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Políticas de preços e consumo alimentar de acordo com o IMC do chefe do domicílio * * Os autores agradecem o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Capes/Cnpq).

Price policies and food consumption according to the body mass index (BMI) of head of household

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar o efeito de uma política de impostos e subsídios sobre os produtos alimentícios consumidos pelas famílias classificadas de acordo com o IMC do chefe de domicílio. Para isso, foi utilizado o Quadratic Almost Ideal Demand System juntamente com os microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008-2009. Os resultados apontam que domicílios com diferentes tipos de chefes (não obesos, sobrepeso e obeso) possuem elasticidades-preço e renda com sinais semelhantes, mas magnitudes distintas. Adicionalmente, com base nas elasticidades, cenários em que se tributam alimentos mais calóricos e isentam frutas e verduras produzem mudanças significativas no consumo nas famílias.

Palavras-chave:
Quaids; IMC; Demanda de alimentos; Obesidade

Abstract

The objective of this paper is to analyze the effect of a tax and subsidy policy on food consumption according to the BMI of the head of household. A Quadratic Almost Ideal Demand System along with the microdata from the 2008-2009 Household Budget Survey were used. The results show that, first, households with different types of heads (non-obese, overweight and obese) have price and income elasticities with similar signs, but different magnitudes. In addition, based on elasticities, scenarios in which more caloric foods are taxed while fruits and vegetables are excluded have produced significant changes in household consumption among the different households.

Keywords:
Quaids; BMI; Brazilian food demand; Obesity

1 Introdução

Ao longo das últimas décadas, a demanda por alimentos da população tem sido afetada por diversos fatores, como urbanização, alterações na composição demográfica, participação feminina no mercado de trabalho, insegurança alimentar, falta de atividades físicas e problemas emocionais (Cutler et al., 2003CUTLER, D. M.; GLAESER, E. L.; SHAPIRO, J. M. Why have Americans become more obese? Journal of Economic perspectives, v. 17, n. 3, p. 93-118, 2003. Available at: https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/089533003769204371. Acesso em: 18 jan. 2021.
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; Pereda, 2008PEREDA, P. C. Estimação das equações de demanda por nutrientes usando o modelo Quadratic Almost Ideal Demand System (Quaids). 2008. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-04092008-105503/pt-br.php. Acesso em: 25 jan. 2020.
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; Bonnet et al., 2014BONNET, C.; DUBOIS, P.; OROZCO, V. Household food consumption, individual caloric intake and obesity in France. Empirical Economics, v. 46, n. 3, p. 1143-1166, 2014. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s00181-013-0698-1. Acesso em: 23 set. 2020.
https://link.springer.com/article/10.100...
; Costa et al., 2014COSTA, L. V.; SILVA, M. M. C.; BRAGA, M. J.; LÍRIO, V. S. Fatores associados à segurança alimentar nos domicílios brasileiros em 2009. Economia e Sociedade, v. 23, n. 2, p. 373-394, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-06182014000200004. Acesso em: 18 Jan. 2019.
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). A junção desses fatores tem levado a uma dieta com maior proporção de açúcares e gorduras saturadas, que é percebida como uma tendência global e não mais apenas de países desenvolvidos (Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
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; Silva, 2016SILVA, M. M. C. Padrão de consumo alimentar e estado nutricional dos jovens brasileiros. Tese (Doutorado)-Universidade de São Paulo, 2016. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-25112016-144247/en.php. Acesso em: 18 out. 2020.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
).

Ademais, com a evolução tecnológica, como embalagem a vácuo, sabor artificial e microondas, o tempo de preparo dos alimentos tornou-se menor, enquanto o período de conservação mais extenso e a quantidade calórica maior. Exemplos mais conhecidos desses alimentos são a batata congelada (Cutler et al., 2003CUTLER, D. M.; GLAESER, E. L.; SHAPIRO, J. M. Why have Americans become more obese? Journal of Economic perspectives, v. 17, n. 3, p. 93-118, 2003. Available at: https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/089533003769204371. Acesso em: 18 jan. 2021.
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) e alimentos prontos congelados para serem aquecidos no micro-ondas (Bonnet et al., 2014BONNET, C.; DUBOIS, P.; OROZCO, V. Household food consumption, individual caloric intake and obesity in France. Empirical Economics, v. 46, n. 3, p. 1143-1166, 2014. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s00181-013-0698-1. Acesso em: 23 set. 2020.
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). Alimentos industrializados são, em geral, ricos em açúcar, sal e gordura, os quais correspondem a nutrientes recompensadores que, quando consumidos em grandes quantidades, podem até causar vício alimentar (Sawaya; Filgueiras, 2013SAWAYA, A. L.; FILGUEIRAS, A. “Abra a felicidade”? Implicações para o vício alimentar. Estudos Avançados, v. 27, n. 78, p. 53-70, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v27n78/05.pdf Acesso em: 26 jun. 2020.
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). Logo, o aumento da ingestão de calorias corresponde a um fator que tem auxiliado no ganho de peso da população mundial, levando ao desbalanceamento energético e, consequentemente, ao ganho de massa corpórea (Bonnet et al., 2014BONNET, C.; DUBOIS, P.; OROZCO, V. Household food consumption, individual caloric intake and obesity in France. Empirical Economics, v. 46, n. 3, p. 1143-1166, 2014. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s00181-013-0698-1. Acesso em: 23 set. 2020.
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; Harding; Lovenheim, 2017HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
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).

