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Estrutura de capital das empresas não financeiras no Brasil: evidências para 2009-2017 * * Agradecemos aos pareceristas anônimos pelas sugestões feitas a uma versão prévia do artigo. Erros e omissões por ventura remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores.

Capital structure of non-financial corporations in Brazil: an analysis from 2009 to 2017

Resumo

Este trabalho analisou a estrutura de capital de 121 empresas não financeiras de capital aberto que atuam no Brasil, entre 2009-2017. A metodologia baseou-se em Moreira e Puga (2000) e as informações foram coletadas na Economática. Os resultados mostraram que neste intervalo os recursos de terceiros, majoritariamente endividamento, foram a principal fonte de financiamento. Além disso, verificou-se maior participação nas firmas de maior ativo total. Entre 2009-2013, houve ampliação do endividamento das firmas com alongamento do seu vencimento, enquanto entre 2014-2017 ocorreu o inverso. Nesse último período, a participação dos recursos de terceiros caiu em relação ao período anterior. Concluiu-se que a maior participação dos recursos de terceiros e a melhora no perfil do endividamento se deveram, em grande medida, ao ciclo expansivo do crédito corporativo brasileiro, e que a sua retração está sendo absorvida em parte pelos recursos próprios, que poderão assumir maior importância nos próximos anos.

Palavras-chave:
Estrutura de capital; Empresas não financeiras; Financiamento de longo prazo

Abstract

This paper analyzed the capital structure of 121 publicly traded non-financial companies operating in Brazil between 2009-2017. The methodology was based on Moreira and Puga (2000) and the information was collected in Economática. The results showed that in this interval third party resources, mostly indebtedness, were the main source of financing. Moreover, there was a greater participation in firms with higher total assets. Between 2009-2013 there was an increase in the indebtedness of firms as their maturity lengthened, while between 2014-2017 the opposite occurred. In the latter period, the share of third-party resources decreased in relation to the previous period. It was concluded that the greater share of third-party resources and the improvement in the debt profile were largely due to the expansive cycle of Brazilian corporate credit, and that the retraction of such credit is partly absorbed by its[A1][A2] own resources, which may assume greater importance in the coming years.

Keywords:
Capital structure; Non-financial corporations; Long-term financing

Introdução

Numa economia monetária da produção, tal como a economia contemporânea, as decisões de investimento – principal determinante da dinâmica econômica – apoiam-se no sistema financeiro. No esquema teórico desenvolvido por Keynes (2010)KEYNES, J. M. A teoria ex ante da taxa de juros. In: CLÁSSICOS de literatura econômica: textos selecionados de macroeconomia. 3. ed. Brasília: Ipea, 2010, p. 85-96., a decisão de investir é condicionada pela capacidade de obter recursos suficientes a curto prazo – finance – ao longo da produção do bem de investimento, e pela perspectiva de refinanciá-lo à longo prazo – funding – em condições satisfatórias (Keynes, 2010, p. 92KEYNES, J. M. A teoria ex ante da taxa de juros. In: CLÁSSICOS de literatura econômica: textos selecionados de macroeconomia. 3. ed. Brasília: Ipea, 2010, p. 85-96.).

Nessa abordagem, os recursos de longo prazo podem ser obtidos por meio de operações no mercado de capitais, bem como por meio do sistema bancário, que realiza a intermediação da poupança financeira, mediante a concessão de empréstimos de longo prazo ou da aquisição de títulos negociáveis de dívida direta emitidos pelas empresas, bem como de participações acionárias.

As experiências internacionais revelam que os mecanismos predominantes de financiamento de longo prazo podem variar muito entre os países. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, essa função é exercida particularmente pelo mercado de capitais, com o lançamento de ações e títulos de dívida pelas empresas. Em outras nações, como Alemanha e Japão, os bancos apresentam um papel muito mais relevante (Sant’Anna et al., 2009SANT’ANNA, A. A.; BORÇA JUNIOR, G. R.; ARAUJO, P. Q. Mercado de crédito no Brasil: evolução recente e o papel do BNDES (2004-2008). In: FERREIRA, F. M. R.; MEIRELLES, B. B. (Org.). Ensaios sobre economia financeira. Rio de Janeiro: BNDES, 2009, p. 151-172.).

No caso da economia brasileira, o estudo conduzido por Almeida et al. (2013)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013. assinala que, a partir de 2008, houve uma mudança importante na estrutura de capital das empresas não financeiras (ENF’s) que atuam no Brasil. O autofinanciamento, que desde meados dos anos 1980 era apontado como a principal fonte de recurso das firmas (Ferreira; Brasil, 1997FERREIRA, L. de S.; BRASIL, H. G. Estrutura de capital: um teste preliminar da “Pecking Order Hypotesis”. In: ENCONTRO DA ANPAD, 21. Rio de Janeiro, 1997. Anais...; Rodrigues Júnior; Melo, 1999RODRIGUES JÚNIOR, W.; MELO, G. M. Padrão de financiamento das empresas privadas no Brasil. Brasília: Ipea, 1999. (Texto para Discussão, n. 653).; Moreira; Puga, 2000MOREIRA, M. M.; PUGA, F. P. Como a indústria financia o seu crescimento: uma análise do Brasil pós-Plano Real. Rio de Janeiro: BNDES, 2000. (Texto para Discussão, n. 84).), perdeu sua participação no financiamento do investimento no período. Neste ínterim, os recursos de terceiros – especialmente endividamento – ampliaram sua participação, superando a parcela correspondente aos recursos próprios. Ademais, a expectativa das empresas entrevistadas no estudo era de que a nova situação prevalecesse nos anos seguintes (2010-2012).

No entanto, as condições econômicas e financeiras nacionais se alteraram desde então. Desde 2011, o cenário macroeconômico brasileiro foi marcado por uma desaceleração do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e da formação bruta de capital fixo, além da reversão do ciclo de crédito experimentado desde meados dos anos 2000.

Num contexto de queda da demanda agregada, estudos apontaram para a deterioração financeira das ENF’s que atuam no país, situação agravada nos anos de 2013 e 2015, e que impactou fortemente a rentabilidade e levou a alterações da sua estratégia patrimonial. No lado do ativo, a adoção de uma postura defensiva implicou na redução dos investimentos em imobilizado e na manutenção de recursos em formas líquidas, como aplicações financeiras e disponibilidades em caixa. No lado do passivo, houve forte elevação do grau de endividamento.

Se, de um lado, a queda da rentabilidade no período prejudicou a geração de recursos próprios e, consequentemente, a capacidade de autofinanciamento das firmas, de outro lado, a intensificação da atuação do BNDES entre 2009 e 2014 contribuiu para a sustentação da oferta de crédito. Assim, as questões de pesquisa que orientaram a elaboração desse artigo são: como as ENF’s que atuam no Brasil financiaram suas atividades pós-2008? Como a queda dos lucros, a retração da oferta de crédito e a ampliação do mercado acionário se refletiram na estrutura de capital das firmas? Assume-se a hipótese de que a maior participação dos recursos de terceiros no financiamento das firmas, com protagonismo do endividamento, se deveu ao ciclo expansivo do mercado de crédito brasileiro, estreitamente relacionado à atuação do BNDES. Assim, acredita-se que a reversão do ciclo de crédito implicará em perda de espaço do endividamento no financiamento das firmas.

