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A curva ambiental de Kuznets na produção de resíduos sólidos domicialres nos municípios brasileiros, 2011-2015

The environmental Kuznets curve in household solid waste production in Brazilian municipalities, 2011-2015

Resumo

O trabalho testa a existência da Curva Ambiental de Kuznets (CKA) na relação entre o PIB per capita e a geração de resíduos sólidos nos municípios brasileiros. Foram estimados modelos de dados em painel para o período de 2011 a 2015. Os resultados confirmaram a hipótese da CKA para a produção de resíduos sólidos domiciliares nos municípios do país. Em relação às demais variáveis, observou-se que a cobrança pela prestação do serviço e a coleta seletiva tendem a causar uma diminuição na geração de resíduos sólidos per capita. Utilizando-se os municípios da região Nordeste como referência, observou-se que a produção de resíduos sólidos é menor nos municípios das regiões Sudeste e Sul. Para os municípios das regiões Norte e Centro-Oeste, as diferenças não foram significativas.

Palavras-chave:
Resíduos sólidos; Curva de Kuznets ambiental; Dados em painel

Abstract

This work tests the existence of the Kuznets Environmental Curve (CKA) in the relationship between GDP per capita and solid waste generation in Brazilian municipalities. Panel data models were estimated for the period from 2011 to 2015. The results confirmed the CKA hypothesis for the production of solid household waste in the country’s municipalities. In relation to the other variables, it was observed that the charge for the provision of the service and selective collection tend to cause a decrease in solid waste generation per capita. Using the municipalities of the Northeast region as a reference, it was observed that the production of solid waste is lower in the municipalities of the Southeast and Southern regions. For the municipalities of the Northern and Central-West regions, the differences were not significant.

Keywords:
Solid waste; Environmental Kuznets Curve; Panel data

Introdução

A sociedade sempre se apropriou dos recursos naturais ao longo da sua história. No início existia uma economia fundamentada basicamente na caça e na pesca, posteriormente se estendeu à agricultura e ao artesanato. Foi a partir do século XVIII, durante a Revolução Industrial, que a extração e a utilização destes recursos se tornou ainda mais intensiva, assim trazendo grandes impactos ao meio ambiente (Bairoch; Levy-Leboyer, 1981BAIROCH, P.; LEVY-LEBOYER, M. Disparities in Economic development since the industrial revolution. London: Macmillan Press, 1981.; Dantas; Júnior, 2013DANTAS, I. M.; JÚNIOR, W. A. F. Análise do aterro sanitário de Quirinópolis/GO segundo as leis ambientais. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE ESTRATÉGIA EM GESTÃO, EDUCAÇÃO E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO (CIEGESI), v. 1, n. 1, p. 124-143, 2013. Anais...; Mayumi, 1991MAYUMI, K. Temporary emancipation from land: from the industrial revolution to the present time. Ecological Economics, v. 4, n. 1, p. 35-56, Oct. 1991.).

A apropriação desenfreada dos recursos naturais motivou, em 1987, o lançamento do Relatório de Brundtland, intitulado também Nosso Futuro Comum. Este relatório conceituou a ideia de desenvolvimento sustentável como aquele com objetivo de suprir as necessidades da atual geração sem comprometer o atendimento das gerações futuras. Sendo assim, os objetivos do desenvolvimento social e econômico em todos os países devem (ou deveriam) estar alinhados com práticas sustentáveis, priorizando o equilíbrio ambiental. Para tal, as indústrias têm de produzir um maior número de produtos/serviços, porém utilizando menos recursos naturais (Brundtland, 1987BRUNDTLAND, G. H. (Org.). Report of the World Commission on Environment and Development: our common future. [s. l.]: UN, 1987. Disponível em: http://www.un-documents.net/wced-ocf.htm. Acesso em: 7 dez. 2017.
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).

Foi a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida por Rio-92, que o tema ambiental se tornou ainda mais relevante na vida da sociedade moderna. Percebeu-se que o descuido com o meio ambiente pode acarretar impactos negativos nos ecossistemas, através do desmatamento, do aumento dos índices de poluição do ar, além da aceleração da mudança climática do planeta. Essa degradação ambiental é agravada, na maioria das vezes, por fatores ligados ao crescimento demográfico e o processo de urbanização, bem como dos avanços tecnológicos e das alterações do padrão de consumo das pessoas (Gouveia, 2012GOUVEIA, N. Resíduos sólidos urbanos: impactos socioambientais e perspectiva de manejo sustentável com inclusão social. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 6, p. 1503-1510, 2012.).

