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A brief economic history of the Amazon (1720-1970) * * Resenha de: Costa, Francisco A. A brief economic history of the Amazon (1720-1970). Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, Center for High Amazonian Studies (NAEA); Federal University of Pará, 2019, 348p.

Francisco de Assis Costa, professor do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da UFPA desde 1989, lançou no primeiro semestre de 2019 o livro “A brief economic history of the Amazon (1720–1970)”. O trabalho resulta em parte de quatro décadas de pesquisas sobre a região amazônica - sobre as quais Costa lançou na última década aproximadamente dez livros e um grande número de artigos científicos - dado que articula e enriquece pesquisas anteriores. O livro traz, no entanto, um conjunto estimulante de novas investigações, informações e resultados.

O trabalho foi lançado em língua inglesa pela editora Cambridge Scholars Publishing, e se dedica à compreensão da realidade amazônica, abordando 250 anos de história econômica. As contribuições do trabalho são particularmente fortes pelo fato deste dedicar-se a tarefa espinhosa de reexaminar criticamente visões canônicas sobre a história da região. Essas visões, cuja força deriva em parte de seu ajuste aos cânones gerais da história econômica brasileira, são postas à prova no trabalho justamente naquilo que operam de modo mais dedutivo e lógico do que histórico e empírico. Trata-se de revisitar, e às vezes de superar, parte importante da visão econômica sobre a Amazônia que se formou por extrapolações de hipóteses e conhecimento empírico válido para o centro-sul do país, mas mal ajustado à especificidade desta parte muito grande (60%) do território brasileiro.

As contribuições do livro se apoiam em abundante informação empírica e em um bom número de inovações metodológicas e teóricas. Nenhuma das duas características é novidade na obra de Costa, como se confirma com a visita a seus trabalhos anteriores. O autor emprega com criatividade e rigor ferramentas da economia, sua disciplina de origem, mas também faz com competência uso de elementos de outras disciplinas: história, antropologia, sociologia, ciências ambientais, entre outras. É marcante também que, de dentro do campo das ciências econômicas, Costa mobilize referências teóricas e metodológicas variadas. Isto não é trivial dentro de uma disciplina na qual as fronteiras entre escolas de pensamento são notavelmente rígidas.

Um exemplo proeminente neste trabalho e anteriores, é o cálculo e a análise dinâmica dos chamados agregados macroeconômicos (renda, produto, investimento, emprego, consumo, exportação, importação, etc.) definidos em escala regional e a investigação de seu movimento no espaço-tempo histórico. Se, a princípio, não há novidade no cálculo dessas grandezas, seu emprego como ferramenta heurística na análise histórica regional resulta em exercícios de pesquisa ricos e novos para o caso da história econômica da Amazônia.

O emprego dessa técnica faz possível o uso de duas estratégias de pesquisa profícuas. Por um lado, permite usar e interligar dados oriundos de um número amplo e variado de fontes de pesquisa: documentos oficiais, literatura especializada, informações históricas, dados de relatórios, relatos de viagens, documentos cartoriais e outros. Isso é feito com muita habilidade pelo autor, com resultados importantes tratando-se de pesquisa histórica para períodos e recortes geográficos que colocam grande dificuldade ao pesquisador, inclusive quando - assumindo conscientemente certos riscos - é necessário ao autor recorrer a extrapolações, estimações e recursos similares.

Por outro lado, e isso é realmente importante para o livro, a disponibilidade de estimativas para o comportamento de agregados macroeconômicos – ou mesoeconômicos como o autor argumenta em outros trabalhos – permite recorrer a um repertório robusto de conceitos, teorias e modelos matemáticos abundantemente testados na pesquisa em economia como suporte para a investigação de realidades e dinâmicas históricas particulares da Amazônia. Não se trata de afirmar uma superioridade a priori destes modelos frente a outras formas de pesquisa em história econômica. O que se destaca é que o uso dessas ferramentas em um contexto em que é difícil descobrir e introduzir informações novas sobre a realidade histórica ou que traga à luz elementos até então desconhecidos, é uma realização que merece atenção. Articular, decompor e conhecer nuances de proxies de seu movimento é igualmente desejável e enriquecedor.