Partindo desses estudos recentes que apontam uma mudança no cenário econômico e financeiro desde 2008, o objetivo deste trabalho é identificar a estrutura de capital adotada pelas ENF’s de capital aberto que atuam no Brasil, entre 2009 e 2017. Especificamente, o trabalho buscará responder se os recursos de terceiros, especialmente o endividamento, permaneceram como a principal fonte de recursos para o financiamento de longo prazo das firmas analisadas no período.

Este estudo justifica-se pela escassez de estudos empíricos, a partir de dados do balanço de pagamento das firmas, para o período mais recente da economia brasileira. Além disso, sua amostra abarca diferentes setores econômicos e é composta por empresas de grande porte, o que indicaria acesso a uma gama mais ampla de fontes de financiamento, em relação às empresas de pequeno porte. Por fim, este estudo diferencia-se por investigar um período mais longo que seus antecessores, abarcando conjunturas econômicas distintas, bem como diferentes fases do ciclo de crédito no Brasil, o que possibilita evidenciar de forma mais clara possíveis impactos de mudanças econômicas sobre o financiamento das firmas.

Além desta introdução, o artigo está estruturado em mais quatro seções. A primeira é dedicada à discussão do financiamento de longo prazo e o crédito corporativo no Brasil. A primeira seção traz uma revisão da literatura sobre a estrutura de capital adotada pelas firmas na economia brasileira e aborda o cenário pós-2008 das ENF’s. A segunda seção descreve a metodologia aplicada no levantamento dos dados e na decomposição da estrutura de capital e, em seguida, apresenta e discute os resultados obtidos. Por fim, seguem-se as considerações finais.

1 Financiamento de longo prazo e o crédito corporativo no Brasil

No Brasil, o financiamento de longo prazo é obtido principalmente por meio do mercado de crédito, majoritariamente por meio de recursos direcionados sob a liderança de grandes bancos federais, em especial, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A Caixa é responsável pela concessão da maior parcela do financiamento habitacional, já o Banco do Brasil é o principal financiador rural, e o BNDES é o principal responsável pelo financiamento ao investimento empresarial (Lundberg, 2011LUNDBERG, E. L. Bancos oficiais e crédito direcionado – o que diferencia o mercado de crédito brasileiro? Brasília: BCB, 2011. (Texto para Discussão, n. 258).).

Nos últimos anos, entre 2004 e 2015, o mercado de crédito nacional passou por uma expansão significativa. Desde 2008, esse crescimento pode ser atribuído à atuação anticíclica das instituições públicas (Gráfico 1).

Gráfico 1
Saldo da carteira de crédito do sistema financeiro – por controle de capital (2007-2018)

No que tange às pessoas jurídicas, o saldo dessa carteira de crédito em relação ao PIB se ampliou, passando de 18,8% em 2007 para 28,5% em 2015. Desde 2016, sua participação vem se retraindo continuamente (Gráfico 2.1).

Gráfico 2
Carteira de crédito à pessoa jurídica do sistema financeiro

As micro, pequenas e médias empresas estão puxando esse movimento de queda. O saldo da sua carteira de crédito caiu de forma mais acentuada até o final de 2017 e, desde então, se estabilizou. Já o saldo da carteira de crédito das grandes empresas caiu de forma mais suave e, após recuperar-se entre meados de 2017 e final de 2018, voltou a cair em 2019 (Gráfico 2.4).

De acordo com os dados do BCB (Banco central do Brasil), o saldo da carteira de crédito à pessoa jurídica com recursos direcionados cresceu num ritmo superior ao saldo da carteira com recursos livres. Enquanto a participação dos recursos direcionados no PIB dobrou, passando de 7,33% em 2007 para 14,9% em 2015, a participação dos recursos livres ampliou-se de 11,5% em 2007 para 14,7% em 2012, encerrando 2015 com 13,9%. Após 2015 o movimento verificado é semelhante, mas em sentido oposto, isto é, o saldo da carteira de crédito com recursos direcionados caiu num ritmo superior ao saldo da carteira com recursos livres, tendo suas participações no PIB se aproximado daquela vigente em 2007/2008 (Gráfico 2.2).

A principal modalidade de crédito livre no período é o capital de giro, seguido pelo financiamento à exportação. Já em relação aos recursos direcionados, a principal modalidade é o financiamento com recursos do BNDES, que respondeu por aproximadamente 70% da carteira de crédito direcionado à pessoa jurídica (Gráficos 3.1 e 3.2).

Gráfico 3
Carteira de crédito à pessoa jurídica do sistema financeiro – por modalidade (2007-2019)

De fato, entre 2007 e 2010 o volume de desembolsos do BNDES cresceu, saindo de 2,39% do PIB para 4,33% (Gráfico 4). Essa ampliação ocorreu para todos os tamanhos de empresas e destinou-se, majoritariamente àquelas de grande porte. Entre 2007 e 2016, em média 72% dos desembolsos do Banco foi absorvido por grandes empresas, embora entre 2017 e 2018 essa parcela tenha caído para aproximadamente 57%.

Gráfico 4
BNDES: Volume de desembolso e participação no PIB – por porte (2007-2018)

Esse aumento também pôde ser observado no saldo da sua carteira de crédito. Desde 2007 ela se expandiu em decorrência tanto de operações indiretas, relativas a repasses interfinanceiros, como de operações diretas, realizadas pelo próprio Banco (BCB, 2019BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Sistema Gerenciados de Séries Temporais. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acesso em: 7 maio 2019.
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizar...
).

Em relação aos produtos oferecidos pelo BNDES, destacaram-se as linhas de financiamento do BNDES Finem, para valores a partir de R$ 10 milhões, voltadas para projetos de investimento. Esse produto respondeu por, em média, 80% dos desembolsos diretos do Banco entre 2007 e 2018 (Gráfico 5.1). Os recursos para projetos de investimento cujos valores financiáveis não ultrapassem R$ 150 milhões podem ser obtidos por meio da linha de financiamento Automático, com valores inferiores à R$ 10 milhões, oferecido pelo Banco através de operações de repasse às instituições financeiras credenciadas. Esses dados vão ao encontro do movimento ocorrido no sistema financeiro, que apontam que entre 2007 e 2012 a ampliação da carteira de crédito a pessoas jurídicas foi puxada pelas operações de crédito com valores acima de R$ 10 milhões, seguido pelas operações com valores entre R$ 100 mil e R$ 10 milhões de reais (Gráfico 2.3).

Gráfico 5
BNDES: Composição do desembolso por tipo de operação e modalidade (2007-2018)

Destacaram-se também as linhas de financiamento do BNDES Finame, para produção e aquisição de máquinas e equipamentos, oferecido pelo Banco por meio de operações de repasse às instituições financeiras credenciadas. Esse produto respondeu por, em média, 53% dos desembolsos indiretos do Banco entre 2007 e 2018 (Gráfico 5.2). O volume de desembolso para essa linha subiu entre 2007 e 2014, e caiu em 2015 (BCB, 2019BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Sistema Gerenciados de Séries Temporais. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acesso em: 7 maio 2019.
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizar...
).

