressivas que o conjunto das AIRS localizadas fora do polígono (3,9% ao ano), demonstrando a perda de representatividade no conjunto da indústria nacional.

Conclusões

A investigação demonstrou a continuidade do processo de desconcentração regional das atividades industriais no Brasil nas últimas duas décadas (1995-2015). Este processo atual é, contudo, bastante distinto da desconcentração ocorrida entre 1970-1991 quando a indústria ainda se constituía em elemento dinâmico da economia nacional.

O padrão predominante na produção industrial é de ritmo baixo de crescimento do valor agregado. Os grupos de indústria que mais se expandiram são aqueles relacionados com a base de recursos naturais e/ou intensivos em mão de obra. Grupos de indústria ligados a uma orientação tecnológica e inovativa tiveram presença pouco expressiva no novo contexto. Constatou-se redução da produtividade média real das atividades industriais, exceto no grupo das indústrias baseadas em recursos naturais. Por fim, a densidade produtiva da indústria, dada pela relação VTI/VBPI, mostra flagrantes sinais de declínio em todas as grandes regiões; é mais forte, entretanto, na região Sudeste, núcleo da estrutura industrial brasileira.

Adentrando-se no território das microrregiões com empregos industriais - as aglomerações industriais relevantes - o estudo concluiu pela expansão expressiva no número de aglomerações industriais relevantes (AIRs) no país como um todo, porém, de maneira significativa ainda muito concentrado nas regiões mais industrializadas, localizadas no Sudeste e Sul.

A tese da desconcentração concentrada foi avaliada mediante investigação da área poligonal de preferência da indústria no Brasil, correspondente a um subconjunto de AIRs localizadas nas regiões Sudeste (exceto as microrregiões do estado do Rio de Janeiro, Espírito Santos e a micro de Monte Alegre em Minas Gerais) e Sul (exceto as microrregiões de Pelotas e Litoral Lagunar no Rio Grande do Sul). A participação relativa deste polígono foi reduzida na geração do VAB nacional de 74,3% em 2000 para 66,3% em 2015, embora, como se pode notar, responda ainda por expressivos 2/3 do VAB nacional das AIRs. As aglomerações industriais nas regiões fora do polígono, por sua vez, aumentaram sua parcela no produto da indústria por meio de uma taxa mais forte de expansão do VAB, de 3,9% ao ano no período, enquanto a área do polígono se expandiu a taxa menor, de 1,3% ao ano.

Em tom de conclusão: o processo de desconcentração das atividades industriais no período recente de 1995-2015 apresenta evidentes sinais de continuidade na trajetória que, segundo literatura citada, vem do período 1970-1991. Contudo, relevantes diferenças na dinâmica industrial são observadas entre os dois períodos, sugerindo que o processo de desconcentração não se estabelece em trajetória retilínea. Na verdade, ele ocorre muito mais no sentido sugerido por Cano (1998)CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970 e 1970-1995. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998., de desconcentração espúria, quando se manifesta na presença de perda de elos da cadeia produtiva tanto em perspectiva inter-regional quanto na intersetorial, e menos explicada por uma trajetória de fortalecimento do tecido industrial com ampliação e renovação de cadeias produtivas, a qual viesse influenciar uma possível expansão também no território da área poligonal.

