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Economia política e jurisprudência na filosofia de Adam Smith * * O presente trabalho é resultado de pesquisas ligadas a um pós-doutorado (FFLCH-USP) e foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 (bolsa PNPD/Capes, Filosofia-USP).

Political economy and jurisprudence in Adam Smith’s philosophy

Resumo

O presente artigo visa localizar a economia política na filosofia moral de Adam Smith, em particular, sua separação da jurisprudência. Defende-se que o fundamento para tal separação deve ser buscado na tipologia das paixões desse autor, tal qual apresentada na Teoria dos sentimentos morais. As paixões sociáveis, egoístas e insociáveis produzem, cada uma, um tipo específico de interação social, cada um sendo regulado por uma virtude diferente, respectivamente, benevolência, prudência e justiça. Duas dessas séries se organizam como objetos de duas ciências diferentes, a saber, a jurisprudência natural e a economia política.

Palavras-chave:
Economia política; Jurisprudência; Paixões; Virtudes

Abstract

The current paper aims at locating political economy in Adam Smith’s moral philosophy, in particular, its detachment from jurisprudence. It advocates that the basis for this separation is to be founded in Smith’s typology of passions, presented in the Theory of Moral Sentiments. The sociable, the selfish and the unsociable passions all beget a particular kind of social interaction, which is regulated by a different virtue, respectively, beneficence, prudence and justice. Two of these series appear as the object of two different sciences, namely, natural jurisprudence and political economy.

Keywords:
Political economy; Jurisprudence; Passions; Virtue

1 Introdução: economia política e jurisprudência1 1 Uma versão preliminar desse texto foi apresentada e discutida na sessão do dia 29/03/2017 dos Seminários em História e Metodologia da Economia (FEA-USP). Agradeço ao professor Pedro Duarte pelo convite e a todos os presentes na ocasião pela discussão. Igualmente, agradeço as críticas e sugestões do parecerista anônimo dessa revista.

A questão a respeito da origem de uma ciência é sempre complicada e lidar com ela em sua totalidade é tarefa que excede em muito o exíguo espaço de um artigo. Analisar a história da constituição de um conjunto de conhecimentos em um saber que se apresenta e se reconhece como específico, como (relativamente) autônomo a outros discursos correlatos exige fôlego e espaços maiores do que os aqui empregados. Contudo, é precisamente esse o objeto do presente texto: jogar luz sobre (parte de) um desses momentos, a saber, a delimitação da economia política como uma ciência propriamente dita, em especial, sua separação do campo da jurisprudência.

Em A invenção da economia no século XVIII, Catherine Larrère (1992, p. 6)LARRÈRE, C. L’invention de l’économie au XVIIIe siècle. Paris: Presses Universitaires de France, 1992. se opõe a esse tipo de interpretação da economia política:

O erro comum à história do pensamento econômico foi o de ter interpretado a afirmação de autonomia, característica da emergência do discurso econômico, como um projeto de especialização. (…) Concebeu-se assim a autonomia da economia como uma separação, a unificação de seu campo como um especialização e buscou-se aí as condições de cientificidade desse discurso2 2 Todas as traduções do francês são de minha autoria. .

Contra essa “hipótese de especialização”, ela sugere uma “hipótese de continuidade, que mostrará o funcionamento do raciocínio (raisonnement) econômico no percurso contínuo de um mesmo espaço, comum à economia, à moral e à política” (Ibid, p. 8). No que tange ao discurso econômico francês do século XVIII, em particular ao local ocupado pela fisiocracia, sua interpretação é exemplar:

Os fisiocratas se autoproclamaram os fundadores de uma nova ciência que eles compreenderam a partir dos paradigmas dominantes da época: a necessidade física, a evidência matemática. Contudo, não obstante levarem sua pretensão à verdade até o dogmatismo sectário, eles jamais ligaram a evidência à especialização, eles nunca proclamaram que eles haviam delimitado um campo separado da confusão anterior (Ibid, p. 6-7).

Esse artigo, por sua vez, foca em Adam Smith e visa mostrar como uma delimitação do campo da economia política é sim, objeto de sua obra. O que, é preciso ressaltar, não implica numa retomada da hipótese da especialização, alvo de Larrère3 3 Uma excelente interpretação da obra de Quesnay e Smith a partir dessa hipótese pode ser encontrada em Santos (1997). . A economia política de Smith não é autônoma perante a política e, muito menos, perante a moral – nesse quesito ela deve sim, ser interpretada na esteira da tradição do senso moral ou dos sentimentos morais (em particular, Hutcheson e Hume)4 4 Jaffro, 2000. . Em sua obra, porém, a economia é, eis a hipótese aqui defendida, distinta da justiça. Isso é tanto mais relevante, uma vez que, como Larrère também aponta, a economia política se forma dentro do jusnaturalismo: “Ora, a ciência própria a esse campo existe: é a ciência do direito natural. Pode-se então considerar Quesnay como um teórico do direito natural, que denominava economia política o seu modo de tratá-la” (Ibid, p. 8-9).

A questão é igualmente central no que tange à filosofia moral de Smith como um todo. O último parágrafo da Teoria dos sentimentos morais (1759) indica que o projeto de Smith vai nesse sentido:

I shall in another discourse endeavour to give na account of the general principles of law and government, and of the different revolutions they have undergone in the different ages and periods of society, not only in what concerns justice, but in what concerns police, revenue, and arms, and whatever else is the object of law (TMS VII.iv.37, p. 342).

Tal “promessa”, contudo, não foi inteiramente cumprida, como o próprio autor reconhece na Advertência à sexta edição, de 1790:

In the last paragraph of the first Edition of the present work, I said, that I should in another discourse endeavour to give an account of the general principles of law and government, and of the different revolutions which they had undergone in the different ages and periods of society; not only in what concerns justice, but in what concerns police, revenue, and arms, and whatever else is the object of law. In the Enquiry concerning the Nature and Causes of the Wealth of Nations, I have partly executed this promise; at least so far as concerns police, revenue, and arms. What remains, the theory of jurisprudence, which I have long projected, I have hitherto been hindered from executing, by the same occupations which had till now prevented me from revising the present work (TMS Adv.2, p. 3).

A “teoria da jurisprudência” é composta, portanto, de duas partes, uma lidando com a justiça, composta pela legislação penal e civil, e cujos princípios “are the subject of a particular science, of all sciences by far the most important, but hitherto, perhaps, the least cultivated, that of natural jurisprudence5 5 A obra de Haakonsen (1982) segue sendo a principal referência a respeito desse tópico. (TMS VI.ii.intro.2, p. 218); a segunda parte, lidando com a “police, revenue and arms” foi apresentada na Riqueza das nações (1776), recebendo o nome de economia política. Se é verdade que a jurisprudência natural e a economia política são partes de uma ciência mais abrangente, a jurisprudência, é também verdade que são “ciências particulares”, distintas, como veremos, em objeto e finalidade6 6 A definição apresentada na Introdução ao Livro IV da Riqueza deve igualmente ser lida nesse sentido: “Political economy, considered as a branch of the science of a statesman or legislator, [...]” (WN IV.Intro.1, p. 428). Jurisprudência é o nome dessa ciência mais abrangente da qual a economia política é um ramo. .