Os desembolsos com as linhas de financiamento BNDES Exim, para produção e exportação de bens e serviços para exportação, oferecido pelo Banco por meio de operações diretas e de repasse às instituições financeiras credenciadas, também cresceram entre 2007-2016, caindo no biênio seguinte (BCB, 2019BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Sistema Gerenciados de Séries Temporais. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acesso em: 7 maio 2019.
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizar...
). Essa ampliação explica o crescimento do saldo da carteira de financiamento às exportações à pessoa jurídica do sistema financeiro nacional (Gráfico 3.2).

Por fim, o volume de desembolsos do cartão BNDES, que fornece crédito pré-aprovado para micro, pequenas e médias empresas, além de produtores rurais, foi ampliado entre 2007 e 2015 (BCB, 2019BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Sistema Gerenciados de Séries Temporais. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acesso em: 7 maio 2019.
https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizar...
). Nesse intervalo, a participação dessa linha no total das operações de repasse passou de 1,3% para 17,2%. Entre 2016 e 2018 sua participação caiu, atingindo 5,4% (Gráfico 5.2)

Apesar do saldo da carteira de crédito à pessoa jurídica começar a cair em 2015, os primeiros sinais de arrefecimento da demanda por crédito já haviam surgido. Desde 2013 o volume de recursos consultados ao BNDES, que representa um termômetro do interesse por investimentos, vem caindo sistematicamente, com reflexo sobre o volume de recursos aprovados e desembolsados pelo Banco (Gráfico 6).

Gráfico 6
BNDES: consultas, aprovações e desembolsos de recursos (2007-2018)

Os dados de 2015 mostram que seus desembolsos alcançaram R$ 156,66 bilhões. Em relação ao PIB, o desembolso neste ano foi de 2,27%, taxa inferior à vigente antes da crise subprime, em 2007. Desde 2016, a redução de desembolsos foi ainda mais drástica, chegando a 1,02% do PIB em 2018, a menor taxa desde 19951 1 Segundo os dados do BNDES (2018b), a relação desembolsos/PIB foi de 1,01% em 1995. (Gráfico 6).

Em que pese à queda da demanda por crédito, em virtude do péssimo desempenho econômico brasileiro desta década, cabe mencionar que, desde a troca do governo federal em 2015 e sua reorientação econômica, o BNDES iniciou uma devolução expressiva de recursos ao Tesouro Nacional, comprometendo sua capacidade de prover funding. Entre 2015 e o final de 2018, o Banco devolveu R$ 310 bilhões ao Tesouro Nacional (BNDES, 2018aBNDES. Balanço da atuação do BNDES. Brasília, nov. 2018a.). Até 2022, a Fazenda espera receber outros R$ 270,9 bilhões (Graner; Pupo, 2019GRANER, F.; PUPO, F. Fazenda quer R$ 271 bi do BNDES até 2022. Valor Econômico, 2019. Acesso em: 8 maio 2019.).

Ao final de 2018 a própria continuidade do BNDES parecia estar em xeque. Uma ala mais radical da equipe econômica do presidente da república eleito Jair Bolsonaro (2019-2022) advogava pela sua extinção após completada a etapa mais pesada do pacote de privatizações do novo governo, sob o argumento de que o banco se tornará desnecessário em virtude da maior sofisticação do mercado de capitais e da abertura econômica da economia brasileira. Para outra ala, ainda caberia ao Banco um papel relevante para o desenvolvimento de um mercado secundário de debêntures e no crédito para pequenas e médias empresas e apoio a startups. No entanto, de acordo com este grupo, ele deveria passar por um amplo processo de encolhimento2 2 A primeira ala foi capitaneada por Rubem Novaes, cotado para presidência do BNDES. Seu argumento foi apresentado em ocasião da comemoração do centenário de nascimento do economista Roberto Campos, realizado em 2018. A segunda ala foi capitaneada por Roberto Castello Branco, outro nome então cotado (e posteriormente efetivado) para a presidência do Banco (Rittner, 2018). (Rittner, 2018RITTNER, D. Colaboradores falam até em extinção gradual do BNDES. Valor Econômico, 2018. Acesso em: 7 maio 2019.). Apesar do futuro do BNDES ainda ser incerto, parece haver certo consenso entre analistas de mercado de que ele passará por novas rodadas de enxugamento nos próximos anos.

De fato, o BNDES passou por mudanças operacionais e por uma redefinição de estratégia na qual, segundo seu presidente à época, Joaquim Levy, haveria menor presença no financiamento corporativo tradicional (Safatle, 2019SAFATLE, C. Foco do BNDES será em infraestrutura. Valor Econômico, 2019. Acesso em: 7 maio 2019.).

A próxima seção reúne e discute algumas pesquisas recentes acerca da estrutura de capital das empresas no Brasil e da sua situação financeira após 2008, quando se deflagrou a crise econômica internacional.

2 Empresas não-financeiras no Brasil: estrutura de capital recente e o cenário pós-2008

A estrutura de capital define o padrão de financiamento de uma organização, isto é, a combinação entre o capital próprio (capital social e lucros retidos) e o total de recursos de terceiros (dívidas bancárias e emissões de títulos) que a empresa utiliza em determinado período de tempo para financiar suas posições ativas.

Estudos empíricos mostram que, desde o final dos anos 1980 até as vésperas da última crise financeira internacional, as ENF’s que atuam no Brasil financiaram seu crescimento majoritariamente por meio de recursos próprios. O endividamento ocupou uma posição secundária, seguido pelo financiamento por ações3 3 Cabe destacar que a amostra e a metodologia dos trabalhos variam, o que certamente afetou os resultados encontrados. No entanto, eles são úteis como um indício da estrutura de capital adotada pelas firmas no Brasil. , conforme sintetizado na Tabela 1.

Tabela 1
Estrutura de capital das ENF’s no Brasil: resultados de pesquisas selecionadas* (*) A estrutura de capital das firmas é estudada pela literatura sob diferentes perspectivas. A título de exemplo, o trabalho de Oliveira e Oliveira (2009) utiliza modelos de estrutura ótima de capital e de hierarquia de fontes de financiamento para analisar as políticas de financiamento adotadas pelas companhias abertas brasileiras. Já Sobrinho et al. (2012) desenvolvem modelos de ajuste parcial e de duration para testar a relevância de fatores específicos de países na determinação da estrutura de capital de empresas listadas nas bolsas de valores brasileira, chilena e mexicana. Rogers et al. (2013) analisam o impacto das tendências de reclassificações no rating de crédito nas decisões de estrutura de capital de empresas não-financeiras listadas da América Latina. Como fogem ao escopo deste trabalho, esses estudos não são discutidos em maior profundidade.

A decomposição da estrutura de capital das ENF’s no imediato pós-Plano Real, realizada por Moreira e Puga (2000)MOREIRA, M. M.; PUGA, F. P. Como a indústria financia o seu crescimento: uma análise do Brasil pós-Plano Real. Rio de Janeiro: BNDES, 2000. (Texto para Discussão, n. 84)., mostrou que a participação dos recursos próprios no total do financiamento foi em média 55%, contra 45% dos recursos de terceiros. Entre 2004 e 2007, os resultados de Almeida et al. (2013)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013. também apontaram para a predominância dos recursos próprios no financiamento das ENF’s. O financiamento próprio correspondeu, em média, a 50,9% do total, enquanto a participação dos recursos de terceiros foi em média de 49,1%.