A obesidade aumenta consideravelmente o risco de desenvolver outras doenças, como diabetes, hipertensão, cardiopatias e câncer (Bonnet et al., 2014BONNET, C.; DUBOIS, P.; OROZCO, V. Household food consumption, individual caloric intake and obesity in France. Empirical Economics, v. 46, n. 3, p. 1143-1166, 2014. Available at: https://link.springer.com/article/10.1007/s00181-013-0698-1. Acesso em: 23 set. 2020.
https://link.springer.com/article/10.100...
; Harding; Lovenheim, 2017HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
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). Além de levar a outras enfermidades, há evidências de que indivíduos obesos tendem a ser menos produtivos (Burton et al., 1999BURTON, W. N.; CONTI, D. J.; CHEN, C. Y.; SCHULTZ, A. B.; EDINGTON, D. W. The role of health risk factors and disease on worker productivity. Journal of Occupational and Environmental Medicine, v. 41, n. 10, p. 863-877, 1999. Available at: https://journals.lww.com/joem/Fulltext/1999/10000/The_Role_of_Health_Risk_Factors_and_Disease_on.7.aspx?casa_token=uLZrUbCPYjQAAAAA:sqTvml8grx25otbD6auoG1hgI9kj2QF0K_z_oAHjpYnf68ZiCb89Uxjt2frx7S7cy-7pjTS4Wa8yl2JhP_pIwW279Q. Acesso em: 23 set. 2020.
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) e mais propícios a faltar o trabalho (Cournot et al., 2006COURNOT, M. C. M. J.; MARQUIE, J. C.; ANSIAU, D.; MARTINAUD, C.; FONDS, H.; FERRIERES, J.; RUIDAVETS, J. B. Relation between body mass index and cognitive function in healthy middle-aged men and women. Neurology, v. 67, n. 7, p. 1208-1214, 2006. Available at: https://n.neurology.org/content/67/7/1208. Acesso em: 20 ago. 2020.
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). Adicionalmente, tem-se que pessoas com sobrepeso e em condição de obesidade são os que mais utilizam serviços médicos, submetem-se a um maior número de procedimentos cirúrgicos e recebem duas vezes mais prescrições médicas quando comparadas às pessoas saudáveis (OCDE, 2019ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The heavy burden of obesity: the economics of prevention. OECD Health Policy Studies, OECD Publishing, Paris, 2019. Available at: https://read.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/the-heavy-burden-of-obesity_67450d67-en#page8. Acesso em: 25.jan. 2020.
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). Estima-se que no mundo o sobrepeso será responsável por 70% de todos os custos com diabetes, 23% dos custos de cardiopatias e 9% dos custos com tratamentos de cânceres, considerando um horizonte de 2020 a 2050 (OCDE, 2019ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The heavy burden of obesity: the economics of prevention. OECD Health Policy Studies, OECD Publishing, Paris, 2019. Available at: https://read.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/the-heavy-burden-of-obesity_67450d67-en#page8. Acesso em: 25.jan. 2020.
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). Dessa forma, o problema da obesidade acaba afetando economicamente e emocionalmente não apenas o indivíduo, mas, também, a empresa onde trabalha e a família que ele/ela convive (Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
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).

Influências genéticas, metabólicas, comportamentais e ambientais também são fatores associados ao ganho de peso e à obesidade (Stein; Colditz, 2004STEIN, C. J.; COLDITZ, G. A. The epidemic of obesity. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 89, n. 6, p. 2522-2525, 2004. Available at: https://doi.org/10.1210/jc.2004-0288. Acesso em: 18 jan. 2020.
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). Entretanto, tem sido argumentado que o grande aumento de indivíduos na condição de obesidade é consequência da junção do meio em que vivem e da forma como vivem (Stein; Colditz, 2004STEIN, C. J.; COLDITZ, G. A. The epidemic of obesity. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 89, n. 6, p. 2522-2525, 2004. Available at: https://doi.org/10.1210/jc.2004-0288. Acesso em: 18 jan. 2020.
https://doi.org/10.1210/jc.2004-0288...
; Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
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).

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que a obesidade mundial quase triplicou desde 1975 e que 39% dos adultos com idade igual ou superior a 18 anos apresentavam sobrepeso e 13% eram obesos em 2016 (WHO, 2018WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. Obesity and overweight. Newsroom, 2018. Available at: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight. Acesso em: jan. 2019.
https://www.who.int/en/news-room/fact-sh...
). Portanto, o consumo de alimentos não tão nutritivos e saudáveis, bem como o sedentarismo, têm apresentado sérias consequências à saúde da população de países desenvolvidos e em desenvolvimento (WHO; FAO, 2002WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO; FOOD AND AGRICULTURAL ORGANIZATION – FAO. Diet Nutrition and the prevention of chronic diseases. (WHO Technical Report Series, n. 916). Report of a Joint WHO/FAO Expert Consultation, Geneva, 2002. Available at: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42665/WHO_TRS_916.pdf;jsessionid=C27D2B4C095DE271062EB2556C888600?sequence=1. Acesso em: 18 jan. 2020.
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).

Essa tendência de ganho de peso também se confirma para o Brasil segundo o IBGE (2010b)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil: Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. 2010b. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv45419.pdf. Acesso em: 15 out. 2019.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Independente da faixa etária, observa-se um aumento expressivo de pessoas com sobrepeso ou obesidade ao longo das últimas décadas (IBGE, 2010bINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil: Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. 2010b. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv45419.pdf. Acesso em: 15 out. 2019.
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). Nos últimos 40 anos, de 1975 a 2016, a prevalência de excesso de peso em adultos aumentou de 24,6% para 57,6% para os homens e de 30,2% para 55,4% para as mulheres (Ritchie; Roser, 2019RITCHIE, H; ROSER, M. Obesity. 2019. Available at: https://ourworldindata.org/obesity. Acesso em: 14 out. 2019.
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). No mesmo período, nos Estados Unidos, a prevalência de obesidade aumentou de 3% para 18,5% para homens e de 7,3% para 25,4% para mulheres (Ritchie; Roser, 2019RITCHIE, H; ROSER, M. Obesity. 2019. Available at: https://ourworldindata.org/obesity. Acesso em: 14 out. 2019.
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).

O objetivo deste estudo é estimar primeiramente um sistema de demanda e elasticidadespreço e -dispêndio por bens alimentícios segundo a característica do chefe de família considerado saudável, com sobrepeso ou obeso definida com base no IMC (Índice de Massa Corporal) a partir dos microdados da POF 2008-20091 1 Ressalta-se que o uso de dados mais recentes, por exemplo, a POF 2017-2018 do IBGE, também foi considerada para fins comparativos; no entanto, informações antropométricas dos indivíduos necessárias para a realização do presente estudo não foram incluídas no levantamento de campo nesta edição da POF. .

