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Economia regional e a produção do urbano crítico: lições de Wilson Cano

Regional economy and the formation of the critical urban theory

Resumo

Este ensaio rende tributo à reflexão intelectualmente crítica, do Professor Wilson Cano para com a urbanização brasileira. Resgata aspectos relevantes dos seus estudos sobre o urbano, com ênfase no Nordeste. Sua interpretação do urbano foi construída a partir de uma visão global do desenvolvimento, onde a urbanização decorre das grandes transformações estruturais que o país sofre, especialmente a partir da industrialização. Ele nos ensinou entender as interrelações do urbano com o rural e os nexos que disso decorrem para alterar o urbano. Segue o caminho metodológico que ele mesmo indicou, rigorosamente, em suas análises. Indaga sobre as ações e omissões do Estado no processo da urbanização regional, com destaque para sua atuação associada a orbita privada do capital mercantil, e na capacidade de reciclagem dessa forma de capital. Rende homenagem ao valioso legado de sua ampla agenda de pesquisa distinguindo aspectos importantes da relação entre o desenvolvimento e a urbanização.

Palavras-chave:
Cano, Wilson, 1937-2020, Urbanização; Nordeste

Abstract

This article pays tribute to Professor Wilson Cano’s intellectually critical reflection on Brazilian urbanization. It retrieves relevant aspects of his studies on the urban area, with an emphasis on the Northeast. His interpretation of urban areas was built from a global vision of development, where urbanization results from the major structural changes that the country is undergoing, especially as a result of industrialization. He taught us to understand the interrelationships between urban and rural areas and how the resulting connections change urban areas. It follows the methodological path that he himself rigorously indicated in his analyzes. He examines the actions and omissions of the State in the process of regional urbanization, with an emphasis on its performance associated with the private orbit of mercantile capital, and on the recycling capacity of this form of capital. It pays homage to the valuable legacy of his broad research agenda, distinguishing important aspects of the relationship between development and urbanization.

Keywords:
Cano, Wilson, 1937-2020, Urbanization; Northeast

Introdução

Escrever este artigo é uma forma de, sem muitas pretensões, render tributo à reflexão intelectualmente sólida, criativa, combativa, crítica e comprometida de Wilson Cano e, ao mesmo tempo buscar, sob suas lições, sistematizar um caminho seguro para subsidiar pesquisas e buscar soluções para os recorrentes e crescentes problemas da urbanização do Nordeste brasileiro.

O trabalho de Cano teve desdobramentos em várias direções. Foi inspirada nos seus ensinamentos que comecei a refletir sobre a relação entre agricultura e urbanização na história econômica e urbana do Nordeste, seguindo o caminho metodológico que ele mesmo indicou. Num artigo publicado na Revista Reforma Agrária (“Agricultura e Urbanização”, Campinas, ABRA, abr./jul. 1986), em plena Nova República e Plano Cruzado, ele ressaltou que a reflexão socioeconômica sobre os problemas da agricultura e sobre a urbanização deveria ser realizada de forma integrada, e propõe que as preocupações acadêmicas se voltem para uma reflexão que tente entender o fenômeno urbano não apenas como fruto de sua própria evolução, mas como resultante, também, do processo de desenvolvimento rural. Numa crítica à visão “intramuros”, estudou a dinâmica da urbanização utilizando um espectro mais detalhado de relações de interdependência setorial com os vários compartimentos sociais e econômicos do urbano e do rural. Dentro da economia urbana, deu ênfase às múltiplas relações entre os setores industriais e os serviços, lançando luz à própria dinâmica dos componentes do atual setor de serviços. Ainda, adentrando no estudo da urbanização brasileira, não poderia fugir das indagações sobre ações e omissões do Estado no planejamento urbano, no uso do solo e de suas políticas sociais, bem como dos agentes na órbita privada - o capital mercantil e o capital imobiliário construtor.

Observou o movimento da urbanização em pelo menos três dimensões: a. demográfica e migratória, que vai mostrar as tendências de crescimento do urbano; b. socioeconômica, que conecta as políticas dessa natureza à dinâmica urbana dos municípios de pequeno e médio porte e das metrópoles; c. a intraurbana, que aponta para questões de habitação, infraestrutura, serviços públicos e bens de consumo coletivo. Em seus textos “Agricultura e Urbanização” (Cano, 1986CANO, Wilson. Agricultura e urbanização. Reforma Agrária, Campinas, ABRA, 1986.; 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011.) e “Explosão Urbana e Reforma Agrária” (Cano, 1985bCANO, Wilson. Explosão urbana e reforma agrária. In: SEMINÁRIO A PRIMEIRA PROPOSTA DO PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA DA NOVA REPÚBLICA E O BRASIL NOS ANOS 80. ABRA/CEDEC/UNESP, São Paulo, ago. 1985b. p. 98-103. Anais...; 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011.) reafirma que as políticas agrícolas, agrárias e sociais no campo seriam fundamentais para o planejamento econômico e urbano do país e reconhece uma “complexa e crescente” interação entre agricultura, indústria e serviços. Além de destacar, dentro do próprio setor urbano as relações entre os setores da economia, lança um farol na “dinâmica autônoma que o próprio movimento demográfico e social urbano pode imprimir sobre a dinâmica da economia urbana” (Cano, 2011aCANO, Wilson. Novas determinações sobre as questões regionais e urbanas após 1980. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 13, n. 2, 2011a., p. 10). Num de seus primeiros projetos sobre a economia urbana no Brasil, “Economias regionais e a produção do urbano crítico”1 1 Destacando a generosidade e o zelo que sempre teve com seus alunos, esse projeto “guarda-chuva” abrigou 3 doutorados (Jorge Natal, Maria do Livramento Clementino e Mário José de Lima (in memorian); e, os mestrados de José Antônio Bufon e Carlos Américo Pacheco. procurava “entender as interrelações do urbano com o rural e os nexos que disso decorrem para alterar o urbano” (Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011., p. 10). Entre outros propósitos buscava indagar sobre as ações e omissões do Estado no processo da urbanização regional, com destaque para sua ação e atuação associada a orbita privada do capital mercantil, e na capacidade de reciclagem dessa forma de capital na dinâmica da urbanização brasileira.

Ao tratar do tema da urbanização, partiu das interrelações mantidas com o meio rural, mostrando os pontos de convergência e as contradições delas resultantes para definir a acumulação capitalista no urbano. A região Nordeste, como grande laboratório e objeto empírico, atende ao necessário enquadramento histórico da metodologia adotada por Cano, uma vez que situava o urbano e as regiões no quadro histórico de evolução da divisão inter-regional do trabalho. Nessa perspectiva mais ampla do processo de urbanização, nos ensinou que o urbano flui das estruturas de propriedade e para entendê-lo precisava perseguir as transformações que decorrem das contraditórias relações entre rural e urbano. Nesse sentido, a formação e a história regional do Nordeste ajudam a compreender o caráter desigual, excludente e retrógado da urbanização brasileira. Com fidelidade ao método, nos ensinou que é fundamental retroceder aos antecedentes da integração dos mercados, quando as regiões brasileiras eram ilhas economicamente distintas (Cano, 1981CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz Editores, 1981.) dando origem à aliança entre o latifúndio improdutivo e a especulação urbana, propiciada pelo capital mercantil. Sempre ressaltando a relação entre o desenvolvimento desequilibrado das regiões e a trajetória da urbanização nas regiões do país de modo diferenciado.

Rompido o isolamento relativo das regiões, os agentes capitalistas mercantis se acomodaram nos espaços concorrenciais deixados pelas formas mais avançadas de capital que nelas ingressavam, muitas vezes travestindo-se com aparências mais modernas. Melhor dizendo, trata-se de um rural que se reproduziu no urbano (Cano, 1981CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz Editores, 1981.). Segundo o autor, uma industrialização rápida e intensa como a brasileira, que impôs drásticas mudanças no campo, e foi acompanhada por um processo de urbanização que foi “suportável” entre 1929/33 até 1962, transitou aceleradamente para uma situação “descontrolada”, “explosiva”, no período 1962-1974, chegando em estado “caótico” nos anos de 1980. Cabe ressaltar que os últimos textos de Cano que tratam explicitamente da questão urbana foram publicados em 2011, quando reuniu seus “ensaios sobre a crise urbana” em livro2 2 Conjunto de ensaios, cujo tema central é a economia urbana no Brasil escritos majoritariamente na década de 80 do século passado, preparados para uma disciplina do Programa de doutoramento sobre economia do setor público no EI/Unicamp. (Cano, 2011, p. 9) . No mesmo ano, publica o artigo “Novas determinações sobre as questões regionais e urbanas após 1980”3 3 Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 13, n. 2, 2011. desenhando uma ampla agenda de pesquisa e de proposições: âmbito geral, regional e urbano. No entanto, não chegou a estender e desdobrar as análises de aspectos importantes da relação entre o desenvolvimento e a urbanização no século XXI. Mesmo assim, indicou novos problemas que remarcam e ampliam na atualidade aquilo que o autor chamou de “urbanização caótica” e propôs uma periodização para as novas determinações dos processos de desenvolvimento regional e urbanização: 1980-1989: a “Década Perdida”, 1989-2003: quando “o receituário neoliberal implicou na submissão consentida dos países subdesenvolvidos à Nova Ordem, representada pelos preceitos contidos no chamado Consenso de Washington”; e, o 2003-2010: propõe “refletir sobre os caminhos e cenários mais prováveis e, daí, pesquisar os efeitos que deles emanariam sobre as dinâmicas de crescimento nacional e regional e do processo de urbanização” (Cano, 2011aCANO, Wilson. Novas determinações sobre as questões regionais e urbanas após 1980. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 13, n. 2, 2011a., p. 33-37). Arrisca, a partir de um exercício de simulação alguns prognósticos e a proposição de uma agenda de pesquisa. Em seu último texto, “Brasil - construção e desconstrução do desenvolvimento” (Cano, 2017CANO, Wilson. Brasil - construção e desconstrução do desenvolvimento. Economia e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 2 (60), 2017. ), suas proposições foram de âmbito geral. Mesmo assim, sua ampla agenda de pesquisa regional e urbana compõe valioso legado para aqueles que incessantemente constroem o pensamento crítico da economia brasileira e para as futuras gerações de pesquisadores.