No entanto, os trabalhos sinalizam para uma diferença entre a composição dos recursos de terceiros nos dois períodos. Entre 1995 e 1997, os recursos de terceiros foram compostos por 25% equivalentes a endividamento e 20% ao lançamento de ações. Entre 2004 e 2007, a parcela referente a endividamento se ampliou, atingindo 41,5%, enquanto a referente ao lançamento de ações reduziu-se para 7,6%.

Em 2008, ano que a crise financeira subprime ganhou contornos sistêmicos, Almeida et al. (2013)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013. verificaram uma mudança importante na estrutura de capital da indústria brasileira: a participação dos recursos próprios no financiamento sofreu forte queda e foi ultrapassada pela participação dos recursos de terceiros. A participação do autofinanciamento no total das empresas investigadas foi de 25% em 2008, ao passo que a participação das fontes de terceiros foi de 75%, com 58,7% referente a endividamento e 16,3% a lançamento de ações.

No triênio 2010-2012, de acordo com a expectativa das firmas acerca da estrutura de capital que seria adotada para seus projetos de investimento programados, a participação dos recursos próprios permaneceria abaixo da dos recursos de terceiros, com 37,7% e 62,3%, respectivamente, com destaque para a forte queda esperada para a participação do financiamento por meio do lançamento de ações (Almeida et al., 2013ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013.).

Esses resultados indicaram que houve uma mudança na estrutura de capital das ENF’s que atuam no Brasil, que passou a contar com maior participação do endividamento em detrimento do autofinanciamento (CEMEC, 2016CEMEC. Endividamento das empresas brasileiras: metade das empresas não gera caixa para cobrir despesas financeiras em 2015/2016. Instituto IBMEC Mercados de Capitais, ago. 2016. (Nota Cemec, n. 6).; Corrêa et al., 2017CORRÊA, M. F., LEMOS, P. M., FEIJO, C. Financeirização, empresas não financeiras e o ciclo econômico recente da economia brasileira. Economia e Sociedade. Campinas, v. 26, n. Especial, p. 1127-1148, dez. 2017.). Para Almeida et al. (2013, p. 40)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013., seria um sinal que, embora ainda houvesse na economia brasileira sérias lacunas ao financiamento bancário privado de longo prazo e ao desenvolvimento do mercado de capitais, o constrangimento financeiro estaria se mostrando menor do que já foi.

De fato, os efeitos da crise internacional acometeram em maior ou menor grau um grande número de firmas, levando à sua fragilização financeira e, consequentemente, à queda dos seus investimentos em ativos imobilizados e à interrupção do ciclo expansivo da economia brasileira que vigorou entre 2004 e 20104 4 Entre 2004 e 2010 a taxa média de crescimento econômico brasileiro foi de 4,5%, quase o dobro da taxa média dos anos seguintes, entre 2011 e 2014, que foi de 2,4%. Segundo Corrêa et al. (2017), o investimento foi o principal responsável pelo desempenho da economia nacional no primeiro período. (Almeida et al., 2016ALMEIDA, J. S. G.; NOVAIS, L. F.; ROCHA, M. A. A fragilização financeira das empresas não financeiras no Brasil pós-crise. Campinas: IE/Unicamp, 2016. (Texto para discussão).; Corrêa et al., 2017CORRÊA, M. F., LEMOS, P. M., FEIJO, C. Financeirização, empresas não financeiras e o ciclo econômico recente da economia brasileira. Economia e Sociedade. Campinas, v. 26, n. Especial, p. 1127-1148, dez. 2017.).

A trajetória de queda da rentabilidade sobre o patrimônio iniciada em 2010 é uma característica desse processo de fragilização e foi resultado, em grande medida, da elevação das despesas financeiras das ENF’s no período pós-crise de 2008. Outra característica do processo de fragilização foi a elevação do grau de endividamento, consequência da queda da demanda agregada, da elevação das taxas de juros sobre empréstimos e de fatores ligados à queda da rentabilidade. De acordo com Almeida et al. (2016)ALMEIDA, J. S. G.; NOVAIS, L. F.; ROCHA, M. A. A fragilização financeira das empresas não financeiras no Brasil pós-crise. Campinas: IE/Unicamp, 2016. (Texto para discussão)., a relação entre o capital de terceiros e o capital próprio subiu de 1,3 para 1,9 entre 2010 e 2015, já o endividamento líquido como proporção do patrimônio líquido subiu de 58,6% para 87,2%. Além disso, houve ampliação da participação de empréstimos de curto prazo no passivo total.

Nesse cenário, as firmas adotaram uma estratégia patrimonial defensiva, caminharam na direção de uma menor alocação de capital em inversões de longo prazo, especialmente ativos imobilizados, e não abriram mão de manter um volume apreciável de aplicações financeiras e disponibilidades de caixa (Almeida et al., 2016ALMEIDA, J. S. G.; NOVAIS, L. F.; ROCHA, M. A. A fragilização financeira das empresas não financeiras no Brasil pós-crise. Campinas: IE/Unicamp, 2016. (Texto para discussão).; Corrêa et al., 2017CORRÊA, M. F., LEMOS, P. M., FEIJO, C. Financeirização, empresas não financeiras e o ciclo econômico recente da economia brasileira. Economia e Sociedade. Campinas, v. 26, n. Especial, p. 1127-1148, dez. 2017.).

Segundo Almeida et al. (2016)ALMEIDA, J. S. G.; NOVAIS, L. F.; ROCHA, M. A. A fragilização financeira das empresas não financeiras no Brasil pós-crise. Campinas: IE/Unicamp, 2016. (Texto para discussão)., dois períodos podem ser definidos: i) entre 2010 e 2013, quando houve queda da participação dos ativos imobilizados no ativo total e a participação das aplicações financeiras e de caixa ficou em patamar elevado; ii) entre 2014 e 2015, quando houve ampliação da participação das aplicações financeiras e de caixa no ativo total, e a participação dos ativos imobilizados no ativo total se manteve estável. Além disso, destacam-se como os anos mais problemáticos o de 2013, com o agravamento da deterioração financeira das ENF’s, e o de 2015, quando o processo de fragilização ganhou mais força.

Estudo recente do CEMEC (2018)CEMEC. Mercado de capitais aumenta sua participação no financiamento das empresas. Instituto IBMEC Mercados de Capitais, set. 2018. (Nota Cemec, n. 7). também aponta para um processo de substituição de fontes de financiamento das firmas no Brasil que, segundo o BCB (2018)BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Relatório de inflação. Brasília, v. 20, n. 3, set. 2018., estaria sendo favorecido pela redução dos custos de captação de recursos no exterior e no mercado de capitais, em tendência de queda desde 2016. Segundo CEMEC (2018)CEMEC. Mercado de capitais aumenta sua participação no financiamento das empresas. Instituto IBMEC Mercados de Capitais, set. 2018. (Nota Cemec, n. 7)., desde 2012 o crédito bancário com recursos livres e o crédito direcionado do BNDES reduziram sua participação nas fontes de financiamento, ao passo que houve um aumento da participação de recursos em moeda estrangeira e de instrumentos de dívida corporativa.