Esses efeitos do desenvolvimento da sociedade ensejaram a preocupação sobre como o crescimento econômico pode afetar negativamente a qualidade do meio ambiente. No início dos anos 1990, a teoria da Curva de Kuznets de 1955 foi adaptada e adotada nos debates sobre a questão ambiental. A teoria de Kuznets trata da relação entre desigualdade de renda e crescimento econômico, sugerindo que o aumento dessas duas variáveis apresentaria a forma de um “U” invertido. Entretanto, a Curva de Kuznets Ambiental (CKA) proposta por Grossman e Krueger (1991)GROSSMAN, G. M.; KRUEGER, A. B. Environmental impacts of a North American free trade agreement. Cambridge, MA: 1991. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w3914.pdf. Acesso em: 6 out. 2017.
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, teoriza entre a o crescimento econômico e a degradação ambiental, partindo da mesma hipótese de “U” invertido. Observou-se que, no estágio inicial de crescimento econômico de um país, principalmente nos extremamente pobres, ocorre a liberação de gases poluentes decorrentes da intensificação do processo produtivo, ou seja, as nações, tentando desenvolver e ampliar o dinamismo econômico, causam um alto nível de poluição na natureza. Em certo patamar de desenvolvimento, os países auferem maiores níveis de renda e passam a dar maior importância para a qualidade ambiental, logo a emissão de poluentes passa a diminuir (Carvalho; Almeida, 2010CARVALHO, T. S.; ALMEIDA, E. A hipótese da curva de Kuznets ambiental global: uma perspectiva econométrico-espacial. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 3, p. 587-615, 2010.). Essa relação foi aplicada para diferentes formas de degradação como a emissão de poluentes do ar e poluição dos recursos hídricos, níveis de desmatamento e a disposição final de resíduos sólidos (Orubu; Omotor, 2011ORUBU, C. O.; OMOTOR, D. G. Environmental quality and economic growth: searching for environmental Kuznets curves for air and water pollutants in Africa. Energy Policy, v. 39, p. 4178-4188, 2011.; Stern; Common; Barbier, 1996STERN, D. I.; COMMON, M. S.; BARBIER, E. B. Economic growth and environmental degradation: the environmental Kuznets curve and sustainable development. World Development, v. 24, n. 7, p. 1151-1160, 1996.).

O crescimento econômico traz consigo uma gama de outros fenômenos já citados, como o processo de urbanização e o crescimento demográfico, que também impactam a geração de resíduos sólidos, em constante crescimento ao longo dos anos devido ao aumento da quantidade ofertada e a ampliação na variedade de modelos de bens e serviços que são disponibilizados no mercado. O uso de tecnologias avançadas permitiu a criação de materiais de decomposição lenta e nocivos à saúde, os quais são cada vez mais utilizados e desgastam o meio ambiente (Gomes; Steinbruck, 2012GOMES, E. R.; STEINBRUCK, M. A. Oportunidades e dilemas do tratamento dos resíduos sólidos no Brasil à luz da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010). Confluências, v. 14, n. 1, p. 100-114, 2012.). Os avanços tecnológicos têm grande influência no aumento da variedade de produtos ofertados no mercado para o consumo dos indivíduos. Como decorrência deste processo algumas empresas adotam a obsolescência programada como estratégia para estimular o consumo, assim gerando maiores lucros. Essa obsolescência programada provoca o crescimento da demanda por produtos mais novos, acarretando maiores quantidades de resíduos sólidos produzidos no mundo.

Desde a Rio-92 acontecem debates entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre como promover o aprimoramento na gestão sustentável dos resíduos sólidos. Existe uma preocupação das nações em reduzir a formação de resíduos nas fontes geradoras (consumidores, indústrias) e implementar melhorias no gerenciamento sustentável (a coleta seletiva, a reciclagem, a reutilização, a compostagem e a disposição final adequada), a fim de minimizar os impactos danosos à natureza e à saúde da população (Jacobi; Besen, 2011JACOBI, P. R.; BESEN, G. R. Gestão de resíduos sólidos em São Paulo: desafios da sustentabilidade. Estudos Avançados, v. 25, n. 71, p. 135-158, 2011.).

A hipótese central deste trabalho é que o crescimento econômico ocasiona um aumento da produção de resíduos sólidos domiciliares. Isto se justifica pelo fato de que o crescimento tende a aumentar a renda per capita e. por consequência, a aumentar o consumo. O aumento do consumo, principalmente nas grandes cidades, é acompanhado por um aumento de resíduos sólidos (embalagens, sacos de supermercado, etc.). No entanto, esta relação não é linear. À medida que a sociedade se desenvolve, fatores como regulamentações mais restritivas, mais educação e inovações tecnológicas mais limpas, tendem a frear a produção destes resíduos.

Assim, o objetivo deste estudo é verificar, por meio de uma regressão com dados em painel, a existência da Curva de Kuznets para resíduos sólidos domiciliares nos municípios brasileiros no período de 2011 a 2015. Além disso, busca-se identificar os fatores associados à produção deste tipo de resíduo nas municipalidades brasileiras. Os dados sobre a coleta domiciliar foram obtidos junto ao Ministério das Cidades (MCid), no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o qual recolhe anualmente informações dos órgãos responsáveis pelo gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos nos municípios brasileiros.