Pretende-se verificar se famílias cujos chefes são considerados obesos apresentariam demandas inelásticas por alimentos ricos em açúcar ou gordura saturada em relação ao não obesos, por exemplo. Adicionalmente, com base nas elasticidades calculadas, pretende-se simular cenários em que se tributam alimentos ricos em açúcar e sódio e se subsidiam frutas e legumes com o intuito de entender sua eficiência em proporcionar uma alimentação mais balanceada para as famílias. Sabese que a utilização da tributação de alimentos e/ou nutrientes como estímulo à alimentação mais saudável pode incorrer em custos para a sociedade, enquanto os benefícios relacionados à saúde da população gerados por essa intervenção poderiam sobressair significativamente sobre os gastos advindos da tributação. No entanto, a literatura que tem apontado que uma das principais formas de incentivar o consumo de alimentos mais saudáveis seja feita através de tributos sobre alimentos com alto teor de gordura saturada, sódio ou açúcar ainda é escassa (Schroeter et al., 2008SCHROETER, C; LUSK, J.; TYNER, W. Determining the impact of food price and income changes on body weight. Journal of Health Economics, v. 27, n. 1, p. 45-68, 2008. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629607000355?casatoken=ENsNUQfTS10AAAAA:44VjSW63cOH7ALBl7lXD3rdZQArcWYr68HKpIs-shd4lb4yoPo8KPXhgMyMABiWdz2CJWp-g. Acesso em: 26 jun. 2020.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
; Claro; Monteiro, 2010CLARO, R. M.; MONTEIRO, C. A. Renda familiar, preço de alimentos e aquisição domiciliar de frutas e hortaliças no Brasil. Revista de Saúde Pública, v. 44, n. 6, p. 1014-1020, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rsp/v44n6/1401.pdf. Acesso em: 22 dez. 2019.
https://www.scielo.br/pdf/rsp/v44n6/1401...
; Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
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; Harding; Lovenheim, 2017HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
). Logo, entende-se que analisar os efeitos dos impostos sobre a demanda de alimentos consiste em exercício importante, pois oferecerá aos formuladores de políticas públicas informações relevantes para a construção de instrumentos que tenham como alvo combater a crescente incidência da obesidade populacional e melhorar a qualidade de vida da população.

Adicionalmente, apesar da literatura nacional já contar com vários trabalhos que estimam sistemas de demanda e elasticidades-preço e -dispêndio, como Coelho, Aguiar e Eales (2010)COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D.; EALES, J. S. Food demand in Brazil: an application of Shonkwiler & Yen Two-Step estimation method. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 186-211, 2010. Available at: https://www.scielo.br/j/ee/a/MHNHmkKbFCsHsfTNbpZgTsS/?format=pdf⟨=en. Acesso em: 04 out. 2021.
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, Leifert e Lucinda (2015)LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
, Alves, Menezes e Bezerra (2007)ALVES, D.; MENEZES, T.; BEZERRA, F. Estimação do sistema de demanda censurada para o Brasil: utilizando dados de pseudopainel. Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, v. 2, p. 485-514, 2007. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3253/2/Gasto%20e%20consumo%20das%20fam%c3%adlias%20brasileiras%20contempor%c3%a2neas%20-%20v.%202.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
, Pereda (2008)PEREDA, P. C. Estimação das equações de demanda por nutrientes usando o modelo Quadratic Almost Ideal Demand System (Quaids). 2008. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-04092008-105503/pt-br.php. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/1...
, Coelho e Aguiar (2007)COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D. O modelo quadratic almost ideal demand system (Quaids): uma aplicação para o Brasil. Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, v. 2, p. 485-514, 2007. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3253/2/Gasto%20e%20consumo%20das%20fam%c3%adlias%20brasileiras%20contempor%c3%a2neas%20-%20v.%202.pdf. Acesso em: 22 dez. 2019.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
, Pintos-Payeras (2009)PINTOS-PAYERAS, J. A. Estimação do sistema quase ideal de demanda para uma cesta ampliada de produtos empregando dados da POF de 2002-2003. Economia Aplicada, v. 13, n. 2, p. 231-255, 2009. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ecoa/article/view/1007/1019. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.revistas.usp.br/ecoa/article...
, Menezes, Azzoni, Silveira (2008)MENEZES, T. A.; AZZONI, C. R.; SILVEIRA, F. G. Demand elasticities for food products in Brazil: a two-stage budgeting system. Applied Economics, v. 40, n. 19, p. 2557-2572, 2008. Available at: https://doi.org/10.1080/00036840600970187. Acesso em: 4 out. 2021.
https://doi.org/10.1080/0003684060097018...
, este estudo pretende estimar sistemas de demanda por alimentos e contribuir com evidências adicionais sobre as elasticidades considerando características físicas dos membros familiares, chefe de família no caso em questão.

Este artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A seção 2 é composta da estratégia empírica adotada. A seção 3 descreve os dados, as variáveis e quais foram os filtros empregados para se compor a amostra final. A seção 4 traz os resultados das elasticidades-dispêndio, -preço não compensada, bem como as implicações sobre o consumo alimentar e de nutrientes diante de cenários de tributação/subsídios propostos. Por fim, as conclusões são apresentadas na seção 5.