No que tange às captações domésticas, entre 2011 e 2017, a ampliação do seu volume teve como componente principal as emissões de debêntures de empresas não financeiras (Gráfico 10), sendo que entre 2011 e setembro de 2018 a emissão de debêntures representou 75% do volume de emissões totais. No entanto, quase dois terços concentraram-se em apenas seis setores. Além disso, entre 2012 e 2018, mais de 70% dos recursos captados com a emissão de debêntures foram destinados ao refinanciamento do passivo, capital de giro e recompra/resgate de debêntures de emissão anterior, restando menos de 30% para o financiamento de investimentos (CEMEC, 2018CEMEC. Mercado de capitais aumenta sua participação no financiamento das empresas. Instituto IBMEC Mercados de Capitais, set. 2018. (Nota Cemec, n. 7).; Magalhães; Borça Junior, 2019MAGALHÃES, L.; BORÇA JUNIOR, G. Financiamento amplo às empresas: crédito bancário, mercado de capitais e setor externo. Rio de Janeiro: BNDES, 2019. (Texto para Discussão, n. 137).).

Em relação aos recursos em moeda estrangeira, entre 2012 e 2018, sua principal parcela foram os empréstimos intercompanhia, entre 60% e 70%. Em 2017 quase a metade desses recursos estava concentrada em apenas três setores - derivados de petróleo e biocombustíveis, veículos e produtos químicos. A participação dos empréstimos do exterior representou cerca de um quarto dos recursos em moeda estrangeira no período, e foram obtidos principalmente de organismos multilaterais, agências, operações de comércio intermediadas por bancos e empréstimos diretos. Já a participação dos títulos de terceiros é pequena, ficando entre 1,1% e 6% entre 2013 e 2018 (Magalhães; Borça Junior, 2019MAGALHÃES, L.; BORÇA JUNIOR, G. Financiamento amplo às empresas: crédito bancário, mercado de capitais e setor externo. Rio de Janeiro: BNDES, 2019. (Texto para Discussão, n. 137).). Por fim, Magalhães e Borça Junior (2019, p. 35)MAGALHÃES, L.; BORÇA JUNIOR, G. Financiamento amplo às empresas: crédito bancário, mercado de capitais e setor externo. Rio de Janeiro: BNDES, 2019. (Texto para Discussão, n. 137). argumentam que parte do crescimento verificado nas captações de recursos em moeda estrangeira entre 2013 e 2018 foi influenciada pelo efeito da desvalorização do real na conversão dos recursos em moeda nacional.

A próxima seção contém o núcleo principal do artigo, onde se procede à decomposição e análise da estrutura de capital para uma amostra de ENF’s de capital aberto que atuam no Brasil.

3 Estrutura de capital das ENF’s de capital aberto no Brasil no período de 2009 a 2017

Esta seção se dedica à identificação da estrutura de capital vigente entre 2009 e 2017, dividida em duas partes. Na primeira é apresentada a metodologia adotada no levantamento dos dados e na decomposição da estrutura de capital; e na segunda são discutidos os resultados apurados.

Conforme já destacado, essa periodização se justifica em virtude da ausência de trabalhos que explorem o tema para o período selecionado. Ademais, esse intervalo cobre distintas conjunturas econômicas e diferentes fases do ciclo de crédito no Brasil, permitindo observar seus efeitos sobre o financiamento das empresas.

3.1 Metodologia de levantamento dos dados e de decomposição da estrutura de capital

Os dados utilizados foram coletados na base Economática e se referem às informações financeiras de companhias de capital aberto com registro na BM&FBOVESPA. No total, a amostra contou com 121 empresas registradas em 6 setores não financeiros, com 28 subsetores5 5 De acordo com a classificação BM&FBOVESPA. Segundo seu sítio na internet, a classificação setorial considera, principalmente, os tipos e os usos dos produtos ou serviços desenvolvidos pelas empresas, classificando-as no setor que corresponde aos produtos ou serviços que mais contribuem para a formação das suas receitas. Os critérios de classificação estão disponíveis em: http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/produtos/listados-a-vista-e-derivativos/renda-variavel/acoes/criterio-de-classificacao/. Acesso em: 5 out. 2018. /6 6 Inicialmente foram coletadas informações de 229 ENF’s. Em seguida, foram desconsideradas as empresas que não apresentaram dados ou que apresentaram série de dados incompleta e as empresas com variação negativa do capital de longo prazo no período. Na sequência, foram excluídos da amostra os setores de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, Telecomunicações, e Tecnologia da Informação, que contavam com um número demasiadamente pequeno de observações. . A partir do trabalho de Almeida, Novais e Rocha (2016)ALMEIDA, J. S. G.; NOVAIS, L. F.; ROCHA, M. A. A fragilização financeira das empresas não financeiras no Brasil pós-crise. Campinas: IE/Unicamp, 2016. (Texto para discussão)., os subsetores foram classificados em 4 macrossetores: i) Agropecuária: 3 firmas; ii) Comércio: 16; iii) Indústria: 54; e iv) Serviços: 48 (Tabela 2).

Tabela 2
Composição da amostra por setor e macrossetor

A fim de controlar os efeitos meramente monetários, os dados foram deflacionados usando o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado)7 7 Fonte: IPEA-DATA. , o ano base foi 2009.

A metodologia utilizada tem como referência o trabalho de Moreira e Puga (2000)MOREIRA, M. M.; PUGA, F. P. Como a indústria financia o seu crescimento: uma análise do Brasil pós-Plano Real. Rio de Janeiro: BNDES, 2000. (Texto para Discussão, n. 84). que, por sua vez, se baseia na proposta original de Singh e Hamid (1992)SINGH, A.; HAMID, J. Corporate financial structures in developing countries. Washington, DC: International Finance Corporation, 1992. (Technical Paper, n. 1).8 8 O trabalho de Almeida et al. (2013), discutido na seção 3.1, também se baseia na metodologia de Singh e Hamid (1992). No entanto, calcula a participação do financiamento externo por meio de ações a partir do somatório da oferta primária de novas ações e do aporte de recursos dos sócios, e não como um resíduo, tal como em Moreira e Puga (2000). . De acordo com ela, o crescimento de uma firma corresponde à variação do seu capital de LP (longo prazo)9 9 O prazo está relacionado com o horizonte contábil: curto prazo refere-se às operações efetivadas em até 12 meses do exercício social (ano civil), enquanto o longo prazo compreende as operações realizadas num período superior a 12 meses. . O capital de LP em um exercício é a diferença entre o ativo total e o passivo circulante (passivo de curto prazo) – ambos apurados ao final do exercício e divulgados no Balanço Patrimonial – (Equação 1). Dessa forma, a variação do capital de LP apurada em um exercício é a diferença entre o capital de LP do exercício e o capital de LP do exercício anterior.

(1) Capital de LP t = Ativo Total t Passivo Circulante t

Além disso, a metodologia considera que as firmas obtêm os recursos para o seu crescimento por meio de três fontes:

  • i) Financiamento interno: corresponde à parcela de recursos próprios, ou seja, dos lucros retidos, que foi calculada como a diferença entre o lucro líquido do exercício – divulgado na Demonstração do Resultado do Exercício – e os proventos pagos no exercício – divulgado no Fluxo de Caixa – (Equações 2 e 2.1, respectivamente). Os proventos, por sua vez, são a soma dos dividendos distribuídos e do juro sobre capital próprio pago, ambos no exercício e divulgados no Fluxo de Caixa (Equação 2.2);

  • ii) Financiamento externo (dívida): corresponde à parcela de recursos de terceiros obtida por meio da contração de dívida de longo prazo, que foi calculada como a variação do passivo não circulante (passivo de longo prazo) (Equação 3); e

  • iii) Financiamento externo (ações): corresponde à parcela de recursos de terceiros obtida por meio da emissão de ações, calculada como a diferença entre as duas fontes de financiamento anteriores (Equação 4).

