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Marx, Eugène Buret e a instituição salarial: o trabalho nos manuscritos de 1844

Marx, Eugène Buret and the wage institution: labor in the 1844 manuscripts

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir o estatuto do trabalho nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 e suas implicações no desenvolvimento político-intelectual de Marx. Trata-se de um estudo teórico cujo objeto é o tema do trabalho-mercadoria no século XIX e o desenvolvimento da concepção de trabalho na obra de Marx. Para tanto, juntamente com o apoio de uma bibliografia de base sobre o tema, recorre ao exame de alguns aspectos da concepção de trabalho ao longo do desenvolvimento do pensamento de Marx e procura relacioná-los com as questões trazidas por Eugène Buret a respeito do estatuto mercantil do trabalho. O estudo evidencia a constituição de conceitos fundamentais em Marx, as dificuldades que este encontrou para bem distinguir o que se apresentava sob a rubrica de “trabalho” e alguns de seus impasses.

Palavras-chave:
Marx; História econômica; Economia política; Força de trabalho; Trabalho assalariado

Abstract

The purpose of this article is to discuss the status of work in the Economic and Philosophic Manuscripts of 1844 and its implications for Marx’s political-intellectual development. It is a theoretical study that focuses on the theme of labor as a commodity in the 19th century and the development of the conception of labor in Marx’s works. To this end, together with the support of a basic bibliography on the subject, it examines some aspects of the conception of labor throughout the development of Marx’s thoughts and seeks to relate them to the questions raised by Eugène Buret regarding the commercial status of labor. The study highlights the constitution of fundamental concepts in Marx, the difficulties he encountered in characterizing what was presented under the rubric of “labor” and some of his impasses.

Keywords:
Marx; Economic history; Political economy; Labor force; Wage labor

Introdução

Este estudo se interessa por um autor que está na base das ciências sociais e humanas, Karl Marx. Nos interessa em especial um momento chave no desenvolvimento político-intelectual de Marx: os anos de 1840, momento em que ele começava a se instruir, de maneira sistemática, sobre a economia política e encontra a obra de um autor que tem lugar não negligenciável no desenvolvimento de seu pensamento: Eugène Buret.

Nome destacável em seu tempo, este autor, praticamente ignorado atualmente1 1 Autor rapidamente mencionado, mas efetivamente pouco lido, há poucas obras sobre Buret. Numa escassa bibliografia, ver a publicação suíça de Marie-Martin Cottier (1956, p. 132-152); o estudo, publicado em alemão, elaborado pelo japonês Fumio Hattori (1994, p.142-147); e os estudos de François Vatin, em especial, o artigo “Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret (2001/2, p. 237-280). Não temos registro de nenhuma obra em língua portuguesa sobre Eugène Buret. , coloca questões importantes para Marx, como a do estatuto do trabalho sob a instituição salarial. Essa problemática aparece explicitamente em dois escritos de Marx, ambos relativos ao período de 1844, notadamente os Manuscritos Econômico-Filosóficos e o caderno de notas de leitura, conhecido como Cadernos de Paris. As páginas a seguir procuram seguir o fio dessa questão.

O objetivo do artigo é discutir o estatuto do trabalho nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 e suas implicações no desenvolvimento político-intelectual de Marx. Para tanto, recorre ao exame de alguns aspectos da concepção de trabalho ao longo do desenvolvimento do pensamento de Marx e procura relacioná-los com as questões trazidas por Eugène Buret a respeito do estatuto mercantil do trabalho. Privilegiando o exame do texto dos Manuscritos de 1844 e a obra de Buret, bem como remontando aos estudos de base sobre o tema, pode-se acompanhar detalhes importantes da constituição de conceitos fundamentais em Marx, as dificuldades de cernir o que se apresentava sob a rubrica de “trabalho” e alguns de seus impasses.

As questões tratadas neste artigo recobrem, em parte, aquelas desenvolvidas por Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2.. Contudo, nos interessa também uma problemática não apenas circunscrita ao aspecto mercantil do trabalho. É que a discussão sobre o estatuto do trabalho traz com ela uma outra: a do sentido do trabalhar. Essa questão, eminentemente epistemológica e política, está ligada aos modos de se conceber o trabalho e integra o fundo de nossas reflexões.

O texto a seguir está dividido em quatro seções: a primeira se propõe a caracterizar a concepção de trabalho nos Manuscritos de 1844; a segunda apresenta Eugène Buret e alguns aspectos de sua obra; a terceira objetiva situar Marx e Buret em torno de uma questão que lhes era comum: a sociedade salarial; a quarta seção, à luz do discutido no decorrer do texto, efetua um retorno crítico sobre o texto dos Manuscritos de 1844.

Marx e o trabalho: 1844

O período no qual Marx viveu na capital francesa foi, como se sabe, essencial no desenvolvimento de sua formação político-intelectual2 2 Nos limites do presente texto retomarei somente alguns pontos essenciais a esse respeito. Para o aprofundamento remeto o leitor a uma obra clássica e sobre a qual me poio para esses apontamentos iniciais: Cornu (1962). Uma excelente e bem mais recente síntese sobre o momento em que Marx escreve os Manuscritos de 1844 pode ser vista na apresentação elaborada por José Paulo Netto à publicação dos Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, publicado pela editora Expressão Popular em 2015. . Entre outubro de 1843 e fevereiro de 1845 Marx viverá em Paris, fixando efetivamente residência na Rue Vaneau, 38, no que hoje seria o 7º Arrondissement de Paris. Nesse período ele fará importantes descobertas teóricas e se envolverá ativamente com o movimento dos trabalhadores que, de certo modo, o instruem em relação ao trabalho real e suas questões3 3 Esses movimentos sociais instruem aquele que até então, como observa José Paulo Netto, era “conhecedor apenas da sociabilidade de ambientes intelectuais e universitários” nessa passagem, à medida que se implica cada vez mais nesses movimentos, “o radical democrata tornou-se comunista” (2015, p. 23, grifo do autor). A esse respeito Pierre Naville faz a seguinte observação: “Engels os havia observado [os trabalhadores] nos seus locais de trabalho, então que Marx ao que parece nunca tinha, até então, entrado em uma fábrica” (1967, p. 77). .

Quando chega à cidade, em 1843, somente a distância da vida de um ancião separa Marx dos acontecimentos da Revolução Francesa de 1789. “Paris estava então em plena efervescência revolucionária”, prolongada até a Revolução de 1830, escreve Auguste Cornu (1962. p. 3)CORNU, Auguste. Karl Marx et Friendich Engels. Marx à Paris. Paris: PUF, 1962.. Em Paris, observa o autor, Marx encontrará uma atmosfera rica e complexa que jogará para ele o mesmo papel que Londres para Engels.

Os Manuscritos de 1844 foram redigidos nesse período. Ele compõe um conjunto de três cadernos contendo escritos inacabados, partes incompletas e composições com notas de estudo. Neles, Marx vai copiar longos trechos de Adam Smith, Wilhelm Schulz e Eugène Buret, entre outros importantes nomes do período, procurando, sempre que a questão lhe desperta interesse, avançar desenvolvimentos críticos. Em suma, trata-se do esboço de uma redação, ainda que em seu conjunto não lhe falte coerência. Em que pese tais limites, eles testemunham aspectos luminosos do pensamento de Marx. Testemunham o emergir de questões que serão desenvolvidas ou reposicionadas em investigações subsequentes e, sobretudo, para o que nos interessa aqui, testemunham o momento no qual Marx inicia o estudo sistemático da economia política, a economia nacional, como ele então, ainda, denomina.

Diferentemente de seus escritos anteriores, nos Manuscritos de 1844 o trabalho ocupa uma posição cardinal. Como se sabe, a leitura crítica da economia política lhe oferecerá uma especial porta de entrada para isso: os sistemas de Adam Smith, David Ricardo, Jean-Baptiste Say, entre outros que integram essa nascente ciência burguesa, aportam uma problemática na qual o trabalho assume proeminência. Mas, diferentemente da abordagem canônica sobre o assunto, de se considerar os Manuscritos de 1844 como o primeiro encontro de Marx com a economia política, é preciso notar que Marx encontrou bem antes a obra dos economistas: ela estava no fundamento de certas reflexões de Hegel, leitor de Adam Smith. Aqui é preciso acompanhar o raciocínio de Pierre Naville.

Naville (1967)NAVILLE, Pierre. Le nouveau Leviathan 1. De l’alienation à la juissance: la gênese de la sociologie du travail chez Marx et Engels. Paris: Editions Anthropos, 1967. observa que se costuma dizer que o pensamento da maturidade de Marx é formado por três fontes fundamentais e distintas: a filosofia de Hegel (e, mais amplamente, a filosofia clássica alemã), os socialistas franceses e a economia política inglesa. Essas fontes são, contudo, menos distintas do que se imagina à primeira vista: elas se interligam e delas Marx se serviu. De um lado, quando toma em consideração Smith, Ricardo e os economistas clássicos da Inglaterra, Marx “faz a análise crítica de seus estudos sem jamais perder de vista que o conservantismo social deles era vivificado pela perspectiva do crescimento do socialismo” (Ibid, p. 10), por outro lado, quando Marx se propõe a polemizar com Proudhon, ele não simplesmente critica as mal estabelecidas posições econômicas deste último, ele mobiliza uma análise dialética cujos fundamentos, em parte, estão em Hegel. Todavia, o pensamento de Hegel se constituiu no curso de uma confrontação com o sentido histórico da revolução francesa e frente ao sentido de política e de razão que esta portava. Mas, por outro lado, e sobretudo, no contato com as obras dos economistas clássicos, em especial Adam Smith: “Abordando a Fenomenologia do Espírito, a Filosofia do Direito, e mesmo a Ciência da Lógica, Marx não descobria simplesmente Hegel, mas já, através dele, uma parte da economia clássica que é assimilada e filosoficamente traduzida” (Ibid).