Para apresentar essa distinção, o argumento do artigo está dividido em quatro etapas, apresentadas nas próximas quatro seções. Iniciamos pela apresentação dos princípios que guiam as investigações científicas para Smith, resultando na construção de tipos ou espécies que se organizam num sistema tipológico, válido tanto para a filosofia natural quanto moral (seção 2). No caso de seu sistema moral, Smith recorre a um critério de Aristóteles, devidamente reposicionado numa teoria da simpatia, para o estabelecimento de três tipos de paixões que servirão de fundamento a um sistema com vários níveis (seção 3). Uma vez delineado o sistema, o lugar da economia política e da jurisprudência aparecem claramente e, com ele, a exigência de princípios específicos a cada uma delas (seção 4). Na conclusão, o sistema completo é sintetizado em um quadro e enfatizamos que é no plano das paixões que se deve buscar a especificidade tanto da filosofia de Smith quanto de sua jurisprudência e economia política (seção 5).

2 Metafísica I: wonder e ciências

Smith apresenta as ciências (ou melhor, toda “investigação filosófica”)7 7 O trecho aqui analisado é a introdução de The Principles which Lead and Direct Philosophical Enquiries; Illustrated by the History of Astronomy, mas em realidade, serve de introdução comum às outras duas histórias das ciências de Smith, intituladas, The Principles which Lead and Direct Philosophical Enquiries; Illustrated by the History of Ancient Physics e The Principles which Lead and Direct Philosophical Enquiries; Illustrated by the History of the Ancient Logics and Metaphysics. Esses textos foram publicados postumamente (1793), em conjunto com outros manuscritos selecionados por Smith pouco antes de sua morte sob o título de Essays on Philosophical Subjects (citados aqui como EPS). Não custa lembrar que a Riqueza das nações é também uma Inquiry, seguindo, pois, os mesmos princípios. como uma espécie de construção imaginária que responde a um impulso ou propensão humana que busca conhecimentos sistemáticos:

Wonder, Surprise, and Admiration, are words which, though often confounded, denote, in our language, sentiments that are indeed allied, but that are in some respects different also, and distinct from one another. What is new and singular, excites that sentiment which, in strict propriety, is called Wonder; what is unexpected, Surprise; and what is great or beautiful, Admiration (EPS, p. 33).

O sentimento central é o wonder8 8 Termo de complicada tradução, pois, como outros substantivos em língua inglesa, ele pode ser utilizado como verbo, forma na qual possui duas peculiaridades: 1) denota uma interrogativa 2) a respeito de uma conjectura precisa: whoever wonders se interroga, se pergunta, inquire a respeito de algo bem delimitado. Ademais, não possuímos um correspondente direto para ele – pode-se pensar em espanto, por exemplo, mas espantar-se não traz consigo o mesmo engajamento da curiosidade que o verbo wonder porta; maravilhar-se está muito mais próximo de admirar-se do que desse questionamento a respeito de uma conjectura; por sua vez, inquirir-se não possui correspondente substantivo adequado no campo sentimental, é intelectual demais. Essa questão é especialmente relevante porque Smith faz do wonder o motor da pesquisa científica. , que se desdobra em dois tipos: 1) aquele gerado por objetos novos e singulares e 2) aquele gerado por uma sequência não esperada na cadeia de raciocínios que vai sendo construída.

O primeiro resulta em um tipo de ordenamento, taxonômico, com base na descoberta de semelhanças de vários graus entre diversos objetos, de modo a permitir a classificação em várias ordens, da mais particular à mais abstrata (EPS, p. 37-38). Conhecer, portanto, significa especificar ou tipificar, isto é, colocar sob o mesmo nome uma quantidade cada vez maior de objetos, ao mesmo tempo em que se aumenta a complexidade do quadro criado – uma pessoa que desconhece botânica pode contentar sua curiosidade dizendo que tal vegetal é uma erva (weed), ou mesmo uma planta; um botânico jamais (EPS, p. 38). A dinâmica do trabalho da imaginação na atividade taxonômica pode ser assim resumida: um zoólogo que avista um animal até então desconhecido se surpreenderá (surprise) com a novidade; conforme pesquisa mais e se acostuma com seu novo objeto de pesquisa – isto é, quando ele deixa de ser novidade – a surpresa dá lugar ao espanto (wonder) e seu trabalho passa a ser o de buscar e enumerar as semelhanças capazes de encaixá-lo da melhor maneira possível no quadro taxonômico (dependendo do animal, pode ser necessário alterar o quadro para comportá-lo); uma vez encaixado, a série está novamente completa e o espanto se esgota; sobra apenas a admiração pelo sistema taxonômico que daí resulta (EPS, p. 38-39). Ao longo desse processo a imaginação é guiada pelo “evidente” prazer que o espírito (mind) obtém “observing the resemblances that are discoverable betwixt different objects” (EPS, p. 37).

O segundo engendra outro tipo de ordenamento, baseado na associação de ideias: o encadeamento aqui não é mais constituído por semelhança, mas por contiguidade (espacial), sucessão (temporal) e relações de causalidade9 9 A esse respeito ver Tratado da natureza humana (1739-1740) de Hume (em especial Livro I, Parte I, Cap. 4, Da conexão ou associação de ideias) cuja linguagem Smith segue de perto. . Três objetos que aparecem sucessivas vezes na mesma ordem fazem a imaginação supor que a sucessão entre eles não é casual: a cada nova observação que confirme essa ordem a “association of their ideas, becomes stricter and stricter, and the habit of the imagination to pass from the conception of the one to that of the other, grows more and more rivetted and confirmed” (EPS, p. 41). A sucessão habitual dos objetos cria uma expectativa por parte da imaginação:

As its ideas move more rapidly than external objects, it is continually running before them, and therefore anticipates, before it happens, every event which falls out according to this ordinary course of things (EPS, p. 41).

Contudo, basta uma aparição desses objetos em outra ordem para que os sentimentos de surpresa e espanto tomem de assalto a imaginação: “We start and are surprised at feeling it there, and then wonder how it came there” (EPS, p. 40; cf., p. 41). A imaginação não encontra a facilidade habitual no fluxo de suas ideias que se vê interrompido em um de seus encadeamentos por um “vão (gap) ou intervalo” (EPS, p. 41). Se a alteração no curso habitual das coisas é real ou apenas imaginada é menos importante para Smith que o movimento desencadeado por essa sensação: uma inquietação que impele o cientista/filósofo a buscar “a chain of intermediate, tough invisible, events” capaz de ligar os eventos separados e fazer o fluxo voltar a correr como antes (EPS, p. 41-42). Essa “ponte (bridge)” vem em resposta a

this second species of Wonder, which arises from an unusual succession of things. The stop which is thereby given to the career of the imagination, the difficulty which it finds in passing along such disjointed objects, and the feeling of something like a gap or interval betwixt them, constitute the whole essence of this emotion. (EPS, p. 42).

Dois tipos de espanto e investigação que organizam duas etapas do trabalho científico: especificação e unificação a partir de princípios abstratos. Desse segundo tipo de wonder surge essa segunda tarefa, propriamente filosófica, que consiste em unificar os tipos e cadeias a partir de princípios cada vez mais gerais:

Philosophy is the science of the connecting principles of nature. […]. Philosophy, by representing the invisible chains which bind together all these disjointed objects, endeavours to introduce order into this chaos of jarring and discordant appearances, to allay this tumult of the imagination, and to restore it, when it surveys the great revolutions of the universe, to that tone of tranquillity and composure, which is both most agreeable in itself, and most suitable to its nature (EPS, p. 45-46).