Este trabalho segue o estudo de Morel et al. (2016)MOREL, B. L. G.; TRIACA, L. M.; SOUZA, O. T. Desenvolvimento econômico e a disposição de resíduos sólidos no Brasil: um teste da hipótese da Curva Ambiental de Kuznets (CKA) para os municípios brasileiros. Revista Espacios, v. 37, n. 17, p. 22, 2016., mas com algumas diferenças importantes. Primeiro, para definir a produção de resíduos sólidos domiciliares (RDO) per capita nos municípios (variável endógena) usou-se a quantidade de resíduos domiciliares coletada dividido apenas pela população atendida pela coleta de lixo no município (ver Equação 1). O referido estudo usa a população total e, como a taxa de cobertura difere bastante entre os municípios, isto pode gerar alguma distorção. Segundo, além do PIB per capita, inclui-se um conjunto de variáveis explicativas ao modelo, densidade populacional, proporção de empregados em hotéis e similares, existência de coleta seletiva e existência de taxa de cobrança da coleta de lixo, além de controlar por macrorregiões. No estudo referido, o modelo foi estimado usando apenas o PIB per capita e a proporção de população urbana. Por fim, utiliza-se uma base de dados mais recente.

(1) R D O P e r c a p i t a = R D O S N I S t a x a d e c o b e r t u r a × 1 P o p u l a ç ã o

Este trabalho se encontra divido em quatro seções. A primeira seção aborda a Curva de Kuznets e os principais fatores que impactam na geração dos resíduos sólidos. Na segunda seção é apresentada a base de dados e a metodologia de regressão de dados em painel. A terceira seção apresenta e discute os resultados encontrados. Por fim, a última seção é dedicada aos comentários finais e sugestões para futuras pesquisas.

1 Revisão bibliográfica

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil, 2010BRASIL. Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Acesso em: 19 set. 2017.
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) definiu como resíduo o material descartado resultante das atividades dos indivíduos. Além disso, a PNRS define como rejeitos, aqueles resíduos sólidos que, após exauridas a viabilidade de tratamento e recuperação do material, serão necessariamente dispostos em lugares ambientalmente adequados. Esta política objetiva a proteção à saúde e a qualidade ambiental, como também o estímulo a padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços, entre outras metas.

Existe uma grande preocupação ambiental relacionada aos resíduos sólidos urbanos, especialmente nas grandes cidades dos países em desenvolvimento. Um dos motivos é o fato da sua geração estar normalmente ligada ao crescimento demográfico, que demanda mais bens e serviços. Quando os serviços não são realizados com qualidade (coleta e tratamento adequados, entre outros), ocorrem problemas na saúde e no meio ambiente (Santos; Silva, 2009SANTOS, G. O.; SILVA, L. F. F. da. Estreitando nós entre o lixo e a saúde: estudo de caso de garis e catadores da cidade de Fortaleza, Ceará. REDE-Revista Eletrônica do Prodema, v. 3, n. 1, p. 83-102, 2009.). Em muitos casos o boom do crescimento populacional superou a capacidade dos agentes públicos municipais de fornecer serviços básicos. O processo de urbanização impacta não apenas a geração de resíduos, mas também provoca falhas e/ou até mesmo a falta de gerenciamento adequado no manejo dos rejeitos (Simatele; Dlamini; Kubanza, 2017SIMATELE, D. M.; DLAMINI, S.; KUBANZA, N. S. From informality to formality: perspectives on the challenges of integrating solid waste management into the urban development and planning policy in Johannesburg, South Africa. Habitat International, v. 63, p. 122-130, 2017.).

Outro grave problema enfrentado pelos gestores é a destinação final dos resíduos. Estes, ao não serem depositados num espaço ambientalmente adequado, podem colaborar para a propagação de patógenos (organismos responsáveis pela propagação de doenças), os quais têm maiores chances de ocorrer em grupos mais vulneráveis, como crianças e idosos, acarretando morbidade hospitalar e, até mesmo, causando a morte (Mendonça; Saiani; Kuwahara, 2015MENDONÇA, R. S.; SAIANI, C. C. S.; KUWAHARA, M. Y. Relação entre a disposição final dos resíduos sólidos urbanos e a saúde nos municípios brasileiros e paulistas: desafios para as políticas públicas. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 43. Florianópolis: Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), 2015). Estes riscos se estendem aos profissionais que realizam atividades relacionadas ao lixo (catadores e garis), que muitas vezes não utilizam equipamentos de proteção (luvas, sapatos, etc.) necessários para minimizar os riscos ligados à saúde no manuseio dos resíduos sólidos. Além destes, os indivíduos que trabalham na reciclagem também ficam expostos a espaços e materiais insalubres (Gouveia, 2012GOUVEIA, N. Resíduos sólidos urbanos: impactos socioambientais e perspectiva de manejo sustentável com inclusão social. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 6, p. 1503-1510, 2012.). Vale destacar que estes trabalhadores cumprem um papel social muito importante, pois evitam a acumulação de lixo, a geração de chorume nas cidades e a poluição do ar, diminuindo os danos ao meio ambiente (Santos; Silva, 2009SANTOS, G. O.; SILVA, L. F. F. da. Estreitando nós entre o lixo e a saúde: estudo de caso de garis e catadores da cidade de Fortaleza, Ceará. REDE-Revista Eletrônica do Prodema, v. 3, n. 1, p. 83-102, 2009.).