“Filosoficamente traduzida”, a economia política que Marx encontra em 1844 não o apanha, portanto, do zero. Divisão do trabalho, valor do trabalho individual e de conjuntos econômicos não lhe são terra incógnita4 4 Em Adam Smith, como se sabe, a divisão do trabalho ocupa lugar importante no seu sistema conceitual. Seu sentido mais profundo não está na repetida ad nauseam ilustração da manufatura de alfinetes descrita logo no início do primeiro capítulo de A riqueza das nações, publicado em 1776. A concepção de Smith, conforme bem resumiu Vatin (2019, p. 191), envolve pensar a sociedade como um “gigantesco intercâmbio de trabalho” no qual cada um pode, via linguagem, se estabelecer com o outro e, logo, firmar contrato: se cada um se especializa em algo, pode oferecer ao outro o que este precisa e pode obter do outro o que precisa. No esquema de análise de Smith, o interesse individual confere a fisionomia da divisão social do trabalho e da acumulação do capital, cujas sociedades se beneficiam. Obviamente não se deve creditar exclusivamente a Smith a influência sobre Hegel a respeito dessa matéria, mas é preciso ter na devida conta a homologia entre certos desenvolvimentos de Hegel e aqueles de Smith. Vejamos por exemplo alguns trechos de Princípios da filosofia do direito, obra publicada por Hegel em 1821: “No entanto, o que há de universal e de objetivo no trabalho liga-se à abstração que é produzida pela especificidade dos meios e das carências e de que resulta também a especificação da produção e a divisão dos trabalhos. Pela divisão, o trabalho do indivíduo torna-se mais simples, aumentando a sua aptidão para o trabalho abstrato bem como a quantidade da sua produção. Esta abstração das aptidões e dos meios completa, ao mesmo tempo, a dependência mútua dos homens para a satisfação das outras carências, assim se estabelecendo uma necessidade total” (1997, p. 178); ou ainda, se referindo à sociedade civil, “Na sua realização assim determinada pela universalidade, o fim egoísta é a base de um sistema de dependências recíprocas no qual a subsistência, o bem estar e a existência jurídica do indivíduo estão ligados à subsistência, ao bem-estar e à existência de todos, em todos assentam e só são reais e estão assegurados nessa ligação” (Op. cit, p. 168). Deve-se reconhecer a György Lukács o mérito de, em uma obra redigida em 1938, primeiro identificar e investigar as relações entre a obra de Hegel e a de Adam Smith. Cf. Lukács (1970). . Conforme Naville (1967)NAVILLE, Pierre. Le nouveau Leviathan 1. De l’alienation à la juissance: la gênese de la sociologie du travail chez Marx et Engels. Paris: Editions Anthropos, 1967., Hegel os transpunha em “sistema de necessidades e sociedade civil, em corporações e estados, como conceitos nos quais se exprimiam gradualmente a liberdade e o desejo de viver do mundo humano” (p. 12), perspectiva frente à qual Marx vai seguir o caminho contrário: “por detrás de Hegel, ele irá encontrar Smith e Ricardo, e retomará o fio de seus estudos objetivos, efetuando uma crítica de conjunto, tal como tinha também feito em sua crítica a Hegel”, por conseguinte, “é sobre essa dupla crítica que Marx formulará sua própria concepção, que vai do abstrato ao concreto e do concreto ao abstrato sob uma forma verdadeiramente científica” (Ibid).

Se Hegel tirava de Smith elementos que podiam alimentar a dialética da ideia com elementos do mundo real, para Marx, em 1844, o que importava era o mundo real, o trabalho real. Se apoiando em Ludwig Feuerbach, ele dispõe de um modo de conceber a relação entre o homem, o plano das ideias e da religião que parece renovar o quadro filosófico então estabelecido, no qual a filosofia hegeliana tem proeminência. Em Feuerbach tem-se um materialismo fundado no “homem”, ainda que resolvido na consciência. Mas, de outra parte, Hegel aporta uma concepção filosófica de fundo cuja aquisição é de grande valor, a dialética, mas é também o autor que abre uma via histórica – como se sabe, em Hegel esta é idealista, fundada no conceito – que diz muito a Marx e na qual o trabalho tem especial importância. Como bem resumiu György Lukács, diferentemente de Kant e Fichte, para Hegel “a economia é o modo de aparição mais imediato, primitivo e tangível da atividade social do homem” (1970, p. 320). Marx compreendeu bem isso.

Assim, o conceito de trabalho desenvolvido nos Manuscritos de 1844 tem uma história, cujos aspectos fundamentais – aqui tão somente esboçados – estão no cruzamento entre o percurso políticointelectual de Marx, as escolas filosóficas e econômicas daquele período, o contexto histórico marcado pelas consequências da revolução industrial e uma sociedade capitalista nascente. Nos Manuscritos de 1844 a via filosófica meramente especulativa é afastada, o econômico é objeto de exame crítico, o trabalho ascende em importância, não na ideia, mas como autoprodução do “homem” (as aspas são importantes, como se verá adiante no texto).

Nos Manuscritos de 1844, o trabalho é concebido por Marx como “atividade vital” que produz o mundo humano – “nele reside todo o caráter de uma species” – no qual a consciência e seu caráter de ser genérico lhe configuram atributos essenciais – “a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem” (2015, p. 311-312). A mediação com a natureza e a produção de um mundo objetivo ganham corpo de maneira inequívoca – “o trabalhador não pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensível. Ela é o material no qual o trabalho se realiza, no qual este é ativo, a partir do qual e por meio do qual se produz” (Ibid, p. 306) – ao passo que a identidade entre objetivação e alienação, limite intrínseco à concepção de trabalho em Hegel, não tem mais lugar: em Marx, a alienação não é inerente à objetivação, ela diz respeito a formas históricas determinadas.

Se nos Manuscritos de 1844 o trabalho é concebido como “atividade consciente livre” e atribuído ao humano como “ser genérico”, a sociedade que emerge com a formação econômica capitalista modifica-o profundamente, na medida em que nessa sociedade o trabalho alienado “inverte essa relação até que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência” (Ibid, p. 312, grifos do autor). É assim que, apoiando-se na economia política, Marx assimila o trabalhador a uma mercadoria: “O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele quando consegue encontrar quem o compre” (p. 245), “A partir da própria economia nacional, com as suas próprias palavras, mostramos que o trabalhador decai em mercadoria” (p. 302), ou ainda, “O trabalho não produz apenas mercadorias, produz-se a si próprio e o trabalhador como uma mercadoria” – e na sequência associa esta condição e a miserabilização instituída por tal sociedade – “a miséria do trabalhador está na razão inversa e na magnitude de sua produção” (Ibid).

Nesse ponto de suas reflexões, Marx tateia. Ele está buscando entender as consequências daquele modelo societal e buscando entender o que está no âmago de uma sociedade fundada na separação entre os detentores dos meios de produção e aqueles que não os possuem, cuja subsistência – e mesmo a existência, se poderia dizer – demanda ser empregado por outrem. Mas, é preciso bem notar o que subjaz a esse argumento: o trabalhador pode mesmo, sem mais, ser assimilado a uma mercadoria? Exatamente aí reside o interesse de melhor compreender o que foi o encontro de Marx com a obra de Eugène Buret. Antes de passarmos propriamente a essa discussão, vale a pena nos determos brevemente sobre a figura de Buret.

Eugène Buret (1810-1842)

Economista, jornalista no Le Courrier Français, jornal diário de esquerda liberal que circulou na França entre 1820 e 1851, Antoine-Eugène Buret é responsável pelos temas do operariado. Como evidenciado por Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., Buret é uma figura singular: “Cristão, mas anticlerical, entusiasta do espírito revolucionário de 1789, mas decididamente contrário ao Terror, liberal, mas acusador virulento do egoísmo burguês” (p. 40). Ele é alguém informado sobre a discussão social, filosófica e econômica de seu tempo e alguém que procura marcar suas posições no debate público sobre o trabalho e a condição operária.

Discípulo de Sismondi5 5 Economista liberal, Jean Charles Léonard Sismonde de Sismondi (1773-1842) é autor de Nouveaux principes d’économie politique, ou De la richesse dans ses rapports avec la population. Paris: Librarie Delaunay, 1819. A obra oferece um contraponto à perspectiva de progresso presente em Adam Smith e postula que a “ciência do governo” tenha como objetivo não meramente o interesse particular, mas a felicidade da nação. , de quem ele prolonga o espírito, ainda que com uma visão mais radical das contradições sociais, Buret é crítico do que se convencionou chamar de “pensamento manchesteriano” (Ricardo, McCulloch...), aquele que sem embaraço trata os homens como qualquer outro meio de produção, transformando tudo em preços. A perspectiva de sua crítica social repousa sobre o romantismo econômico do século XIX6 6 A origem do romantismo econômico, mostra Vatin (2006), remonta a um escritor lyonês hoje praticamente desconhecido, Pierre-Édouard Lemontey Ele redige, em 1801, Influence morale de la division du travail, considérée sous le rapport de la conservation du gouvernement et de la stabilité des institutions sociales, texto pertencente a uma obra maior chamada Des moyens conservateurs en politique. No referido texto, pode-se encontrar uma pioneira crítica à divisão do trabalho em Adam Smith, uma crítica às mudanças provocadas pelo advento de outro modelo societal e o elogio ao trabalho unitário, artesanal. Vale acompanhar a esse respeito as próprias palavras de Lemontey (2006): sobre as instituições: “Os espíritos acostumados a contar, mais do que a sentir, e a não ver a felicidade de um povo senão no inventário de suas riquezas, terão dificuldade em compreender a utilidade desta investigação. O orgulho de a tudo submeter ao cálculo jogou as instituições numa profunda aridez” (p. 386); sobre a divisão do trabalho: “Quanto mais a divisão do trabalho for perfeita e a aplicação das máquinas estendida, mais a inteligência do trabalhador se fechará. Um minuto, um segundo consumirão todo o seu saber, no segundo seguinte veremos se repetir a mesma coisa [...]. É um triste testemunho se dar conta de nunca ter erguido senão uma válvula, ou de não ter feito senão a décima parte de um alfinete” (p. 388-389); sobre o efeito nos trabalhadores: “Se o homem desenvolve suas capacidades pelo exercício de um trabalho complicado, deve-se esperar um efeito contrário de um trabalho dividido. O primeiro porta em seus braços todo um métier, sente sua força e sua independência; o segundo tem na natureza das máquinas o meio dos quais vive; ele não poderia dissimular que delas é senão um acessório e que, separado delas, ele não tem mais capacidades e nem meio de existência” (p.389). Lemontey será citado por numerosos e diversos autores do século XIX, como Eugène Buret, Marx, Tocqueville e Émile Durkheim. O texto de Lemontey foi republicado em 2006. Para um estudo aprofundado sobre esse autor cf. Vatin (2006b). . Este se caracteriza por uma crítica à transformação do homem em coisa, mas na qual se misturam elementos da moral e, por vezes, da fé cristã, cuja concepção de fundo corresponde à crítica ao progresso e ao elogio às instituições tradicionais (a monarquia, as corporações de ofício, etc.).

Buret publica em 1840 a obra que o tornará conhecido: De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France. O estudo compila parte importante da literatura disponível no período sobre a condição operária. Na introdução, Buret mostra sua simpatia por uma certa concepção do econômico presente em uma nascente economia política, mas para ele infelizmente perdida – ele faz referência à Escola de Quesnay, a Turgot e a Du Pont de Nemours – e que o advento da Revolução de 1789 não permitiu se recompor. No seu desenvolvimento, ele diz, essa disciplina evoluirá como uma planta que cresce com o corte de seus galhos, liberando-se daquilo que poderia ser instrumento do governante e a favor da sociedade: abdica então daquilo que guardava não só o nome, mas a dimensão de (economia) política. Para Buret, David Ricardo representa a forma mais acabada dessa perspectiva econômica na qual “toda tendência social desaparece” e as nações “não são senão que ateliês de produção” (Buret, 1840BURET, Eugène. De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France. Paris: Paulin, 1840. Disponível em: https://gallica.bnf.fr.
https://gallica.bnf.fr...
, p. 26).