Ressaltemos dois pontos importantes: 1) o desenvolvimento científico/filosófico serve para apaziguar ou satisfazer um tipo específico de sentimento, o wonder, que busca a ordem e 2) a filosofia como um todo “may be regarded as one of those arts that adress themselves to the imagination” (Ibidem), e não diretamente à razão (o que significa que as exigências de coerência e completude lógicas não são relevantes em si mesmas, mas apenas na medida em que servem para gerar um sistema capaz de apaziguar essa inquietude e curiosidade próprias ao wonder)10 10 Daí porque hipóteses e teorias equivocadas podem perdurar por bastante tempo (como a teoria dos vórtices de Descartes), basta que seus princípios sejam familiares à imaginação (EPS, p.96). Convém notar que essa falta de verossimilhança (probability) com a realidade pode perdurar na filosofia natural, mas não na filosofia moral: “A system of natural philosophy may appear very plausible, and be for a long time very generally received in the world, and yet have no foundation in nature, nor any sort of resemblance to the truth. The vortices of Des Cartes were regarded by a very ingenious nation, for near a century together, as a most satisfactory account of the revolutions of the heavenly bodies. [...] But it is otherwise with systems of moral philosophy, and an author who pretends to account for the origin of our moral sentiments, cannot deceive us so grossly, nor depart so very far from all resemblance to the truth” (TMS VII.ii.4.14, p. 313-314). . Sistema ordenado que se desdobra em dois momentos complementares, 1) de especificação 2) a partir de um princípio geral. Isso também vale para a filosofia moral, apresentada por Smith em termos muito parecidos:

The maxims of common life were arranged in some methodical order, and connected together by a few common principles, in the same manner as they had attempted to arrange and connect the phenomena of nature. The science which pretends to investigate and explain those connecting principles, is what is properly called moral philosophy (WN V.i.f.25, p. 769).

Do mesmo modo que o naturalista que se defronta com um espécime vegetal ou animal até então desconhecido apaziguará sua curiosidade apenas quando tiver encontrado o local adequado para ele no sistema então vigente de sua ciência – o que por vezes implica em promover alterações nesse sistema (EPS, p. 39-40) –, o filósofo moral igualmente se depara com diversos espécimes morais, cabendo a ele organizá-los sistematicamente a partir do grau médio próprio a cada espécie:

But as in each species of things, we are particularly pleased with the middle conformation, which, in every part and feature, agrees most exactly with the general standard which nature seems to have established for things of that kind; so in each rank, or, if I may say so, in each species of men, we are particularly pleased, if they have neither too much, nor too little of the character which usually accompanies their particular condition and situation (TMS V.2.4, p. 201)

Em ambos os casos a questão gira em torno do bom estabelecimento das “espécies” relevantes à análise em questão. O que, de acordo com a História da metafísica e lógica antigas, implica que no campo moral também valem os mesmos princípios metafísicos e lógicos da filosofia natural:

In every case, therefore, Species, or Universals, and not Individuals, are the objects of Philosophy. […] Metaphysics, considered the general nature of Universals, and the different sorts or species into which they might be divided. […] Logics, was built upon this doctrine of Metaphysics; and from the general nature of Universals, and of the sorts into which they were divided, endeavoured to ascertain the general rules by which we might distribute all particular objects into general classes, and determine to what class each individual object belonged; for in this, they justly enough apprehended, consisted the whole art of philosophical reasoning (EPS, p. 119-120).

A argumentação desse texto sugere que tais questões se resolvem no plano da linguagem com seu ordenamento gramatical11 11 Smith aceita a tese, desenvolvida por vários autores do período e, em especial, por Condillac, de uma gramática racional, como seu comentário a uma obra de William Ward em uma carta dirigida a George Baird deixa claro: “I approve greatly of his plan for a Rational Grammar and am convinced that a work of this kind executed with his abilities and industry, may prove not only the best System of Grammar, but the best System of Logic in any Language, as well as the best History of the natural progress of the Human mind in forming the most important abstractions upon which all reasoning depends” (Corr. 69, p. 87-88). . Afinal, como aponta a resposta de Smith ao questionamento de Rousseau sobre a origem dos termos gerais em seu Ensaio sobre a primeira formação das linguagens (1761),

What constitutes a species is merely a number of objects, bearing a certain degree of resemblance to one another, and on that account denominated by a single appellation, which may be applied to express any one of them (LRBL, p. 205).

A questão relevante se torna, pois, como determinar esse “general standard” no campo moral, isto é, como a “arte do raciocínio filosófico” deve ser empregada pelo filósofo moral.

3 Naturalismo moral: grau médio e simpatia

Como Smith aponta, é em Aristóteles que ele busca os elementos para sua teoria da mediocridade, da mediedade ou do grau médio12 12 Mediocrity é a tradução de Smith para o grego mesotes; mediedade, por sua vez, é a opção em português de Marco Zingano em sua tradução parcial comentada da Ética nicomaquéica (aqui utilizada). :

Virtue, according to Aristotle, consists in the habit of mediocrity according to right reason. Every particular virtue, according to him, lies in a kind of middle between two opposite vices, of which the one offends from being too much, the other from being too little affected by a particular species of objects. [...] It is unnecessary to observe that this account of virtue corresponds too pretty exactly with what has been said above concerning the propriety and impropriety of conduct (TMS VII.ii.1.12, p. 270-271).

Na Ética Nicomaquéica, Aristóteles define a virtude do seguinte modo:

A virtude é, portanto, uma disposição de escolher por deliberação, consistindo em um mediedade relativa a nós, disposição delimitada pela razão (logos), isto é, como a delimitaria o prudente (phronimos) (EN II6 1107 a1; p. 51).

Em II 4 dessa obra, Aristóteles havia apontado que a virtude concerne às disposições (e não às emoções ou às capacidades) – determinando, pois, o gênero da virtude (ver Zingano, in EN, p. 119) – e, em II 5, ao discutir que tipo de disposição – isto é, qual a espécie dentro desse gênero (Zingano, in EN, p. 123) –, ele terminará por apontar que “a virtude é certa mediedade, consistindo em ter em mira o meio termo” (EN II5 1106 b27; p. 51). Isto é, a virtude é a disposição que busca a medidade. Mas em que essa última consiste?

Em todo contínuo e divisível é possível tomar mais, menos e igual, e isso conforma à própria coisa ou relativo a nós; o igual é um meio termo entre excesso e falta. Entendo por meio termo da coisa o que dista igualmente de cada um dos extremos, que justamente é um único e mesmo para todos os casos; por meio termo relativo a nós, o que não excede nem falta, mas isso é não único nem o mesmo para todos os casos (EN II5 1106 a24-32, p. 49-50).

Primeiro ponto importante: a continuidade e divisibilidade do que cabe à virtude. Zingano comenta, “Na verdade o e é explicativo: todo contínuo, isto é: todo divisível. Com efeito, o contínuo é definido como o que é divisível em partes sempre divisíveis” (in EN, p. 124). Em suma, o campo da moral é constituído por contínuos que podem ser divididos, a questão é: como fazê-lo? Para Aristóteles, pela mediedade, que é de dois tipos: o que dista em igual medida dos extremos, sendo, portanto, único – a média aritmética – e, o que não excede nem falta, sendo, portanto, determinado caso a caso. É esse segundo caso que interessa ao Estagirita em sua ética, assim como a Smith, que irá se apropriar dessa questão a seu modo. Em primeiro lugar, de acordo com sua epistemologia, cabe partir do princípio organizador da moral, qual seja, a simpatia (TMS VII.iii.3.3, p. 321). É dentro de uma discussão a respeito da simpatia, isto é, do processo de comunicação das paixões (e, portanto, não no campo das virtudes), que Smith recupera a teoria aristotélica da mediedade:

This mediocrity, however, in which the point of propriety consists, is different in different passions. It is high in some, and low in others. […] The first are those passions with which, for certain reasons, there is little or no sympathy: the second are those with which, for other reasons, there is the greatest. And if we consider all the different passions of human nature, we shall find that they are regarded as decent, or indecent, just in proportion as mankind are more or less disposed to sympathize with them (TMS I.ii.intro.2, p. 27).