Como pode ser visto, a inexistência ou até mesmo a desorganizada gestão de resíduos sólidos, gera reflexos negativos no que tange à saúde coletiva, já que o contato com estes materiais causa patologias infectocontagiosas como disenteria, cólera, leptospirose, etc., assim como a degradação do meio ambiente, pela contaminação do solo e a poluição das águas (Chaves; Souza, 2013CHAVES, I. R.; SOUZA, O. T. A gestão dos resíduos sólidos no Rio Grande do Sul: uma estimação dos benefícios econômicos, sociais e ambientais. Ensaios FEE, v. 34, n. 0, p. 683-714, dez. 2013.). Identificar quais os determinantes que aumentam a quantidade de resíduos gerada e em que lugares ela acontece em maior escala pode ajudar os gestores a tomarem melhores decisões.

Diversos estudos objetivam identificar a quantidade de resíduos sólidos produzidos em diferentes localidades, bem como as variáveis que impactam sua geração, para assim possibilitar a criação de sistemas de gerenciamento eficientes e sustentáveis que fomentam a sua redução. Em vista disso é pertinente apresentar alguns diagnósticos encontrados em várias nações do mundo.

Em pesquisa realizada para a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, Hockett et al. (1995)HOCKETT, D.; LOBER, D. J.; PILGRIM, K. Determinants of per capita municipal solid waste generation in the southeastern United States. Journal of Environmental Management, v. 45, n. 3, p. 205-217, 1995. utilizaram a produção de resíduos sólidos per capita como variável dependente, e como variáveis independentes a população, a base econômica, a renda, o uso da terra e as rotas disponíveis de transporte. Esta análise enfatiza a importância relativa das características estruturais da gestão de resíduos, a sua geração e a sua disposição. Seus resultados indicam que a base econômica, juntamente com as vendas de varejo per capita, apresentaram relação positiva com a geração de resíduos sólidos, enquanto a taxa de cobrança pelo serviço de coleta de lixo, foi negativa.

Chen (2010)CHEN, C. C. Spatial inequality in municipal solid waste disposal across regions in developing countries. International Journal of Environmental Science and Technology, v. 7, n. 3, p. 447-456, 2010. usou um modelo de regressão múltipla para estimar os efeitos da renda pessoal disponível, densidade populacional, número de pessoas idosas, nível educacional e a taxa de urbanização sobre a produção de resíduos sólidos per capita. Seus resultados mostram que maiores níveis de educação desempenham um papel crucial no comportamento mais sustentável em prol do meio ambiente. O autor aponta que a renda aumenta a produção de resíduos sólidos, juntamente com outras variáveis sociais e geográficas, que também se mostraram significativas. O autor ressalta ainda que muitos fatores influenciam a geração e reciclagem de resíduos, como crescimento econômico e demográfico, mudanças tecnológicas, dotações de recursos, estruturas institucionais e estilos de vida da população.

Em um estudo aplicado à análise da geração de resíduos sólidos na Nigéria, Ismaila et al. (2015)ISMAILA, A. B.; MUHAMMED, I.; BIBI, U. M.; HUSAIN M. A. Modelling municipal solid waste generation using geographically weighted regression: a case study of Nigeria. International Research Journal of Environment Sciences, v. 4, n. 8, p. 98-108, 2015. usam um modelo espacial com base em variáveis socioeconômicas, demográficas e climáticas. Suas estimativas detectaram que os fatores a seguir aumentam a produção de resíduos sólidos: aumento do emprego na agricultura, aumento de adultos alfabetizados acima de 15 anos, aumento da despesa familiar média per capita em alimentos e itens não alimentares e aumento da média de chuvas anuais.

Silva et al. (2010)SILVA, H.; BARBIERI A. F.; MONTE-MÓR, R. Fatores demográficos e geração de resíduos sólidos domiciliares no Município de Belo Horizonte. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 17, 2010. Disponível em: http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/viewFile/2367/2320. Acesso em: 16 nov. 2017
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buscaram verificar se as variáveis socioeconômicas (especificamente renda e educação) e as demográficas (domicílios e faixa etária) são relevantes na geração de resíduos sólidos em alguns bairros de Belo Horizonte, Minas Gerais. Foi possível observar que indivíduos acima de 60 anos, e fatores associados à renda e escolaridade elevadas, impactam positivamente na formação de lixo. Segundo os autores, isto se justifica pelo fato de que o consumo das pessoas desse perfil em geral é relativamente mais dependente de alimentos industrializados, resultando em uma maior proporção de resíduos sólidos recicláveis.