A crítica de Buret é então endereçada a essa ciência desejosa de dizer sobre os homens, mas que se quer deslastrada de todo quadro moral:

A economia política não viu no salário que um valor de troca, uma mercadoria na qual o preço, como o de todos os outros, rege-se pela relação entre oferta e demanda. Conforme essa teoria, o trabalho é considerado abstratamente como uma coisa, e o economista que estuda as variações de oferta e demanda esquece que a vida, a saúde, a moralidade de muitos milhões de homens estão engajadas nessa questão; o trabalho é uma mercadoria: se o preço dele se eleva decorre de ser muito demandado; se ao contrário é muito baixo decorre de ser muito ofertado; desse modo, quando se especula assim, nada vem perturbar vosso sangue frio, nem atrapalhar vossos cálculos (Op. cit., p. 42).

Se nesse ponto sua crítica tem, sem dúvida, inspiração em Pellegrino Rossi7 7 Vatin (2001) observa que a crítica efetuada por Buret parece ter franca inspiração naquela que faz o italiano Pellegrino Rossi (1787-1848), economista e jurista liberal, crítico do pensamento econômico manchesteriano. Todavia, Buret leva mais longe suas reflexões colocando em questão o próprio princípio salarial. , ela vai mais longe e indaga o sentido mesmo da instituição salarial nascente:

O trabalhador se encontra assimilado por essa doutrina a uma coisa insensível, uma máquina da qual se tem o direito de exigir a cada dia mais precisão, mais trabalho e mais produto. A população operária, vendedora de trabalho, é forçosamente reduzida a mais baixa parte do produto; diríamos quase que explorável sem limites como eram as pessoas corveáveis da sociedade feudal. A teoria do trabalho-mercadoria, não é ela outra coisa senão uma teoria da servitude disfarçada? (Op. cit., p. 43).

Buret constrói seu raciocínio nos antípodas dessa concepção mais dura da economia política. Mais do que isso, ele procura mostrar sua inconsistência e imoralidade, e então se dispõe a construir uma crítica da teoria do trabalho-mercadoria8 8 O mesmo gênero de crítica da teoria do trabalho-mercadoria será realizado um século depois por Karl Polanyi, em A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Compus, 2000. Nesse estudo, Polanyi (que não conhece a obra de Buret) critica Marx exatamente seguindo o mesmo raciocínio da argumentação de Buret, que é criticado por Marx. Essas questões são tratadas em detalhe por Vatin (2001). . Assim fazendo, ele toca em aspectos que estão no cerne da economia política e de seus impasses. Vejamos por exemplo um dos trechos cuja leitura muito inspirou Marx:

O trabalho, no caso onde o trabalhador não possua nenhuma sorte de capital, como os jornalistas e os operários nas fábricas, não tem os caracteres de uma mercadoria; o salário não tem o caractere de um mercado, pois o trabalhador não está frente aquele que o emprega na condição de um livre vendedor. Podemos dizer que o capitalista é sempre livre para empregar o trabalho, e que o trabalhador é sempre forçado a vendê-lo (Op. cit., p. 49).

Buret identifica perfeitamente alguns dos fundamentos da nova sociedade que surge sob as ruínas do Antigo Regime. Ele se interroga sobre o estatuto do trabalho numa sociedade liberal:

O valor do trabalho é completamente destruído se não for vendido a cada instante. O trabalho não é suscetível nem de acumulação, nem de poupança, como as verdadeiras mercadorias. O trabalho é a vida, e se essa vida não se troca a cada dia por alimento, ela sofre e logo perece. Para que a vida do homem seja considerada uma mercadoria, é preciso pois que seja admitida a escravidão (Op. cit., p. 49-50).

Como se depreende, Buret compreendeu que patrões e trabalhadores não estão em condição de igualdade, e que uma “dissimetria fundamental”, para usar os termos de Vatin, caracteriza esse mercado do trabalho. Tal percepção está já em Smith9 9 Em A riqueza das nações, Adam Smith se manifesta explicitamente a esse respeito: “Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas próprias cláusulas” (Smith, 1996, p. 119). , mas diferentemente dele, Buret conclui que essa desigualdade é intrínseca à instituição salarial (Vatin, 2001VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., p. 246). Como veremos na sequência, as reflexões de Eugène Buret não passaram desapercebidas por Karl Marx.

O trabalho vendido? Karl Marx e Eugène Buret

Como dito, a obra de Eugène Buret chamou a atenção de Marx. A leitura dos Manuscritos de 1844 permite identificar, sem dificuldade, em algumas de suas passagens, o eco das questões trazidas por Buret, visíveis sobretudo no Caderno I10 10 Costuma-se atribuir as passagens presentes no início do Caderno I dos Manuscritos de 1844 às questões trazidas por Smith. Isso não incorreto, mas parcial. . Como aponta Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., Marx nunca citou explicitamente Buret nas obras que publicou em vida. Contudo, este tem uma presença não negligenciável nos Manuscritos de 1844 e nos Cadernos de Paris, como se sabe, redigido mais ou menos paralelamente à redação dos Manuscritos. Nesse encontro de Marx com a obra de Buret há um outro aspecto que interessa muito, pois ocupará posteriormente lugar central no esquema teórico de Marx. Trata-se do estatuto do trabalho-mercadoria.

O que se vende sob a rubrica do que denominamos trabalho? Essa questão, de importância cardinal na época, era resolvida pela economia política pela equivalência conferida entre o trabalho humano e as mercadorias. Intercambiado na troca mercantil, o trabalho não seria outra coisa que mercadoria. É assim que, emblematicamente, o trabalho é concebido no esquema teórico de David Ricardo (1772-1823).

Tal perspectiva, como vimos na seção anterior, era objeto de crítica de Eugène Buret. Para ele, o trabalho não poderia ser assimilado a uma mercadoria, ele não teria características de uma e – este é o ponto mais importante – concebê-lo assim colidiria com o princípio de uma sociedade liberal. Relembremos as palavras de Buret:

O trabalho não é suscetível nem de acumulação, nem de poupança, como as verdadeiras mercadorias. O trabalho é a vida, e se essa vida não se troca a cada dia por alimento, ela sofre e logo perece. Para que a vida do homem seja considerada uma mercadoria, é preciso pois que seja admitida a escravidão (Op. cit., p. 49-50).

Quando Marx chega a Paris e inicia o aprofundamento de seus estudos em economia política ele faz a leitura da obra de Eugène Buret, De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France. Nesse momento, e aqui seguimos de perto Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., Marx ainda não leu Ricardo. Ele vai conhecê-lo através de Buret 11 11 Esse aspecto foi evidenciado por Hattori (1994). Retomando as cópias dos textos de Marx e de Buret, ele identifica as variações e erros de tradução em Buret e presentes no texto de Marx quando este se refere a Ricardo. Efetivamente, é por meio de Buret que Marx vai aceder a uma primeira leitura de Ricardo durante a redação dos Manuscritos de 1844. A esse respeito cf. Vatin (2001). . Na redação dos Manuscritos de 1844 – já então ciente da crítica de Buret endereçada a Ricardo – Marx dará razão a Ricardo contra Buret: este último censurava Ricardo por confundir os chapéus e os homens, criticava o cinismo da economia política ao tratar o trabalhador como qualquer outra mercadoria. Marx dirá que na verdade não se pode censurá-lo, pois ele diz o que os outros querem disfarçar: “Ricardo faz a economia nacional falar a sua linguagem própria. Quando esta não fala moralmente, então, a culpa não é de Ricardo” (Marx, [1844] 2015, p. 397MARX, Karl. Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão Popular, 2015.).

Marx retoma esse mesmo apontamento três anos depois em A miséria da Filosofia. Após citar Ricardo, ele assim escreve:

É evidente que a linguagem de Ricardo não poderia ser mais cínica. Colocar no mesmo plano os custos de fabricação dos chapéus e os custos de manutenção do homem é transformar o homem em chapéu. Mas não protestemos tanto contra o cinismo. O cinismo está nas coisas, não nas palavras que as exprimem. Escritores franceses como o Sr. Droz, Blanqui e Rossi, entre outros, procuram a inocente satisfaçam de provar sua superioridade sobre os economistas ingleses observando a etiqueta de uma linguagem “humanitária” [...] (Marx, [1847] 1985, p. 55, grifo do autor).

Não parece equivocado dizer que, se Marx reteve aspectos importantes em Buret, ele o considerava com os mesmos adjetivos que endereça a Droz, Blanqui e Rossi. O projeto de Buret não é a transformação substantiva da sociedade. Ele não é comunista, mas um liberal crítico do que considera deformante naquela sociedade capitalista no século XIX. De todo modo é pertinente observar que em A miséria da filosofia, publicado em 1847, Marx ainda permanece se referindo sem mais ao trabalho como mercadoria. Na sequência do trecho supracitado, Marx anota: “O trabalho, sendo ele mesmo mercadoria, mede-se como tal pelo tempo de trabalho que é necessário para produzir o trabalho-mercadoria” (Marx, op. cit., p. 55MARX, Karl. Le Capital. Critique de l’économie politique. Livre premier. Paris: Éditions Sociales, 1969 [1867].).

Como se depreende, Marx continua progredindo na aprendizagem de aspectos chave no âmbito da teoria econômica. Mas, bem observando as palavras do trecho acima, elas não trazem a mesma questão que Marx havia encontrado em Buret quando redigia os Manuscritos de 1844? Marx ainda permanece preso na contradição do trabalho-mercadoria. Ao permanecer nesse terreno não se pode compreender o que resta encoberto e designa o caractere próprio à formação social capitalista.

Esse apontamento não é banal. Atravessar, por assim dizer, o que está em seu conteúdo envolve (e exige) a definição mais precisa do que vem a ser o estruturante de nossa sociedade e o que de fato compreende o trabalho nela realizado pelos homens e mulheres. Como mostra Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., a questão permanecerá viva nas preocupações de Marx durante muito tempo. Evidência disto é que nas conferências realizadas em 1847 na associação de trabalhadores alemães de Bruxelas12 12 As conferências de Marx nesse período vão depois compor a base para a elaboração do manuscrito intitulado Trabalho assalariado e capital, de 1849. Esses aspectos são tratados em detalhe por Vatin (2001). , Marx discorre sobre o trabalho e o salário em uma exposição que retoma o tema do trabalho-mercadoria em termos muito próximos daqueles de Buret:

Tendo o comando dos meios de ocupação, o empregador tem o comando dos meios de subsistência do operário, quer dizer a vida deste depende daquele; do mesmo modo que o trabalhador rebaixa sua atividade vital a um simples meio de existência. A mercadoria-trabalho tem grandes desvantagens em relação às outras mercadorias. Para o capitalista, a disputa com os trabalhadores se trata senão de lucro, para os trabalhadores se trata de sua existência. O trabalho é por sua natureza mais perecível que as outras mercadorias. Ele não pode ser acumulado. A oferta não pode ser aumentada ou diminuída como a mesma facilidade que as outras mercadorias (Marx, 1996MARX, Karl. Travail salarié et capital. Pékin: Éditions en Langue Étrangeres, 1996., p. 54).