Este artigo percorre suas contribuições fundamentais da questão (regional) urbana no Brasil, e no Nordeste, em particular. Procura resgatar os aspectos mais relevantes dos seus estudos urbanos na perspectiva do Nordeste, “com base em uma concepção histórico-dinâmica e contraditória do desenvolvimento capitalista e dos rebatimentos regionais e urbanos decorrentes de tal processo”. Através do método histórico-estrutural, “identifica-se, em suas análises, o exame rigoroso da formação dos complexos regionais, dos movimentos de concentração e desconcentração espacial impulsionados pela industrialização e das determinações da questão fundiária para a urbanização” (Brandão, 2020BRANDÃO, Carlos Antônio; OLIVEIRA, Fábio Lucas Pimentel; GUIMARÃES NETO, Leonardo; SANTOS, Valdeci Monteiro. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 22, 2020., p. 1).

O texto está estruturado a partir da periodização guardada por Cano no conjunto de sua produção crítica sobre a relação entre o desenvolvimento e a urbanização. Além dessa introdução, três itens: 1) Em direção a uma visão integrada da agricultura e urbanização; 2) A produção do urbano crítico sob a perspectiva do Nordeste até a “urbanização caótica”; e 3) Novas determinações do século XXI com a agenda de pesquisa a título de considerações finais

1 Em direção a uma visão integrada da agricultura e urbanização

Os primeiros trabalhos que demonstram um interesse da economia pelas questões da territorialidade e do espaço datam do início do século XIX. Naquele momento, os problemas espaciais nomeadamente da “localização ótima” das atividades econômicas e da população sempre foram relegados para uma posição de somenos importância. Nada representavam quando comparados com o do crescimento e estabilidade das economias nacionais. Tanto mais que havia a ideia de que as questões do espaço (vantagens de localização, economias de tempo, etc.) podiam ser associadas ao fator tempo. Elemento que contribui para (desviar) entusiasmar os economistas na direção das pesquisas dos modelos dinâmicos.

Por outro lado, o longo predomínio da análise marginalista vem contribuir ainda mais para a manutenção do atraso no desenvolvimento da teoria da dinâmica econômica e, com efeito, os pressupostos marginalistas não são compatíveis com a compreensão do tempo. Muito menos deste, numa perspectiva histórica. Diferentemente, Wilson Cano propõe estudar e planejar o urbano como o produto de uma dinâmica socioeconômica que transcende os limites do urbano, entendendo o processo de urbanização como reestruturação das relações entre o campo e a cidade, e portanto, através de uma perspectiva histórica, espacializada e em uma concepção metodológica integrativa da economia rural e urbana (Cano, 1985aCANO, Wilson. Dinâmica da economia urbana de São Paulo: uma proposta de investigação. Revista de Administração de Empresas, v. 25, n.1, p.15-25, jan./mar. 1985.).

As relações entre desenvolvimento econômico, a dinâmica da acumulação de capital e a dinâmica da urbanização têm sido estudadas de maneira específica, quando no entender de Cano a dinâmica da economia urbana “deveria ser pensada num plano global e integrado da economia” (Cano, 1985aCANO, Wilson. Dinâmica da economia urbana de São Paulo: uma proposta de investigação. Revista de Administração de Empresas, v. 25, n.1, p.15-25, jan./mar. 1985., p. 15). Outras disciplinas das Ciências Sociais (Geografia, Demografia e Sociologia) vem a integrar a economia nos estudos regionais e urbanos, dando um passo decisivo na compreensão do espaço urbano.

A chamada economia urbana data dos anos 50 do século XX4 4 A reconstrução das cidades europeias no Pós 2ª Grande Guerra muito contribuiu para o crescente interesse e peso das áreas urbanas nas economias dos países por ela destroçados. Consequentemente, o aparecimento de problemas qualitativamente diferentes dos que se colocavam até então. , e o seu contributo na análise do funcionamento do espaço se equipara aos paisagistas, urbanistas, arquitetos, geógrafos, etc., e acreditando nos cenários que se desenham para o futuro, terá cada vez maior peso, na análise dos problemas econômicos globais. O interesse pelo urbano sempre progressivo, vem revelando um crescimento explosivo das áreas urbanas, quer em número quer em dimensão. Em 2016, 1,7 bilhão de pessoas, ou 23% da população mundial, morava em cidades com pelo menos 1 milhão de habitantes. Até 2030, uma população projetada de 27% das pessoas em todo o mundo estará concentrada nesse porte de cidades (UN, 2017UNITED NATIOS. Department of Economic and Social Affairs. World population prospects: the 2017 Revision. Jun. 2017.). E, mais preocupante que a concentração da população mundial em grandes cidades, será sua concentração em grandes cidades de determinados países, como por exemplo, o Brasil. Até 2030, uma população projetada de 730 milhões viverá em cidades com pelo menos 10 milhões de habitantes, representando 8,7% das pessoas do mundo (UN, 2017UNITED NATIOS. Department of Economic and Social Affairs. World population prospects: the 2017 Revision. Jun. 2017.).

No Brasil, temos dois processos aparentemente contraditórios: a multiplicação de cidades e a concentração da população total e urbana em metrópoles (foi mantida em 32,2 % no Censo de 2010 em relação a 2000). O grau de urbanização da população brasileira no ano 2000 que era de 81,2% com uma população total de 174,8 milhões de pessoas passa para 195,7 milhões em 2010, elevando a taxa de urbanização para 84,5% (conforme Censos do IBGE). Acelerando a redução absoluta e relativa do fluxo rural-urbano iniciado nos anos 60 e 70.

Como pode ser observado, o crescimento da população e a sua contínua concentração em cidades abrem um leque de questões que mesmo amplamente estudadas são recolocadas a todo momento para aqueles que, como Wilson Cano, se preocuparam (e se preocupam) em realizar estudos focados na relação entre o desenvolvimento econômico e a urbanização. A centralidade do fenômeno urbano, a mundialização desigual da urbanização, a crescente dissociação entre a concentração de riqueza, poder e população no sistema mundial e no interior das cidades nos mostram que a globalização transforma o modelo urbano mundial.

Cano nos ensinou que a urbanização é o resultado de um processo histórico e, nesse sentido, a separação campo-cidade é inerente ao processo de divisão territorial e social do trabalho. Segundo ele, a estrutura interna de uma nação depende do estágio de desenvolvimento alcançado por sua produção e por suas relações interna e externa. Melhor dizendo, as experiências históricas vêm demonstrar que no capitalismo o processo de desenvolvimento econômico por si só determina o processo de urbanização e, nesse sentido, a separação campo-cidade é inerente ao processo de divisão territorial e social do trabalho. A estrutura interna de uma nação depende, pois, do estágio de desenvolvimento alcançado por sua produção e por suas relações interna e externa.

Aprendi, com Cano, que um meio satisfatório de rever a teoria é recorrer às fontes originais. Seguindo essa pista, nos parece útil rever brevemente a seguinte passagem de MARX nas “Formens”: “A maior divisão do trabalho material e mental é a separação da cidade e campo. O antagonismo entre cidade e campo começa com a transição da barbárie para a civilização, da tribo para o Estado, da localidade para a nação e percorre toda a história da civilização até nossos dias”. E acrescenta: “a existência da cidade implica, ao mesmo tempo, a necessidade de administração, de polícia, de impostos, etc., em resumo: do município e, pois, da política em geral”. Aí, primeiramente, tornou-se expressa a divisão da população em duas grandes classes, diretamente baseada na divisão do trabalho e nos instrumentos de produção. “A cidade já é na realidade a concentração de população, de instrumentos de produção, de capital, de prazeres, de necessidades, enquanto o campo representa, justamente o oposto, seu isolamento e separação” (Marx, 1981MARX, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. , p. 118).

Nesta perspectiva, a área rural (e não a cidade) é o ponto de partida da organização social. A cidade é produzida na medida em que as formas de propriedade existentes vão se transformando em capital industrial ou, como diz o próprio Marx “os vários estágios de desenvolvimento da divisão do trabalho são apenas outras tantas formas diversas de propriedade” (Marx, 1981MARX, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. , p. 118).

Não é preciso resgatar Marx muito além desse ponto para diferenciar e, ao mesmo tempo, referenciar o surgimento da cidade do processo de urbanização. Entretanto, a proposta de Wilson Cano de uma alternativa metodológica para estudar e planejar o urbano não em seus específicos limites e sim como produto de uma dinâmica socioeconômica que transcende os limites do urbano, requer, ainda, retirar de Marx a ideia de que o desenvolvimento definitivo do capitalismo exige o advento do mercado. O elemento teórico fundamental por trás desse processo é o próprio desenvolvimento do mercado interno de um país de regime de produção capitalista. De acordo com Lênin “o processo fundamental da criação do mercado interno (quer dizer, do desenvolvimento da produção mercantil e do capitalismo) é a divisão social do trabalho. Apoia-se em que da agricultura se separam, um após outro, diferentes tipos de transformação das matérias-primas (e diferentes operações dessa transformação) e formam-se ramos industriais com existência própria que trocam seus produtos (que agora já são mercadorias) por produtos da agricultura. Dessa maneira, a própria agricultura se transforma em indústria (quer dizer, em produção de mercadorias) e nela se opera idêntico processo de especialização” (Lênin, 1974LÊNIN, V. I. El desarrollo del capitalismo en Rusia. Moscow: Edições Progreso. 1974 (1. ed. 1899)., p. 54).