O livro foi organizado em três capítulos. O primeiro aborda o período colonial e a formação de estruturas sociais e econômicas fundamentais na região, cuja importância se projeta em todo o período de análise. O segundo capítulo se concentra na formação e desenvolvimento da economia da borracha, reexaminando aspectos chave daquele momento crucial na história da região. Finalmente o terceiro e último capítulo discute o boom e crise da economia da borracha e o pouco conhecido, mas complexo, panorama da economia amazônica entre a crise da borracha (1912) e o final da década de 1960. A seguir discutimos alguns destaques presentes em cada um destes capítulos e de que modo estes se integram ao esforço conjunto de interpretação histórica que o trabalho propõe, com base no instrumental teórico-metodológico mencionado acima.

Em sua abordagem do período colonial na Amazônia, o livro discute criticamente duas interpretações fortes da história econômica da Amazônia: 1) a validade dos chamados ciclos econômicos como chave explicativa da trajetória econômica da região e 2) a visão de que nesta região, a economia colonial não produziu riqueza nem estabilidade social; ao contrário, teria havido “resultados materiais minguados”, como disse Caio Prado Jr (1942)PRADO JÚNIOR, Caio. Do Brasil contemporâneo, formação. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942..

Contrário às duas perspectivas, Costa afirma: “in the colonial period, an expansive economy was created in Amazon, with growing productive capacity (scale of production), profitability, and stability compatible with long-term needs of reproduction” (p.85). Essa economia dinâmica e dotada de estabilidade teve como fundamento arranjos produtivos peculiares, cujos fundamentos últimos eram 1) a incorporação econômica de elementos da biodiversidade amazônica à vida econômica, a qual foi realizada por intermédio de 2) uma singular capacidade de trabalho especializado das populações indígenas e/ou caboclas. Essa economia se afirmou na região ao longo dos séculos XVII e XVIII graças a dois eventos também singulares da história amazônica: 1) a instalação das missões religiosas e sua atuação como protagonistas de um projeto peculiar de colonização sediado nos assentamentos missionários e 2) a apropriação desse sistema urbano e econômico pela administração portuguesa por meio da legislação do Diretório dos Índios, o qual teve o efeito simultâneo (e contraditório) de expandir e empobrecer esse arranjo institucional e produtivo.

O Diretório fez expandir o arranjo produtivo e institucional missionário-indígena em função dos pesados incentivos à miscigenação e a vinculação direta do sistema produtivo amazônico à lógica da colonização laica. Ao mesmo tempo essa apropriação empobreceu a dinâmica do próprio sistema, ao esterilizar uma de suas fontes fundamentais de criatividade: os parâmetros mínimos de respeito à humanidade dos indígenas destribalizados e a seu trabalho, substituindo-os por parâmetros de extração de trabalho mais violentos, intensos e desumanos. Combinadas, as duas tendências simultaneamente consolidaram e degradaram a obra do empreendimento missionário. Os 150 anos de vigência dos dois arranjos constituíram o campesinato caboclo como um elemento estrutural da economia amazônica.

Essa argumentação expõe a insuficiência tanto da visão da pobreza atávica da Amazônia colonial quanto da perspectiva dos ciclos para a compreensão da história econômica da região. Apresentam-se evidências da escala, dinamismo e criatividade da economia amazônica, tanto quanto da diversidade estrutural desta economia. Isso é feito por um estudo da divisão social e territorial do trabalho instituída em princípio pelo empreendimento missionário, cujos fundamentos eram a diversidade natural e social autóctone. Surge daí a crítica à visão de ciclos econômicos, naquilo em que ela reduz a compreensão da extensão e profundidade da vida econômica. Essa interpretação coloca nas sombras o funcionamento articulado de um sistema de produção e reprodução que não se resume ao movimento de expansão de um produto (ou conjunto de produtos) de maior visibilidade, nem se anula na medida em que este entra em movimento descendente.