Marx vai demorar muito tempo para reposicionar o problema. É somente em 1865, na ocasião de uma exposição diante do Conselho Geral de Trabalhadores em Londres, que ele apresentará ao público pela primeira vez os termos da solução do impasse13 13 Essa é a primeira vez que Marx torna pública a distinção entre trabalho e força de trabalho. Contudo, do ponto de vista do desenvolvimento teórico, a referida distinção precede tal data. Os Grundrisse (1857-1858) evidenciam uma primeira etapa desses desenvolvimentos, mas ainda com oscilações e imprecisões que, conforme bem destaca Morilhat (2017), vão se estabilizar em seguida, no segundo semestre de 1858. Em um minucioso estudo sobre o tema, Morilhat mostra como a distinção entre “capacidade, potência de trabalho e trabalho, presente e hesitante nos Grundrisse” (idem, p.65) é progressivamente estabilizada nos textos posteriores. Morilhat cita em especial um texto nominado “Fragmento da versão primitiva de Contribuição à crítica da economia política”, redigido por Marx entre agosto e novembro de 1958 e presente na versão francesa de Contribuição à crítica da economia política, tradução de Maurice Husson et Gilbert Badia. No referido fragmento pode-se ler que “No âmbito dessa circulação [...] não se trata de troca entre dinheiro e trabalho, mas entre dinheiro e capacidade de trabalho vivo” (Marx, 1972, p. 224). , se afastando da concepção de trabalhomercadoria presente nos economistas clássicos e à qual ele mesmo havia aderido.

Na mencionada exposição, cujo texto corresponde ao manuscrito Trabalho, preço e lucro, Marx vai apresentar pela primeira vez a distinção entre trabalho e força de trabalho. Nesse ponto, Marx maneja de outro modo a teoria econômica que ele encontrou nos clássicos e delas tira aquisições fundamentais. É assim que, conforme a arguta observação de Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., Marx mobiliza um raciocínio lógico cujo fundamento está em um problema que remonta a Ricardo14 14 “A questão remonta à crítica efetuada por Ricardo à teoria do valor-trabalho comandado de Smith, que consiste em considerar o preço de uma mercadoria particular, o trabalho, como medida do valor. Para Smith essa operação é legítima, pois em sua compreensão o preço do trabalho, expressão do esforço imposto ao homem, é ontologicamente invariável. Assim, quando a relação de troca de qualquer mercadoria com o trabalho muda, é ao valor dessa mercadoria que é preciso imputar essa variação e não ao trabalho. Ricardo rejeitará isso que lhe parece uma proposição totalmente arbitrária. Em Salário, preço e lucro, Marx denuncia o caráter tautológico (mede-se valor pelo valor) daquele raciocínio, pois como Ricardo ele não acompanha o postulado de Smith” (Vatin, 2001, p. 279, nota 116). A questão, contudo, ainda permanece confusa em Ricardo. – o de que um instrumento de medida deve ser exterior ao campo dos objetos por ele medidos, do contrário se incorre em uma sorte de tautologia, em suma, não se pode medir metros com metros – para firmar a impropriedade de se falar em valor do trabalho, como se lhe pudesse atribuir um preço e ser, em si, vendido. Em resumo: se o trabalho é o que permite mensurar o valor das mercadorias (e nesse ponto específico, como se sabe, Marx segue Ricardo de perto), ele mesmo não pode ser uma mercadoria, “é preciso que [o trabalho] seja exterior ao mercado” (Vatin, 2001VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., p. 257).

Marx então avança sua definição distinguindo trabalho e força de trabalho: isto que “o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela” (Marx, 2010MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução [1844]. In: MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 145-157., p. 54). A dimensão temporal nesse aspecto não é secundária. Na sequência desse apontamento Marx insiste sobre isso, pois parece ser um elemento importante para melhor precisar aquilo que é o próprio do salariato: “Isto é tão verdadeiro que a lei, senão na Inglaterra, do qual eu nada sei, mas certamente em vários países do continente, fixa o maximum da duração a qual um homem tem o direito de alienar sua força de trabalho. Se lhe fosse permitida a venda por um período indefinido, então a escravidão seria restabelecida” (Ibid).

Como se depreende, Marx finalmente ultrapassa a problemática do trabalho-mercadoria. A distinção entre trabalho e força de trabalho permite uma resposta à questão que assombrava, até a primeira metade do século XIX, economistas e pensadores sociais. Essa distinção – que a partir de então acompanha Marx e é retomada, em 1867, no texto de O Capital – será essencial no sistema de Marx, em sua teoria da exploração, possibilitando melhor delimitar o específico das relações sociais sob a instituição salarial, como também vai permitir a elaboração da teoria da mais-valia e a constituição do conceito de trabalho abstrato, entre outros tantos elementos que configuram seu esquema teórico e projeto político. Mas, se o trabalhador não pode mais residir sob a rubrica de mera mercadoria, que destino dar ao trabalho tal como descrito nos Manuscritos de 1844? Essa pergunta demanda compreender, por detrás do econômico, como conjunto interdependente, o desenvolvimento do filosófico e do antropológico em Marx.

Retorno aos Manuscritos de 1844

Nosso argumento é que a formação do pensamento econômico de Marx, para lembrar o título do belo livro de Ernest Mandel, não se deu em separado de uma progressiva e mais fina compreensão do antropológico e do filosófico na obra marxiana. Diremos que ao lado do desenvolvimento do pensamento econômico – face da questão normalmente enfocada – houve também importante desenvolvimento na concepção filosófica e antropológica presente em Marx, algo menos evidente. Este é o ponto que gostaríamos de sublinhar a seguir. A questão é vasta e muitos aspectos poderiam e mereceriam ser examinados. Pelos limites do texto trataremos apenas um deles, mas de importância central: o trabalho e a compreensão do que seria o próprio da humanidade.

No primeiro caderno dos Manuscritos de 1844 Marx se engaja em distinguir a atividade propriamente humana e aquela animal: “O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se diferencia dela. É ela. O homem faz a sua própria atividade vital objeto de sua vontade e de sua consciência. Tem atividade vital consciente” (2015, p. 312). Marx enfatiza mais de uma vez o traço fundamental da distinção – “A atividade vital consciente diferencia imediatamente o homem da atividade vital animal” (Ibid) – e, na sequência do texto, segue fundamentando o argumento – “Decerto o animal também produz. Constrói para-si um ninho, habitações, como as abelhas, castores, formigas etc. Contudo, produz apenas o que necessidade imediatamente para-si ou para sua cria; produz unilateralmente, enquanto o homem produz universalmente” (Ibid) – que finaliza em termos que prefiguram a passagem muito conhecida do livro 1 de O Capital, no qual Marx compara o que realiza o arquiteto e uma abelha – “O animal dá forma apenas segundo a medida e a necessidade da species a que pertence, enquanto o homem o homem sabe produzir segundo a medida de cada species e sabe aplicar em toda a parte a medida inerente ao objeto” (Ibid, p. 313).

Tais aspectos configuram uma das mais importantes aquisições de Marx no decorrer de 1844. Junto com outras passagens dos Manuscritos de 1844, como as concernentes ao tema da alienação, vemos de fato prefigurar de maneira luminosa aquilo que será desenvolvido em obras posteriores. Não há dúvidas sobre isso. Nesse ponto talvez resida o aspecto único e o mais chamativo dos Manuscritos Econômico-Filosóficos. Mas prefigurar não é efetivamente comparecer.

Assimilar o que informa o texto dos Manuscritos de 1844 ao que representa o legado de Marx no tocante ao que define aquilo que é próprio da humanidade é, pois, não compreender o que de fato Marx deixou como legado. A questão demanda retomar o aspecto antropológico na obra marxiana, finalidade para a qual obra de Lucien Sève aporta contribuições fundamentais.

Conforme Sève (2008)SÈVE, Lucien. Penser avec Marx aujourd’hui. Tome II. “L’homme”? Paris: La Dispute, 2008., Marx promoveu uma verdadeira revolução na compreensão antropológica da humanidade. No ponto de partida da análise, contudo, o autor efetua um apontamento não sem importância: “não haveria em Marx uma revolução antropológica se não houvesse também uma revolução filosófica” (p. 50). Isto exigiu de Marx ultrapassar a noção especulativa de “homem” presente nos Manuscritos de 1844. Não se trata de dizer que Marx posteriormente abandona a palavra, o que está em questão é uma mudança categorial profunda.

Ora, certamente o “homem” pensado sem suas determinações não convém a Marx. Pode-se mesmo dizer que Marx jamais se interessou por ele. Um texto da juventude de Marx, como o Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução, de 1843/1844, forneceria então a prova irrecusável disto15 15 Um texto como Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução, datado de 1843, início de 1844, é de inspiração feuerbachiana. Contudo, a inteligência e a intuição de Marx fazem pronunciar nesses textos da juventude aspectos que somente serão efetivamente tematizados anos depois. . Mas nesse momento, nos anos de 1843 e 1844, o pensamento de Marx encontra de fato o fundo das questões? Para Lucien Sève, não.

Séve observa que no mencionado período, os textos de Marx estão eivados do termo “o homem”, e isso não somente por ser uma expressão de uso corrente, mas também porque no começo dos anos 1840 a juventude alemã é entusiasta da filosofia de Feuerbach. A filosofia de Feuerbach, embora buscando um fundamento materialista, está atravessada por um genérico “o homem”16 16 Alguns trechos de A essência do cristianismo são emblemáticos da visão essencialista que acompanha a filosofia de Feuerbach: “Mas qual é então a essência do homem, da qual ele é consciente, ou que realiza o gênero, a própria humanidade do homem? A razão, a vontade, o coração” (Op. cit., p. 36); “O animal só é atingido pelo raio de luz necessário à sua vida, mas o homem também pelo brilho indiferente da mais distante estrela. Só o homem possui alegrias e sentimentos puros, intelectuais, desinteressados” (Op. cit., p. 39). Em Feuerbach, “o homem” e sua natureza essencial dominam o texto. . Isto deriva em uma visão antropológica e filosófica essencialista, na qual o “homem” se torna um conceito relacional. Sobre esse ponto Sève (2008)SÈVE, Lucien. Penser avec Marx aujourd’hui. Tome II. “L’homme”? Paris: La Dispute, 2008. anota em relação a Feuerbach, “ali reside a importante inovação” (p. 52), e complementa destacando que os limites da lógica relacional: “é que ela não consegue impulsionar a análise das ‘relações’ que constituem a espécie humana em gênero” (p. 53, destaque do autor). Em Feuerbach, diz Sève, apesar de algumas frases sobre o Estado (totalidade da essência humana...), a humanidade “parece bem se reduzir para ele a ‘indivíduos que existem fora de mim’, principalmente no duo interiorizado do tu e eu”, daí que “nada de humano lhe parece provir da objetividade do mundo social enquanto tal”. Então – e esse é o ponto cardinal – “a relação interpessoal não faz senão manifestar uma ‘essência humana’ da qual a consistência é de ordem psicológica” (Ibid, p. 53).