2 Metodologia

2.1 Modelo Quaids

Banks et al. (1997)BANKS, J.; BLUNDELL, R.; LEWBEL, A. Quadratic Engel curves and consumer demand. Review of Economics and Statistics, v. 79, n. 4, p. 527-539, 1997. Available at: https://www.mitpressjournals.org/doi/pdf/10.1162/003465397557015. Acesso em: 25 jun. 2020.
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, partindo do problema da não linearidade existente nas relações de demanda dos bens e renda dos indivíduos, desenvolveram o modelo Quadratic Almost Ideal Demand System (Quaids)2 2 A formalização completa do modelo Quaids está omitida no presente trabalho; no entanto, pode ser encontrada nos trabalhos de Coelho e Aguiar (2007); Pereda (2008); Travassos e Coelho (2015) e Zanin et al. (2019). , ao qual é acrescentado o logaritmo da renda ao quadrado ao modelo AIDS de Deaton e Muellbauer (1980)DEATON, A.; MUELLBAUER, J. An almost ideal demand system. The American Economic Review, v. 70, n. 3, p. 312-326, 1980. Available at: https://www.jstor.org/stable/1805222?seq=1. Acesso em: 20 ago. 2020.
https://www.jstor.org/stable/1805222?seq...
, captando, assim, as não linearidades supracitadas. Ademais, nesta especificação de um sistema de demanda mais flexível, a imposição de restrições de aditividade, homogeneidade e simetria mantém a consistência com a teoria da demanda (Pereda, 2008PEREDA, P. C. Estimação das equações de demanda por nutrientes usando o modelo Quadratic Almost Ideal Demand System (Quaids). 2008. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-04092008-105503/pt-br.php. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/1...
). O modelo Quaids permite que determinado bem seja classificado como bem de luxo para algumas faixas de renda e bem necessário para outras, compondo, assim, os “caminhos de expansão da renda” (Banks; Blundell; Lewbel, 1997BANKS, J.; BLUNDELL, R.; LEWBEL, A. Quadratic Engel curves and consumer demand. Review of Economics and Statistics, v. 79, n. 4, p. 527-539, 1997. Available at: https://www.mitpressjournals.org/doi/pdf/10.1162/003465397557015. Acesso em: 25 jun. 2020.
https://www.mitpressjournals.org/doi/pdf...
; Harding; Lovenheim, 2017HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
; Zanin; Bacchi; Almeida, 2019ZANIN, V.; BACCHI, M. R. P.; ALMEIDA, A. T. C. A demanda domiciliar por arroz no Brasil: abordagem por meio do sistema Quaids em 2008/2009. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 2, p. 234-252, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/0103-2003-resr-57-2-234.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/010...
). Essa foi a principal característica que levou à escolha para utilização desse modelo no estudo; uma vez que se pretende analisar o efeito de impostos sobre o gasto com alimentos, o Quaids permite que as famílias, em diversos pontos da distribuição de renda, respondam de forma diferente ao mesmo imposto (Harding; Lovenheim, 2017HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
).

Entretanto, para implementar o modelo Quaids, uma limitação natural encontrada ao se trabalhar com bases de dados de complexa execução, como o caso das POFs, é que determinadas famílias podem registrar valores nulos para alguns gastos mensais (IBGE, 2010aINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro, 2010a. 222p. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009/POFpublicacao.pdf. Acesso em: 15 out. 2019.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
)3 3 A Tabela A1 no Apêndice apresenta para cada um dos grupos alimentícios analisados da POF 2008/2009, o percentual de domicílios cujo consumo do referido produto foi zero utilizando os fatores de expansão. Percebe-se que, para todos os grupos considerados, há um elevado percentual de gastos nulos, comprovando, assim, a importância em se incorporar na análise as famílias com gastos zero. . Existem três possíveis causas que levam as famílias a possuírem consumo zero: i) consumo zero permanente, no qual a família não adquire o bem por motivos não econômicos, por exemplo famílias muçulmanas que não consomem carne suína (Zanin et al., 2019ZANIN, V.; BACCHI, M. R. P.; ALMEIDA, A. T. C. A demanda domiciliar por arroz no Brasil: abordagem por meio do sistema Quaids em 2008/2009. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 2, p. 234-252, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/0103-2003-resr-57-2-234.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/010...
); ii) consumo zero como solução de canto, no qual a família opta por não gastar com o bem, dada suas preferências e restrição orçamentária e; iii) consumo zero no período de entrevista, no qual a família não comprou o determinado bem durante o tempo de coleta da entrevista da pesquisa por já possuir o bem em sua dispensa (estoque). Portanto, para tratar o problema da censura nos dados a estratégia empírica utilizada neste estudo é o procedimento em dois estágios apresentado por Shonkwiler e Yen (1999)SHONKWILER, J. S.; YEN, S. T. Two-step estimation of a censored system of equations. American Journal of Agricultural Economics, v. 81, n. 4, p. 972-982, 1999. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.2307/1244339. Acesso em: 18 out. 2020.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
.

O primeiro estágio deste procedimento é composto por um modelo Probit em que se analisa se o domicílio adquiriu ou não determinado bem, tendo como variável dependente uma dummy que assume valor 1 quando o domicílio adquiriu o bem e como variáveis independentes, preço do bem, número total de moradores, número de filhos, idade, estudo, gênero e raça do chefe de família, logaritmo natural da renda familiar, dummieis de região e dummy para região urbana. Com base nestas estimações, calcula-se a função de densidade de probabilidade (f.d.p.) e função distribuição acumulada (f.d.a.). Já o segundo estágio consiste na estimação da forma funcional para a demanda (modelo Quaids no caso em questão) em que se incorpora os valores da f.d.p. e f.d.a. calculados no primeiro estágio. Esse método tem sido comumente empregado por trabalhos que abordam sistemas de demanda (Coelho; Aguiar, 2007COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D. O modelo quadratic almost ideal demand system (Quaids): uma aplicação para o Brasil. Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, v. 2, p. 485-514, 2007. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3253/2/Gasto%20e%20consumo%20das%20fam%c3%adlias%20brasileiras%20contempor%c3%a2neas%20-%20v.%202.pdf. Acesso em: 22 dez. 2019.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
; Travassos; Coelho, 2015TRAVASSOS, G. F.; COELHO, A. B. A questão da separabilidade fraca na estimação de sistemas de demanda de carnes no Brasil. Economia Aplicada, v. 19, n. 3, p.507-539, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ecoa/v19n3/1413-8050-ecoa-19-03-0507.pdf Acesso em: 18 jan. 2021.
https://www.scielo.br/pdf/ecoa/v19n3/141...
).