Focar no grau médio como aquele em que a simpatia ocorre significa, primeiro, ver as paixões individuais como contínuos, cada uma com um ponto privilegiado de mais fácil compartilhamento (que aparece como um tipo de norma não estatística, pois não é necessário que ele seja o caso mais comumente observado; trata-se do ponto ótimo de simpatia para cada paixão em particular) e, segundo, compreender os extremos (falta e excesso) como limites, a partir dos quais a simpatia não pode mais ocorrer (dentre eles, os casos que Smith denomina de “extravagantes”; cf. TMS I.i.3.9, p. 18-19). A partir da delimitação desse ponto em cada caso individual, é possível então agrupá-las por semelhança estabelecendo uma tipologia. O sistema moral de Smith está à altura, pois, de sua epistemologia: a partir de um princípio conector (a simpatia) ele organiza os dados empíricos no campo das paixões em espécies, de forma a satisfazer o wonder do filósofo moral. A tipologia de Smith contém cinco espécies de paixões: a) as que se originam no corpo (apetites); b) as que se originam num hábito ou pendor (turn) da imaginação; c) as sociáveis; d) as insociáveis e; e) as egoístas.

Os apetites não são verdadeiramente passíveis de simpatia, pois simpatizar com a fome ou sede de alguém significaria sentir fome ou sede também (TMS I.ii.1, p. 27-31); já as paixões que se originam num hábito ou pendor são idiossincráticas demais, correm por canais imaginários únicos, praticamente impossíveis de serem compartilhados13 13 Tipo em que encaixa a própria filosofia (TMS I.ii.2.6, p. 33-34). (TMS I.ii.2, p. 31-34). Daí porque os tipos que realmente interessam são os três últimos. As paixões sociáveis são em tudo agradáveis, e o grau em que simpatizamos com elas é bastante elevado (TMS I.ii.4, p. 38-40); já as paixões insociáveis são desagradáveis em si mesmas e em seus efeitos, exigindo um grau bastante baixo de intensidade para permitir a simpatia (TMS I.ii.3, p. 34-38); as paixões egoístas, por sua vez, “never either so graceful as is sometimes the one set, nor is ever so odious as is sometimes the other”, ocupam um lugar intermediário entre elas, exigindo o mesmo para que possamos com elas simpatizar (TMS I.ii.5, p. 40-43).

Três diferentes paixões que fundam três diferentes tipos de interações e de laços sociais. Comecemos pelas paixões sociáveis, cujo paradigma são as relações familiares e de amizade:

All the members of human society stand in need of each others assistance, and are likewise exposed to mutual injuries. Where the necessary assistance is reciprocally afforded from love, from gratitude, from friendship, and esteem, the society flourishes and is happy. All the different members of it are bound together by the agreeable bands of love and affection, and are, as it were, drawn to one common centre of mutual good offices (TMS II.ii.3.1, p. 85).

O segundo tipo de interação é aquele próprio às paixões egoístas, que aqui é associado às relações mercantis:

Society may subsist among different men, as among different merchants, from a sense of its utility, without any mutual love or affection; and though no man in it should owe any obligation, or be bound in gratitude to any other, it may still be upheld by a mercenary exchange of good offices according to an agreed valuation (TMS II.ii.3.2, p. 85-86).

Trata-se de laços menos agradáveis, mas ainda assim capazes de regular interações sociais e organizar, através do valor, as trocas necessárias à existência dos indivíduos. Como aponta Hont (2015)HONT, I. Politics in commercial society. Cambridge: Harvard University Press, 2015., Smith retoma e desenvolve a seu modo uma questão tratada por Pufendorf e Rousseau em suas descrições desse tipo de laço social que será posteriormente denominado de econômico14 14 A questão geral diz respeito à relação entre egoísmo e sociabilidade. Pufendorf assume que um egoísmo temperado faz parte da sociabilidade natural do homem: “De modo algum o amor-próprio incomoda a sociabilidade de nossa alma, desde que ele não perturbe a ordem e a harmonia da sociedade. Pois a natureza, ao nos ordenar que sejamos sociáveis, não pretende que nos esqueçamos de nós mesmos. A finalidade da sociabilidade é que, ao contrário, por um comércio de auxílios e serviços, cada um possa prover melhor seus próprios interesses (Mais cette amour propre ne repugne nullement à la Socibilité de nôtre nature, pourvû que par lá on ne trouble point l’ordre & l’harmonie de la Societé. Carl a Nature en nous ordonnant d’être sociable, ne pretend pas que nous oubliyons nous-mêmes entiérement. Au contrair ele but de la Sociabilité, c’est que par un commerce de secours & des services chacun puisse mieux pourvoir à ses propes intérêts)” (Pufendorf, Livro II, cap. 3, §18, trad. Barbeyrac, 1706, p. 184). Rousseau, por sua vez, associa a sociabilidade ao interesse pessoal, mas não admite qualificá-la como natural: toda sociedade para além da família é artificial e precisa ser instituída. Derathé aponta que Rousseau também visa esse trecho de Pufendorf em sua reconstrução da teoria da sociabilidade (2009, p. 217-229). Como estamos vendo, a solução de Smith consiste na retomada da hipótese da sociabilidade natural e na delimitação de um campo próprio ao egoísmo. . Por fim, as paixões insociáveis, opostas às paixões sociáveis, geram um tipo de interação que precisa, ao máximo, ser evitado:

Society, however, cannot subsist among those who are at all times ready to hurt and injure one another. The moment that injury begins, the moment that mutual resentment and animosity take place, all the bands of it are broke asunder, and the different members of which it consisted are, as it were, dissipated and scattered abroad by the violence and opposition of their discordant affections. […] Society may subsist, though not in the most comfortable state, without beneficence; but the prevalence of injustice must utterly destroy it (TMS II.ii.3.3, p. 86).

Explica-se assim o nome que Smith dá a esse tipo de paixão: insociável porque as interações geradas por elas esgarçam o tecido social, levando, no limite, à morte do corpo político. A relação conflituosa aí gerada deve, então, ser regulada de modo peculiar, através do emprego da força:

There is, however, another virtue, of which the observance is not left to the freedom of our own wills, which may be extorted by force, and of which the violation exposes to resentment, and consequently to punishment. This virtue is justice: the violation of justice is injury: it does real and positive hurt to some particular persons, from motives which are naturally disapproved of. It is, therefore, the proper object of resentment, and of punishment, which is the natural consequence of resentment (TMS II.ii.1.5, p. 79).

O sistema moral de Smith ganha assim um segundo degrau: cada tipo de paixão engendra uma espécie de interação social caracterizada por um laço social específico. Já se entrevê um terceiro nível para esse sistema: as relações conflituosas geradas pelas paixões insociáveis precisam ser reguladas pela virtude da justiça; as relações agradáveis criadas pelas paixões sociáveis são o objeto da benevolência (TMS VI.ii.intro, p. 218) e, por fim, a administração das relações econômicas engendradas pelas paixões egoístas fica a cargo da prudência (TMS VI.i.1, p. 212). À tipologia das paixões sobrepõe-se, pois, uma característica das virtudes, em que os traços gerais dos comportamentos são reflexivamente apreendidos como tipos morais. O interesse aqui não é apenas do filósofo, em sua busca por construir seu sistema, mas também de todos aqueles que buscam na filosofia ensinamentos de ordem prática15 15 Em oposição à parte “especulativa”, que busca desvendar o funcionamento das faculdades por detrás dos juízos morais, Smith denomina essa parte de “prática”, cujo objeto central é a “natureza da virtude” (TMS VII.I.2 e 4, p. 265-266; cf., VII.iii.intro.3, p. 315). .