Não faz sentido discutir o quanto todo esse movimento foi relevante na formação intelectual de Marx. O mais importante é compreender por qual via Marx se afasta dessas perspectivas e as ultrapassa. A resposta não está nos Manuscritos de 184417 17 Isso não quer dizer que os desenvolvimentos presentes nos Manuscritos sejam pouca coisa. É importante notar que os Manuscritos não trazem simplesmente uma problemática do homem, mas do homem alienado. É antes que um discurso antropológico positivo, uma antropologia negativa. Ele é crítico. Tais aspectos diferenciam, já no ponto de partida, a concepção de Marx daquela de Feuerbach, autor do qual vai seguir se distanciando e a ele nunca mais irá retornar. Essas questões são desenvolvidas em detalhe por Fausto (2015). Ver em especial o cap. 5, “Sobre o jovem Marx”. , ainda povoado do termo “homem”. É preciso investigar os escritos que os sucederam. As Teses sobre Feuerbach apresentam um primeiro passo fundamental em torno da questão.

Escritas no primeiro semestre de 1845, em Bruxelas, as Teses sobre Feuerbach18 18 O texto não foi publicado em vida por Marx. A história é conhecida: sua primeira publicação ocorreu em 1888, sob a forma de apêndice em uma obra de F. Engels no qual este visava criticamente a filosofia de Feuerbach. Nessa publicação, Engels modifica o título original dado por Marx, 1. Ad Feuerbach, substituindo-o por Marx über Feuerbach (Marx sobre Feuerbach). A versão que utilizo é a elaborada pela Boitempo, edição brasileira que cuidadosamente buscou ser o mais completa e fiel possível a esses escritos de Marx e Engels. representam e expressam – juntamente com A ideologia Alemã, de 1845/1846 – momentos de singular importância no desenvolvimento do pensamento de Marx. Nelas, Lucien Sève observa, em especial, a importância da 6ª Tese – “Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais” (Marx, [1845] 2007MARX, Karl. Ad Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo, 2007., p. 534). Contudo, o que implica dizer é que “a essência humana não é uma abstração” concernente ao indivíduo à parte, e que na realidade “é o conjunto das relações sociais”? É preciso restituir o sentido desses escritos para compreender do que eles tratam.

A 6ª Tese trata daquilo que os filósofos representam como substância ou “essência do homem”, tal como menciona Marx nas formulações de A ideologia alemã, texto no qual ele marca distância em relação a Feuerbach – “Ele diz ‘o homem’ em vez de ‘os homens históricos reais’” (Marx, 2007MARX, Karl. Ad Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo, 2007., p. 30). Elas visam ainda, se considerados os esforços teóricos empreendidos pelos filósofos até a época de Marx, a problemática da existência de uma natureza humana e de sua identificação – emblematicamente, pode-se encontrar no primeiro parágrafo de A essência do Cristianismo, de Feuerbach, a questão do que é próprio ao homem e ao animal: “A religião se baseia na diferença essencial entre o homem e o animal” (Feuerbach, 2007FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Petrópolis: Vozes, 2007 [1841]., p. 35). Em suma, a “natureza” do ser é um tema recorrente (e de outro modo presente desde a filosofia clássica). Retendo esses aspectos pode-se então melhor compreender o sentido do que Marx diz na 6ª Tese sobre Feuerbach e compreender onde ela rompe com o pensamento comum.

Em relação à concepção de essência humana, aponta Sève (2008)SÈVE, Lucien. Penser avec Marx aujourd’hui. Tome II. “L’homme”? Paris: La Dispute, 2008., a proposição de Marx é cortante: não há “essência humana” enquanto tal: “a proposição negativa da 6ª Tese anuncia que ela não é uma ‘abstração’ (kein Abstraktum: não é alguma coisa de abstrata) que residiria em um indivíduo à parte (dem einzelnen Individuum)” (p. 65, grifos do autor). Na sequência, ele anota: “Marx, ousa pela primeira vez, declarar a inexistência da essência humana” (ibid.), no sentido que lhe consagra a formulação citada.

Diante da longa tradição do idealismo interiorizado da essência, Sève aponta que Marx traz os elementos de solução do impasse com uma afirmação inédita: “aquela da parte irrecusável que provém do externo na determinação da essência” (Op. cit., p. 71). Vale nesse ponto retomar o próprio Marx: a essência humana é, em sua realidade, o “conjunto das relações sociais”. Chega-se aqui ao ponto fundamental de todo esse raciocínio: “o que são essencialmente as coisas não é apreensível somente pelo que lhe é interno – como não é também pelo que lhe é externo – mas pelo estudo das relações dialéticas entre o interno e o externo” (Op. cit., p. 71).

O inédito no raciocínio de Marx, destaca Sève, é que ele apreendeu todo o sentido do que parecia não ter sentido: “em sua realidade efetiva, essa ‘essência humana’ visando dar conta do que é interno a este ‘homem’ historicamente desenvolvido é uma materialidade externa a todo indivíduo: o conjunto das relações sociais” (Op. cit., p. 71). Portanto, aquilo que é próprio ao humano é externo a ele. Com tal patamar de compreensão alcançado, em dezembro de 1846, em uma carta endereçada a Annenkov na qual resume A ideologia alemã, Marx escreve:

Não é necessário acrescentar que os homens não são livres árbitros de suas forças produtivas – que são a base de toda sua história – pois toda força produtiva é uma força adquirida, o produto de uma atividade anterior [...]. Pelo simples fato que toda geração posterior encontra as forças produtivas adquiridas pela geração anterior, que servem a ela como matéria prima da nova produção, se forma uma conexidade na história dos homens, se forma uma história da humanidade, que é tanto mais história da humanidade quanto as forças produtivas dos homens e suas relações sociais tiverem crescido. Consequência necessária: a história social dos homens não é senão a história do seu desenvolvimento individual, quer eles tenham disso consciência, quer não a tenham (Engels, Marx, 2019ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Correspondences. Tomes 1 et 2 (1835-1851). Paris: Éditions Sociales, 2019., p. 448, grifo do autor).

É preciso bem avaliar o que são essas palavras em meados do século XIX. O legado de uma geração anterior é concebido como base para a produção da posterior, engendradas pelas forças produtivas situadas em uma “conexidade” – palavra-chave – que não é senão a história da humanidade, história essa que se institui numa repetição sem repetição: “a história social dos homens não é senão a história do seu desenvolvimento individual”. Nesse sentido muito preciso, em relação aos seres humanos, pode-se falar em formas históricas de individualidade19 19 Esse conceito é desenvolvido por Lucien Sève em sua obra mais conhecida, publicada ao final dos anos 1960. Cf. Sève (1969). .

Em adição a tudo isso cabe acrescentar um ponto de maneira algum supérfluo: Marx se afasta de qualquer traço da crítica romântica do trabalho, aquela presente em Eugène Buret e que, como vimos, alimenta a crítica do trabalho no século XIX. Não se trata então de lamentar uma sorte de unidade perdida, nem de criticar o presente tendo por base uma visão idealizada do passado. Uma outra concepção da história ganha corpo20 20 Como mostra Fausto (2002), considerando os modelos que informam a apresentação marxiana da história, os Manuscritos de 1844 não desenvolvem um discurso no qual termos contraditórios coexistem e intervertem (isto é, passam ao seu contrário), como nos Grundrisse e O Capital, como também não é um discurso que visa uma generalidade vazia, como em A ideologia alemã. Nos Manuscritos de 1844 o eixo da análise está no encobrimento do trabalho alienado, naquilo que o institui como relação, assim “o discurso ideológico seria aquele que não revela o fundamento do objeto, o trabalho alienado”, precisamente nesse sentido, completa o autor, “quanto mais ‘contraditório’ for o seu fundamento mais verdadeiro ele é, porque mais revela o seu fundamento” (2002, p. 153, grifo do autor). Pode-se entender melhor agora porque Marx ao ler Buret deu razão a Ricardo e não a Buret: é que “Ricardo faz a economia nacional falar a sua linguagem própria”, dirá Marx (2015, p. 397). Os Manuscritos de 1844, portanto, não apresentam as mesmas figuras dialéticas das obras posteriores de Marx. Isso ajuda a compreender, do ponto de vista lógico, porque os Manuscritos Econômico-Filosóficos apresentam uma visão crítica unilateral do trabalho no âmbito da instituição salarial. Retornaremos sobre esse ponto adiante. . Ela permite a Marx compreender de outro modo o social, pois possibilita considerar os elementos determinantes de quadros históricos específicos – como o capitalismo – em suas implicações contraditórias com a formação humana. Nesse terreno se forma a história da humanidade, “que é tanto mais história da humanidade quanto as forças produtivas dos homens e suas relações sociais tiverem crescido”, algo que não passou desapercebido de Vygotski, um fino conhecedor da obra Marx21 21 Em 1929, ele podia assim escrever: “O individual no homem não é o contrário do social, mas sua forma superior” (Vygotski, [1929] 2004, p. 236). .

A nova concepção do social que acabamos de esboçar não é assimilável àquela dos Manuscritos de 184422 22 Em uma passagem muito citada como evidência da força da concepção social de “homem” dos Manuscritos de 1844, podese ler: “É sobretudo de evitar fixar de novo a ‘sociedade’ face ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. A sua exteriorização de vida – mesmo que ela não apareça na forma imediata de uma exteriorização de vida comunitária, levada a cabo simultaneamente com os outros – é, por isso, uma exteriorização e confirmação da vida social. A vida individual e a vida genérica do homem não são diversas, por muito que – e isso necessariamente – o modo de existência da vida individual seja um modo mais particular ou mais universal da vida genérica...” (Marx, [1844] 2015, p. 348, grifo do autor). Tal concepção, como veremos, não é de modo algum equivalente àquela que Marx elabora posteriormente. . Não se trata de reciprocidade entre indivíduo e sociedade, nem de unidade entre vida individual e vida genérica, para usar os termos de Marx naquele momento, mas de uma compreensão histórica de conjunto daquilo que produz a humanidade e cada um de nós como indivíduos.