Em linhas gerais, o sistema de demanda a ser estimado neste estudo pode ser escrito da seguinte forma:

(1) w i n = Φ ( Z i n a ^ i ) ( k = 1 n θ i k V k + j = 1 n γ i j ln p j + β i ln [ m a ( p ) ] + λ i b ( p ) { ln [ m a ( p ) ] } 2 ) + δ i ϕ ( Z i n a ^ i ) + ϑ i υ n + η i n

em que i = 1, …, 8, corresponde aos grupos alimentícios a serem analisado e n = 1, …, N, sendo que N, o número de famílias analisadas, se altera conforme a especificação do chefe de família.

win=pinqinm corresponde à parcela do gasto total com o bem i para a família n;

Vk corresponde a variáveis demográficas que captam a heterogeneidade entre as famílias, a saber: número total de moradores no domicílio, número de filhos, idade, estudo, gênero e raça do chefe de família e dummy para domicílios na região urbana;

pj corresponde ao preço do bem j;

m corresponde ao dispêndio total com i bens;

ln a(p) corresponde a um índice de preço (na forma de uma função translog), lna(p)=α0+i=1nαilnpi+12i=1ni=1nγijlnpilnpj;

b(p) corresponde a um agregador de preço do tipo Cobb-Douglas, b(p)=Πi=1npiβi;

Φ(Zina^i) corresponde à função de distribuição acumulada da distribuição normal avaliada em Zinαi calculada no primeiro estágio (modelo Probit);

Φ(Zina^i) corresponde à função de densidade de probabilidade da distribuição normal avaliada em Zinαi calculada no primeiro estágio (modelo Probit);

vn corresponde aos resíduos estimados da equação reduzida conforme procedimento sugerido por Blundell e Robin (1999)4 4 Com o intuito de contornar a questão da endogeneidade das despesas totais, Blundell e Robin (1999) sugerem estimar uma equação na forma reduzida, tendo como variável dependente a despesa domiciliar total com alimentos, lnmn=a0+Λ′Zn+Λ′lnpn+eylnYn+υn no qual Z e p são vetores de variáveis demográficas (número total de moradores na família, número total de filhos na família, idade do chefe de família, estudo do chefe, dummy de gênero do chefe, dummy de cor do chefe, dummies estaduais e dummy para região urbana) e de preços, respectivamente; Yn corresponde à renda total mensal domiciliar e ey é a elasticidade-renda da despesa com o grupo alimentos. ;

θi, γij, βi, λi, ϑi são parâmetros a serem estimados;

ηin corresponde ao erro aleatório.

O sistema de demanda adotado pelo presente trabalho será estimado empregando-se o método do Iterative Feasible Generalized Nonlinear Least Squares (IFGNLS)5 5 O método do IFGLS é indicado quando há indícios de que os erros das regressões a serem estimadas estão correlacionados (correlação contemporânea), produzindo assim estimativas mais eficientes do que obtidas pelo método OLS (Wooldridge, 2007). e o programa usado foi o STATA/MP 14, utilizando, para isso, ajustes publicados em duas edições do The STATA Journal por Poi (2002)POI, B. P. From the help desk: demand system estimation. The Stata Journal, v. 2, n. 4, p. 403-410, 2002. Available at: https://www.stata-journal.com/sjpdf.html?articlenum=st0029. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www.stata-journal.com/sjpdf.html...
e Poi (2008)POI, B. P. Demand-system estimation: update. The Stata Journal, v. 8, n. 4, p. 554-556, 2008. Available at: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1536867X0800800407. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10....
. Uma vez estimado o modelo, parte-se para os cálculos das elasticidades de dispêndio e preço não compensada (marshaliana), seguindo os trabalhos de Banks et al. (1997)BANKS, J.; BLUNDELL, R.; LEWBEL, A. Quadratic Engel curves and consumer demand. Review of Economics and Statistics, v. 79, n. 4, p. 527-539, 1997. Available at: https://www.mitpressjournals.org/doi/pdf/10.1162/003465397557015. Acesso em: 25 jun. 2020.
https://www.mitpressjournals.org/doi/pdf...
e Lazaridis (2004)LAZARIDIS, P. Demand elasticities derived from consistent estimation of Heckman-type models. Applied Economics Letters, v. 11, n. 8, p. 523-527, 2004. Available at: https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/1350485042000207234?needAccess=true. Acesso em: 3 mar. 2020.
https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1...
.

2.2 Cálculo IMC

De acordo com WHO (2000)WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva, 2000. (WHO Technical Report Series, n. 894). Available at: http://apps.who.int/bmi/index.jsp?introPage=intro_5.html. Acesso em: jan. 2019.
http://apps.who.int/bmi/index.jsp?introP...
, o Índice de Massa Corporal (IMC) é definido como a razão entre o peso (em quilogramas) e o comprimento decúbito ou altura de pé (ao quadrado). A Tabela 1 mostra a classificação de adultos com base nos valores do IMC adotada pela WHO.

Tabela 1
Classificação de adultos de acordo com o IMC

2.3 Cenários de tributação e subsídio

Após o cálculo das elasticidades dispêndio e preço, são propostos cenários (a serem discutidos na análise dos resultados) de tributação e subsídio para verificar os possíveis efeitos sobre a demanda dos bens alimentícios e se estes divergem de acordo com a característica do chefe de família. Estes cenários visam essencialmente simular políticas que estimulem uma alimentação mais saudável e balanceada. Com base nisso, os nutrientes escolhidos para tributação foram o sódio e o açúcar. O consumo excessivo de sódio está relacionado a doenças cardíacas e hipertensão (Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
). Já o consumo exagerado de açúcar, além de ser um dos principais fatores que levam à obesidade (Enes; Slater, 2010ENES, C. C.; SLATER, B. Obesidade na adolescência e seus principais fatores determinantes. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 13, p. 163-171, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbepid/v13n1/15.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.
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), principalmente entre os adolescentes, também pode contribuir no desenvolvimento de doenças como diabetes. Para indivíduos com sobrepeso e obesos, o consumo de sódio e açúcar corresponde a fatores agravantes no desenvolvimento dessas doenças (Veiga et al., 2013VEIGA, G V.; COSTA, R S. D.; ARAÚJO, M. C; SOUZA, A. D. M.; BEZERRA, I. N.; BARBOSA, F. D. S.; PEREIRA, R. A. Inadequate nutrient intake in Brazilian adolescents. Revista de Saúde Pública, v. 47, p. 212-221, 2013. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rsp/2013.v47suppl1/212s-221s/en. Acesso em: 18 jan. 2020.
https://www.scielosp.org/pdf/rsp/2013.v4...
).