4 Metafísica II: princípios particulares das ciências

Deparamo-nos finalmente com o quarto nível desse quadro: o da ciência que trata cada uma dessas series. À “jurisprudência natural” cabe a análise da justiça, isso é, da administração dos conflitos próprios às interações fundadas nas paixões insociáveis, o que se dará através de leis positivas (TMS VI.ii.intro.2, p. 218). A economia política, lida, por sua vez, com as interações geradas pelas paixões egoístas, relações sociais que se concretizam na riqueza e que têm no valor seu eixo central. Uma das peculiaridades do esquema de Smith não deixa de saltar aos olhos: essas relações são objeto de uma virtude peculiar, a prudência16 16 O que significa que a economia política de Smith nasce sob o signo da prudência. Tópico que não temos como tratar aqui, mas que pretendemos explorar em pesquisas futuras. . Por fim, as paixões sociáveis criam relações e laços agradáveis, objeto da benevolência, e que não possuem uma ciência específica, ou ao menos não uma nomeada por Smith. Talvez porque ele considerasse o seu campo como o mais bem desenvolvido nos tratados antigos de ética, não vendo a necessidade de repetir o que já havia sido dito por autores como Aristóteles e Cícero, em tratados que teriam levado ao limite o que a linguagem pode fazer nesse caso (TMS VII.iv.3-6, p. 328-329).

Há ainda um quinto nível, propriamente metafísico, com princípios conjecturais que sustentam o quadro construído empiricamente. Aqui a referência de Smith é a tradição da filosofia experimental. Como em Newton, os princípios de Smith têm um estatuto puramente heurístico, são meras conjecturas formuladas para dar sustentação à análise empírica (já devidamente especificada e sistematizada a partir de princípios gerais). A questão central gira em torno do modo de conceber a base da causalidade envolvida em cada ciência, ou, se quisermos, onde parar a teorização a respeito17 17 Ver, por exemplo, o comentário de Colin Maclaurin, matemático escocês e professor nas universidades de Aberdeen e Edimburgo, em An Account of Sir Isaac Newton’s Philosophical Discoveries, de 1748: “Ele sabia onde parar, quando faltava experimentos e quando a sutileza da natureza colocava as coisas fora do seu alcance; e tampouco abusou da grande autoridade e reputação que havia adquirido, não fornecendo sua opinião a respeito delas senão como uma questão de indagação. Passou-se muito tempo antes que fosse possível persuadi-lo a enunciar sua opinião ou suas conjecturas acerca da gravidade, e o que ele disse sobre esta e sobre as outras forças que atuam nas partículas diminutas de matéria foi exposto com uma modéstia e difidência raramente encontradas entre filósofos de menor nomeada” (in Cohen; Westfall, 2002, p. 161; cf. todos os textos da Parte II dessa coletânea). . Foquemos no mais famoso deles, a propensão a trocar. Seu lugar na série de causas eficientes é fácil de ser estabelecido: a riqueza das nações tem como uma de suas causas a produtividade do trabalho, que depende do “skill, dexterity and judgment” do trabalhador (WN Intro.3, p. 10; cf. I.i.5-8, p. 17-21), o que, por sua vez, depende do grau da divisão do trabalho da sociedade em questão (WN Intro.5, p. 10-11; cf. I.i.10-11, p. 22-24), e que tem como causa geral a propensão a trocar (WN I.ii.1-3, p. 25-28). Vejamos o que Smith diz a respeito:

Whether this propensity [to truck, barter, and exchange] be one of those original principles in human nature, of which no further account can be given; or whether, as seems more probable, it be the necessary consequence of the faculties of reason and speech, it belongs not to our present subject to enquire (WN I.ii.2, p. 25).

O fato é que Smith se recusa a discutir sobre essa propensão: se se trata de um princípio da natureza humana ou um desdobramento da faculdade da linguagem, é irrelevante para a economia política, não tendo lugar em uma verdadeira Investigação (Inquiry) concebida em moldes humeanos18 18 A formulação da Riqueza é ainda mais significativa se notarmos que nas Lectures on Jurisprudence Smith não hesitava em fazer da disposição a trocar um efeito do princípio de persuasão: “Thus we have shewn that different genius is not the foundation of this disposition to barter, which is the cause of the division of labour. The real foundation of it is that principle to perswade which so much prevails in human nature” (LJ, p. 493). A divisão do trabalho decorre, assim, da faculdade da fala: “The desire of being believed, the desire of persuading, of leading and directing other people, seems to be one of the strongest of all our natural desires. It is, perhaps, the instinct upon which is founded the faculty of speech, the characteristical faculty of human nature. No other animal possesses this faculty, and we cannot discover in any other animal any desire to lead and direct the judgment and conduct of its fellows” (TMS VII.iii.25, p. 336). . Hume, que acreditava ser fiel ao método experimental de Newton (EPM III.ii.48, p. 204), afirma em sua Investigação sobre o entendimento humano (1748):

By employing that word [i.e., custom or habit], we pretend not to have given the ultimate reason of such a propensity. We only point out a principle of human nature, which is universally acknowledged, and which is well known by its effects. Perhaps we can push our enquiries no farther, or pretend to give the cause of this cause; but must rest contented with it as the ultimate principle, which we can assign, of all our conclusions from experience (EHU V.i.5, p. 43).

Na Riqueza, a propensão a trocar possui o mesmo estatuto que o costume e o hábito possuem na filosofia de Hume: princípio de base, no qual a ciência se apoia, mas que a própria investigação não pode elucidar, a não ser por seus efeitos19 19 Sobre essa questão ver Monteiro (2009, em particular os capítulos 1 e 4). . Há vários desses princípios ao longo da obra de Smith, cada um sustentando uma série de causas eficientes própria a cada ciência particular. Ainda na Riqueza, no Livro II, encontramos o desejo de melhorar a própria condição:

The uniform, constant, and uninterrupted effort of every man to better his condition […]. Like the unknown principle of animal life, it frequently restores health and vigour to the constitution, in spite, not only of the disease, but of the absurd prescriptions of the doctor (WN II.iii.31, p. 343).

Na Teoria Smith apresenta mais dois desses princípios, o cuidado (care) para com as crianças e o ressentimento:

Nature, for the wisest purposes, has rendered, in most men, perhaps in all men, parental tenderness a much stronger affection than filial piety. The continuance and propagation of the species depend altogether upon the former, and not upon the latter. In ordinary cases, the existence and preservation of the child depend altogether upon the care of the parents (TMS III.3.13, p. 142; cf VI.ii.1.3, p. 219).

The very existence of society requires that unmerited and unprovoked malice should be restrained by proper punishments; and consequently, that to inflict those punishments should be regarded as a proper and laudable action. [… T]he Author of nature […] has endowed him with an immediate and instinctive approbation of that very application which is most proper to attain it (TMS II.i.5.10, p. 77).

Todos esses princípios estão intimamente ligados à própria constituição fisiológica do homem, sendo parte integrante do funcionamento de seu organismo e operando, em larga medida, espontaneamente. Em uma passagem da Teoria, Smith afirma que a natureza teria provido a humanidade com os instintos necessários à autopreservação dos indivíduos e à propagação da espécie; não com instintos gerais e difusos, mas instintos que têm como objetos os meios particulares e específicos para a obtenção desses fins gerais:

Thus self-preservation, and the propagation of the species, are the great ends which Nature seems to have proposed in the formation of all animals. […] Nature has directed us to the greater part of these by original and immediate instincts. Hunger, thirst, the passion which unites the two sexes, the love of pleasure, and the dread of pain, prompt us to a ly those means for their own sakes, and without any consideration of their tendency to those beneficent ends which the great Director of nature intended to produce by them (TMS II.i.5.10, nota; p. 77-78).