Costa faz essa análise mobilizando o conceito de arranjo produtivo em um contexto no qual não é usual seu emprego. O autor tem se dedicado a explorar e expandir o sentido desse conceito em trabalhos anteriores. Por um lado, isso tem sido feito por uma aproximação com conceitos de outros campos, como trajetórias tecnológicas (Dosi, 1982DOSI, Giovanni. Technological paradigms and technological trajectories. Research Policy, v. 2, n. 3, p. 147-162, 1982.) e cadeias globais de valor (Gereffi; Klapinsky, 2001GEREFFI, Gary; KAPLINSKY, Raphael. Introduction: globalisation, value chains and development. IDS Bulletin, v. 32, n. 3, p. 1-8, 2001.). Por outro lado, essa reconstrução do conceito de arranjo produtivo tem como objetivo a elaboração de categorias meso-econômicas, que ultrapassem análises baseadas em agentes individuais como sistemas fechados. Deseja ultrapassar também análises que operam somente no elevado nível de abstração de categorias como economias nacionais ou modos de produção. É essa a tentativa no caso da investigação da economia amazônica colonial em termos de arranjos produtivos, que também é levada adiante nos dois capítulos posteriores. Nestes se destaca o esforço de trazer à luz o papel da diversidade estrutural da economia amazônica, em especial a formação, as transformações o papel económico chave exercido pelos campesinatos caboclos amazônicos nos séculos XIX e XX.

No segundo capítulo, dedicado à formação da economia da borracha, o autor mobiliza informações já conhecidas e faz uso também de informações novas, particularmente dados provenientes de registros cartoriais do séc. XIX e início do XX. Destes documentos o autor extrai tanto informações diretas, como parâmetros para estimação da produção e características da produção de látex. Essas características dizem respeito aos predicados e singularidades dos estabelecimentos produtivos. Trata-se de dados sobre mão de obra empregada, tipos de produtos, quantidades produzidas, produtividade, distribuição espacial da produção, preços, remuneração dos fatores de produção, entre outros aspectos. Tudo isso, novamente, com base no emprego do aparato de cálculo de agregados econômicos, acima mencionado.

A metodologia de estimação dos agregados econômicos setoriais-regionais, permite ao autor alcançar resultados ricos das informações que obtém de fontes diversas, articulando-as. Um dos momentos em que o autor faz uso desse tipo de procedimento é quando retira do relato de viagem do empresário norte-americano William Henry Edwards, publicado em 1847, informações para estimar as características da produção e uso do látex na década de 1840. Nesse momento, antes que o surgimento da vulcanização incorporasse o látex à produção industrial, grupos camponeses mantinham uma pequena produção artesanal de calçados, os quais iam para o mercado de Belém e, alguns poucos, até exportados para os EUA e Europa. A articulação teórica e metodológica rigorosa, mas criativa, permite superar a fragmentação e a descontinuidade das fontes, resultando em ganhos diante de um cenário de pesquisa difícil.