Após a introdução do imposto/subsídio no preço do produto alimentício6 6 Vale ressaltar que a tributação sobre os grupos alimentícios deve ser vista como um aumento direto em seu preço. Por exemplo, se uma tributação de 5% incidir sobre o grupo de cereais, deve-se entender que os preços de todos os produtos pertencentes a esse grupo aumentarão em 5%. Neste estudo, não se consideram os efeitos da tributação sobre o lado da oferta, apenas sobre a demanda dos consumidores. Harding e Lovenheim (2017) apontam que, a curto prazo, ignorar os efeitos sobre o lado da oferta não traz grandes desvantagens à análise em questão. , a quantidade demandada irá se alterar conforme a elasticidade calculada com base no modelo Quaids. Formalmente, a mudança na demanda pode ser escrita como:

(2) Δ Q i = e i Δ P i

em que ΔQi representa a mudança percentual na demanda de cada produto alimentício i após o imposto/subsídio; enquanto ΔPi representa a mudança percentual no preço de cada produto alimentício i com imposto/subsídio e ei* corresponde a elasticidade preço marshaliana do produto i (Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
). À título de ilustração, considere que o governo decidiu taxar o grupo de alimentos panificados em 15%, ou seja, o preço de todos os alimentos pertencentes a esse grupo aumentará em 15% (∆Pi = 15% = 0,15). Assim, se determinada família possui uma elasticidadepreço própria para o grupo de panificados igual a −0,7 (ei* = −0,7), sua quantidade demandada irá se reduzir em 0,7% após o aumento de 1% no preço de tal mercadoria. Dessa forma, a mudança final na quantidade demandada será igual a ∆Qi = 0,15 * (-0,7) = −0,105 = −10,5%, ou seja, a demanda dessa família irá se reduzir em 10,5%.

3 Dados

A base de dados utilizada neste estudo é a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) de 2008-2009 desenvolvida pelo IBGE, que teve início em 19 de maio de 2008 e término em 18 de maio de 2009. A POF 2008-2009 possui abrangência nacional e entrevistou 55.970 domicílios, nas zonas rurais e urbanas, representando um total de 57.816.604 domicílios quando aplicados os fatores de expansão.

A POF 2008-2009 contém informações sobre o arranjo dos orçamentos domésticos através da avaliação dos hábitos de consumo, alocação de gastos e da distribuição dos rendimentos, conforme as características dos domicílios e dos indivíduos. Ao todo, contém 7 blocos de pesquisa: Questionário de Características do Domicílio e dos Moradores; Questionário de Aquisição Coletiva; Caderneta de Aquisição Coletiva; Questionário de Aquisição Individual; Questionário de Trabalho e Rendimento Individual; Avaliação das Condições de Vida e Bloco de Consumo Alimentar Pessoal. O mês de referência para os valores da pesquisa é janeiro de 2009 e a unidade de referência utilizada neste estudo é o domicílio7 7 Neste estudo, os termos famílias e domicílios foram considerados sinônimos, pois em 99,73% dos domicílios amostrados constituíam-se de apenas 1 família residente. .

Para a análise da demanda de alimentos familiar, selecionaram-se 7 grupos de produtos alimentícios conforme descrição na Quadro 1. Optou-se por esses grupos alimentícios por ser produtos que compõem grande parte da cesta de consumo de alimentos dos brasileiros. Já as variáveis sociodemográficas utilizadas no modelo econométrico Quaids são apresentadas no Quadro 2.

Quadro 1
Descrição dos principais componentes dos grupos de alimentos
Quadro 2
Descrição das variáveis independentes utilizadas no modelo Quaids

A caderneta de despesa coletiva das POFs registra não apenas o gasto em determinado produto, mas também a quantidade adquirida. De posse dessa informação é possível calcular o valor unitário dos alimentos, ou seja, a despesa efetuada dividida pela quantidade dos alimentos adquiridos. Assim, o valor unitário é utilizado como proxy para preços dos alimentos. Como cada grupo do Quadro 1 é composto por uma série de produtos alimentícios, a variável Preço i corresponde à média geral dos produtos dentro dessa determinada categoria.

As estatísticas descritivas para as variáveis apresentadas no Quadro 2 são divididas conforme a característica do chefe de família e estão dispostas na Tabela 2. Percebe-se que, para o grupo de famílias chefiadas por indivíduos obesos, 63% dos domicílios possui um chefe homem, sendo que 46% não são brancos, possui em média 49 anos de idade, 7 anos de escolaridade e, quando possui cônjuge, ele também está com excesso de peso. Além disso, esses domicílios se localizam em maior proporção nos estados da região sudeste e zona urbana. A média do gasto total é maior nas famílias chefiadas por indivíduos obesos quando comparada a domicílios com chefes não obesos. Vale a pena ressaltar que as famílias chefiadas por indivíduos obesos possuem em média um número total de moradores menor do que àquelas chefiadas por não obesos, o que descarta a possibilidade de que famílias chefiadas por obesos estariam gastando mais em alimentação devido a um maior número de moradores.

Tabela 2
Estatísticas descritivas (média e desvio-padrão) das variáveis

O sistema de demanda para os 8 grupos de produtos selecionados será estimado para um conjunto de 3 amostras, divididas de acordo com a classificação do chefe de família. A quantidade de famílias em cada subdivisão bem como sua participação na amostra total é apresentada na Tabela 3. Percebe-se que mais da metade das famílias selecionadas possui chefe de família com sobrepeso ou com obesidade.

Tabela 3
Classificação de chefes de família de acordo com o IMC

Uma análise dos nutrientes dos alimentos também foi realizada utilizando as informações de composição nutricional dos alimentos consumidos no Brasil (IBGE, 2011bINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. v[s.n.]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_análise_consumo/pofanálise_2008_2009.pdf. Acesso em: 9 jan. 2019.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
), disponibilizadas pelo IBGE, como sendo parte integrante da POF 2008-2009. Para a composição desses dados, o IBGE faz uma junção de vários estudos, como a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) da Unicamp (2006)TABELA BRASILEIRA DE COMPOSIÇÃO DE ALIMENTOS (TACO). Versão 2. 2. ed. Campinas: Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação – NEPA, 2006. Disponível em: http://www.nepa.unicamp.br/taco/contar/taco4edicaoampliadaerevisada.pdf?arquivo=1. Acesso em: 18 jan. 2020.
http://www.nepa.unicamp.br/taco/contar/t...
e Nutrition Data System for Research – NDSR da Universidade de Minnesota (2008), entre outros.

A publicação do IBGE (2011b)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. v[s.n.]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_análise_consumo/pofanálise_2008_2009.pdf. Acesso em: 9 jan. 2019.
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possui um total de mil, cento e vinte e um tipos de alimentos e trinta e sete componentes nutricionais. Os dados também apresentam a composição dos nutrientes dos alimentos de acordo com o tipo de preparo, como cru, assado, grelhado, frito etc.