Nessa perspectiva, a separação campo-cidade é a forma concreta que assume o desenvolvimento capitalista na agricultura. O desenvolvimento do mercado interno no capitalismo destrói as formas de produção anteriores, seja na agricultura ou na indústria, abrindo espaço para a produção capitalista. Agora, sob condições “fabricadas” (no caso da agricultura) ou “de fábrica” no caso da indústria, esse longo processo de transformação da base técnica da produção capitalista, que é genericamente conhecido por modernização, culmina no que chamamos de industrialização, também da agricultura. Completa-se o processo de urbanização na medida em que a agricultura se torna uma das indústrias. Campo e cidade não estão mais separados nas suas relações de produção e acumulação. Mantêm suas singularidades, suas funções, sua relativa autonomia, suas contradições, porém, não mais estarão em oposição.

Nosso objetivo de rever, brevemente, esses originais residiu na pretensão de encontrar que fios condutores atravessam diversas unidades espaciais e temporais cujas similitudes não aparecem só nas manifestações mais aparentes da chamada problemática regional e urbana brasileira. Embora não conduza de forma imediata e direta uma compreensão da urbanização em contextos socioeconômicos específicos, permite-nos logo perceber que através dos processos de natureza histórica e econômica se torna possível entendê-la com uma das objetivações possíveis do urbano na história. Entender o processo de urbanização como reestruturação das relações entre campo e cidade, requer a compreensão de que o avanço da urbanização decorre tanto do incremento de uma economia urbana como da própria transformação do mundo agrário.

De acordo com Roberto Montemor “o sentido amplo que se dá hoje ao conceito de urbano, de inspiração neo-marxista, precisa ser clarificado para evitar incompreensões e eventuais interpretações anacrônicas que podem mascarar a natureza particular da produção urbano-industrial do espaço” (Montemor, 2005MONTEMOR, Roberto. A relação urbano-rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2, Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, 2005. Anais..., p. 2)5 5 Inspirado em Lèfevre, o autor discute a emergência e a natureza do “urbano” contemporâneo e suas relações com a cidade, com o campo e com o espaço natural para em seguida tratar das contradições campo-cidade e urbano-industrial. . Muitas foram as transformações ocorridas nos últimos tempos, particularmente, nos últimos dois séculos, na cidade e no campo. No século XX, a cidade “transformou-se em espaço precípuo da própria produção, reunindo classe dominante e classe dominada em um mesmo espaço e assim subordinando definitivamente o campo à sua dominação” (Montemor, 2005MONTEMOR, Roberto. A relação urbano-rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2, Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, 2005. Anais..., p. 2); agora, não apenas por sua organização, mas também por sua maior produtividade. “A cidade passou a ser o espaço da vida coletiva e também território da produção industrial moderna, concentrando as condições de produção exigidas pela indústria. Logo, a vida urbana não mais se referia apenas à cidade, mas também à indústria e ao processo de produção e consumo de seus produtos, bem como à reprodução das relações de produção capitalistas formadas e desenvolvidas no contexto urbano industrial. O campo, perdeu seu caráter potencialmente autossuficiente após sua subordinação total à cidade industrial” (Montemor, 2005MONTEMOR, Roberto. A relação urbano-rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2, Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, 2005. Anais.... p. 4).

Várias foram as tentativas de compreensão das transformações modernas. Marx já alertava que às etapas diversas da divisão do trabalho correspondem distintas formas de propriedade. Nas formas que antecederam o capitalismo (propriedade feudal, comunal, estatal) o que constitui a base da ordem econômica é a produção de valores de uso. Com o capitalismo, e sob o regime de propriedade privada do solo e da produção de mercadorias, as próprias parcelas de terras adquirem valor de troca (Marx, 1979, p. 708 e seguintes). Henri Lefèbvre propôs que a dominação da indústria impondo sua lógica de produção centrada no valor de troca sobre a cidade, como lugar privilegiado do valor de uso da sociedade, teria subordinado a cidade à lógica industrial. “É nesse sentido que se pode dizer que o meio urbano deixa de ser o espaço da cidade para se transformar no espaço social total” (Montemor, 2005MONTEMOR, Roberto. A relação urbano-rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2, Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, 2005. Anais..., p. 8).

Na medida em que as fronteiras entre urbano e o rural se tornam difusas e não mais exigem para sua compreensão do estabelecimento de “raias divisórias”, as cidades e os campos ganham, ao mesmo tempo, diversidades em suas homogeneidades. “Contêm, do mesmo modo, processos de competição e cooperação, mesmo que gerenciados pelas cidades e limitados pela autossuficiência relativa que ainda mantêm” (Montemor, 2005MONTEMOR, Roberto. A relação urbano-rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2, Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, 2005. Anais..., p. 8). Segundo o autor, “o campo, até então predominantemente isolado e autossuficiente, passou a depender da cidade para sua própria produção, das ferramentas e implementos aos bens de consumo de vários tipos, chegando hoje a depender da produção urbano-industrial até para alimentos e bens de consumo básico” (Montemor, 2005MONTEMOR, Roberto. A relação urbano-rural no Brasil Contemporâneo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 2, Santa Cruz do Sul, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, 2005. Anais..., p. 8).

Neil Brenner, afirma que na atualidade essas reorientações coincidem temporalmente com transformações espaciais, reposicionamentos institucionais e mobilizações sociais em larga escala (Brenner, 2018BRENNER, Neil. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2018., p. 263). Explica o significado e a escala das condições urbanas nos dias de hoje considerando: a) que as geografias da urbanização estão adquirindo morfologias novas que fazem explodir a antiga divisão entre campo e cidade; b) que nas principais regiões do mundo os governos tem impulsionado, de modo seletivo, matrizes vinculadas ao investimento de capitais internacionais e o desenvolvimento urbano em seus territórios; e, c) que dentro dessa reorganização socioespacial e regulatória vem se cristalizando uma nova luta social urbana. Sendo esses aspectos multifacetados, voláteis e contraditórios, requerem novas forma de planejamento espacial (Brenner, 2018BRENNER, Neil. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2018., p. 263-270).

Montemor chama de “urbanização extensiva” a que ocorreu no Brasil para além das cidades e áreas urbanizadas, e que carregou com ela as condições urbano-industriais de produção (e reprodução) como também a práxis urbana e o sentido de modernidade e cidadania (Montemor, 2006MONTEMOR, Roberto. O que é o urbano no mundo contemporâneo. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 111, p. 9-18, jul./dez. 2006.). Corroborando com Montemor, Brenner (2018BRENNER, Neil. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2018.), se propôs a entender a “hinterlândia urbanizada”. Inspirado na ideia de Montemor, sugere que um processo emergente de “urbanização extensiva” está produzindo um tecido urbano que, ao invés de se concentrar unicamente em pontos nodais específicos ou em regiões metropolitanas, agora também vem costurando diversas porções espaciais do mundo, tornando portanto obsoleta a distinção tradicional entre urbano e rural (Brenner, 2018BRENNER, Neil. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2018.)6 6 Brenner entende a urbanização extensiva como a produção de paisagens operacionais que apoiam e que são continuadamente transformadas (mutações) pelas formas de urbanização concentrada. São paisagens cada vez mais industrializadas, infraestruturadas e fechadas em si próprias eram tratadas através de conceitos tradicionais como os de hinterlândia, rural, interior, e isso dificulta uma teoria que relacione dialeticamente e historicamente caminhos específicos que de modo mais apropriado expliquem as geografias da urbanização (concentrada). .

Para resgatar a especificidade da urbanização brasileira no século XXI, há certos processos históricos que é necessário reconstituir. Chegar até contextos urbanos específicos carece de mediações. É por esse motivo que Oliveira (1982OLIVEIRA, Francisco de. O ESTADO e o Urbano no Brasil. Revista Espaço & Debates, São Paulo, n. 6, jun./set. 1982.) fala da dificuldade em estabelecer um corpo consistente de teorização para o caso brasileiro. As lições de Wilson Cano relacionadas ao tema da urbanização partiram do tratamento das inter-relações mantidas com o meio rural e evidenciou nexos e contradições delas decorrentes para definir a acumulação na cidade. Dotado de um método pragmático, alheio ao empirismo restritivo e ao universalismo teoricista (como diz Brandão, 2021BRANDÃO, Carlos Antônio. Pacto de dominação interna e o papel do capital mercantil ontem e hoje no Brasil: dialogando com Wilson Cano. 2021. (Inédito).), ele alertava sobre o necessário enquadramento histórico do processo que se pretendia analisar (Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011.; 2011aCANO, Wilson. Novas determinações sobre as questões regionais e urbanas após 1980. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 13, n. 2, 2011a.)

Cano (1986CANO, Wilson. Agricultura e urbanização. Reforma Agrária, Campinas, ABRA, 1986.), com muita propriedade, encaminha as necessidades de entendimento do desenvolvimento do capitalismo (e da urbanização) no Brasil à compreensão da questão basilar da heterogeneidade estrutural das economias latino-americanas e brasileira posta pelos antigos cepalinos na década de 1980, como Fajnzilber (1983FAJNZILBER, Fernando. La industrialización trunca de América Latina. México: Nueva Imagem, 1983.) e Tavares (1981TAVARES, Maria da Conceição. Problemas de Industrialización avanzada en capitalismos tardíos e periféricos. Economia de América Latina, México, CIDE, n. 6, p. 21-42, 1. sem. 1981.).