(2) Financiamento Interno t = Lucro Retido t Δ Capital de LP t

(2.1) Lucro Retido t  = Lucro Líquido t   Proventos t

(2.2) Proventos t  = Dividendos t  + Juros sobre o capital próprio t

(3) Financiamento Externo ( Dívidas ) t = Δ Passivo de LP t Δ Capital de LP t

(4) Financiamento Externo ( Ações ) t  =  1    Equação  2    Equação 3

A participação de cada uma dessas fontes é calculada sobre a variação do capital de LP.

Algumas considerações metodológicas são necessárias. A variação da composição da dívida – CP e LP – influencia no resultado. Uma ampliação da dívida de LP em detrimento da redução da dívida de CP, em outras palavras, mera substituição de dívida curta por dívida longa, é captada como uma ampliação do capital de LP e, portanto, como crescimento da firma. Nesse caso, a participação do financiamento interno será subestimada. No caso oposto, a participação será superestimada. Com relação à participação do endividamento, a substituição da dívida não exercerá impacto sobre o seu resultado, uma vez que também será captada pela variação do capital de longo prazo. Por outro lado, a variação do passivo de longo prazo capta qualquer mudança na dívida de longo prazo. Isto significa dizer que dívidas de longo prazo emitidas no mercado de ações que sejam classificadas no passivo como, por exemplo, as debêntures, influenciarão a participação da dívida no financiamento. Em ambos os casos, o resultado da participação do financiamento por meio de ações também será afetado.

A estrutura de capital anual se refere à média aparada da estrutura de capital anual apurada para cada firma individualmente. A estrutura de capital para um intervalo se refere à média dos resultados anuais apurados. A seleção dos resultados para o cálculo da média aparada em cada ano foi realizada por meio do número de desvios padrão, que considerou como resultados outliers aqueles que estavam além de dois desvios padrão para mais ou para menos da média de uma fonte de financiamento. A firma com resultado outlier em uma fonte de financiamento em determinado ano foi excluída da amostra naquele ano10 10 Como resultado, o tamanho da amostra sofreu pequena variação a cada ano. , visando dar consistência ao resultado.

3.2 Discussão dos resultados

Inicialmente, cabe ressaltar que a comparação dos resultados encontrados com os de trabalhos anteriores sobre o Brasil é um exercício que exige cuidado. Primeiro, porque os períodos analisados não são os mesmos e, portanto, estão sujeitos a conjunturas econômicas distintas. Segundo, porque o tamanho e a natureza das amostras diferem. Além disso, sua generalização para o restante da economia deve considerar as características da amostra e as limitações metodológicas. Tendo isso em vista, buscaremos realizar algumas inferências acerca das principais tendências identificadas.

O comportamento das três variáveis que compõem o cálculo da participação das fontes de recursos para financiar o crescimento das firmas foi de queda a partir de 201011 11 Os valores das variáveis apresentados nos Gráficos 1 a 3 se referem a valores agregados (somatório) de toda a amostra, enquanto o cálculo das participações das fontes de recursos não foi ponderado, conforme apresentado na seção 3.1. (Gráfico 7). Por se tratar de valores absolutos, optou-se por apresentar as variáveis com e sem a empresa “Vale”, uma vez que o seu tamanho é muito superior às demais (seu ativo total em 2017 foi três vezes superior ao maior ativo total da amostra), o que poderia comprometer a análise.

Gráfico 7
Lucro retido, variação do passivo de longo prazo e variação do capital de longo prazo – (em milhões de reais, 2009-2017)

O movimento descendente da ∆ Capital LP (variação do capital de longo prazo) exibe uma desaceleração do crescimento das ENF’s entre 2010 e 2015, um encolhimento em 2016 e leve recuperação em 2017. A ∆ Passivo LP (variação do passivo de longo prazo) foi positiva durante o intervalo, exceto em 2016.

O lucro retido apresentou uma mudança considerável com a retirada da “Vale”, por isso sua análise é feita para os dados sem esta empresa. O lucro retido sofreu queda de aproximadamente 60% entre 2009 e 2014, saindo de R$ 18,44 milhões para R$ 7,28 milhões. O período mais crítico ocorreu a partir de 2013. Entre 2015 e 2017 houve uma ligeira recuperação, mas em patamar muito inferior ao de 2009. Esse resultado pode ser atribuído principalmente ao aumento da distribuição de dividendos, ante a pequena queda do lucro líquido e a estabilidade do pagamento de JsPL (juro sobre o patrimônio líquido) (Gráfico 8).

Gráfico 8
Lucro retido, lucro líquido, dividendos e juros sobre o patrimônio líquido – (em milhões de reais, 2009-2017)

Com relação à distribuição de dividendos, esses resultados apontam para uma certa resistência na sua redução, mesmo diante da reversão econômica e financeira experimentada no período.

Entre 2009 e 2015, o endividamento total (sem Vale), que é a soma da dívida de curto e de longo prazo, das ENF’s analisadas quase dobrou, indo de 341,16 para 584,67 milhões de reais (71% de aumento) (Gráfico 9, eixo esquerdo), e se estabilizou no biênio 2016-2017. Por outro lado, a relação entre a dívida de curto prazo e a dívida de LP (Relação Passivo CP/LP) sugere que houve alongamento no seu prazo de vencimento entre 2009 e 2013 e encurtamento no seu prazo entre 2014 e 2017 (Gráfico 9, eixo direito).

Gráfico 9
Indicadores do Passivo – (em milhões de reais, 2009-2017)

O movimento de ampliação e redução do endividamento total dessas firmas coincide com os períodos de aumento e retração da oferta de crédito corporativo no país, com forte atuação do BNDES. A mudança na composição da dívida – curto e longo prazo – por sua vez, reforça a importância do Banco para a oferta de crédito de longo prazo no mercado nacional, já que a substituição das fontes de financiamento das firmas para o mercado de capitais e recursos internacionais concorreu para o encurtamento do prazo de vencimento da sua dívida.

O patrimônio líquido, que representa a parcela de capital próprio das firmas, se elevou entre 2009 e 2014. No biênio seguinte, 2015-2016, ele reduziu-se e recuperou-se em 2017 (Gráfico 9, eixo esquerdo). Haja vista o comportamento do lucro retido apresentado acima, as causas das mudanças no PL nesse período para as firmas analisadas exigem maior investigação.

Dessa maneira, o índice de endividamento, que relaciona o capital de terceiros (endividamento total) ao capital próprio, foi crescente entre 2009 e 2015, saindo de 1,46 para 2,03. No biênio seguinte (2016-2017), o índice de endividamento caiu, como resultado da redução do endividamento total das ENF’s e, principalmente, do aumento do patrimônio líquido, atingindo 1,88.

Esses resultados vão ao encontro do estudo de Almeida et al. (2016)ALMEIDA, J. S. G.; NOVAIS, L. F.; ROCHA, M. A. A fragilização financeira das empresas não financeiras no Brasil pós-crise. Campinas: IE/Unicamp, 2016. (Texto para discussão). que aponta para o aumento do endividamento, queda da rentabilidade e deterioração financeira das ENF’s.