Para este estudo, agregaram-se os nutrientes dos grupos alimentícios e calculou-se uma média nutricional para cada um. Os nutrientes que são relevantes para esta análise estão descritos na Tabela 4. Percebe-se que o grupo de alimentos mais calórico é o grupo dos panificados e doces, seguido do grupo de embutidos e o menos calórico corresponde ao grupo de legumes. Como esperado, o grupo de carnes é o que possui maior quantidade de proteínas e o grupo de panificados o mais rico em carboidratos. Embutidos juntamente com os laticínios são os que apresentam o maior teor de sódio. Ácidos graxos aparecem em maior quantidade nos laticínios e embutidos, e o açúcar está presente em maior montante no grupo de panificados, doces e laticínios.

Tabela 4
Composição média dos principais nutrientes por 100 g de parte comestível

Para a composição das amostras a serem utilizadas na análise econométrica, foi necessária a aplicação de filtros para não incorrer em estimativas viesadas. Foram deletados domicílios que: i) não consumiram nenhum ou apenas um dos bens considerados no sistema de demanda; ii) possuíam registrados dois ou mais chefes de família e, por fim; iii) aqueles que não possuíam informações sobre as variáveis sociodemográficas ou sobre a renda total. O número de observações de cada tipologia familiar adotada está apresentado na Tabela 2.

4 Resultados

4.1 Elasticidades dispêndio e preço-Marshallianas

As elasticidades-dispêndio para todos os grupos alimentícios são apresentadas na Tabela 58 8 Estimativas do primeiro estágio (Probit) e do segundo estágio do modelo Quaids já incluído a correção da endogeneidade dos gastos totais para cada grupo de alimentos e as três tipologias familiares consideradas estão omitidas no presente trabalho, mas disponível mediante solicitação com os autores. . Verifica-se que nenhum dos grupos alimentícios pode ser classificado como bem inferior (elasticidade-dispêndio menor do que 0). Além disso, para os chefes não obesos, 6 dos 7 grupos possuem elasticidade maior do que 1, sendo que esses podem ser classificados como bens superiores. Já para os domicílios chefiados por indivíduos com sobrepeso e obesos, tem-se que 5 dos 7 grupos têm elasticidade superior a 1. Em geral, os valores das elasticidades-dispêndio observadas, principalmente, para grupos como frutas e laticínios estão em acordo com trabalhos na literatura que também reportam altas elasticidades-dispêndio para itens alimentícios básicos (Barbosa et al., 2014BARBOSA, A. L. N. H.; MENEZES, T. A.; ANDRADE, B. C. Demanda por produtos alimentares nas áreas rurais e urbanas do Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 44, n. 3, p. 507-543, 2014. Disponível em: https://www.econstor.eu/bitstream/10419/90922/1/747282218.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020.
https://www.econstor.eu/bitstream/10419/...
). Ademais, para o grupo de panificados e doces, é possível que a baixa elasticidade para esse grupo esteja associada à sua composição, uma vez que produtos de necessidade primária, como açúcar cristal e refinado, são itens selecionados para compor a cesta em questão. Já o grupo de carnes e ovos é o que possui elasticidade-dispêndio mais elevada para todos os tipos de famílias apresentando valores muito similares aos encontrados por Coelho e Aguiar (2007)COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D. O modelo quadratic almost ideal demand system (Quaids): uma aplicação para o Brasil. Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, v. 2, p. 485-514, 2007. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3253/2/Gasto%20e%20consumo%20das%20fam%c3%adlias%20brasileiras%20contempor%c3%a2neas%20-%20v.%202.pdf. Acesso em: 22 dez. 2019.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
utilizando POFs anteriores a 2008/2009.

Tabela 5
Elasticidade dispêndio segundo a característica do chefe

A Tabela 8 apresenta as elasticidades-preço marshalianas para os grupos alimentícios, seguindo a divisão dos domicílios segundo a condição do chefe. A partir da análise das elasticidades, observam-se valores negativos para todas as elasticidades próprias conforme o esperado. Comparando com as famílias chefiadas por indivíduos não obesos, domicílios com chefes obesos são mais sensíveis ao preço dos embutidos, laticínios e panificados e menos sensíveis ao preço de cereais, frutas e carne. Comparando com os chefes não obesos, chefes com sobrepeso são mais sensíveis ao preço de laticínios, panificados e carnes e menos sensíveis aos preços de legumes, embutidos, cereais e frutas. Dessa forma, se o governo implementasse uma política de taxação a produtos ricos em sódio, caso dos embutidos, as famílias com chefes com sobrepeso muito provavelmente diminuiriam sua demanda em menor escala do que as famílias chefiadas por indivíduos não obesos.

Tabela 6
Matriz de elasticidades Marshallianas
Tabela 7
Variação (%) na quantidade adquirida em domicílios
Tabela 8
Variação na quantidade adquirida de nutrientes para domicílios (em termos absolutos)

Passando à análise dos bens em geral, percebe-se que produtos como laticínios, carnes e cereais têm demanda-preço elásticas. O que surpreende é a elevada elasticidade para o grupo de cereais em cada uma das três tipologias familiares, no qual estão inclusos arroz e feijão, sendo esses valores semelhante ao encontrado por Coelho et al. (2010)COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D.; EALES, J. S. Food demand in Brazil: an application of Shonkwiler & Yen Two-Step estimation method. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 186-211, 2010. Available at: https://www.scielo.br/j/ee/a/MHNHmkKbFCsHsfTNbpZgTsS/?format=pdf⟨=en. Acesso em: 04 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/ee/a/MHNHmkKbFCs...
e Zanin et al. (2019)ZANIN, V.; BACCHI, M. R. P.; ALMEIDA, A. T. C. A demanda domiciliar por arroz no Brasil: abordagem por meio do sistema Quaids em 2008/2009. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 2, p. 234-252, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/0103-2003-resr-57-2-234.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
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para arroz, por exemplo. O restante dos grupos (legumes, embutidos, frutas e panificados) apresentaram demandas inelásticas em relação ao seu preço, uma vez que o aumento em 1% em seu preço provoca queda na quantidade demandada em menos de 1%.