Neste capítulo apresentam-se evidências sobre a importância do campesinato caboclo, egressos dos processos históricos das Missões e do Diretório, para a constituição da economia da borracha. Toda a formação e funcionamento da produção nos seus primeiros 25 anos se baseou na capacidade de trabalho desses grupos sociais e em seu conhecimento profundo sobre o bioma e a biodiversidade, herdados de suas origens indígenas-caboclas. Somente a partir da década de 1880, diante do conflito entre o ímpeto de expansão da produção diante da demanda do mercado internacional e a racionalidade orientada pela eficiência reprodutiva dos campesinatos caboclos, houve empenho do capital mercantil em organizar arranjos produtivos diretamente controlado por seus interesses, os quais Costa denomina seringais mercantis por oposição aos seringais caboclos. Ainda assim, o surgimento desses seringais mercantis dependeu de um processo de aprendizado, cujo fundamento era o conhecimento prático detido pelos trabalhadores camponeses caboclos. Assim, os seringais mercantis foram constituídos com base em um aprendizado dos trabalhadores imigrantes do Nordeste do país; estes absorveram o saber e a prática do trabalho nos seringais o qual era detido pelos trabalhadores locais, caboclos. Direta e indiretamente, portanto, foi o trabalho caboclo que permitiu a expansão da capacidade produtiva do látex. Além disso, embora o aparato produtivo dos seringais mercantis tenha se tornado progressivamente o mais importante, ele não chegou a substituir por completo a produção dos seringais caboclos, permanecendo ambos importantes até o momento de crise da exportação do látex.

A discussão que o livro faz da formação e desenvolvimento da economia da borracha, confere importância às singularidades da história, do ambiente e da economia da Amazônia. Ajuda a compreender a interação entre o adensamento e diversificação da economia amazônica não através da afirmação de ausências vis a vis a experiência da região centro-sul do país. Por isso, a recusa do autor em usar o enquadramento experiência da economia da borracha no modelo interpretativo usual dos ciclos econômicos. Esse modelo, segundo o autor da obra, mais obscurece do que esclarece a história econômica da Amazônia. Isso no mínimo, porque se, por um lado, traz ao primeiro plano similaridades com processos históricos do nordeste canavieiro, das cidades mineiras, da economia cafeeira, etc., por outro, deixa de dar lugar àquilo que é histórica e espacialmente específico.

O terceiro capítulo explora o terreno mais novo, em termos teórico-metodológicos e temáticos. Costa exercita a compreensão da interação entre as dimensões interna e externa da economia regional amazônica, empregando novamente a análise de agregados econômicos, desta vez com base em modelos econômicos inspirados em trabalhos de Nicholas Kaldor, Michal Kalecki e Douglass North. Esses, outra vez, são modelos consolidados na pesquisa econômica, mas não usuais no estudo da realidade amazônica.

Vista na perspectiva dos ciclos econômicos, a quebra da economia da borracha transformou a economia amazônica em terra arrasada. Há verdade nessa argumentação. O movimento ascendente e expansivo da economia, baseado na exportação do látex, se interrompeu bruscamente em 1912 com a quebra combinada do nível de preços e de demanda pelo produto no mercado internacional. Está interrupção modificou drasticamente o cenário econômico regional, como se percebe no panorama caótico das contas públicas, na decadência urbana e, claro, na queda do valor das exportações. No entanto, na medida em que a perspectiva de ciclos se orienta por uma espécie de “macroeconomia da província primário exportadora”, ela abstrai a persistência e a adaptação de um grande número de elementos da vida econômica. Percebemos aqui que a verdade contida na argumentação dos ciclos econômicos é limitada, senão pequena.