Alguns estudos testaram a formação da CKA apresentada por Grossman e Krueger (1991)GROSSMAN, G. M.; KRUEGER, A. B. Environmental impacts of a North American free trade agreement. Cambridge, MA: 1991. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w3914.pdf. Acesso em: 6 out. 2017.
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e encontraram uma relação não-linear entre poluição e a renda per capita no formato de U invertido. Os autores observaram que incrementos iniciais na renda per capita geram maior degradação ambiental, entretanto, em determinado nível de renda per capita do país/estado/cidade, a curva atinge seu ponto de máximo e depois segue uma trajetória descendente. Isso muitas vezes acontece porque, ao desfrutar de maior renda, as pessoas reduzem a emissão de poluentes, ocorrendo uma melhora na qualidade do meio ambiente. Além disso, políticas orientadas para o cuidado ambiental possuem bastante importância para esse comportamento de inflexão da curva. Selden e Song (1994)SELDEN, T. M.; SONG, D. Environmental quality and development: is there a Kuznets curve for air pollution emissions? Journal of Environmental Economics and Management, v. 27, n. 2, p. 147-162, 1994. observam que o acesso a maiores níveis de educação ambiental, bem como o conhecimento sobre os impactos que o crescimento traz ao meio ambiente são capazes de contribuir para uma Curva no formato de U invertido. Desde então, a ideia da Curva de Kuznets também passou a ser replicada em diferentes tipos de poluentes: dióxido de carbono (volume de tráfego de carros), nitratos e resíduos sólidos (Selden; Song, 1994SELDEN, T. M.; SONG, D. Environmental quality and development: is there a Kuznets curve for air pollution emissions? Journal of Environmental Economics and Management, v. 27, n. 2, p. 147-162, 1994.; Hilton; Levinson, 1998HILTON, F. G. H.; LEVINSON, A. Factoring the environmental Kuznets curve: evidence from automotive lead emissions. Journal of Environmental Economics and Management, v. 35, n. 2, p. 126-141, 1998.; Mazzanti; Montini; Zoboli, 2008MAZZANTI, M.; MONTINI, A.; ZOBOLI, R. Municipal waste generation and socioeconomic drivers: evidence from comparing Northern and Southern Italy. The Journal of Environment & Development, v. 17, n. 1, p. 51-69, 2008.; Li et al., 2012LI, Y.; BAI, J.; WANG, J.; QIU, H; MIN, S. Solid waste disposal and its relationship with economic development in rural China. In: INTERNATIONAL ASSOCIATION OF AGRICULTURAL ECONOMISTS (IAAE) TRIENNIAL CONFERENCE, Foz do Iguaçu, 2012.; Ercolano et al., 2018ERCOLANO, S.; GAETA, G. L. L.; GHINOI, S.; SILVESTRI, F. Kuznets curve in municipal solid waste production: an empirical analysis based on municipal-level panel data from the Lombardy region (Italy). Ecological Indicators, v. 93, p. 397-403, 2018.).

No Japão, através da aplicação de regressão espacial, foram encontradas evidências de uma CKA de resíduos sólidos para o ano de 2005. O volume de lixo foi determinado como variável dependente, e as independentes foram: número de aposentados, número de aterros sanitários, número de pessoas que trabalham em cidades diferentes de sua residência. Com estas informações conseguiram verificar que maiores níveis de renda acarretam menor geração de resíduos sólidos (Ichinose; Yamamoto; Yoshida, 2011ICHINOSE, D.; YAMAMOTO, M.; YOSHIDA, Y. The decoupling of affluence and waste discharge under spatial correlation: do richer communities discharge more waste? GRIPS Policy Research Center, v. 20, n. 2, p. 1-28, 2011.).

Mazzanti, Montini e Zoboli (2008)MAZZANTI, M.; MONTINI, A.; ZOBOLI, R. Municipal waste generation and socioeconomic drivers: evidence from comparing Northern and Southern Italy. The Journal of Environment & Development, v. 17, n. 1, p. 51-69, 2008. avaliaram a geração de resíduos sólidos municipais para um conjunto de 103 províncias da Itália no período de 2001 a 2006. Para isso foi realizada uma regressão com dados em painel fazendo uma relação entre Valor Adicionado (VA) per capita, densidade populacional, uma variável que mede o nível de turismo e a taxa de coleta seletiva. Foram encontrados indícios de uma Curva de Kuznets Ambiental para resíduos sólidos, mostrando que em determinado patamar da renda, sua produção de resíduos per capita tendia a diminuir.

A Curva de Kuznets Ambiental de resíduos sólidos também foi testada para os municípios brasileiros para o intervalo de 2002 a 2012. Os autores analisaram a relação entre a renda da população e a disposição final dos resíduos sólidos, considerada por eles como indicador para qualidade ambiental. A metodologia aplicada neste estudo são os dados em painel desbalanceado para um total de 2.232 municípios. Os resultados apontaram para existência da CKA para disposição final de resíduos sólidos no país (Morel et al., 2016MOREL, B. L. G.; TRIACA, L. M.; SOUZA, O. T. Desenvolvimento econômico e a disposição de resíduos sólidos no Brasil: um teste da hipótese da Curva Ambiental de Kuznets (CKA) para os municípios brasileiros. Revista Espacios, v. 37, n. 17, p. 22, 2016.).