É frequente associar a ideia de “progresso” com os processos de crescimento urbano e industrialização e supor que estes têm entre si uma relação estreita e necessária. Tal suposição sugere que a forma como o progresso técnico é introjetado é homogênea e contínua. Assim sendo, ao avançar sua modernização industrial um país tem condições “automáticas” para modernizar a agricultura e para desenvolver as atividades terciárias necessárias para suportar a modernização da agricultura e da indústria. Enfim, este progresso técnico tem condições de harmonizar muito mais rapidamente as relações intersetoriais.

Este é o caso dos países desenvolvidos onde o processo de industrialização se deu de forma relativamente mais homogênea do que a dos países subdesenvolvidos. Nos países de capitalismo avançado o processo de urbanização é contínuo já que não implica, como nos países em desenvolvimento, - em distintas variações no ritmo de introjeção do progresso - tempo, espaço e setores produtivos.

Segundo Fajnzilber (1983FAJNZILBER, Fernando. La industrialización trunca de América Latina. México: Nueva Imagem, 1983.) e Tavares (1981TAVARES, Maria da Conceição. Problemas de Industrialización avanzada en capitalismos tardíos e periféricos. Economia de América Latina, México, CIDE, n. 6, p. 21-42, 1. sem. 1981.), a heterogeneidade estrutural é uma especificidade do capitalismo retardatário. Resumidamente, “decorre do fato de que os países subdesenvolvidos, em sua transição para o capitalismo, o fizeram de uma forma duplamente retardatária. Primeiro, porque o fizeram após os países ‘centrais’ terem atingido processos avançados de industrialização. Segundo, e, principalmente, porque o fizeram após o capitalismo superar a etapa do capitalismo concorrencial e com crescente internacionalização” (Cano, 1986CANO, Wilson. Agricultura e urbanização. Reforma Agrária, Campinas, ABRA, 1986., p. 10).

Fernando Fajnzilber, ao tratar do caráter “truncado e distorcido” da industrialização latino-americana, aponta que há uma disritmia entre a modernização da indústria e dos demais setores que não conseguem se adequar convenientemente à dinâmica do setor industrial. Segundo o autor, existem profundas diferenças no padrão de industrialização dos chamados países de industrialização tardia em relação às economias avançadas apesar de uma “afinidade morfológica geral” revelada na liderança dos setores da metal mecânica, da química e no padrão energético (petróleo-intensivo), em grande parte resultante da generalização do padrão industrial dos EUA após a 2a Guerra Mundial. Longe de configurar uma “imagem fiel mas temporariamente defasada” da industrialização das economias avançadas, as economias latino-americanas configuraram uma imagem distorcida que ainda hoje evidencia sua relativa “disfuncionalidade” com respeito às carências e potencialidades da região. As altas taxas de crescimento populacional e a histórica concentração da renda impõe de imediato uma base completamente diferente daquela em que se assenta a industrialização nas economias avançadas (Fajnzilber, 1983FAJNZILBER, Fernando. La industrialización trunca de América Latina. México: Nueva Imagem, 1983., p. 222).

Tal fato acarreta sérias dificuldades à urbanização. Quando o progresso chega ao mundo rural, expulsa mão-de-obra e a cidade não é capaz de absorver os contingentes populacionais liberados pela modernização, porque o progresso técnico não gerou encadeamentos intersetoriais necessários; com sérias repercussões sobre a questão do salário e do emprego urbanos.

Resulta que um país de capitalismo retardatário - como o Brasil - tem desproporções setoriais tanto de modernidade como de funcionalidade com relações técnicas. Ou seja, o país não consegue internalizar todos os benefícios advindos da introjeção do progresso técnico. Se internaliza a modernidade de forma parcial, a mão-de-obra liberada não consegue lugar no mercado de trabalho urbano. Por outro lado, como a indústria não avança no ponto que precisaria avançar, também não avança a produção de serviços modernos e a construção civil, passando o mercado de trabalho urbano a ser a geratriz de toda uma problemática da expansão da atividade produtiva: o homem expulso do campo (historicamente) vai engrossar as fileiras do desemprego e subemprego urbanos.

O recurso à utilização do conceito de heterogeneidade estrutural na análise da urbanização considerando as desigualdades regionais, requer, além da visão mais ampla da questão basilar da heterogeneidade estrutural, considerar a herança histórica de cada uma das regiões e a dinâmica das economias regionais. Ao ser privilegiada a questão regional, é possível deduzir que os processos históricos de desenvolvimento econômico de cada uma das regiões do país vão ensejar diferentes processos de urbanização: uns mais atomizados, outros mais articulados e até os que apresentam uma lei hierárquica de cidades. Todos, no entanto, muito diferentes entre si.

2 A produção do urbano crítico sob a perspectiva do Nordeste

A abordagem histórica e estrutural do desenvolvimento favorece uma análise multidisciplinar do processo de urbanização como recurso estratégico para a compreensão das especificidades do capitalismo a nível nacional. A urbanização passa a ser vista como expressão concreta de um certo estágio de desenvolvimento da divisão social do trabalho determinada pela combinação de diferentes formações regionais na estruturação do desenvolvimento do capitalismo no território nacional (Faria; Gonçalves, 1988FARIA, Vilmar; GONÇALVES, Flora. O processo de urbanização no Brasil e seu estudo: evolução no último meio século. In: ENCONTRO ANUAL DA ABEP, 4, 1988. Anais... ).

Desse modo, partindo do desenvolvimento econômico brasileiro (à luz da constituição de um modo de produzir especificamente capitalista e considerando o passado histórico das regiões) Cano ensinou ser possível pensar o desenvolvimento econômico como síntese de processos divergentes entre si e que expressam cada um com feições regionais (e locais) diferentes (Cano, 1985CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1970. São Paulo, Global/Unicamp, 1985.).

No Brasil, a economia cafeeira, por exemplo, tem uma história completamente diferente daquela vivenciada por outras regiões. Existia um suporte urbano muito grande devido à comercialização, do financiamento e do transporte do café. Por conseguinte, a economia cafeeira gera uma rede urbana da maior importância de fins do século XIX. Já a agroindústria açucareira nordestina gerou uma outra forma de explicitação urbana. A economia açucareira entra em crise nos séculos XVII a XIX, provocando uma “paralisia” urbana e deixando como herança um grande excedente demográfico, uma estrutura fundiária perversa e uma agricultura retrógrada. Diferentemente da economia cafeeira paulista, apresentou, a partir do século XIX fraca dinâmica de crescimento, uma indústria debilitada e um urbano com frágeis estruturas terciárias. Como resultado, observa-se uma urbanização não concentrada, geográfica e economicamente dispersa em nove capitais regionais e vinte cidades de porte médio interiorizadas (Cano, 1989CANO, Wilson. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 9, n. 1, jan./mar. 1989. ).

Observa-se que a junção de diferentes processos históricos com as diferenças oriundas da heterogeneidade estrutural dos setores produtivos resulta em um processo de urbanização muito complexo (Clementino, 1990CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Complexidade de uma urbanização periférica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1990.). Cano (1989CANO, Wilson. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 9, n. 1, jan./mar. 1989. ), observa como se insere e evolui o processo de urbanização nas quatro grandes fases que correspondem às mudanças ocorridas no processo de acumulação de capital no Brasil. A periodização utilizada por ele é a de Cardoso de Melo (1975CARDOSO DE MELO, João Manuel. O capitalismo tardio. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.).

O primeiro momento refere-se à economia colonial, quando os países periféricos (Brasil) eram produtores mercantis para fomentar a acumulação primitiva do capitalismo originário inglês (antigo sistema colonial). Nesse contexto, cabia ao Nordeste produzir cana-de-açúcar para o mercado europeu. A colocação do açúcar no mercado da Europa sofria a intermediação comercial de Portugal baseada no exclusivo colonial, permitindo àquele país a extração do excedente internamente no Brasil. A “cidade” no Brasil, (e no Nordeste) atendia aos interesses imediatos do colonizador e desempenhava função político-militar e mercantil (Clementino, 1990CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Complexidade de uma urbanização periférica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1990.).

A segunda fase (1886-1930) diz respeito ao surgimento de novas relações econômicas e políticas a nível mundial, e aos países periféricos cabe a complementariedade da produção mercantil para rebaixar os custos de reprodução da força de trabalho e de outros elementos componentes do capital constante. Agora deveria ser constituída uma periferia que produzisse alimentos e matérias-primas em massa e a baixos preços que favorecesse a valorização do capital do centro hegemônico. Por outro lado, agora a periferia deveria apresentar mercados para a produção industrial. Na opinião de Wilson Cano, nesse momento a cidade (no Brasil) é montada “em cima” da urbanização organizada pelo antigo colonizador. Internamente, este momento marca as origens da indústria têxtil (1886-29), quando o capital industrial nacional encontrava-se subordinado ao capital mercantil e predominava a “economia exportadora capitalista” (Cano, 1981CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz Editores, 1981.).

No nosso entender, nesse momento muda o papel da cidade no Brasil. Agora, elas exerciam o papel de centros do capital comercial baseados no controle da produção agrícola voltada para a exportação. Antes, no período colonial, esse controle era feito “de fora” diretamente ou em segunda mão pela agenciação do capital mercantil. A acumulação se dava “para fora” embora ficasse “dentro” (Brasil) uma parcela do lucro mercantil. O rural era duplamente subordinado: a) pela metrópole europeia compradora da produção; e, b) pela “cidade” como intermediária entre produtores e compradores. Logo, a economia colonial, ao promover a supremacia do capital comercial, criava cidades marcadamente burocráticas e permitia desde já a divisão entre campo e cidade, a polarização de cidades (dependentes da monocultura) e a pobreza urbana (Clementino, 1990CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Complexidade de uma urbanização periférica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1990.).