Como mostra Sève (2008)SÈVE, Lucien. Penser avec Marx aujourd’hui. Tome II. “L’homme”? Paris: La Dispute, 2008., essa outra e mais abrangente concepção do que são os seres humanos e sua história, no sentido forte do termo, instruirá as reflexões de Marx em uma obra por ele muito meditada, O Capital. Ela se faz presente diretamente na análise sobre o processo simples de trabalho, momento no qual Marx avança importantes desenvolvimentos históricos e antropológicos, como também em um tema estruturante, a alienação, já não equivalente àquela dos Manuscritos de 1844, mas adquirindo determinidade e patamar de outra ordem23 23 Essa concepção de alienação, bem como a explicação de sua constituição e determinantes históricos, não estão presentes nos Manuscritos de 1844, texto no qual para Sève ainda funciona uma concepção especulativa de alienação, cujas noções, tal como a de autoalienação (Selbstenfremdung), testemunham segundo ele uma concepção ainda imatura de Marx. Ora, aponta Sève, sob o capitalismo “o trabalhador não é a fonte de sua própria alienação, esta resulta, ao inverso, de relações de produção que o dominam inteiramente e constituem o inevitável prévio objetivo de sua atividade laboriosa – ele não se aliena, alienam-no” (Sève, 2012, p.31). Sobre esse aspecto específico, infelizmente, a edição em língua portuguesa dos Manuscritos Econômico-Filosóficos publicado pela Editora Boitempo em diversas ocorrências da palavra Selbstenfremdung optou por traduzi-la por “estranhamento-de-si”, o que atenua o componente ativamente reflexivo do termo. .

Finalizando esta seção, gostaríamos de bem marcar que o desenvolvimento do pensamento de Marx não deixou também de implicar em mudanças substantivas em relação à sua visão do que é o trabalhador e do que compreende o trabalhar. Esse ponto, bem observado por Sève (2012)SÈVE, Lucien. Aliénation et émancipation. Paris: La Dispute, 2012., não é de modo algum banal, pois pode implicar em perspectivas que, no que se propõe críticas, são efetivamente acríticas: incapazes de efetuar distinções, elas são de fato desarmantes face às exigências da realidade social e histórica.

Nos Manuscritos de 1844 pode-se ler que o trabalho “é apenas um meio para satisfazer necessidades externas a ele”, que tão “logo que não exista qualquer coação, física ou outra, se foge do trabalho como da peste”, e ainda que “o homem (o trabalhador) já só se sente livremente ativo nas suas funções animais – comer, beber e procriar, quando muito habitação, adorno etc. – e já só como animal nas suas funções humanas” (Marx, 2015MARX, Karl. Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão Popular, 2015., p. 309). Comentando as mencionadas passagens – passagens essas não sem relação com a crítica romântica do trabalho – Sève (2012)SÈVE, Lucien. Aliénation et émancipation. Paris: La Dispute, 2012. observa que Marx incorre de fato em tais limites no tocante a sua visão de trabalho, “Porém, Marx aprende rápido” (p. 22). Sève remete então o leitor a uma correspondência trocada entre Marx e Feuerbach, estabelecida meses após Marx ter redigido as páginas anteriormente destacadas. Nessa correspondência Marx descreve com outros traços os trabalhadores e sua experiência de vida e trabalho. Na referida carta enviada por Marx a Feuerbach, datada de 11 de agosto de 1844, Marx assim se refere aos operários: “Seria preciso que você tivesse assistindo a uma das reuniões dos operários franceses para poder acreditar no frescor juvenil e na nobreza que se manifesta nesses operários” (Engels, Marx, 2010ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Correspondences. Tomes 1 et 2 (1835-1851). Paris: Éditions Sociales, 2019., p. 324).

Mudança sem dúvida surpreendente, mas que deve ser lida como parte do desenvolvimento do pensamento de Marx, de sua compreensão do ser humano, do trabalho e da história. É assim que nos Manuscritos de 1844 há posições incompatíveis com as posições assumidas por Marx posteriormente, sobretudo em relação ao que implica trabalhar. Esse aspecto, observado por Sève (2012)SÈVE, Lucien. Aliénation et émancipation. Paris: La Dispute, 2012., se revela especialmente na postura de Marx em relação ao que deriva da inscrição do trabalhador no salariato. Nos Manuscritos de 1844 Marx escreve: a “elevação violenta dos salários” – e aqui ele toca exatamente na relação entre os proprietários e os trabalhadores – “nada seria, portanto, senão um melhor assalariamento do escravo, e não teria conquistado para o trabalhador nem para o trabalho a sua determinação e dignidade humanas” (p. 318, grifo do autor). Visão, como se nota, totalmente depreciativa do que envolve o trabalhar, compatível com o combativo espírito crítico do jovem alemão imbuído de valores emancipatórios, porém ainda distante da mais rica dialética presente em sua obra tardia na qual, para lembrar as palavras de Naville (1967)NAVILLE, Pierre. Le nouveau Leviathan 1. De l’alienation à la juissance: la gênese de la sociologie du travail chez Marx et Engels. Paris: Editions Anthropos, 1967., Marx estabelece sua concepção definitiva de trabalho.

Como mostra Sève (2012)SÈVE, Lucien. Aliénation et émancipation. Paris: La Dispute, 2012., depois de condenar a “batalha do salário”, algo de vida e morte para a realidade do trabalhador, 20 anos mais tarde e agora rico de uma incomparável experiência em lutas populares, Marx vai dizer o oposto para um auditório de trabalhadores ingleses. Sève faz referência ao texto Trabalho, preço e lucro, texto redigido por Marx em 1865, já citado por nós. Vale aqui acompanhar as próprias palavras de Marx:

Estas breves indicações serão suficientes para demonstrar que o próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui para inclinar cada vez mais a balança a favor do capitalista contra o operário [...]. Tal sendo a tendência das coisas neste sistema, quer isto dizer que a classe operária deva renunciar a defender-se contra os abusos do capital e abandonar seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de melhorar em parte a sua situação? Se agissem assim os trabalhadores se veriam degradados, tombariam no mais baixo nível para não formar senão uma massa uniforme, arrasada, infeliz a tal ponto que nada poderia salvá-la de sua miséria. Creio haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do padrão de salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do salariato, que, em noventa e nove por cento dos casos, seus esforços para elevar os salários não são mais que esforços destinados a manter o valor dado do trabalho, e que a necessidade de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário se vê colocado e que o obriga a se vender como uma mercadoria. Se cedessem abandonando seus conflitos de todos os dias com o capital, eles [os trabalhadores] perderiam certamente o direito de empreenderem um movimento de maior envergadura e mais geral (Marx, 2010MARX, Karl. Salaire, prix et profit. Genève: Éditions Entremonde, 2010., p. 93-94).

Como se nota, Marx se afasta de uma visada unilateral do trabalho e do trabalhar. Não se trata então para ele de meramente recusar o trabalho sob a instituição salarial, nem de aceitá-lo ou tampouco de nele escolher entre o lado bom ou o ruim, como faz Proudhon24 24 Proudhon não opera com a dialética, mas por antinomias, partes boas e ruins, uma servindo de antídoto à outra. Diante do feudalismo, ele pode dizer então que suprimindo seu lado ruim (servidão, privilégios...), há um lado bom (o trabalho artesanal, as vilas, o tipo de organização dos mercados...). Marx criticará Proudhon a esse respeito, observando que ele não compreende o desenvolvimento contraditório no curso das relações sociais e históricas, daí seu entendimento equivocado da divisão do trabalho, da relação entre o trabalhador e as máquinas, etc. (cf. Naville, 1967, p. 311-322). . De certo modo, podese dizer que não é do lado de fora, mas atravessando, por assim dizer, a instituição salarial e a vida no seu tempo biográfico, que homens e mulheres se engajam na produção e transformação do mundo, mas também de si mesmos.

Conclusão

Com a questão do trabalho-mercadoria presente nos Manuscritos de 1844 foi possível seguir etapas importantes da formação do pensamento de Marx. Portador de uma problemática que assombrava economistas e pensadores sociais no século XIX, por detrás do trabalho-mercadoria o que estava ao fundo era a compreensão da sociedade capitalista nascente. Questão difícil e que se impunha a Eugène Buret e a Marx. Como vimos, Marx acrescentará uma contribuição decisiva ao debate daquela época. A distinção entre trabalho e força de trabalho representa seu legado fundamental nesse domínio25 25 Compreende-se aqui o erro de Garath Stedman Jones, autor de uma celebrada recente biografia de Marx, ao atribuir a Eugène Buret e não a Marx a distinção conceitual entre trabalho e força de trabalho. Como vimos, ambos, Marx e Buret, em certo momento partilham um impasse, a questão do trabalho-mercadoria, mas não a solução. Cf. Jones (2017, p. 406). .

Nos Manuscritos de 1844 o trabalho é alçado para o centro da análise. O referido texto concerne a um momento de grande importância na formação de Marx, momento em que ele se propõe a aprofundar seus estudos sobre economia política e se engaja em uma profícua relação com o movimento dos trabalhadores. Questões fundamentais ganham corpo, como o tema da alienação, mas distantes de uma análise que consiga explicar seus elementos estruturantes e a dinâmica das contradições sociais. Efetuar a passagem em direção a uma concepção mais substantiva envolveu para Marx tanto uma análise econômica mais detida, mais fina, como também, de maneira interdependente, transformar sua concepção filosófica e antropológica.

Tudo isso, é claro, obriga a repensar os conteúdos dos Manuscritos de 1844, texto sobre muitos aspectos de grande relevância, mas que não pode ter seus termos e conceitos intercambiados sem mais com as obras econômicas de Marx26 26 Não é por outro motivo que um grande conhecedor da obra marxiana como Lucien Sève podia em relação a outro notável filósofo, György Lukács, censurar-lhe a conduta teórica ao observar em sua opus postumum – ele faz referência a Prolegômenos para uma ontologia do ser social – uma completa “indiferença sobre o que distingue ao fundo as obras da juventude e as obras da maturidade de Marx” (Sève, 2014, p. 97). . Econômico esse que em Marx, como vimos, pressupõe (em sentido dialético, não se trata de níveis) o filosófico e o antropológico, em um desenvolvimento que se dá como processo e não está, assim, pronto no ponto de partida.

A discussão que levamos adiante tem implicações políticas importantes. A visão unilateral depreciativa do que é o trabalho e o trabalhar não é sem consequências práticas, pois é desarmante, desinteressada pela experiência das forças produtivas, conforme a bela expressão de Schwartz (1988)SCHWARTZ, Yves. Expérience et connaissance du travail. Paris: Éditions Sociales, 1988.. Quando se vai ao melhor do marxismo, essas questões estão lá. É assim que Ivar Oddone, junto aos operários do sindicato da Fiat de Turim no final dos anos 1960, observava com muita criticidade a corrente dominante no marxismo daquela época – portador, segundo ele, de uma concepção de alienação que considerava os trabalhadores como privados de toda capacidade de aprender – e dizia convencido do que via: os trabalhadores nunca deixaram de aprender, “jamais deixaram no curso da história de desenvolver sua capacidade de contestação” (Oddone, Re, Briante, 1981ODDONE, Ivar; RE, Alessandra; BRIANTE, Gianni. Redécouvrir l’experience ouvrière: vers une autre psycologie du travail? Paris: Éditions Sociales, 1981., p. 193). Profundo conhecedor da obra de Gramsci, Ivar Oddone tinha razão.