É importante compreender como se comporta uma economia que sofre perda brusca de força de seu principal motor. Especialmente em um caso como a Amazônia do início do séc. XX. Essa economia viveu seis décadas de influxo potente de recursos por meio da manutenção e expansão de sua base exportadora. Além disso, existiam condições peculiares da região no quadro brasileiro: era uma economia relativamente isolada dos mercados do centro sul do país, com uma grande dimensão geográfica e uma rede de cidades razoavelmente antiga, interligada, ainda que de modo peculiar, por sua rede hidrográfica. Era ademais uma economia na qual existia uma constelação de recursos naturais oriundos de um bioma de grande especificidade, que vinha sendo desde o séc. XVII incorporado de modo intenso à vida econômica1 1 Em outras palavras, a economia amazônica vinha passando por movimentos de expansão e diversificação da vida material e social por um processo estável e profundo de socialização da natureza. Uso esse conceito em Silva (2017) e Silva et al. (2016) para lidar com a necessidade de delimitar a especificidade e riqueza de trajetórias de desenvolvimento nos quais a diversidade da natureza funciona como drive fundamental e não como mero suporte do processo. Nesse caso, o processo de desenvolvimento é ele mesmo um processo de socialização da natureza na medida em que acontece por meio da criação sucessiva de significados sociais com base na diversidade natural mediada pela diversidade social, um processo típico da história econômica da Amazônia, como se depreende do texto acima. . Diante disso, colocam-se pelo menos duas questões: 1) De que maneira a economia vinha se modificando por expansão e diversificação (de agentes, consumo, recursos, capacidades, estruturas, etc.) em função do dinamismo da base exportadora antes do momento da crise? 2) De que modo os agentes e os recursos existentes reagiram à crise, mantendo ou modificando suas estratégias, especialmente aqueles que decidem não se transferir para fora da região?

Com base nos ditos modelos econômicos, informados pelo papel da base exportadora na expansão e diversificação da economia, Costa explora as nuances de ambas as questões, iluminando elementos da interação entre os setores interno e externo da economia da região. Pelo menos duas questões merecem destaque. Em primeiro lugar, o autor mostra como operavam, já antes da crise, forças de modificação da produção industrial em direção à dinâmicas de substituição de importações. Mostra também como essa base industrial da região se modifica após a crise, dirigindo-se da produção ligada à demanda de alta renda para a demanda de segmentos de baixa renda, os chamados bens salário. Outra questão importante é que essa conversão econômica dirigida para a indústria foi protagonizada por capitais internos à região. Este fato coloca evidências de busca pelos agentes da região de diversificação econômica e ajustes às novas condições estruturais criadas pela economia da borracha.

Em segundo lugar, Costa retorna ao tema da importância dos campesinatos amazônicos. Os dados organizados pelo autor mostram que, de maneira nenhuma, o período pós crise da borracha pode ser compreendido numa perspectiva de estagnação e imobilismo, especialmente no caso destes grupos camponeses. Ao contrário, trata-se de um período de transformação e dinamismo nos papéis exercidos pelos campesinatos na região.

Como mostra o livro, a crise da demanda e a queda abrupta dos preços da borracha inviabilizou a existência do arranjo de seringais mercantis: a remuneração conseguida no novo cenário não cobria os custos de seu funcionamento. Assim, os grupos camponeses caboclos envolvidos na produção do látex passaram à condição de único aparato produtivo viável diante do novo regime de preços. Desta forma, os seringais caboclos mantiveram uma produção compatível com a demanda e os preços existentes, fazendo frente ao crescimento da demanda com a II Guerra e a posterior expansão da demanda da indústria paulista. Entretanto – e essa é uma questão chave - a viabilidade da oferta dependia da condição relativamente autônoma desses camponeses amazônicos. Isso lhes permitia empregar – à maneira camponesa usual - parte de sua força de trabalho familiar na produção de condições de reprodução, favorecida enormemente pelos recursos peculiares do bioma.

Essa capacidade de permanecer e se adaptar permitiu aos camponeses renovar e ampliar muito a base exportadora2 2 Conceito devido a North (1977). baseada no extrativismo, produzindo novos e importantes produtos, como a castanha-do-pará e o cacau, além de outros de menor expressão. Esse aspecto mostra o quanto a visão recorrente da economia extrativista como estagnada e reativa não corresponde à verdade histórica.