Diferentemente, durante a “economia exportadora capitalista” se está diante de um (primeiro) movimento de nacionalização do capital pela maior retenção de uma parte do excedente internamente, portanto, diante da necessidade de uma infraestrutura que atenda também necessidades do mercado nacional em gestação. Esta infraestrutura criada pelo Estado apresenta em suas origens as características da concentração industrial no Centro-Sul - notadamente - em São Paulo. Nesse estado, a economia cafeeira gera no período 1886-1930 uma rede urbana significativa. O Estado, ao potencializar o processo de acumulação, criou uma infraestrutura básica compatível tanto com a reprodução do capital como com a reprodução da força de trabalho (Clementino, 1990CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Complexidade de uma urbanização periférica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1990.).

O Nordeste, ao contrário, apresenta poucas modificações em relação a “paralisia” urbana deixada como herança pela crise açucareira dos séculos XVIII e XIX. Nunca é demais lembrar o isolamento relativo das regiões brasileiras em geral, e do Nordeste, em particular, até 1930 (Cano, 1981CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz Editores, 1981.; 1985CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1970. São Paulo, Global/Unicamp, 1985.). Consequentemente, onde o capital produtivo não constitui o setor hegemônico da economia, o Estado não se obriga, necessariamente, a viabilizar as condições de produção e reprodução do capital e da força de trabalho. Essas condições, quando advêm, estão referidas ao fato de que a burguesia industrial emergente não detém o controle do Estado. Sendo este no Nordeste, mais do que no Centro-Sul, mera projeção da oligarquia agrária, submete-se, desfigura a cidade, regride a formação da rede urbana e consegue uma urbanização tão ou mais medíocre que a dos tempos da colônia.

O terceiro momento 1930-55, refere-se às mudanças políticas e sociais no pós-30, principalmente as verificadas nos padrões de acumulação de capital, quando o capital industrial (nacional) subordina o capital mercantil e assume, embora de forma restringida, o comando da acumulação. Dá-se o crescimento econômico “para dentro” com a consequente ampliação da rede urbana e hierarquização de cidades a nível nacional. Porém, a herança era um sistema de cidades “para fora”, relativamente incompatível com as nossas necessidades de integração do mercado nacional. Tal fato resulta em um sistema urbano complexo, passível de adaptações. Com a industrialização (restringida), a cidade passa a ser a sede do aparelho produtivo, sede da indústria, que exige uma nova urbanização, que antes se resumia em sustentar as funções de circulação e distribuição dos produtos de exportação. Com a nova urbanização cria-se a necessidade de fortalecimento de um setor terciário cuja função é sustentar a expansão urbana dos processos de industrialização (Oliveira, 1982OLIVEIRA, Francisco de. O ESTADO e o Urbano no Brasil. Revista Espaço & Debates, São Paulo, n. 6, jun./set. 1982.).

A partir de 1930 é que começa a avolumar-se as dificuldades de interpretação da realidade regional brasileira. No Nordeste, se mantém a estrutura da economia exportadora e o domínio do capital mercantil7 7 Sobre o capital mercantil, Wilson Cano publicou em 2010 um texto teórico analítico “sobre os efeitos da dominação do capital mercantil em vários espaços rurais brasileiros e sobre sua ação no mundo urbano, travestido de capital imobiliário, incorporador ou construtor”. Aliás, segundo o autor, a face urbana desse capital no Brasil é a de “maior expressão econômica” (Cano, 2010; Cano, 2011, p. 198). . É reconhecido por vários autores que, no Nordeste e em outras partes da periferia nacional, a estrutura da economia exportadora reagiu ao que Celso Furtado chamou de “deslocamento do centro-dinâmico da economia” (Furtado, 1982FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 18. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982.) no sentido de preservar a reprodução de sua base material - a grande propriedade fundiária. Essa reação às transformações requeridas pelo processo de desenvolvimento capitalista abriu espaço para que o capital mercantil continuasse a comandar a maior fração do processo de acumulação na região, perdendo muito pouco terreno para o capital industrial mesmo mais adiante, quando havia se completado o processo de constituição das bases produtivas do desenvolvimento do capitalismo no país.

O que aconteceu no Nordeste? Segundo Cano, não se modificara a função principal de suas cidades (a de circulação e distribuição de produtos) uma vez que “o Nordeste continua a ser uma célula primário-exportadora” (Cano, 1989CANO, Wilson. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 9, n. 1, jan./mar. 1989. ). No entanto, mesmo a cidade permanecendo “para fora”, sofre novos condicionamentos indutores à transformação de sua rede urbana.

Mesmo estando explícita nesse novo momento a função principal de suas cidades, na opinião de Cano, o que passa a ocorrer no Nordeste é uma situação diferente, se comparada com a região Centro-Sul (São Paulo). O Nordeste era uma região que exportava diretamente para o exterior e que importava, via Rio de Janeiro, praça distribuidora, tanto dos produtos que o Brasil importava como dos produtos produzidos em outros estados. A indústria têxtil, por exemplo, já existia (no Nordeste) desde a segunda metade do século XIX. Sugere, ainda, que produtos antes importados pelo Nordeste (do país ou do exterior, via Rio de Janeiro) passem a ser produzidos na própria região (Cano, 1989CANO, Wilson. Urbanização: sua crise e revisão de seu planejamento. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 9, n. 1, jan./mar. 1989. ).

Mesmo colocada essa possibilidade, persiste saber se o Nordeste conseguiu adaptar-se à modernização provocada pela industrialização restringida e quais as novas necessidades colocadas pela integração do mercado nacional de mercadorias. O trabalho de Wilson Cano é fundamental à explicação destas indagações, porque analisa a evolução de um quadro econômico marcado por complexos regionais para um outro de uma economia industrial nacionalmente integrada (Cano, 1981CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. São Paulo: T.A. Queiroz Editores, 1981.; 1985CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1970. São Paulo, Global/Unicamp, 1985.).

Foi a partir dessa abertura que Leonardo Guimarães discutiu a questão regional Nordeste fazendo crítica contundente às análises e propostas de desenvolvimento que consideram o Nordeste fora do contexto mais geral do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Embora o trabalho que seguramente estabeleceu um marco na reinterpretação do Nordeste tenha sido o de Francisco de Oliveira (1977OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1977.), privilegiamos a tese de Guimarães (1986GUIMARÃES NETO, Leonardo. Nordeste: da articulação comercial à integração econômica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1986.; 1989GUIMARÃES NETO, Leonardo. Introdução à formação econômica do Nordeste. Recife: Editora Massangana, 1989.), uma vez que ele examina a passagem da articulação comercial à integração econômica tendo Cano como principal referência, além da preocupação de fazer sua abordagem pela perspectiva do Nordeste.

Segundo o autor, o momento da “industrialização restringida” implicou além das mudanças no aparelho produtivo concentrado no Sudeste, uma articulação em base prevalentemente comercial, sob o evidente comando do capital produtivo; ou seja, “sem a transferência do capital produtivo do espaço onde está concentrado para as demais áreas em busca de novas frentes de investimento” (Guimarães, 1986GUIMARÃES NETO, Leonardo. Nordeste: da articulação comercial à integração econômica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1986., p. 1l3). Em se falando de Nordeste, isso não acontece até os anos 60; e o que predomina “é o escoamento da produção, a busca de mercado, a realização da produção industrial concentrada no Sudeste. O Nordeste neste particular ainda guarda sua individualidade, dada a especificidade de sua reprodução de capital ou as formas como o processo de acumulação assume” (Guimarães, 1986GUIMARÃES NETO, Leonardo. Nordeste: da articulação comercial à integração econômica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1986., p. 1l3). Em outras palavras, significa dizer que o “ajustamento” a que o Nordeste foi submetido dá-se a partir das próprias funções do capital, localizadas e originárias da região, sem a participação do capital produtivo extrarregional.

Nesta fase fica evidenciado que, simultaneamente com o aumento da concentração industrial em São Paulo, ocorre uma intensificação da competição inter-regional, resultando em “perda de mercado no interior do próprio Nordeste, com a intensificação da ‘invasão’ de alguns segmentos do seu mercado por produção extrarregional” notadamente têxtil e alimentos, inclusive o açúcar (Guimarães, 1986GUIMARÃES NETO, Leonardo. Nordeste: da articulação comercial à integração econômica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1986., p. 120). Por outro lado, essas transformações econômicas ocorriam num contexto no qual mudanças institucionais se faziam, também, necessárias. A articulação inter-regional cada vez mais intensa exigia novas formas de atuação do Estado na região, bem como a expansão do seu sistema de transportes. No que se refere ao sistema de transportes, houve nesta fase um avanço substancial na articulação entre os diversos espaços econômicos do país. Embora não se tenha progredido mais no tocante ao sistema ferroviário, o sistema rodoviário ampliou consideravelmente o seu raio de ação. Registre-se que internamente o Nordeste iniciou-se na “era do caminhão”. Em razão das secas e da ação do IFOCS (hoje DNOCS), foram construídas grandes extensões de rodovias (Guimarães, 1986GUIMARÃES NETO, Leonardo. Nordeste: da articulação comercial à integração econômica. Tese (Doutorado em Economia)-IE/Unicamp, Campinas, 1986., p. 1l7). Mesmo assim, o desenvolvimento do sistema de transportes é nodular, restringindo-se a articular áreas antes isoladas no próprio espaço regional, conservando o isolamento relativo entre o Nordeste e os mercados mais distantes.