  • JEL B1, B24.
  • 1
    Autor rapidamente mencionado, mas efetivamente pouco lido, há poucas obras sobre Buret. Numa escassa bibliografia, ver a publicação suíça de Marie-Martin Cottier (1956, p. 132-152)COTTIER, Marie-Martin. Une source de K. Marx et Fr. Engels. De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France d’Eugène Buret. Nova & Vetera, v. 31. n. 2 p. 132-152, 1956.; o estudo, publicado em alemão, elaborado pelo japonês Fumio Hattori (1994, p.142-147)HATTORI, Fumio. Marx und Buret. Mega-Studien. Dietz Verlag, Berlin, n. 1, p. 142-147, 1994.; e os estudos de François Vatin, em especial, o artigo “Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret (2001/2, p. 237-280). Não temos registro de nenhuma obra em língua portuguesa sobre Eugène Buret.
  • 2
    Nos limites do presente texto retomarei somente alguns pontos essenciais a esse respeito. Para o aprofundamento remeto o leitor a uma obra clássica e sobre a qual me poio para esses apontamentos iniciais: Cornu (1962)CORNU, Auguste. Karl Marx et Friendich Engels. Marx à Paris. Paris: PUF, 1962.. Uma excelente e bem mais recente síntese sobre o momento em que Marx escreve os Manuscritos de 1844 pode ser vista na apresentação elaborada por José Paulo Netto à publicação dos Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, publicado pela editora Expressão Popular em 2015.
  • 3
    Esses movimentos sociais instruem aquele que até então, como observa José Paulo Netto, era “conhecedor apenas da sociabilidade de ambientes intelectuais e universitários” nessa passagem, à medida que se implica cada vez mais nesses movimentos, “o radical democrata tornou-se comunista” (2015, p. 23, grifo do autor). A esse respeito Pierre Naville faz a seguinte observação: “Engels os havia observado [os trabalhadores] nos seus locais de trabalho, então que Marx ao que parece nunca tinha, até então, entrado em uma fábrica” (1967, p. 77).
  • 4
    Em Adam Smith, como se sabe, a divisão do trabalho ocupa lugar importante no seu sistema conceitual. Seu sentido mais profundo não está na repetida ad nauseam ilustração da manufatura de alfinetes descrita logo no início do primeiro capítulo de A riqueza das nações, publicado em 1776. A concepção de Smith, conforme bem resumiu Vatin (2019, p. 191)VATIN, François. O trabalho e suas medidas: economia, física e sociedade. Campinas: Mercado de Letras, 2019., envolve pensar a sociedade como um “gigantesco intercâmbio de trabalho” no qual cada um pode, via linguagem, se estabelecer com o outro e, logo, firmar contrato: se cada um se especializa em algo, pode oferecer ao outro o que este precisa e pode obter do outro o que precisa. No esquema de análise de Smith, o interesse individual confere a fisionomia da divisão social do trabalho e da acumulação do capital, cujas sociedades se beneficiam. Obviamente não se deve creditar exclusivamente a Smith a influência sobre Hegel a respeito dessa matéria, mas é preciso ter na devida conta a homologia entre certos desenvolvimentos de Hegel e aqueles de Smith. Vejamos por exemplo alguns trechos de Princípios da filosofia do direito, obra publicada por Hegel em 1821: “No entanto, o que há de universal e de objetivo no trabalho liga-se à abstração que é produzida pela especificidade dos meios e das carências e de que resulta também a especificação da produção e a divisão dos trabalhos. Pela divisão, o trabalho do indivíduo torna-se mais simples, aumentando a sua aptidão para o trabalho abstrato bem como a quantidade da sua produção. Esta abstração das aptidões e dos meios completa, ao mesmo tempo, a dependência mútua dos homens para a satisfação das outras carências, assim se estabelecendo uma necessidade total” (1997, p. 178); ou ainda, se referindo à sociedade civil, “Na sua realização assim determinada pela universalidade, o fim egoísta é a base de um sistema de dependências recíprocas no qual a subsistência, o bem estar e a existência jurídica do indivíduo estão ligados à subsistência, ao bem-estar e à existência de todos, em todos assentam e só são reais e estão assegurados nessa ligação” (Op. cit, p. 168). Deve-se reconhecer a György Lukács o mérito de, em uma obra redigida em 1938, primeiro identificar e investigar as relações entre a obra de Hegel e a de Adam Smith. Cf. Lukács (1970)LUKÁCS, György. El joven Hegel. Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1970..
  • 5
    Economista liberal, Jean Charles Léonard Sismonde de Sismondi (1773-1842) é autor de Nouveaux principes d’économie politique, ou De la richesse dans ses rapports avec la population. Paris: Librarie Delaunay, 1819. A obra oferece um contraponto à perspectiva de progresso presente em Adam Smith e postula que a “ciência do governo” tenha como objetivo não meramente o interesse particular, mas a felicidade da nação.
  • 6
    A origem do romantismo econômico, mostra Vatin (2006)VATIN, François. Romantisme économique et philosophie de la misère en France dans les années 1820-1840. Romantisme, n. 133, p. 35-47, 2006/3., remonta a um escritor lyonês hoje praticamente desconhecido, Pierre-Édouard Lemontey Ele redige, em 1801LEMONTEY, Pierre- Édouard. Influence morale de la division du travail considérée sous le rapport de la conservation du gouvernement et de la stabilité des institutions sociales (1801). Revue du Mauss, n. 27, premier semestre, p. 384-397., Influence morale de la division du travail, considérée sous le rapport de la conservation du gouvernement et de la stabilité des institutions sociales, texto pertencente a uma obra maior chamada Des moyens conservateurs en politique. No referido texto, pode-se encontrar uma pioneira crítica à divisão do trabalho em Adam Smith, uma crítica às mudanças provocadas pelo advento de outro modelo societal e o elogio ao trabalho unitário, artesanal. Vale acompanhar a esse respeito as próprias palavras de Lemontey (2006): sobre as instituições: “Os espíritos acostumados a contar, mais do que a sentir, e a não ver a felicidade de um povo senão no inventário de suas riquezas, terão dificuldade em compreender a utilidade desta investigação. O orgulho de a tudo submeter ao cálculo jogou as instituições numa profunda aridez” (p. 386); sobre a divisão do trabalho: “Quanto mais a divisão do trabalho for perfeita e a aplicação das máquinas estendida, mais a inteligência do trabalhador se fechará. Um minuto, um segundo consumirão todo o seu saber, no segundo seguinte veremos se repetir a mesma coisa [...]. É um triste testemunho se dar conta de nunca ter erguido senão uma válvula, ou de não ter feito senão a décima parte de um alfinete” (p. 388-389); sobre o efeito nos trabalhadores: “Se o homem desenvolve suas capacidades pelo exercício de um trabalho complicado, deve-se esperar um efeito contrário de um trabalho dividido. O primeiro porta em seus braços todo um métier, sente sua força e sua independência; o segundo tem na natureza das máquinas o meio dos quais vive; ele não poderia dissimular que delas é senão um acessório e que, separado delas, ele não tem mais capacidades e nem meio de existência” (p.389). Lemontey será citado por numerosos e diversos autores do século XIX, como Eugène Buret, Marx, Tocqueville e Émile Durkheim. O texto de Lemontey foi republicado em 2006. Para um estudo aprofundado sobre esse autor cf. Vatin (2006b)VATIN, François. Pierre-Édouard Lemontey, l’invention de la sociologie du travail et la question salariale. Revue du MAUSS, n. 27, p. 398-420, 2006/1..
  • 7
    Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2. observa que a crítica efetuada por Buret parece ter franca inspiração naquela que faz o italiano Pellegrino Rossi (1787-1848), economista e jurista liberal, crítico do pensamento econômico manchesteriano. Todavia, Buret leva mais longe suas reflexões colocando em questão o próprio princípio salarial.
  • 8
    O mesmo gênero de crítica da teoria do trabalho-mercadoria será realizado um século depois por Karl Polanyi, em A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Compus, 2000. Nesse estudo, Polanyi (que não conhece a obra de Buret) critica Marx exatamente seguindo o mesmo raciocínio da argumentação de Buret, que é criticado por Marx. Essas questões são tratadas em detalhe por Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2..
  • 9
    Em A riqueza das nações, Adam Smith se manifesta explicitamente a esse respeito: “Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas próprias cláusulas” (Smith, 1996SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. v. 1. São Paulo: Ed. Nova Cultural/Vitor Civita, 1996. (Coleção Os Economistas)., p. 119).
  • 10
    Costuma-se atribuir as passagens presentes no início do Caderno I dos Manuscritos de 1844 às questões trazidas por Smith. Isso não incorreto, mas parcial.
  • 11
    Esse aspecto foi evidenciado por Hattori (1994)HATTORI, Fumio. Marx und Buret. Mega-Studien. Dietz Verlag, Berlin, n. 1, p. 142-147, 1994.. Retomando as cópias dos textos de Marx e de Buret, ele identifica as variações e erros de tradução em Buret e presentes no texto de Marx quando este se refere a Ricardo. Efetivamente, é por meio de Buret que Marx vai aceder a uma primeira leitura de Ricardo durante a redação dos Manuscritos de 1844. A esse respeito cf. Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2..
  • 12
    As conferências de Marx nesse período vão depois compor a base para a elaboração do manuscrito intitulado Trabalho assalariado e capital, de 1849. Esses aspectos são tratados em detalhe por Vatin (2001)VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2..
  • 13
    Essa é a primeira vez que Marx torna pública a distinção entre trabalho e força de trabalho. Contudo, do ponto de vista do desenvolvimento teórico, a referida distinção precede tal data. Os Grundrisse (1857-1858) evidenciam uma primeira etapa desses desenvolvimentos, mas ainda com oscilações e imprecisões que, conforme bem destaca Morilhat (2017)MORILHAT, Claude. De la notion de travail au concept de force de travail. La Pensée, n. 389, n. 1, p. 53-65, 2017., vão se estabilizar em seguida, no segundo semestre de 1858. Em um minucioso estudo sobre o tema, Morilhat mostra como a distinção entre “capacidade, potência de trabalho e trabalho, presente e hesitante nos Grundrisse” (idem, p.65) é progressivamente estabilizada nos textos posteriores. Morilhat cita em especial um texto nominado “Fragmento da versão primitiva de Contribuição à crítica da economia política”, redigido por Marx entre agosto e novembro de 1958 e presente na versão francesa de Contribuição à crítica da economia política, tradução de Maurice Husson et Gilbert Badia. No referido fragmento pode-se ler que “No âmbito dessa circulação [...] não se trata de troca entre dinheiro e trabalho, mas entre dinheiro e capacidade de trabalho vivo” (Marx, 1972MARX, Karl. Contribution à la critique de l’économie politique. Traduit de l’allemand par Maurice Husson et Gilbert Badia. Paris: Éditions Sociales, 1972., p. 224).