Já os grupos camponeses controlados pelo arranjo de seringais mercantis, diante da desmobilização destes, assumiram outras estratégias econômicas. Havia em primeiro lugar a possibilidade de integrar-se ao modelo já exposto da produção extrativa. Em grande parte, porém, esses grupos integraram-se às duas novas frentes na produção agrícola regional, ambas se expandindo rapidamente nas décadas seguintes à crise. Uma destas estratégias foi permanecer nas antigas regiões em que trabalhavam nos seringais, mas dedicar-se à produção agrícola de alimentos, voltada para o autoconsumo ou comercialização de excedentes nos mercados locais. A outra opção foi deslocar-se para a proximidade dos centros urbanos de maior expressão, como Marabá, Santarém e Belém, dedicando-se à produção de alimentos para o abastecimento destes grandes mercados. Uma das áreas onde essa estratégia se afirmou mais intensamente foi a região Bragantina, onde já havia desde o séc. XVII uma firme capacidade produtiva de alimentos, para o abastecimento da capital. Em todos esses casos, o autor mostra que o rearranjo da atividade camponesa criou uma expansão vigorosa da produção agrícola na Amazônia.

Não são poucas, como se nota, as razões para a leitura atenta da obra A brief economic history of the Amazon. Ela, no mínimo, reabre com competência e rigor debates importantes para a compreensão mais refinada da história da região. Mais do que isso, pode-se afirmar, coloca com competência um conjunto efetivamente novo de aberturas e caminhos para o estudo da Amazônia no séc. XXI.

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    Resenha de: Costa, Francisco A. A brief economic history of the Amazon (1720-1970). Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, Center for High Amazonian Studies (NAEA); Federal University of Pará, 2019, 348p.
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    Em outras palavras, a economia amazônica vinha passando por movimentos de expansão e diversificação da vida material e social por um processo estável e profundo de socialização da natureza. Uso esse conceito em Silva (2017)SILVA, Harley. Socialização da natureza e alternativas de desenvolvimento na Amazônia Brasileira. Tese (Doutorado)–Cedeplar-UFMG, Belo Horizonte, 2017. e Silva et al. (2016)SILVA, Harley; SPARN, Jakob O. W.; VIEIRA, Renata G. Development? Thinking the future through a urban-natural perspective. Nova Economia, v. 26, p. 1157-1186, 2016. para lidar com a necessidade de delimitar a especificidade e riqueza de trajetórias de desenvolvimento nos quais a diversidade da natureza funciona como drive fundamental e não como mero suporte do processo. Nesse caso, o processo de desenvolvimento é ele mesmo um processo de socialização da natureza na medida em que acontece por meio da criação sucessiva de significados sociais com base na diversidade natural mediada pela diversidade social, um processo típico da história econômica da Amazônia, como se depreende do texto acima.
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    Conceito devido a North (1977)NORTH, Douglass C. Teoria da localização e crescimento econômico regional. In: SCHWARTZMAN, Jacques. Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: Cedeplar, 1977. p. 291-313..

Referências bibliográficas

  • COSTA, Francisco A. A brief economic history of the Amazon (1720-1970) Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, Center for High Amazonian Studies (NAEA); Federal University of Pará, 2019, 348p.
  • DOSI, Giovanni. Technological paradigms and technological trajectories. Research Policy, v. 2, n. 3, p. 147-162, 1982.
  • GEREFFI, Gary; KAPLINSKY, Raphael. Introduction: globalisation, value chains and development. IDS Bulletin, v. 32, n. 3, p. 1-8, 2001.
  • NORTH, Douglass C. Teoria da localização e crescimento econômico regional. In: SCHWARTZMAN, Jacques. Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: Cedeplar, 1977. p. 291-313.
  • PRADO JÚNIOR, Caio. Do Brasil contemporâneo, formação. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942.
  • SILVA, Harley. Socialização da natureza e alternativas de desenvolvimento na Amazônia Brasileira Tese (Doutorado)–Cedeplar-UFMG, Belo Horizonte, 2017.
  • SILVA, Harley; SPARN, Jakob O. W.; VIEIRA, Renata G. Development? Thinking the future through a urban-natural perspective. Nova Economia, v. 26, p. 1157-1186, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2020
  • Aceito
    01 Jul 2021
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