Além do sistema de transportes e do aplainamento dos caminhos que levariam à constituição do mercado interno brasileiro, representado pela quebra das “barreiras” impostas pelos Estados, um elemento adicional de grande significação para a urbanização do Nordeste foi o advento da 2ª Grande Guerra. A participação do Brasil na guerra e os acordos (econômicos e militares) firmados com os Estados Unidos, requeriam a militarização da região8 8 As negociações brasileiro-americanas durante a segunda guerra apresentaram várias dificuldades, agravadas pelo fato de que os objetos de negociação eram múltiplos: fornecimentos de equipamentos, militares, plano de cooperação econômica em escala ampla e projetos de defesa do continente americano (Clementino, 1990, cap. 4). . Consequentemente, foram feitos investimentos urbanos de porte para fixação de homens e armas no litoral nordestino.

Por fim, lembramos que foi no pós-30 que as antigas estruturas entraram num longuíssimo processo de transição que, de certo modo, perdura até hoje. Iniciada nos anos 30, atravessa lentamente as décadas de 40 e 50, para somente nos anos 60 começar a apresentar reais sintomas de transmutação. Um conjunto de forças políticas vêm definir a ação do Estado no Nordeste, sobretudo no final dos anos 50, 60 e 70 do século passado.

Esse longo processo de transição chega aos anos 80 mais ou menos acelerado nos diversos estados nordestinos dependendo dos níveis e/ou graus de integração que o capital mercantil regional tem para com o capital industrial. Nesse sentido o capital regional pode assumir formas reacionárias em alguns momentos e em outros não. Quanto maior a articulação, mais ameaçada estará sua dominação sobre a estrutura produtiva local (Cano, 2010CANO, Wilson. Reflexões sobre o papel do capital mercantil na questão regional e urbana do Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, São Paulo, n. 27, out. 2010.). Daí as estruturas (secularmente) estabelecidas haverem iniciado um processo de concessões/negociações mediadas pelo Estado. A face mais reacionária do capital mercantil detém também a força política. É esse capital que continua fazendo a intermediação comercial e financeira da agro exportação, controlando os canais de comercialização e detendo o controle da propriedade fundiária (rural e urbana). A produção que a suportava historicamente era a pecuária de corte estabelecida no secular binômio sertanejo algodão-gado realizado através de pretéritas relações de produção - a parceria.

Mesmo assim, a fração progressista desse capital mercantil começa a se diferenciar e a se aliar junto com o capital industrial assumindo a função própria do capital comercial no capitalismo. E tudo indica que dessa peculiar aliança resulta a urbanização.

Esse momento está referido às novas mudanças no padrão de acumulação capitalista no Brasil. Ou seja, a partir da ideia da heterogeneidade regional da urbanização no Brasil e da “industrialização do Nordeste”, em particular, consubstanciada com a criação da Sudene em 1959, ressaltamos a importância da década de 1970 como período de maturação de investimentos na região. Somente fazendo as mediações necessárias ao resgate das particularidades que envolvem de forma mais abrangente a problemática econômica, social e política da região Nordeste e, especificamente, as reações e tendências apresentadas pelo desenvolvimento do capital regional frente ao complexo problema da urbanização dessa região (elevados índices de sub ocupação e pobreza) é que chegaremos a compreender a urbanização do Nordeste a partir dos anos 80.

3 O Nordeste na “urbanização caótica”

Durante a fase do “milagre econômico” (1967-1974) à desaceleração e a crise do “milagre” de 1974-80, o produto interno bruto (PIB) nordestino apresentou a expansiva média anual de crescimento de 8,7% contra a de 8,6% obtida pelo Brasil, em razão, fundamentalmente, do volume de investimentos públicos (infraestrutura) e privados (indústria) efetuados durante os anos 60 e 70. No que tange aos aspectos setoriais as transformações estão assentadas no crescimento das atividades industriais, especialmente nas da indústria de transformação e na perda de importância do setor primário (Clementino, 2003CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Rio Grande do Norte: novas dinâmicas, mesmas cidades. In: GONÇALVES, Flora; BRANDÃO, Carlos Antônio; GALVÃO, Antônio Carlos (Org.). Regiões e cidades, cidades nas regiões. São Paulo: Editora da Unesp, 2003. p. 387-404.).

Quando da grande recessão que atingiu o país nos anos 80, provocada pela “crise da dívida” em virtude da cessação dos financiamentos dos países ricos ao “resto do mundo”, em 1982, e da decretação da moratória sobre o serviço da dívida externa em 1987, a economia nordestina foi mais resistente diante do quadro crítico das contas externas do país, apresentando movimento médio anual de 3,3%, contra o de 1,6% registrado pelo Brasil (Clementino,2003CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Rio Grande do Norte: novas dinâmicas, mesmas cidades. In: GONÇALVES, Flora; BRANDÃO, Carlos Antônio; GALVÃO, Antônio Carlos (Org.). Regiões e cidades, cidades nas regiões. São Paulo: Editora da Unesp, 2003. p. 387-404.).

Mesmo durante os problemas decorrentes do déficit público e da hiperinflação que castigaram o país no início dos anos 90, bem como das fortes consequências provocadas pelas crises do México, da Ásia e da Rússia, não chegaram a abalar, de todo, a economia nordestina. A Região registrou crescimento superior ao do Brasil (3,0%).

Essa estrutura produtiva determinada pela implantação de uma “nova indústria” no Nordeste e, portanto, pelos investimentos desconcentrados pela industrialização brasileira e pela intervenção direta do Estado, entra em novo momento a partir de meados dos anos 80. Nesse período, a crise financeira e fiscal do Estado brasileiro, associada à crise externa, impõe a desorganização do modelo desenvolvimentista no país, contextualizada no longo período inflacionário em que mergulhou o Brasil. A crise afeta a economia do Nordeste pelo lado de sua dependência por investimentos públicos (capacidade de investimentos das diferentes esferas de governo, incentivos fiscais, taxa de consumo via emprego e transferências da previdência social).

Esse período de 1980 até 2010, não pode ser percebido como único. Dele, deve ser destacado: a) a década de 70, como momento mais importante e de grandes mudanças na economia regional; b) os anos 80, mesclados pela crise da indústria de transformação no início da década, pela continuidade dos investimentos em petróleo na Bahia e na bacia Potiguar, pelo início dos investimentos privados na fruticultura de exportação e pelos investimentos públicos e privados na infraestrutura para o turismo (a partir de 1985 com o Prodetur); c) na década de 90, a economia do Nordeste absorve os primeiros impactos da opção brasileira por uma inserção passiva (Bacelar, 1997BACELAR, Tânia. Herança de diferenciação e futuro de fragmentação. Estudos Avançados, v. 11, n. 29, p. 7-36, 1997.) no mercado mundial globalizado e reestruturação de sua indústria.

Essas estruturas modernas e ativas são tratadas na literatura especializada ora como frentes de expansão, ora como polos dinâmicos, ora como focos de dinamismo, ora como áreas dinâmicas (Bacelar, 1997BACELAR, Tânia. Herança de diferenciação e futuro de fragmentação. Estudos Avançados, v. 11, n. 29, p. 7-36, 1997.), ora como manchas e até como enclaves (como é o caso do petróleo) (Clementino, 1993).

De acordo com Bacelar (1997BACELAR, Tânia. Herança de diferenciação e futuro de fragmentação. Estudos Avançados, v. 11, n. 29, p. 7-36, 1997.) a heterogeneidade econômica intrarregional resultou em diferentes trajetórias estaduais e metropolitanas. Destaca três subconjuntos socioeconômicos em virtude de diferentes processos de ocupação: a) o “Nordeste” de Sergipe e Bahia, comandado por Salvador, cidade portuária e mercantil, onde se desenvolveu uma burguesia comercial e banqueira; no interior, a cana, o cacau e as zonas sertanejas dominavam. b) o “Nordeste” do Piauí e Maranhão, espaço de transição entre o Nordeste seco e a Amazônia, é visto como área de expansão da fronteira agrícola; c) o “Nordeste” do Rio Grande do Norte até Alagoas, onde a economia açucareira e a pecuária gestavam duas poderosas oligarquias e uma incipiente burguesia industrial. Dele já se distinguia o Ceará pela não existência do complexo canavieiro (Bacelar, 1997BACELAR, Tânia. Herança de diferenciação e futuro de fragmentação. Estudos Avançados, v. 11, n. 29, p. 7-36, 1997., p. 138). Essa heterogeneidade cresceu nas últimas décadas face à convivência pacífica ou não das manchas de modernidade com estruturas tradicionais.