  • 14
    “A questão remonta à crítica efetuada por Ricardo à teoria do valor-trabalho comandado de Smith, que consiste em considerar o preço de uma mercadoria particular, o trabalho, como medida do valor. Para Smith essa operação é legítima, pois em sua compreensão o preço do trabalho, expressão do esforço imposto ao homem, é ontologicamente invariável. Assim, quando a relação de troca de qualquer mercadoria com o trabalho muda, é ao valor dessa mercadoria que é preciso imputar essa variação e não ao trabalho. Ricardo rejeitará isso que lhe parece uma proposição totalmente arbitrária. Em Salário, preço e lucro, Marx denuncia o caráter tautológico (mede-se valor pelo valor) daquele raciocínio, pois como Ricardo ele não acompanha o postulado de Smith” (Vatin, 2001VATIN, François. Le travail, la servitude et la vie. Avant Marx et Polanyi, Eugène Buret. Revue du MAUSS, n. 18, p. 237-280, 2001/2., p. 279, nota 116). A questão, contudo, ainda permanece confusa em Ricardo.
  • 15
    Um texto como Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução, datado de 1843, início de 1844, é de inspiração feuerbachiana. Contudo, a inteligência e a intuição de Marx fazem pronunciar nesses textos da juventude aspectos que somente serão efetivamente tematizados anos depois.
  • 16
    Alguns trechos de A essência do cristianismo são emblemáticos da visão essencialista que acompanha a filosofia de Feuerbach: “Mas qual é então a essência do homem, da qual ele é consciente, ou que realiza o gênero, a própria humanidade do homem? A razão, a vontade, o coração” (Op. cit., p. 36); “O animal só é atingido pelo raio de luz necessário à sua vida, mas o homem também pelo brilho indiferente da mais distante estrela. Só o homem possui alegrias e sentimentos puros, intelectuais, desinteressados” (Op. cit., p. 39). Em Feuerbach, “o homem” e sua natureza essencial dominam o texto.
  • 17
    Isso não quer dizer que os desenvolvimentos presentes nos Manuscritos sejam pouca coisa. É importante notar que os Manuscritos não trazem simplesmente uma problemática do homem, mas do homem alienado. É antes que um discurso antropológico positivo, uma antropologia negativa. Ele é crítico. Tais aspectos diferenciam, já no ponto de partida, a concepção de Marx daquela de Feuerbach, autor do qual vai seguir se distanciando e a ele nunca mais irá retornar. Essas questões são desenvolvidas em detalhe por Fausto (2015)FAUSTO , Ruy. Sentido da dialética – Marx: lógica e política. Petrópolis: Vozes, 2015.. Ver em especial o cap. 5, “Sobre o jovem Marx”.
  • 18
    O texto não foi publicado em vida por Marx. A história é conhecida: sua primeira publicação ocorreu em 1888, sob a forma de apêndice em uma obra de F. Engels no qual este visava criticamente a filosofia de Feuerbach. Nessa publicação, Engels modifica o título original dado por Marx, 1. Ad Feuerbach, substituindo-o por Marx über Feuerbach (Marx sobre Feuerbach). A versão que utilizo é a elaborada pela Boitempo, edição brasileira que cuidadosamente buscou ser o mais completa e fiel possível a esses escritos de Marx e Engels.
  • 19
    Esse conceito é desenvolvido por Lucien Sève em sua obra mais conhecida, publicada ao final dos anos 1960. Cf. Sève (1969)SÈVE, Lucien. Marxisme et théorie de la personnalité. Paris: Editions Sociales, 1969..
  • 20
    Como mostra Fausto (2002)FAUSTO , Ruy. Marx: lógica e política. Investigações para a reconstituição do sentido da dialética. Tomo III. São Paulo: Editora 34, 2002., considerando os modelos que informam a apresentação marxiana da história, os Manuscritos de 1844 não desenvolvem um discurso no qual termos contraditórios coexistem e intervertem (isto é, passam ao seu contrário), como nos Grundrisse e O Capital, como também não é um discurso que visa uma generalidade vazia, como em A ideologia alemã. Nos Manuscritos de 1844 o eixo da análise está no encobrimento do trabalho alienado, naquilo que o institui como relação, assim “o discurso ideológico seria aquele que não revela o fundamento do objeto, o trabalho alienado”, precisamente nesse sentido, completa o autor, “quanto mais ‘contraditório’ for o seu fundamento mais verdadeiro ele é, porque mais revela o seu fundamento” (2002, p. 153, grifo do autor). Pode-se entender melhor agora porque Marx ao ler Buret deu razão a Ricardo e não a Buret: é que “Ricardo faz a economia nacional falar a sua linguagem própria”, dirá Marx (2015, p. 397)MARX, Karl. Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão Popular, 2015.. Os Manuscritos de 1844, portanto, não apresentam as mesmas figuras dialéticas das obras posteriores de Marx. Isso ajuda a compreender, do ponto de vista lógico, porque os Manuscritos Econômico-Filosóficos apresentam uma visão crítica unilateral do trabalho no âmbito da instituição salarial. Retornaremos sobre esse ponto adiante.
  • 21
    Em 1929, ele podia assim escrever: “O individual no homem não é o contrário do social, mas sua forma superior” (Vygotski, [1929] 2004VYGOTSKI, Lev S. Psychologie concrète de l’homme: In: BROSSARD, Michel. Vygotski: lectures et perspectives de recherches en éducation. Villeneuve d’Ascq, Presses Universitaires du Septentrion, 2004., p. 236).
  • 22
    Em uma passagem muito citada como evidência da força da concepção social de “homem” dos Manuscritos de 1844, podese ler: “É sobretudo de evitar fixar de novo a ‘sociedade’ face ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. A sua exteriorização de vida – mesmo que ela não apareça na forma imediata de uma exteriorização de vida comunitária, levada a cabo simultaneamente com os outros – é, por isso, uma exteriorização e confirmação da vida social. A vida individual e a vida genérica do homem não são diversas, por muito que – e isso necessariamente – o modo de existência da vida individual seja um modo mais particular ou mais universal da vida genérica...” (Marx, [1844] 2015MARX, Karl. Cadernos de Paris & Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão Popular, 2015., p. 348, grifo do autor). Tal concepção, como veremos, não é de modo algum equivalente àquela que Marx elabora posteriormente.
  • 23
    Essa concepção de alienação, bem como a explicação de sua constituição e determinantes históricos, não estão presentes nos Manuscritos de 1844, texto no qual para Sève ainda funciona uma concepção especulativa de alienação, cujas noções, tal como a de autoalienação (Selbstenfremdung), testemunham segundo ele uma concepção ainda imatura de Marx. Ora, aponta Sève, sob o capitalismo “o trabalhador não é a fonte de sua própria alienação, esta resulta, ao inverso, de relações de produção que o dominam inteiramente e constituem o inevitável prévio objetivo de sua atividade laboriosa – ele não se aliena, alienam-no” (Sève, 2012SÈVE, Lucien. Aliénation et émancipation. Paris: La Dispute, 2012., p.31). Sobre esse aspecto específico, infelizmente, a edição em língua portuguesa dos Manuscritos Econômico-Filosóficos publicado pela Editora Boitempo em diversas ocorrências da palavra Selbstenfremdung optou por traduzi-la por “estranhamento-de-si”, o que atenua o componente ativamente reflexivo do termo.
  • 24
    Proudhon não opera com a dialética, mas por antinomias, partes boas e ruins, uma servindo de antídoto à outra. Diante do feudalismo, ele pode dizer então que suprimindo seu lado ruim (servidão, privilégios...), há um lado bom (o trabalho artesanal, as vilas, o tipo de organização dos mercados...). Marx criticará Proudhon a esse respeito, observando que ele não compreende o desenvolvimento contraditório no curso das relações sociais e históricas, daí seu entendimento equivocado da divisão do trabalho, da relação entre o trabalhador e as máquinas, etc. (cf. Naville, 1967NAVILLE, Pierre. Le nouveau Leviathan 1. De l’alienation à la juissance: la gênese de la sociologie du travail chez Marx et Engels. Paris: Editions Anthropos, 1967., p. 311-322).
  • 25
    Compreende-se aqui o erro de Garath Stedman Jones, autor de uma celebrada recente biografia de Marx, ao atribuir a Eugène Buret e não a Marx a distinção conceitual entre trabalho e força de trabalho. Como vimos, ambos, Marx e Buret, em certo momento partilham um impasse, a questão do trabalho-mercadoria, mas não a solução. Cf. Jones (2017, p. 406)JONES, Gareth S. Karl Marx: grandeza e ilusão. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 406..
  • 26
    Não é por outro motivo que um grande conhecedor da obra marxiana como Lucien Sève podia em relação a outro notável filósofo, György Lukács, censurar-lhe a conduta teórica ao observar em sua opus postumum – ele faz referência a Prolegômenos para uma ontologia do ser social – uma completa “indiferença sobre o que distingue ao fundo as obras da juventude e as obras da maturidade de Marx” (Sève, 2014SÈVE, Lucien. Penser avec Marx aujourd’hui. Tome III. La Philosophie? Paris: La Dispute, 2014., p. 97).

Referências bibliográficas

  • BURET, Eugène. De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France. Paris: Paulin, 1840. Disponível em: https://gallica.bnf.fr.
    » https://gallica.bnf.fr
  • COTTIER, Marie-Martin. Une source de K. Marx et Fr. Engels. De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France d’Eugène Buret. Nova & Vetera, v. 31. n. 2 p. 132-152, 1956.
  • CORNU, Auguste. Karl Marx et Friendich Engels. Marx à Paris. Paris: PUF, 1962.
  • ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Correspondences. Tomes 1 et 2 (1835-1851). Paris: Éditions Sociales, 2019.
  • FAUSTO , Ruy. Marx: lógica e política. Investigações para a reconstituição do sentido da dialética. Tomo III. São Paulo: Editora 34, 2002.
  • FAUSTO , Ruy. Sentido da dialética – Marx: lógica e política. Petrópolis: Vozes, 2015.
  • FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Petrópolis: Vozes, 2007 [1841].
  • HATTORI, Fumio. Marx und Buret. Mega-Studien. Dietz Verlag, Berlin, n. 1, p. 142-147, 1994.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2020
  • Aceito
    01 Jul 2021
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