Passamos à discussão das estimativas do padrão de financiamento verificado entre 2009 e 2017. A Tabela 3 apresenta a estrutura de capital anual e a média para períodos selecionados.

Tabela 3
Estrutura de capital: resultado anual e para períodos selecionados (2009-2017, em %)

Os resultados mostraram a predominância dos fundos de terceiros (financiamento externo) para o financiamento da ampliação do capital de LP ao longo de todo o período. Para o conjunto destas empresas, esta fonte de recursos contribuiu com 75%, em média, ante 25% dos recursos próprios. A principal parcela dos fundos de terceiros foi oriunda de endividamento, que correspondeu, em média, a 60% do financiamento da variação do capital de LP. O mercado de ações contribui com 15%, em média. Neste intervalo, essas participações sofreram variações que carecem de comentários adicionais.

Quanto às dívidas, o movimento de ampliação da sua participação percebido até 2013 ocorreu simultaneamente à perda da capacidade de autofinanciamento das firmas, como resultado da queda dos lucros retidos e da ampliação da oferta de crédito no mercado doméstico, que permitiu prolongar o crescimento dessas firmas, ambos contribuindo para ampliação do seu endividamento. No mesmo período, as variações no capital de longo prazo parecem exercer um efeito maior na participação do financiamento por meio de recursos próprios do que o próprio lucro retido. Em 2011 e 2013, por exemplo, quando o lucro retido é semelhante, as participações são bem distintas, 17% e 10%, respectivamente. Já em 2012, quando o lucro retido é menor que em 2009, a participação do autofinanciamento atingiu 42%. Também vale destacar que, devido às limitações metodológicas discutidas anteriormente, o alongamento da dívida entre 2009 e 2013 sugere que a participação do autofinanciamento foi superior à apresentada para o período. Em relação às ações, sua participação caiu no período, o que se explica por tratar-se de um resíduo. Pela mesma razão, o valor entre parênteses em 2012 indica que os recursos próprios e/ou endividamento foram superiores à ampliação do capital de LP, o que pode ter ocorrido em virtude da substituição de dívida de curto prazo por dívida de longo prazo neste ano.

Entre 2014 e 2017, apesar da permanência do baixo nível de lucros retidos, a desaceleração do crescimento das firmas contribuiu para a ampliação da participação do autofinanciamento, o que explica o seu aumento. Quanto à queda da participação das dívidas no financiamento em 2014 e 2015, mesmo havendo ampliação do endividamento total das firmas, parece ser resultado do aumento da parcela de curto prazo das dívidas. E, no caso das ENF’s analisadas, para as quais foi verificado crescimento do capital de longo prazo – ainda que pequeno – neste biênio, a queda da participação dos recursos de terceiros ocorreu num contexto de redução do volume de desembolsos pelo BNDES e de retração das emissões domésticas no biênio. Já para 2016-2017, foi verificado aumento da participação das dívidas no financiamento mesmo havendo redução do endividamento total das firmas. Em 2016, o aumento da participação das dívidas pode ser atribuído, parcialmente, à ampliação da sua parcela de longo prazo, em substituição à de curto prazo. No entanto, há razões para acreditar que sua ampliação pode ser atribuída principalmente a fatores metodológicos. Dado o cenário do mercado de crédito e de capital no Brasil, a ampliação da participação das dívidas em 2016 pode ser atribuída à maior queda do financiamento de longo prazo em relação ao capital do longo prazo, enquanto em 2017 sua ampliação poderia ser atribuída a um aumento da emissão de debêntures com vencimento de longo prazo registrada no passivo dessas firmas, o que também ajudaria a explicar a queda da participação do mercado de capitais no financiamento neste ano.

De acordo com os resultados, portanto, para o primeiro intervalo (2009-2013) a participação média do autofinanciamento foi de 22%, inferior à participação média dos recursos de terceiros de 78%. Desses, contribuíram 63% as dívidas e 16% as ações, em média. Para o segundo intervalo (2014-2017) a participação média do autofinanciamento foi de 29%, permanecendo inferior à participação média dos recursos de terceiros de 71%, sendo 57% as dívidas e 13% as ações, em média.

Numa tentativa de estabelecer similaridades com as estruturas de capital identificadas para o período mais recente na economia brasileira, no imediato triênio após a crise financeira (2009-2011), verificou-se que o autofinanciamento participou da variação do capital de LP com uma parcela de 19%, em média, ante 61% de endividamento e 20% das ações. Em linhas gerais, apesar das amostras serem distintas, esta estrutura de capital segue o padrão daquela vigente em 2008, para grandes empresas industriais, identificada no trabalho de Almeida et al. (2013)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013.. Outro exercício possível é considerar o triênio 2010-2012. Nesse caso, a participação média do endividamento foi de 62%, enquanto a participação do autofinanciamento foi de 28% e a das ações foi de 20%. Novamente, a estrutura de capital identificada se assemelha àquela esperada pelas grandes empresas industriais entrevistadas por Almeida et al. (2013)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013. para o mesmo período.

A Tabela 4 apresenta a estrutura de capital média para o período de 2009 a 2017, por setor, macrossetor e por faixa de ativo. Os setores e macrossetores foram apresentados em ordem crescente de participação de recursos internos.

Tabela 4
Estrutura de capital por setor, macrossetor e faixa de ativo (2009-2017)

Partindo destas perspectivas, também pode-se afirmar que os recursos de terceiros foram mais importantes que os recursos próprios para as firmas neste intervalo, à exceção do setor de consumo cíclico e da faixa de menor ativo total. Especificamente, os setores de maior destaque no endividamento foram os de bens industriais (91%), que é composto majoritariamente por empresas de serviços de transporte (10) e indústria de material de transporte (6); utilidade pública (65%), composto basicamente por empresas de serviços de energia elétrica (25); e materiais básicos (67%), sendo as mais importantes as indústrias de madeira, papel e celulose (6). Este último setor também apresentou, em média, a participação mais alta nas ações (39%)12 12 No caso do setor de materiais básicos, a participação negativa dos recursos próprios sugere que as empresas do setor apuraram um prejuízo. . Dada a participação média das dívidas na estrutura de capital das empresas que compõem tais setores, uma questão relevante, embora fora do escopo este trabalho, refere-se aos impactos da reversão do ciclo de crédito corporativo no investimento de setores mais dependentes de financiamento de longo prazo, como é o caso dos supramencionados.

Considerando os macrossetores, a participação do endividamento foi de 52%, com exceção de Serviços, onde atingiu 62% na média do período 2009-2017. O autofinanciamento foi mais importante, em média, entre as empresas do comércio (41%), composto principalmente por empresas nos segmentos de comércio e distribuição de medicamentos (4) e comércio de tecidos, vestuário e calçados (4); e da indústria (38%), em que preponderam empresas nos segmentos de construção civil e engenharia (12), alimentos processados (8), e tecidos, vestuário e calçados (7). No tocante às ações, a maior cifra foi observada na agropecuária (28%).

A análise desse conjunto de dados mostra uma situação bastante heterogênea de acesso a recursos de terceiros entre os setores e macrossetores e, igualmente importante, uma relação positiva entre o tamanho dos ativos e a participação dos recursos de terceiros no financiamento, haja vista que maiores participações foram sendo verificadas quanto maior a faixa de ativos totais dessas firmas. Esse último resultado sugere uma maior dificuldade das empresas menores em acessar recursos externos, sinal de que mesmo empresas que se situam nesse seleto grupo de empresas de capital aberto encontram algum tipo de obstáculo para acessar fontes externas de financiamento.