Importantes movimentos da economia brasileira tiveram fortes repercussões no Nordeste também, nos anos 2000. Tendências da acumulação privada, reforçadas pela sempre presente ação estatal na região fizeram surgir diversos subespaços dotados de estruturas econômicas modernas e ativas, focos de dinamismo. Como diz Araujo, 2017ARAUJO, Juliana Bacelar de. Mercado de trabalho e desigualdade: o Nordeste brasileiro nos anos 2000. Tese. (Doutorado em Desenvolvimento Econômico)-IE/Unicamp, Campinas, 2017., cap. 2) “houve neste início do século XXI uma conjuntura socioeconômica que ao focar na distribuição da renda, ofereceu resposta diferente no mercado de trabalho quanto ao comportamento da população desocupada, à fragilidade ocupacional e à obtenção de rendimento com forte repercussão na redução das desigualdades regionais”. Vivenciamos um experimento desenvolvimentista e o crescimento com inclusão social afetou positivamente o Nordeste. Houve redução da desigualdade intrarregional principalmente para os indicadores de mercado de trabalho, renda e demografia (Araujo, 2017ARAUJO, Juliana Bacelar de. Mercado de trabalho e desigualdade: o Nordeste brasileiro nos anos 2000. Tese. (Doutorado em Desenvolvimento Econômico)-IE/Unicamp, Campinas, 2017., cap. 2). Mesmo assim, permanece a histórica heterogeneidade do tecido produtivo regional e as enormes diferenças intra em termos de estrutura produtiva, mercado de trabalho e desigualdades. A economia continua concentrada nas capitais metropolitanas, notadamente, Recife, Salvador e Fortaleza, nos municípios de médio porte que são polos regionais de comercio e serviços e nas novas regiões do agronegócio (Clementino; Pessoa, 2013CLEMENTINO, Maria do Livramento M.; PESSOA, Zoraide Souza. Desenvolvimento urbano. Fortaleza: BNB, 2013. (Nota Técnica ao Estudos Prospectivos sobre o Desenvolvimento do Nordeste). ). O Nordeste vivencia “um quadro promissor”, se comparado ao da década anterior. Rezende et al. (2015), p. 8) identifica três elementos benéficos: 1) expansão acelerada das economias regionais; 2) redução das disparidades regionais nos PIBs per capita estaduais e macrorregionais; e 3) recuperação da capacidade governamental, na forma de instrumentos e recursos, para ativar o desenvolvimento regional. Por sua vez, Araújo ressalta os seguintes pontos: 1) Forte expansão do PIB das cidades médias (de 100 a 500 mil habitantes) e das pequenas (com até 50 mil). Em termos populacionais, enquanto os municípios pequenos cresceram abaixo da média nacional, as cidades médias foram as que mais se expandiram (1,59% ao ano entre 2000 e 2010); 2) Crescimento puxado pelo consumo das famílias mais pobres, com destaque para o crescimento do comércio e dos serviços no Nordeste; 3) queda das desigualdades socioeconômicas, mas com manutenção de desigualdades educacionais regionais ainda expressivas; 4) indústria mais desconcentrada, porém ainda muito concentrada no CentroSul e nas áreas metropolitanas do Nordeste; 5) diversificação dos investimentos produtivos; e 6) ampliação das vagas no ensino superior público e privado (Araujo, 2017ARAUJO, Juliana Bacelar de. Mercado de trabalho e desigualdade: o Nordeste brasileiro nos anos 2000. Tese. (Doutorado em Desenvolvimento Econômico)-IE/Unicamp, Campinas, 2017., cap. 2). Ou seja, um Nordeste já integrado à dinâmica da economia nacional (e global), mas guardando um forte hiato entre seus padrões socioeconômicos e os das regiões mais ricas do país, além da histórica herança de concentração demográfica e econômica no litoral, o processo de crescimento experimentado pelo Brasil nos anos iniciais do século XXI, de um modo geral, lhe foi favorável (Guimarães Neto, 2010GUIMARÃES NETO, Leonardo. Redução das desigualdades regionais. In: MELO, L. C. P. de; SANTOS, M. de M.; GALVÃO, A. C. F. (Coord.). Brasil 2003-2010: trajetórias e resultados. Brasília: CGEE; Recife: CEPLAN, 2010. Nota Técnica.; Araújo, 2013).

Nas cidades, observa-se a diversificação do tecido industrial, com a presença de novos elos de várias cadeias produtivas (em especial em Pernambuco, no Maranhão, no Ceará e na Bahia). Parte importante desses novos empreendimentos só entrará em operação a partir da segunda década do século XXI, como é o caso da siderúrgica no Ceará, da Refinaria e da automotiva em Pernambuco e das indústrias de papel e celulose no Maranhão. Já a ampliação do consumo regional também serviu de estímulo para a instalação e ampliação de diversas indústrias tradicionais de produção de alimentos, bebidas, confecção e calçados, que se espalharam em vários Estados, nas periferias metropolitanas e no interior. Acrescente-se a presença de um conjunto de obras de infraestrutura econômica na região, sobretudo, pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essas novas indústrias e obras de infraestrutura o dinamismo do mercado imobiliário, estimulado pelo Programa Minha Casa Minha Vida, foram importantes para a geração de empregos na construção civil. Associado ao dinamismo do comércio e dos serviços, amplia a rede urbana e a interioriza.

Em suma, as observações aqui descritas não podem ser entendidas somente como desdobramento do desempenho recente da economia regional e sua resultante urbanização. Ao contrário, deve ser buscada pela articulação entre a formação econômica do Nordeste e as transformações recentes da urbanização brasileira, quais sejam: a) interiorização da rede urbana, b) disseminação do fenômeno das aglomerações urbanas, c) e pela existência regional de grandes estruturas urbanas. A malha do Sudeste e Sul, além de abrigar as cidades que comandam a vida econômica do país, é (historicamente) bem mais densa e bem estruturada, enquanto nas demais regiões brasileiras (Nordeste inclusive) predominam os pequenos centros urbanos do país (mais de 5 mil centros de zona ou centros locais, na classificação do IBGE, na REGIC (Região de Influência de Cidades), de 2018). Num outro corte de leitura territorial, reproduz-se nos centros urbanos a concentração litorânea: poucas capitais de estados situam-se fora da faixa litorânea, embora São Paulo e Belo Horizonte façam parte desta exceção, ao lado da própria capital do país - Brasília (Bacelar, 2013BACELAR, Tânia. Desenvolvimento regional brasileiro e políticas públicas federais no governo Lula. In: SADER, Emir (Org). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. Rio de Janeiro, Boitempo, 2013. p. 157-172.).

4 Considerações finais: a agenda de pesquisa, segundo Wilson Cano

Procuramos neste ensaio ressaltar as principais contribuições de Wilson Cano sobre o processo de urbanização no Brasil. Partimos das considerações mais gerais da relação entre agricultura e urbanização para entender o desenvolvimento regional e urbano, particularmente no Nordeste, como ele mesmo ensinou. Na busca de caracterizar a experiência de uma urbanização sustentada a partir da ação decisiva do Estado, a opção pelo Nordeste como motivo para rever as lições de Wilson Cano nos parece exemplar. Aqui, as transformações verificadas no período pós-SUDENE não se deram (marcadamente) pela descentralização industrial. O ponto a ser resgatado se resume no seguinte: o Estado e o capital mercantil regional também constituem o foco da análise e o “elo” teórico capaz de explicitar o conjunto das relações que se estabelecem nesta região e desta com o padrão de desenvolvimento nacional. Destacando-se como viabilizador dessas articulações, de um lado, as ações do Estado e, de outro, as condições prevalecentes na região central. Viabiliza-se por essas articulações dois movimentos: um, a expansão dos capitais produtivos desde a região central até o espaço regional e, o outro, a expansão dos capitais de origem local que assumem uma posição mais solidária em relação à economia da região central. Ambos movimentos, por sua vez, convergem contribuindo para que uma fração da forma capital mercantil assuma novo papel ao nível da sociedade e da economia da região. Destaque-se, particularmente, que a urbanização constitui a expansão mais significativa desse processo. A escolha do Nordeste, não foi, portanto, circunstancial. Nesse sentido é importante entender sua riqueza enquanto campo de investigação.

Wilson Cano colocou ênfase em sua produção acadêmica sobre a questão urbana. Na análise da evolução do período - 1970-1980 - visando detectar os pontos de estrangulamento e conflitos de interesses que constituem entraves ao desenvolvimento urbano. Reuniu algumas observações da trajetória do processo de urbanização no período, explicitadas, em particular no seu livro “Ensaios sobre a crise urbana no Brasil” (Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011.), onde mostrou o urbano “suportável” entre 1929/33 até 1962, transitando aceleradamente para uma situação “descontrolada”, no período 1962-1974, chegando em estado “caótico” nos anos de 1980. No período mais recente, desde a última década do século XX, lembra que houve mudanças nos processos de articulação econômica-territorial do Brasil, reconfigurando a divisão socioespacial do trabalho no país e, ao mesmo tempo, o papel econômico exercido pelos espaços metropolitanos em cada contexto regional. No início dos anos 2000, o Brasil e o Nordeste vivenciaram um processo de dinamização da atividade econômica seguido por uma forte crise econômica e política. Entre 2004 e 2010, observou-se a implementação de uma experiência de crescimento econômico combinada com ampliação e formalização do emprego, queda do desemprego, melhoria da renda e redução das desigualdades.

Todavia, a crise financeira de 2008 atinge o país e reconfigura o cenário internacional, até então bastante favorável, e o país não consegue manter os mesmos patamares observados anteriormente. Nesse novo ambiente, o mercado mundial de commodities, que favorecera o Brasil e o Nordeste, sofre brusca alteração, com declínio significativo de preços. Entre 2011 e 2014 verifica-se, assim, uma desaceleração do ritmo de incremento da atividade econômica nacional e regional, o que sinalizava também o fim do modelo anterior de incremento do PIB. O país entra em crise, com o que apresenta importantes reflexos para o Nordeste e outras regiões, que vinham exibindo importantes taxas de incremento no período do experimento desenvolvimentista. O Nordeste é duplamente atingido pela crise através da retração da atividade econômica e dos investimentos que vinha atraindo, bem como de seus desdobramentos sobre o mercado de trabalho e a renda, consequentemente aprofundando as desigualdades sociais