Deparamo-nos aqui com o papel mais importante desempenhado pelos modelos fisiológicos no sistema de Smith: princípio de organização de sua metafísica. Como o trecho deixa claro, a preservação do indivíduo e da espécie são a finalidade de todo organismo, inclusive o humano. Nascemos prematuros: “The young of the human species, however, continue so long in a state of entire dependency, they must be so long carried about in the arms of their mothers or of their nurses” (EPS, p. 163). Dependemos, pois, dos cuidados dos pais – princípio de benevolência. E mesmo quando atingimos a maturidade não somos plenamente independentes:

In civilized society he stands at all times in need of the cooperation and assistance of great multitudes, while his whole life is scarce sufficient to gain the friendship of a few persons. [… M]an has almost constant occasion for the help of his brethren, and it is in vain for him to expect it from their benevolence only. He will be more likely to prevail if he can interest their self-love in his favour, and shew them that it is for their own advantage to do for him what he requires of them (WN I.ii.2, p. 26).

Daí tanto a propensão a trocar quanto o desejo de melhorar a própria condição – causas últimas da riqueza das nações e princípios prudenciais. Aliás, é precisamente na primeira que devemos buscar a diferença específica da humanidade: “It is common to all men, and to be found in no other race of animals, which seem to know neither this nor any other species of contracts” (WN I.ii.2, p. 25). A propensão a trocar é o princípio organizador da sociabilidade, oferecendo um significado social (a carência alheia) ao excedente do trabalhador, permitindo assim a diversificação e especialização próprias à divisão do trabalho (WN I.ii.3, p. 28). Raciocínio análogo vale para o ressentimento – princípio de justiça –:

with regard, at least, to this most dreadful of all crimes [i.e., murder], Nature, antecedent to all reflections upon the utility of punishment, has in this manner stamped upon the human heart, in the strongest and most indelible characters, an immediate and instinctive approbation of the sacred and necessary law of retaliation (TMS II.i.2.5, p. 71).

A vida em sociedade também nos expõe a perigos, danos e ofensas, cujas consequências põem em risco a própria existência da sociedade. Ora, se a sociedade continua existindo, é apenas porque essas paixões são controladas. Mas como? A resposta de Hume foca no papel dos hábitos e dos costumes:

Custom, then, is the great guide of human life. It is that principle alone which renders our experience useful to us, and makes us expect, for the future, a similar train of events with those which have appeared in the past. Without the influence of custom, we should be entirely ignorant of every matter of fact beyond what is immediately present to the memory and senses. We should never know how to adjust means to ends, or to employ our natural powers in the production of any effect. There would be an end at once of all action, as well as of the chief part of speculation (EHU V.i.6, p. 44-45).

Ao discutir a influência do costume e do hábito sobre nossos juízos morais (numa exposição que discorda de Hume utilizando a mesma lógica argumentativa), Smith finaliza com o exemplo do infanticídio nas sociedades gregas e insiste que se trata, necessariamente, de um caso particular, uma vez que “No society could subsist a moment, in which the usual strain of men’s conduct and behaviour was of a piece with the horrible practice I have just now mentioned” (TMS V.2.16, p. 211). É precisamente esse tipo de raciocínio que sustenta o aspecto mais fascinante do hábito em Hume, o de garantidor de uma espécie de “pre-established harmony between the course of nature and the succession of our ideas” e, através dela, de nossa sobrevivência: “

Custom is that principle, by which this correspondence has been effected; so necessary to the subsistence of our species, and the regulation of our conduct, in every circumstance and occurrence of human life (EHU V.ii.21, p. 54-55).

Nos Diálogos sobre a religião natural, é o personagem de Philo que defende esse tipo de raciocínio a posteriori: “It is in vain, therefore, to insist upon the uses of the parts in animals or vegetables, and their curious adjustment to each other. I would fain know, how an animal could subsist, unless its parts were so adjusted?” (DNR VIII, p. 185). Se não fosse o “curioso ajuste” das partes de todo corpo, se não fosse sua organização interna, os animais simplesmente não mais estariam vivos. Para Hume, se não houvesse uma correspondência entre o curso da natureza e o de nossas ideias (se ora o fogo queimasse e ora refrescasse ou se ao vermos o fogo pensássemos ora em calor, ora em frio), nossa espécie teria sido extinta a muito tempo. Smith fornece outras conjecturas a respeito da natureza humana, mas emprega o mesmo tipo de raciocínio: a ação humana é impulsionada por apetites e paixões (egoístas, insociáveis e sociáveis) socializados pela simpatia, se assim não o fosse, não estaríamos aqui. A recusa da explicação pelo costume (e de uma série de outras hipóteses humeanas: impressões como o tipo fundamental de percepção, justiça como virtude artificial, etc.)20 20 Isso é igualmente válido para a negação da hipótese metafísica mais importante de Hutcheson: o senso moral como uma faculdade peculiar (TMS VII.iii.3.4-16, p. 321-327). implica unicamente na exigência de novas hipóteses para explicar o mesmo fato: seres humanos sobrevivem não porque inferem de forma instintiva, como os animais (EHU IX.5, p. 106; V.ii.21, p. 55), mas porque, enquanto agentes são naturalmente prudentes, justos e benevolentes, isto é, permanentemente almejam melhorar sua própria condição (WN II.iii.28, p. 341), lançando mão para tanto de trocas (WN I.ii.2, p. 25), ressentem-se de ofensas sofridas (TMS II.i.5.10, p. 77) e cuidam de sua prole (TMS III.3.13, p. 142), e enquanto espectadores espontaneamente aprovam manifestações desses instintos. Se lembrarmos que tais paixões serão aprovadas apenas se forem refletidas (TMS I.i.4.8, p. 22), isso é, se levarem em conta o ponto de vista do espectador, veremos que “Nature [...] acts here, as in all other cases, with the strictest oeconomy, and produces a multitude of effects from one and the same cause; […] sympathy” (TMS VII.iii.3.3, p. 321). Em que exatamente consistem esses princípios é, no limite, irrelevante à investigação, o que importa é a função que desempenham, isto é, a cadeia de efeitos que sustentam.

5 Conclusão: espécie e sistema

Podemos, finalmente, concluir com um quadro sintético do exposto até aqui:

Paixão Princípio Relação social Virtude Ciência
Insociáveis (ressentimento e ódio) Segurança: (auto)defesa

Conflituosa.

Paradigma: litígio

Justiça Jurisprudência natural
Egoístas (tristeza/alegria em relação à fortuna privada)

1) propensão a trocar;

2) bettering one’s condition

Concorrente e/ou competitiva.

Paradigma: comércio

Prudência Economia política
Sociáveis (generosidade, compaixão, etc) Care (nascemos prematuros)

Cooperativa.