O estudo e análise sobre a Curva de Kuznets de resíduos sólidos permite verificar a relação entre o crescimento econômico e a qualidade ambiental. Além disso, é possível identificar em quais grupos da população é mais importante o direcionamento de políticas para redução na produção de resíduos sólidos domésticos. O presente trabalho identifica o impacto de algumas variáveis, mencionadas na literatura exposta, na produção de resíduos sólidos. Foram utilizadas as variáveis de turismo, o PIB per capita municipal, a densidade populacional, a cobrança pela taxa de coleta e a coleta seletiva.

2 Metodologia

A base de dados utilizada neste trabalho foi obtida através do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) para os anos de 2011 a 2015. Este sistema possui um conjunto de referências sobre os serviços prestados no manejo de resíduos sólidos no Brasil. Os dados do SNIS, entretanto, não estão completos para todos os anos, ou seja, alguns municípios não remeteram as informações ao Ministério das Cidades no período escolhido para análise. As informações sobre a temática ambiental, especialmente no que tange à gestão de resíduos sólidos, ainda são bastante incipientes no Brasil. Os dados de Produto Interno Bruto (PIB) são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a proxy para o turismo (emprego em hotéis e similares) foi extraída da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

Esta pesquisa tem como variável dependente a produção de resíduos sólidos domiciliares (RDO). Como no SNIS consta apenas a informação da quantidade coletada porta a porta nos domicílios brasileiros (RDOsnis), houve a necessidade de calcular a RDO usando a informação sobre a taxa de cobertura no município (percentual da população atendida pela coleta porta a porta), conforme a Equação 1.

Na Tabela 1 estão as estatísticas descritivas agrupadas para os anos de 2011 a 2015, com um total de 7.678 observações (variando entre 1.105 a 1.801 municípios por ano no período, conforme apêndice). A quantidade média produzida de resíduos sólidos domiciliares (variável dependente) é de 0,24 toneladas per capita por ano, sendo o município de Alcinópolis/MS o maior produtor per capita dentre os municípios do país, totalizando 1,98 tonelada. A média do PIB per capita no intervalo de 2011 a 2015 foi de 24.268,60 reais ao ano e por hipótese possui uma relação positiva com a produção de lixo, podendo se desvincular em determinado patamar da renda.

Tabela 1
Estatísticas descritivas dos dados utilizados, 2011 - 2015

A taxa de empregados em hotéis e similares, usada como proxy para a variável turismo, apresenta uma média de 1,2 empregado para cada mil pessoas nos municípios pesquisados. Foram criadas duas dummies para coleta seletiva e para a taxa de coleta de resíduos domiciliares, sendo (1) quando o município cobra taxa pelo serviço de coleta domiciliar ou possui coleta seletiva e (0) no caso contrário. Para a variável coleta seletiva é esperado um sinal negativo. Segundo o trabalho dos autores Mazzanti, Montini e Zoboli, (2008)MAZZANTI, M.; MONTINI, A.; ZOBOLI, R. Municipal waste generation and socioeconomic drivers: evidence from comparing Northern and Southern Italy. The Journal of Environment & Development, v. 17, n. 1, p. 51-69, 2008., políticas de gerenciamento no manejo do lixo tendem a diminuir a sua produção. Já para a cobrança de taxa de coleta, os autores destacam que existe uma relação positiva com a produção de resíduos. O Apêndice mostra as estatísticas descritivas para cada um dos anos no intervalo pesquisado.

Na Tabela 2 são apresentados os percentuais do número de municípios de cada região que tem cobrança dos serviços de coleta e tem coleta seletiva. O Sul e o Sudeste são as regiões que contêm o maior número de municípios que cobram a taxa pela coleta de resíduos dentro da amostra do SNIS. A região Sul do Brasil é responsável pelo maior número de observações dentro do intervalo observado, além de apresentar mais de 50% dos municípios ofertantes do serviço de coleta seletiva.

Tabela 2
Percentual, por região, de observações com coleta seletiva e que cobram pelo serviço de coleta e o número de observações por região

Na presente análise foi utilizada a regressão de dados em painel. A regressão de dados em painel consegue agregar um maior número de informações para se compreender o fenômeno em análise, além de proporcionar uma melhor interpretação sobre a dinâmica do comportamento (Wooldridge, 2014WOOLDRIDGE, J. M. Introdução à econometria: uma abordagem moderna. 4. ed. Tradução José Antônio Ferreira. São Paulo: Cengage Learning, 2014.).

A equação geral do modelo pooled pode ser definida como:

(2) y i t = β 0 + β 1 x 1 i t + + β k x k i t + u i t

onde: y_it é a variável dependente do município i no período t; β0 é o intercepto (constante); "" "x" _"1it" "" , ..., "x" _"kit" são as k variáveis independentes; "" 〖" β" 〗_"1" ", …, " "β" _"k" "" são os k parâmetros a serem estimados; uit é termo de erro; e o subscrito i representa a i-nésima unidade de corte transversal; t indica o t-nésimo período de tempo.