  • (1)
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o órgão oficial do governo brasileiro, ligado ao Ministério do Planejamento, para realização das contas econômicas nacionais e regionais, bem como os dados censos populacionais.
  • (2)
    A taxonomia originalmente proposta por Pavitt (1984)PAVITT, Keith. Sectoral patterns of technical change: Towards a taxonomy and a theory. Research Policy, n. 13, p. 343-373, 1984. organiza ramos industriais em três tipos básicos segundo suas caraterísticas inovativas: indústrias dominadas pelo fornecedor e de comportamento passivo quanto à aplicação de inovações (supplier dominated); indústrias intensivas em escala de produção (production intensive); e indústrias baseadas em conhecimento (science based).
  • (3)
    Para mais detalhes sobre a metodologia ver OCDE (1987)OCDE. Structural adjustment and economic performance. Paris: OCDE, 1987. e aplicações práticas para a União Europeia em Borbély (2004)BORBÉLY, Dora. Competition among cohesion and accession countries: comparative analysis of specialization within the EU market. European Institute for International Economic Relations. University of Wuppertal, Jul. 2004. (Discussion Paper, n. 122). Available at: https://welfens.wiwi.uniwuppertal.de/fileadmin/welfens/daten/EIIW_Disbeitraege/disbei_122.pdf.
    https://welfens.wiwi.uniwuppertal.de/fil...
    e para o Brasil em Nassif (2008)NASSIF, André. Há evidências de desindustrialização no brasil? Revista de Economia Política, v. 28, n. 1, 2008.. Os ramos de atividade que compõem cada grupo de indústria são os seguintes segundo a classificação brasileira oficial CNAE 2.0 do IBGE: a) Intensivos em recursos naturais: Extração de: carvão mineral; petróleo e serviços relacionados; minerais metálicos; minerais não metálicos; Fabricação de: produtos alimentícios e bebidas; produtos de fumo; produtos de madeira; celulose, papel e produtos de papel; coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool; e produtos minerais não metálicos; b) Intensivos em mão de obra: Fabricação de: produtos têxteis; artigos de vestuário e acessórios; preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados; produtos de metal (exceto máquinas e equipamentos); móveis e industrias diversas; reciclagem; c) Indústrias baseadas em escala: Edição, impressão e reprodução de gravações; fabricação de produtos químicos e farmacêuticos; artigos de borracha e plástico; metalurgia básica; fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias; d) indústrias de tecnologias diferenciadas: Fabricação de máquinas e equipamentos; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e e) indústrias baseadas em ciência: Fabricação de: equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos; outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores; manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos.
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    Sampaio (2015)SAMPAIO, Daniel Pereira. Desindustrialização e estruturas produtivas regionais no Brasil. Tese (Doutorado)-Instituto de Economia. Universidade estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, 2015 e Monteiro e Lima (2017)MONTEIRO, Fagner D. S. C.; LIMA, João Policarpo Rodrigues. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 27, p. 247-293, 2017., com dados para o período 1996-2011, confirmaram a trajetória de perda da densidade produtiva e, por consequência, verificaram a paulatina redução dos efeitos de encadeamento intersetoriais da indústria brasileira.
  • (5)
    Diferentemente de Diniz (1993DINIZ, Clélio C. Desenvolvimento Poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 3. n. 1, 1993., 1995)DINIZ, Clélio C. A dinâmica regional recente da economia brasileira e suas perspectivas. Brasília, DF: Ipea, 1995. (Texto para Discussão, n. 375). que considera apenas os empregos da indústria de transformação, para o cálculo recente das AIRs foram considerados também os empregos da indústria extrativa. A razão para esta mudança está na maior importância relativa que assumiram as atividades extrativas minerais (petróleo, minérios de ferro, etc.) e agrícolas (soja, milho, outras) na estrutura produtiva nacional a partir os anos 2000 em face à expansão da demanda externa por tais commodities. Não apenas o nível de emprego nas atividades correspondentes foi aumentado como seu conteúdo tecnológico avançado (caso da extração de petróleo) contribuiu para uma reconfiguração técnica para o segmento da indústria extrativa.
  • (6)
    A região do polígono industrial, segundo descrita por Diniz, é delimitada pela área que abrange Belo Horizonte-Uberlândia (MG) - Londrina/Maringá (PR) - Porto Alegre (RS) - Florianópolis (SC) - São José dos Campos (SP) - Belo Horizonte (MG) (Diniz, 1993). Corresponde ao grupo de AIRs de maior valor agregado e também de elevadas taxas de crescimento do emprego no período 1970-1991 do país, localizadas nas regiões Sul e Sudeste. Neste grupo, seguindo a especificação adotada pelo autor, ficaram de fora as microrregiões do estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo que cresceram pouco ou decresceram o nível de emprego à época (ver notas explicativas ao pé da Tabela 8).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2018
  • Aceito
    10 Maio 2019
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