Considerações finais

Este trabalho analisou a estrutura de capital de 121 empresas não-financeiras que atuam no Brasil, para o período de 2009 a 2017. Os resultados mostraram maior participação dos recursos de terceiros em relação aos recursos próprios em todos os anos analisados, sendo composto majoritariamente por dívidas. Além disso, a participação dos recursos de terceiros foi maior para firmas com maior ativo total.

A análise por intervalos revelou que houve uma queda da participação dos recursos de terceiros nos anos mais recentes (2014-2017) em relação à participação verificada entre 2009-2013, que se deveu à queda da participação do endividamento e da emissão de ações. Uma decomposição das contas do passivo permitiria uma análise mais detalhada acerca dos determinantes dessa variação, no entanto, é possível afirmar que a retração do crédito bancário a pessoas jurídicas está sendo absorvida em parte pelos recursos próprios, apesar de estudos recentes apontarem para ampliação da participação das debêntures e dos recursos captados no exterior no passivo das ENF’s brasileiras.

Com relação ao endividamento, os resultados mostraram que ele quase dobrou entre 2009 e 2015 e caiu entre 2016 e 2017, simultaneamente à expansão e retração do mercado de crédito corporativo nacional. Além disso, até 2013 houve uma ampliação das dívidas de longo prazo no endividamento total, e desde 2014 a parcela de dívidas de curto prazo aumentou. O alongamento e encurtamento do vencimento das dívidas dessas empresas coincide com a ampliação e retração dos desembolsos do BNDES com a linha de financiamento BNDES Automático, oferecido pelo Banco por meio de operações de repasse às instituições financeiras credenciadas.

Acredita-se que as evidências encontradas corroboram a hipótese assumida, permitindo afirmar que a melhora no perfil de vencimento das dívidas e a maior participação dos recursos de terceiros no financiamento das empresas analisadas neste período se deveram principalmente ao ciclo expansivo do mercado de crédito brasileiro, conduzido pelos bancos públicos e, em especial, pelo BNDES. Diante do contexto de reversão do ciclo de crédito no período recente, é razoável supor que os recursos próprios poderão assumir maior importância no financiamento do crescimento destas firmas nos próximos anos.

Uma questão que merece maior investigação, mas que foge ao escopo deste trabalho, é a ampliação dos dividendos num período de queda nos lucros das empresas analisadas.

Por fim, acredita-se que este estudo contribui para melhorar a compreensão deste período da economia brasileira e que possa motivar novas pesquisas que explorem este tema a partir de outras perspectivas como, por exemplo, utilizando outras bases de dados e/ou amostras, ou investigando qual papel o BNDES poderá assumir num próximo ciclo de crescimento da economia brasileira.

  • JEL G30, G32, O16.
  • *
    Agradecemos aos pareceristas anônimos pelas sugestões feitas a uma versão prévia do artigo. Erros e omissões por ventura remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores.
  • 1
    Segundo os dados do BNDES (2018b)BNDES. Notas para a imprensa. Brasília, dez. 2018b., a relação desembolsos/PIB foi de 1,01% em 1995.
  • 2
    A primeira ala foi capitaneada por Rubem Novaes, cotado para presidência do BNDES. Seu argumento foi apresentado em ocasião da comemoração do centenário de nascimento do economista Roberto Campos, realizado em 2018. A segunda ala foi capitaneada por Roberto Castello Branco, outro nome então cotado (e posteriormente efetivado) para a presidência do Banco (Rittner, 2018RITTNER, D. Colaboradores falam até em extinção gradual do BNDES. Valor Econômico, 2018. Acesso em: 7 maio 2019.).
  • 3
    Cabe destacar que a amostra e a metodologia dos trabalhos variam, o que certamente afetou os resultados encontrados. No entanto, eles são úteis como um indício da estrutura de capital adotada pelas firmas no Brasil.
  • 4
    Entre 2004 e 2010 a taxa média de crescimento econômico brasileiro foi de 4,5%, quase o dobro da taxa média dos anos seguintes, entre 2011 e 2014, que foi de 2,4%. Segundo Corrêa et al. (2017)CORRÊA, M. F., LEMOS, P. M., FEIJO, C. Financeirização, empresas não financeiras e o ciclo econômico recente da economia brasileira. Economia e Sociedade. Campinas, v. 26, n. Especial, p. 1127-1148, dez. 2017., o investimento foi o principal responsável pelo desempenho da economia nacional no primeiro período.
  • 5
    De acordo com a classificação BM&FBOVESPA. Segundo seu sítio na internet, a classificação setorial considera, principalmente, os tipos e os usos dos produtos ou serviços desenvolvidos pelas empresas, classificando-as no setor que corresponde aos produtos ou serviços que mais contribuem para a formação das suas receitas. Os critérios de classificação estão disponíveis em: http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/produtos/listados-a-vista-e-derivativos/renda-variavel/acoes/criterio-de-classificacao/. Acesso em: 5 out. 2018.
  • 6
    Inicialmente foram coletadas informações de 229 ENF’s. Em seguida, foram desconsideradas as empresas que não apresentaram dados ou que apresentaram série de dados incompleta e as empresas com variação negativa do capital de longo prazo no período. Na sequência, foram excluídos da amostra os setores de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, Telecomunicações, e Tecnologia da Informação, que contavam com um número demasiadamente pequeno de observações.
  • 7
    Fonte: IPEA-DATA.
  • 8
    O trabalho de Almeida et al. (2013)ALMEIDA, J. S. G.; CINTRA, M. A. M.; JACOB, C. A.; NOVAIS, L. F.; FILLETI, J. P. Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In: CINTRA, M. A. M.; SILVA FILHO, E. B. (Org.). Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, p. 15-68, 2013., discutido na seção 3.1, também se baseia na metodologia de Singh e Hamid (1992)SINGH, A.; HAMID, J. Corporate financial structures in developing countries. Washington, DC: International Finance Corporation, 1992. (Technical Paper, n. 1).. No entanto, calcula a participação do financiamento externo por meio de ações a partir do somatório da oferta primária de novas ações e do aporte de recursos dos sócios, e não como um resíduo, tal como em Moreira e Puga (2000)MOREIRA, M. M.; PUGA, F. P. Como a indústria financia o seu crescimento: uma análise do Brasil pós-Plano Real. Rio de Janeiro: BNDES, 2000. (Texto para Discussão, n. 84)..
  • 9
    O prazo está relacionado com o horizonte contábil: curto prazo refere-se às operações efetivadas em até 12 meses do exercício social (ano civil), enquanto o longo prazo compreende as operações realizadas num período superior a 12 meses.
  • 10
    Como resultado, o tamanho da amostra sofreu pequena variação a cada ano.
  • 11
    Os valores das variáveis apresentados nos Gráficos 1 a 3 se referem a valores agregados (somatório) de toda a amostra, enquanto o cálculo das participações das fontes de recursos não foi ponderado, conforme apresentado na seção 3.1.
  • 12
    No caso do setor de materiais básicos, a participação negativa dos recursos próprios sugere que as empresas do setor apuraram um prejuízo.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2019
  • Aceito
    01 Out 2021
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