A partir desta formulação geral, dois tipos de modelos de dados em painel geralmente são usados, o de efeitos fixos e o de efeitos aleatórios. A escolha de um ou outro destes modelos depende se a heterogeneidade não observada constante no tempo é correlacionada ou não com as variáveis explicativas do modelo. Se ela for correlacionada, utiliza-se o modelo de efeitos fixos inserindo-se o termo ai separado do termo de erro. Se não for correlacionada, utiliza-se o modelo de efeitos aleatórios em que a heterogeneidade não observada é incluída no termo de erro (εit=ai+uit). Com isso, o modelo de efeitos fixos é representado pela equação 3 e o de efeitos aleatórios pela equação 4.

(3) y i t = β 0 + β 1 x 1 i t + + β k x k i t + a i + u i t

(4) y i t = β 0 + β 1 x 1 i t + + β k x k i t + ε i t

em que ai é o efeito fixo ao longo do tempo. Para efetuar a escolha entre modelos pooled e painel, utiliza-se o Teste BP (Breusch-Pagan). Para escolher entre painel de efeitos fixos ou aleatórios é utilizado o Teste de Hausman. Os modelos empíricos usados neste trabalho estão na Tabela 3.

Tabela 3
Resultados dos modelos testados usando dados em painel de efeitos aleatórios

O Turning Point é o ponto mais alto da Curva de Kuznets, onde ela troca a sua inclinação. No caso de uma equação de segundo grau, é o ponto onde a primeira derivada é nula e a segunda derivada é negativa, indicando a existência de um máximo local. Para que o Turning Point confirme a Curva de Kuznets Ambiental, é necessário que o coeficiente de pib_pcr2 seja negativo e o coeficiente de pib_pcr positivo.

3 Resultados e discussão

Para estimar o efeito de diferentes variáveis na produção de resíduos sólidos e verificar a existência da Curva de Kuznets Ambiental, foram testados nove modelos diferentes. Os resultados apresentados na Tabela 3 mostram que o Modelo de Efeitos Aleatórios foi preferencial ao pooled em todos os casos, pois apresentou o Teste BP (Breusch-Pagan) significativo, rejeitando H0. Já o Teste de Hausman não validou a hipótese de efeitos fixos para quase todos os modelos.

O Modelo Linear apresentou um coeficiente de 5,58×107 para o PIB per capita. Quando testado o Modelo Quadrático foi evidenciada a curva de Kuznets e o Turning Point (TP) resultou em torno de 198 mil reais. Foi então testado o Modelo 3 com o PIB elevado ao cubo, com o intuito de verificar a hipótese da Curva de Kuznets apresentar o formato de N. Nesse último caso o estimador do termo cúbico não foi significativo e apresentou problemas de multicolinearidade, diminuindo a qualidade dos modelos. Optamos, então, por seguir apenas com a inclusão do termo quadrático.

A inclusão da densidade populacional apresentou coeficientes positivos e significativos, variando entre 1,165 (modelo 9) e 1,526 (modelo 7). Cada habitante a mais por quilômetro quadrado resultou no aumento de aproximadamente 15 gramas de resíduos sólidos. Sendo assim, a densidade populacional não apresentou grande relevância para a produção de RDO, pois, por exemplo, o impacto entre a cidade com menor e maior densidade da amostra (Barcelos e Osasco, respectivamente) se difere em apenas 130 gramas de resíduos sólidos per capita produzidos em 2015. Nesse modelo o TP aumentou para um PIB per capita em torno de 202 mil reais.

A introdução da proxy para o turismo – taxa de emprego em hotéis e similares – também teve relação positiva com a produção de resíduos sólidos. Isso é devido ao aumento do fluxo de pessoas não residentes na cidade decorrente das atividades turísticas. A cidade goiana de Rio Quente, uma das cidades brasileiras que mais recebe turistas em relação à população local (a população local, nos anos pesquisados, não passa de 4000 pessoas e recebe 1,1 milhão de turistas ao ano), é a que apresentou maior valor nessa variável. Quase 50% das pessoas da cidade trabalham em atividades ligadas ao turismo, impactando em quase uma tonelada a mais de lixo produzido a cada ano por pessoa. A inclusão dessa variável deslocou o TP para 204 mil reais per capita.

O trabalho de Arbulú et al. (2015)ARBULÚ, I.; LOZANO, J.; REY-MAQUIEIRA, J. Tourism and solid waste generation in Europe: a panel data assessment of the Environmental Kuznets Curve. Waste Management, v. 46, p. 628-636, 2015. conclui que o turismo possui uma grande influência na produção de resíduos sólidos per capita. Por isso, deve-se ter uma preocupação especial com os municípios que possuem atividades ligadas a este setor, os quais recebem uma enorme massa de população não residente que impacta na produção de resíduos, necessitando uma atenção redobrada na gestão do lixo.