Paradigma: família e amizade

Benevolência

De acordo com a interpretação sugerida nesse artigo, o elemento distintivo da filosofia moral de Smith deve ser buscado em sua tipologia de paixões, e isso em dois sentidos: primeiro, pelo fato dele organizar sua teoria das paixões com base na noção de espécie, isto é, de ver na especificação a atividade primeira do cientista social ao lidar com dados empíricos e, segundo, por estabelecer uma tipologia onde três espécies de paixões (sociáveis, insociáveis e egoístas) organizam sua filosofia moral. A esse respeito, a comparação com Hume e Rousseau é bastante esclarecedora. No início do Livro II, sobre as paixões, do Tratado da natureza humana Hume aponta que seu objeto são as impressões de reflexão, que podem ser divididas, primeiro, em calmas e violentas, mas também diretas e indiretas (THN 2.1.1.2-3). O capítulo seguinte estabelece uma terceira divisão possível, em relação ao objeto da paixão: eu/self (orgulho e humildade, objetos da primeira parte desse livro; THN 2.1.2) ou outra pessoa (amor e ódio, objetos da parte II do livro; THN 2.2.1). Há, portanto, três divisões possíveis, todas elas binárias. Já Rousseau concorda com Smith e Hume em relação à função primordial das paixões21 21 A relação entre as filosofias de Rousseau e Smith vem se tornando assunto corrente de trabalhos especializados. Ver, dentre outros, Force (2003); Rassmussen (2008); Pimenta (2013, p. 151-170); Hont (2015). : “Nossas paixões são os principais instrumentos de nossa conservação” (OC IV, p. 490). Mas, para o genebrino, todas elas decorrem de uma fonte única, o amor de si:

A fonte de nossas paixões, a origem e o princípio de todas as outras, a única que nasce com o homem e que não lhe deixa jamais enquanto ele estiver vivo é o amor de si. Paixão primitiva, inata, anterior a todas as outras e em relação a qual todas as outras são apenas modificações22 22 No original: “La source de nos passions, l’origine et le principe de toutes les autres, la seule qui nait avec l’homme et ne le quitte jamais tant qu’il vit est l’amour de soi ; passion primitive, innée, antérieure à toute autre et dont toutes les autres ne sont en um sens que de modifications”. (Ibid, p. 491).

No que tange aos tipos das paixões, a novidade parece ser a circunscrição das paixões egoístas. Ao fazê-lo, ele se contrapõe tanto a Mandeville (que, segundo Smith, via todo comportamento humano como interessado e egoísta e todo egoísmo como vício; cf. TMS VII.ii.4, p. 306-314) quanto a Hutcheson (que, segundo Smith, via virtude apenas na benevolência e, mesmo não vendo o egoísmo como necessariamente vicioso, entendia que ele diminuía a virtude de todo ato por ele motivado, mesmo que parcialmente; cf. TMS VII.ii.3.6, p. 302). Para Smith, há um tipo de comportamento egoísta que é virtuoso, aquele baseado na prudência. O contraste com esses autores não deve obscurecer o acordo de fundo entre eles: em perfeita consonância com a filosofia moral de sua época, Smith busca a inteligibilidade do comportamento humano nas paixões. O que o diferencia é o modo singular pelo qual ele organiza esse campo, numa tipologia tripartite. A hipótese de continuidade defendida por Larrère fornece bons frutos também nesse campo.

No que tange às ciências, ganha importância a diferenciação entre o que é da ordem da justiça e da jurisprudência natural e o que é da ordem da prudência e da economia política. Smith talvez tenha sido o primeiro a estabelecer de modo inteiramente consistente a especificidade da economia política em relação à justiça, ao fundá-la num tipo particular de paixão, as egoístas. Mas aqui também há continuidade, precisamente com o próprio jusnaturalismo: as interações comerciais já haviam sido descritas, por exemplo, na obra de Pufendorf (2003, p. 140PUFENDORF, S. The whole duty of man, according to the law of nature. Tradução de Andrew Tooke, 1691; Hunter, I.; Saunders, D. (Ed.). Indianapolis, IN: Liberty Fund, 2003.; 1741, T.1, p. 333PUFENDORF, S. Les devoirs de l’homme et du citoyen, tels qu’ils lui sont prescrits par la loi naturelle. 6. ed. 2 tomos. Tradução de Jean Barbeyrac. London: Jean Nourse, 1741.) e a novidade de Smith a esse respeito está mais no enraizamento dessas interações em tipo específico de paixão, do que no modo de sua descrição. Como aponta Larrère a propósito da fisiocracia, Smith também não pensa a separação entre esses campos a partir da especialização dos saberes, mas sim como uma especificação de princípios: economia política e jurisprudência natural são duas ciências particulares porque tematizam diferentes tipos de comportamento humano remetendo, necessariamente, a um sistema mais amplo, o da filosofia moral23 23 De modo semelhante ao que ocorria com a botânica, a zoologia e a mineralogia no século XVIII, ciências particulares que formavam um sistema maior, o da História Natural: “Os animais, os vegetais e os minerais constituem as três partes principais da História Natural, e são objeto de muitas ciências derivadas, à maneira de ramos que partem do tronco de uma árvore” (Daubenton, verbete “História Natural”, in Diderot; D’alembert, 2015, p. 219). .