Para os que estudam a urbanização no Nordeste, Cano especulou sobre o “futuro próximo”, não em termos de exploração de tendências, mas propondo reflexões sobre, que pudessem nos impelir para mudanças que nos permitissem pegar o “bonde da história” (Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011., p. 177) e manter o Brasil competitivo internacionalmente. Apesar de “pouco provável, embora seja possível”, pois essa guinada política teria de ser, inequivocadamente, em direção à democracia, não só para retomada do investimento, mas também para o resgate da enorme dívida social para com a imensa massa de desassistidos. Diz que para que retomemos “a rota abandonada” seria necessário redesenhar políticas “sérias” de desenvolvimento regional e não políticas para o desenvolvimento econômico apenas do interesse das elites regionais. Para Cano, as políticas urbanas têm sido dirigidas ao atendimento dos interesses dos capitais mercantis imobiliário e construtor, cuja mudança exigiria enorme esforço de mudança na representação política local, sempre minada pelos interesses eleitorais e pela corrupção. Entre as suas muitas recomendações (Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011.) distinguiria, ao pensar a expansão, extensão e aumento da densidade da urbanização do Nordeste, algumas de suas valiosas recomendações para uma volta segura de políticas regionais explícitas. Algumas delas estão em curso e sendo desenvolvidas as pesquisas:

  • 1) Mapear os principais focos da expansão urbana recente para esclarecer suas variadas determinações, hoje possível com o auxílio das pesquisas recentes do IBGE (Divisão Regional do Brasil, 2013INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Divisão urbano regional. Rio de Janeiro: IBGE , 2013. e 2017INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Divisão regional do Brasil em regiões geográficas imediatas e regiões geográficas intermediárias. Rio de Janeiro: IBGE , 2017. e REGIC, 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Região de influência de cidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.). Cita como exemplos a forte expansão e concentração urbana nas metrópoles de Recife, Fortaleza e Salvador (Clementino; Pessoa, 2013CLEMENTINO, Maria do Livramento M.; PESSOA, Zoraide Souza. Desenvolvimento urbano. Fortaleza: BNB, 2013. (Nota Técnica ao Estudos Prospectivos sobre o Desenvolvimento do Nordeste). ); a formação de novos arranjos espaciais (Moura e Pego, 2016MOURA, Rosa; PEGO, Bolivar. Aglomerações urbanas no Brasil: trajetórias e novas configurações. Rio de Janeiro, Ipea, 2016. (Texto para discussão, n. 2203).) o crescimento das médias cidades fortalecendo uma rede urbana interiorizada do Nordeste (Bacelar, 2013BACELAR, Tânia. Desenvolvimento regional brasileiro e políticas públicas federais no governo Lula. In: SADER, Emir (Org). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. Rio de Janeiro, Boitempo, 2013. p. 157-172.; 2015) e conectada à rede urbana litorânea (Bitoun et al., 2021BITOUN et al. Global human settlement layer: estudo das dinâmicas de metropolização sob a perspectiva da evolução espaço temporal das áreas construídas a partir dos dados GHS-BUILT. In MOURA, Rosa; FIRKOWSKI, Olga. Espaços metropolitanos: processos, configurações, metodologias e perspectivas emergentes. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2021. p. 389-407.; Bitoun; Miranda, 2015BITOUN, J.; MIRANDA, L. I. B. de. A região metropolitana do Recife: principais características da sua região de influência e da integração dos municípios na aglomeração recifense”. In: SOUZA, M. A. de A.; BITOUN, J. (Ed.). Recife: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles , 2015. cap. 1, p. 45-69.);

  • 2) As principais mudanças na estrutura do emprego regional (se necessário, com recortes sub-regionais) emanadas das transformações produtivas tratadas neste tópico (Araujo, 2017ARAUJO, Juliana Bacelar de. Mercado de trabalho e desigualdade: o Nordeste brasileiro nos anos 2000. Tese. (Doutorado em Desenvolvimento Econômico)-IE/Unicamp, Campinas, 2017.; Ribeiro; Clementino, 2020RIBEIRO, Marcelo Gomes; CLEMENTINO, Maria do Livramento M. (Org.). Economia metropolitana e desenvolvimento regional: do experimento desenvolvimentista à inflexão ultraliberal. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles , 2020.);

  • 3) Examinar as mudanças da estrutura espacial da distribuição de renda (Bacelar, 2014BACELAR, Tania. Nordeste. Desenvolvimento recente e perspectivas. In: GUIMARÃES, Paulo Ferraz et al. (Org.). Um olhar territorial para o desenvolvimento: Nordeste. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2014. p. [540]-560.);

  • 4) Aprofundar a análise do setor de serviços (via Censo Demográfico), e a interdependência direta e indireta deste fato com as mudanças produtivas. Em outras palavras: indagar que mudanças no emprego - especialmente do urbano - e na oferta/demanda de serviços, que foram geradas pela expansão da fronteira agropecuária ou pelos fatos especiais ocorridos na década (Zona Franca de Manaus, petróleo no RJ, ES, SE e RN; principais polos automobilísticos, etc.) (Clementino; Pessoa; Campos, 2020PESSOA, Zoraide Souza; CLEMENTINO, Maria do Livramento M.; CAMPOS, Jarvis. Trabalhadores da prestação de serviços: heterogeneidade ocupacional e assimetrias espaciais. In: RIBEIRO, Marcelo Gomes; ARAGÃO, Themis Amorim. Transformações no mundo do trabalho: análise de grupos ocupacionais no Brasil metropolitano e não metropolitano em quatro décadas. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles , 2020. p. 220-264.);

  • 5) Aprofundar os estudos das migrações inter-regionais para poder relacioná-las com as grandes mudanças produtivas acima referidas.

  • 6) Fazer um mapeamento dos assentamentos de reforma agrária para entendê-los como novos componentes desses movimentos demográficos regionais;

  • 7) Utilizar as pesquisas disponíveis sobre rede urbana, para localizar e separar, nas UFs, os efeitos decorrentes de metropolização, aglomeração, conurbação e periferização (Moura; Pego; 2016MOURA, Rosa; PEGO, Bolivar. Aglomerações urbanas no Brasil: trajetórias e novas configurações. Rio de Janeiro, Ipea, 2016. (Texto para discussão, n. 2203).);

  • 8) Confrontar via Censos e outras fontes, indicadores sociais urbanos nos espaços das UFs e em seus respectivos espaços realçados nestas pesquisas, em especial os indicadores vinculados ao tema do saneamento básico (água, esgoto, lixo e meio ambiente);

  • 9) Exame sumário da situação das finanças públicas municipais: capitais, RMs e cidades de maior relevância para a urbanização do período (Camara; Clementino; Mergulhão; Ambrósio, 2020CAMARA, Richardson; CLEMENTINO, Maria do Livramento M.; MERGULHÃO, Cadmiel; AMBROSIO, Diana. Dimensões fiscais e crise do Estado brasileiro: um estudo da capacidade de investimento e da prioridade de gasto municipal nas regiões metropolitanas brasileiras entre 2013-2018. Natal: Observatório das Metrópoles, 2020. (Paper para Discussão).);

  • 10) Exame circunstanciado da expansão do setor imobiliário e estudos sobre a questão habitacional (questão fundiária: produção e uso de solo urbano).

Que o compromisso de Wilson Cano, sua rigorosidade acadêmica, a desenvoltura e o alcance de seu método crítico e, sobretudo, seu anseio pela busca de uma nação mais justa, menos desigual e mais democrática, nos dê motivação e força para continuar a lutar por um Brasil melhor e pelo resgate da dívida social que o país tem para com o Nordeste.

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  • 1
    Destacando a generosidade e o zelo que sempre teve com seus alunos, esse projeto “guarda-chuva” abrigou 3 doutorados (Jorge Natal, Maria do Livramento Clementino e Mário José de Lima (in memorian); e, os mestrados de José Antônio Bufon e Carlos Américo Pacheco.
  • 2
    Conjunto de ensaios, cujo tema central é a economia urbana no Brasil escritos majoritariamente na década de 80 do século passado, preparados para uma disciplina do Programa de doutoramento sobre economia do setor público no EI/Unicamp. (Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011., p. 9)
  • 3
    Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 13, n. 2, 2011.
  • 4
    A reconstrução das cidades europeias no Pós 2ª Grande Guerra muito contribuiu para o crescente interesse e peso das áreas urbanas nas economias dos países por ela destroçados. Consequentemente, o aparecimento de problemas qualitativamente diferentes dos que se colocavam até então.
  • 5
    Inspirado em Lèfevre, o autor discute a emergência e a natureza do “urbano” contemporâneo e suas relações com a cidade, com o campo e com o espaço natural para em seguida tratar das contradições campo-cidade e urbano-industrial.
  • 6
    Brenner entende a urbanização extensiva como a produção de paisagens operacionais que apoiam e que são continuadamente transformadas (mutações) pelas formas de urbanização concentrada. São paisagens cada vez mais industrializadas, infraestruturadas e fechadas em si próprias eram tratadas através de conceitos tradicionais como os de hinterlândia, rural, interior, e isso dificulta uma teoria que relacione dialeticamente e historicamente caminhos específicos que de modo mais apropriado expliquem as geografias da urbanização (concentrada).
  • 7
    Sobre o capital mercantil, Wilson Cano publicou em 2010 um texto teórico analítico “sobre os efeitos da dominação do capital mercantil em vários espaços rurais brasileiros e sobre sua ação no mundo urbano, travestido de capital imobiliário, incorporador ou construtor”. Aliás, segundo o autor, a face urbana desse capital no Brasil é a de “maior expressão econômica” (Cano, 2010CANO, Wilson. Reflexões sobre o papel do capital mercantil na questão regional e urbana do Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, São Paulo, n. 27, out. 2010.; Cano, 2011CANO, Wilson. Ensaios sobre a crise urbana do Brasil. Campinas, Editora Unicamp, 2011., p. 198).
  • 8
    As negociações brasileiro-americanas durante a segunda guerra apresentaram várias dificuldades, agravadas pelo fato de que os objetos de negociação eram múltiplos: fornecimentos de equipamentos, militares, plano de cooperação econômica em escala ampla e projetos de defesa do continente americano (Clementino, 1990, cap. 4).
  • JEL
    R58.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2021
  • Aceito
    18 Maio 2021
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