Tanto a coleta seletiva quanto a cobrança pelo serviço de coleta de lixo tiveram relação negativa com a produção de resíduos sólidos por pessoa. Foi testada a exclusão da variável coleta seletiva, pois sua significância diminuiu no Modelo 7, mas o critério de Akaike mostrou que o Modelo 8 é menos informativo. Para o modelo mais bem ajustado (modelo 9), a existência de cobrança pelo serviço de coleta de lixo no município diminui em 15 quilos a quantidade de resíduos sólidos produzidos por pessoa ao ano. Jacobi e Besen (2011)JACOBI, P. R.; BESEN, G. R. Gestão de resíduos sólidos em São Paulo: desafios da sustentabilidade. Estudos Avançados, v. 25, n. 71, p. 135-158, 2011. afirma que, para reduzir o volume produzido e o desperdício, seria necessária uma cobrança proporcional à quantidade produzida nos domicílios.

O Modelo 9 incluiu dummies para verificar a diferença regional na produção de resíduos sólidos per capita. Somente as regiões Sudeste e Sul foram significativas no modelo, apresentando impacto negativo em relação à região omitida (Nordeste). Se a cidade pertence à região Sul, produz, relativamente ao Nordeste, 96 quilos a menos de resíduos per capita, enquanto a região Sudeste produz 53 quilos a menos. As regiões Norte e Centro-Oeste não apresentaram significância, entretanto, apresentaram coeficientes positivo e negativo, respectivamente. Já que as regiões Sudeste e Sul possuem uma maior renda per capita, estes resultados corroboram com a existência da CKA.

A inclusão das regiões no modelo aumentou em módulo os coeficientes do PIB per capita, tornando a curva de Kuznets mais íngreme e mais estreita. O Turning Point baixou para cerca de 168 mil reais, deixando 10 cidades à direita da curva: cinco do Sudeste, três do Sul e duas do Centro-Oeste (Figura 1). A coleta seletiva não foi significativa no modelo e, tanto essa variável quanto a cobrança pelo serviço de coleta, passaram a ter sinal positivo. A maior parte da amostra (80%) se concentra nas regiões Sul e Sudeste, regiões com maior número de observações que possuem valor 1 nas duas variáveis, conforme a Tabela 2, e tiveram impacto negativo no coeficiente regional para a produção de resíduos. Para essas regiões as características locais são mais importantes para determinar a produção de resíduos per capita do que as políticas de coleta.

Figura 1
Curva de Kuznets, Turning Point e municípios selecionados

Conclusões

O presente trabalho teve como objetivo testar a hipótese da presença da CKA e identificar fatores associados à produção de resíduos sólidos domiciliares per capita nos municípios do Brasil. Foram testados nove modelos alternativos, sendo o Modelo de Efeitos Aleatórios o de melhor ajuste. Os resultados confirmam a existência da CKA para resíduos sólidos domiciliares per capita, resultando em um Turning Point de aproximadamente 198 mil reais.

No que diz respeito aos demais determinantes da produção de resíduos testados no modelo, pode-se dizer que: municípios com maior densidade populacional apresentam uma maior produção relativa de resíduos sólidos; os municípios turísticos possuem uma produção relativamente maior de resíduos; e municípios com coleta seletiva e com cobrança pelo serviço de coleta têm uma produção relativamente menor de resíduos sólidos domiciliares per capita.

Considerando as grandes regiões do país, os resultados mostram que, em relação ao Nordeste, os municípios das regiões Sudeste e Sul produzem menos resíduos domiciliares per capita. Dado que estas regiões possuem maior renda, estes resultados confirmam a presença da CKA nos municípios brasileiros.

Uma dificuldade encontrada no trabalho foi a falta de dados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, uma vez que diversos municípios não relatam anualmente as informações acerca do seu gerenciamento dos resíduos sólidos. O Rio Grande do Sul é o estado que possui o maior número de observações entre municípios da amostra. Além disso, pode ocorrer uma subestimação da quantidade coletada de resíduos domiciliares no país, pois nem todos os municípios possuem o sistema de pesagem para identificar o volume total de lixo gerado.

Os resultados encontrados podem ajudar a formular políticas públicas visando a diminuição da produção de resíduos sólidos domiciliares. Primeiro, uma atenção maior deve ser dada aos locais de menor renda, pois nesses locais a produção de resíduos sólidos domiciliares é relativamente maior. Esta afirmação é baseada na presença da CKA, que é corroborada pelos resultados regionalizados, que indicam menor produção relativa nas regiões Sudeste e Sul. Diferentes causas poderiam explicar o comportamento da curva, como a estrutura e densidade dos domicílios, o nível educacional e o perfil do consumo por classes de renda. Determinados produtos, especialmente de consumo popular, tendem a ter menor preocupação com a questão da sustentabilidade, gerando mais resíduos em termos de embalagem e acondicionamento. Segundo, considerar como casos especiais os municípios turísticos, já que nesses locais o volume de resíduos produzido é relativamente maior por conta do maior fluxo de pessoas não residentes. Por fim, implantar a coleta seletiva e a cobrança pela prestação do serviço de coleta são boas alternativas. Em conjunto, estas duas atitudes, além dos seus efeitos diretos sobre a redução da produção de resíduos, podem também ter efeitos indiretos no sentido de melhorar a consciência sobre a importância do tema.

  • JEL Q01, Q53, Q58.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2019
  • Aceito
    29 Out 2021
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