  • JEL B12.
  • 1
    Uma versão preliminar desse texto foi apresentada e discutida na sessão do dia 29/03/2017 dos Seminários em História e Metodologia da Economia (FEA-USP). Agradeço ao professor Pedro Duarte pelo convite e a todos os presentes na ocasião pela discussão. Igualmente, agradeço as críticas e sugestões do parecerista anônimo dessa revista.
  • 2
    Todas as traduções do francês são de minha autoria.
  • 3
    Uma excelente interpretação da obra de Quesnay e Smith a partir dessa hipótese pode ser encontrada em Santos (1997)SANTOS, R. C. A construção do objeto teórico da Œconomia Política: Quesnay e Smith. Economia, Curitiba, n. 21, p. 155-182, 1997..
  • 4
    Jaffro, 2000JAFFRO, L. (Org.). Le sens moral. Une histoire de la philosophie morale de Locke à Kant. Paris: Presses Universitaires de France, 2000..
  • 5
    A obra de Haakonsen (1982)HAAKONSEN, K. The science of a legislator. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. segue sendo a principal referência a respeito desse tópico.
  • 6
    A definição apresentada na Introdução ao Livro IV da Riqueza deve igualmente ser lida nesse sentido: “Political economy, considered as a branch of the science of a statesman or legislator, [...]” (WN IV.Intro.1, p. 428). Jurisprudência é o nome dessa ciência mais abrangente da qual a economia política é um ramo.
  • 7
    O trecho aqui analisado é a introdução de The Principles which Lead and Direct Philosophical Enquiries; Illustrated by the History of Astronomy, mas em realidade, serve de introdução comum às outras duas histórias das ciências de Smith, intituladas, The Principles which Lead and Direct Philosophical Enquiries; Illustrated by the History of Ancient Physics e The Principles which Lead and Direct Philosophical Enquiries; Illustrated by the History of the Ancient Logics and Metaphysics. Esses textos foram publicados postumamente (1793), em conjunto com outros manuscritos selecionados por Smith pouco antes de sua morte sob o título de Essays on Philosophical Subjects (citados aqui como EPS). Não custa lembrar que a Riqueza das nações é também uma Inquiry, seguindo, pois, os mesmos princípios.
  • 8
    Termo de complicada tradução, pois, como outros substantivos em língua inglesa, ele pode ser utilizado como verbo, forma na qual possui duas peculiaridades: 1) denota uma interrogativa 2) a respeito de uma conjectura precisa: whoever wonders se interroga, se pergunta, inquire a respeito de algo bem delimitado. Ademais, não possuímos um correspondente direto para ele – pode-se pensar em espanto, por exemplo, mas espantar-se não traz consigo o mesmo engajamento da curiosidade que o verbo wonder porta; maravilhar-se está muito mais próximo de admirar-se do que desse questionamento a respeito de uma conjectura; por sua vez, inquirir-se não possui correspondente substantivo adequado no campo sentimental, é intelectual demais. Essa questão é especialmente relevante porque Smith faz do wonder o motor da pesquisa científica.
  • 9
    A esse respeito ver Tratado da natureza humana (1739-1740) de Hume (em especial Livro I, Parte I, Cap. 4, Da conexão ou associação de ideias) cuja linguagem Smith segue de perto.
  • 10
    Daí porque hipóteses e teorias equivocadas podem perdurar por bastante tempo (como a teoria dos vórtices de Descartes), basta que seus princípios sejam familiares à imaginação (EPS, p.96). Convém notar que essa falta de verossimilhança (probability) com a realidade pode perdurar na filosofia natural, mas não na filosofia moral: “A system of natural philosophy may appear very plausible, and be for a long time very generally received in the world, and yet have no foundation in nature, nor any sort of resemblance to the truth. The vortices of Des Cartes were regarded by a very ingenious nation, for near a century together, as a most satisfactory account of the revolutions of the heavenly bodies. [...] But it is otherwise with systems of moral philosophy, and an author who pretends to account for the origin of our moral sentiments, cannot deceive us so grossly, nor depart so very far from all resemblance to the truth” (TMS VII.ii.4.14, p. 313-314).
  • 11
    Smith aceita a tese, desenvolvida por vários autores do período e, em especial, por Condillac, de uma gramática racional, como seu comentário a uma obra de William Ward em uma carta dirigida a George Baird deixa claro: “I approve greatly of his plan for a Rational Grammar and am convinced that a work of this kind executed with his abilities and industry, may prove not only the best System of Grammar, but the best System of Logic in any Language, as well as the best History of the natural progress of the Human mind in forming the most important abstractions upon which all reasoning depends” (Corr. 69, p. 87-88).
  • 12
    Mediocrity é a tradução de Smith para o grego mesotes; mediedade, por sua vez, é a opção em português de Marco Zingano em sua tradução parcial comentada da Ética nicomaquéica (aqui utilizada).
  • 13
    Tipo em que encaixa a própria filosofia (TMS I.ii.2.6, p. 33-34).
  • 14
    A questão geral diz respeito à relação entre egoísmo e sociabilidade. Pufendorf assume que um egoísmo temperado faz parte da sociabilidade natural do homem: “De modo algum o amor-próprio incomoda a sociabilidade de nossa alma, desde que ele não perturbe a ordem e a harmonia da sociedade. Pois a natureza, ao nos ordenar que sejamos sociáveis, não pretende que nos esqueçamos de nós mesmos. A finalidade da sociabilidade é que, ao contrário, por um comércio de auxílios e serviços, cada um possa prover melhor seus próprios interesses (Mais cette amour propre ne repugne nullement à la Socibilité de nôtre nature, pourvû que par lá on ne trouble point l’ordre & l’harmonie de la Societé. Carl a Nature en nous ordonnant d’être sociable, ne pretend pas que nous oubliyons nous-mêmes entiérement. Au contrair ele but de la Sociabilité, c’est que par un commerce de secours & des services chacun puisse mieux pourvoir à ses propes intérêts)” (Pufendorf, Livro II, cap. 3, §18, trad. Barbeyrac, 1706, p. 184). Rousseau, por sua vez, associa a sociabilidade ao interesse pessoal, mas não admite qualificá-la como natural: toda sociedade para além da família é artificial e precisa ser instituída. Derathé aponta que Rousseau também visa esse trecho de Pufendorf em sua reconstrução da teoria da sociabilidade (2009, p. 217-229). Como estamos vendo, a solução de Smith consiste na retomada da hipótese da sociabilidade natural e na delimitação de um campo próprio ao egoísmo.
  • 15
    Em oposição à parte “especulativa”, que busca desvendar o funcionamento das faculdades por detrás dos juízos morais, Smith denomina essa parte de “prática”, cujo objeto central é a “natureza da virtude” (TMS VII.I.2 e 4, p. 265-266; cf., VII.iii.intro.3, p. 315).
  • 16
    O que significa que a economia política de Smith nasce sob o signo da prudência. Tópico que não temos como tratar aqui, mas que pretendemos explorar em pesquisas futuras.
  • 17
    Ver, por exemplo, o comentário de Colin Maclaurin, matemático escocês e professor nas universidades de Aberdeen e Edimburgo, em An Account of Sir Isaac Newton’s Philosophical Discoveries, de 1748: “Ele sabia onde parar, quando faltava experimentos e quando a sutileza da natureza colocava as coisas fora do seu alcance; e tampouco abusou da grande autoridade e reputação que havia adquirido, não fornecendo sua opinião a respeito delas senão como uma questão de indagação. Passou-se muito tempo antes que fosse possível persuadi-lo a enunciar sua opinião ou suas conjecturas acerca da gravidade, e o que ele disse sobre esta e sobre as outras forças que atuam nas partículas diminutas de matéria foi exposto com uma modéstia e difidência raramente encontradas entre filósofos de menor nomeada” (in Cohen; Westfall, 2002, p. 161COHEN, B.; WESTFALL, R. (Org.). Newton: textos, antecedentes, comentários. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; EDUERJ, 2002.; cf. todos os textos da Parte II dessa coletânea).
  • 18
    A formulação da Riqueza é ainda mais significativa se notarmos que nas Lectures on Jurisprudence Smith não hesitava em fazer da disposição a trocar um efeito do princípio de persuasão: “Thus we have shewn that different genius is not the foundation of this disposition to barter, which is the cause of the division of labour. The real foundation of it is that principle to perswade which so much prevails in human nature” (LJ, p. 493). A divisão do trabalho decorre, assim, da faculdade da fala: “The desire of being believed, the desire of persuading, of leading and directing other people, seems to be one of the strongest of all our natural desires. It is, perhaps, the instinct upon which is founded the faculty of speech, the characteristical faculty of human nature. No other animal possesses this faculty, and we cannot discover in any other animal any desire to lead and direct the judgment and conduct of its fellows” (TMS VII.iii.25, p. 336).
  • 19
    Sobre essa questão ver Monteiro (2009, em particular os capítulos 1 e 4)MONTEIRO, J.P. Hume e a epistemologia. São Paulo: Unesp; Discurso Editorial, 2009..
  • 20
    Isso é igualmente válido para a negação da hipótese metafísica mais importante de Hutcheson: o senso moral como uma faculdade peculiar (TMS VII.iii.3.4-16, p. 321-327).
  • 21
    A relação entre as filosofias de Rousseau e Smith vem se tornando assunto corrente de trabalhos especializados. Ver, dentre outros, Force (2003)FORCE, P. Self-interest before Adam Smith. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.; Rassmussen (2008)RASSMUSSEN, D. C. The problems and promise of comercial society: Adam Smith’s response to Rousseau. University Park: Pennsylvania State University Press, 2008.; Pimenta (2013, p. 151-170)PIMENTA, P.P. A imaginação crítica: Hume no século das luzes. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.; Hont (2015)HONT, I. Politics in commercial society. Cambridge: Harvard University Press, 2015..
  • 22
    No original: “La source de nos passions, l’origine et le principe de toutes les autres, la seule qui nait avec l’homme et ne le quitte jamais tant qu’il vit est l’amour de soi ; passion primitive, innée, antérieure à toute autre et dont toutes les autres ne sont en um sens que de modifications”.
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    De modo semelhante ao que ocorria com a botânica, a zoologia e a mineralogia no século XVIII, ciências particulares que formavam um sistema maior, o da História Natural: “Os animais, os vegetais e os minerais constituem as três partes principais da História Natural, e são objeto de muitas ciências derivadas, à maneira de ramos que partem do tronco de uma árvore” (Daubenton, verbete “História Natural”, in Diderot; D’alembert, 2015DIDEROT, D.; D’ALEMBERT, J.R. Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios – v. 3: Ciências da natureza (Pedro Pimenta e Maria G. Souza, org. e trad.). São Paulo: Editora Unesp, 2015., p. 219).
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    O presente trabalho é resultado de pesquisas ligadas a um pós-doutorado (FFLCH-USP) e foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 (bolsa PNPD/Capes, Filosofia-USP).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2017
  • Aceito
    29 Set 2021
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