Os bens classificados como bens complementares ou substitutos estão identificados pelos valores fora da diagonal principal da Tabela 6. Em geral, a maior parte das elasticidades cruzadas apresentaram resultados semelhantes aos apontados pela literatura e não existindo diferenças significativas entre os três tipos familiares. Por exemplo, observou-se que o grupo de cereais apresentou uma relação de complementaridade com o grupo de embutidos, laticínios, panificados e carnes estando de acordo com os trabalhos de Coelho e Aguiar (2007)COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D. O modelo quadratic almost ideal demand system (Quaids): uma aplicação para o Brasil. Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, v. 2, p. 485-514, 2007. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3253/2/Gasto%20e%20consumo%20das%20fam%c3%adlias%20brasileiras%20contempor%c3%a2neas%20-%20v.%202.pdf. Acesso em: 22 dez. 2019.
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
e Zanin et al. (2019)ZANIN, V.; BACCHI, M. R. P.; ALMEIDA, A. T. C. A demanda domiciliar por arroz no Brasil: abordagem por meio do sistema Quaids em 2008/2009. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 2, p. 234-252, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/0103-2003-resr-57-2-234.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/010...
. Por outro lado, legumes e hortaliças apresentam uma relação de substituição com embutidos, cereais, frutas, laticínios, panificados e doce e carnes e ovos.

4.2 Simulação de tributação e subsídio

Com base nas elasticidades marshallianas obtidas pelo modelo Quaids, propõem-se nove cenários como testes de sensibilidade em que tributos e subsídios são combinados com o intuito de se analisar como as famílias alterariam suas demandas por produtos alimentícios. Os cenários buscam tributar nutrientes que são prejudiciais à saúde, como alimentos ricos em sódio e açúcar, e subsidiar o preço relativo de alimentos que promoveriam maior bem-estar à população, como frutas e verduras e foram baseados nos trabalhos de Arnoult et al. (2008)ARNOULT, M. H.; TIFFIN, R.; TRAILL, W. B. Models of nutrient demand, tax policy and public health impact. Reading: University of Reading, 2008. Available at: https://www.researchgate.net/profile/Matthieu_Arnoult/publication/277572184_Models_of_Nutrient_Demand_Tax_Policy_Public_Health_Impact/links/556d8fe708aefcb861d81382/Models-of-Nutrient-Demand-Tax-Policy-Public-Health-Impact.pdf. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www.researchgate.net/profile/Mat...
, Leifert e Lucinda (2015)LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
e Harding e Lovenheim (2017)HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
. A inserção dos tributos é feita de duas formas: i) identificam-se quais são os grupos alimentícios com maior proporção de sódio e açúcar e se insere a tributação e; ii) a tributação é feita de acordo com a quantidade em gramas de sódio e açúcar presente na composição dos alimentos. Resumidamente, os cenários foram definidos de forma como:

  1. Tributa-se em 5% o preço do grupo alimentar com maior proporção de sódio (grupo embutidos);

  2. Tributa-se em 5% o preço do grupo alimentar com maior proporção de açúcar (grupo panificados e doces);

  3. Subsídio de 5% sobre o preço de frutas;

  4. Subsídio de 5% sobre o preço de verduras;

  5. Combinação dos cenários I a IV;

  6. Tributa-se em 1% o preço por grama de sódio de todos os grupos alimentícios;

  7. Tributa-se em 1% o preço por grama de açúcar de todos os grupos alimentícios;

  8. Combinação dos cenários VI e VII e frutas e verduras são isentas de tributação;

  9. Combinação dos cenários VI e VII juntamente com subsídio de 5% sobre o preço de frutas e verduras.

Na Tabela A.2, no Apêndice Apêndice Tabela A1 Taxas de gastos zero para os grupos de alimentos selecionados com fator de expansão Grupo Alimentício Chefes não obesos Chefes com sobrepeso Chefe obesos Nº famílias % famílias Nº famílias % famílias Nº famílias % famílias Legumes 10.928.790 50,48 8.799.453 46,26 3.436.297 44,45 Embutidos 13.734.206 63,43 11.318.775 59,50 4.424.531 57,23 Cereais 12.380.348 57,18 11.175.944 58,75 4.422.284 57,21 Frutas 11.936.716 55,13 10.030.591 52,73 3.916.294 50,66 Panificados e doces 6.321.062 29,19 5.144.899 27,05 2.068.861 26,76 Laticínios 2.192.560 10,13 1.617.632 8,50 587.388 7,60 Carnes e ovos 7.392.187 34,14 6.265.726 32,94 2.333.229 30,18 Outros 8.383.885 38,72 7.265.099 38,19 2.807.733 36,32 Nota: Para o cálculo dessas taxas, foram utilizados os fatores de expansão fornecidos pelo próprio IBGE. Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados da POF 2008-2009. Tabela A.2 Alíquotas finais inseridas em cada grupo alimentício por cenário (%) Grupos Alimentícios Cenários I II III IV V VI VII VIII IX Legumes 0 0 0 -5,00 -5,00 0,64 1,62 0,00 -5,00 Embutidos 5,00 0 0 0 5,00 10,42 0,72 11,14 11,14 Cereais 0 0 0 0 0 0,27 1,07 1,34 1,34 Frutas 0 0 -5,00 0 -5,00 0,08 5,28 0,00 -5,00 Laticínios 0 0 0 0 0 3,62 8,84 12,46 12,46 Panificados e doces 0 5,00 0 0 5,00 2,35 32,25 34,60 34,60 Carnes e ovos 0 0 0 0 0 1,18 0,11 1,29 1,29 Fonte: Elaboração dos autores com base na POF 2008-2009. , encontram-se disponíveis as alíquotas finais aplicadas ao preço de cada grupo alimentício nos cenários de I a IX, enquanto a Tabela 7 mostra os resultados dos cenários sobre a variação percentual na quantidade adquirida de cada grupo alimentício para domicílios com chefes não obesos, com sobrepeso e obesos em virtude da colocação do imposto/subsídio utilizando a equação 2.

O cenário I, como esperado, causa uma diminuição na quantidade demandada dos embutidos, sendo essa redução mais significativa para famílias chefiadas por obesos. Adicionalmente, essa tributação nas três famílias provoca queda no consumo de cereais e frutas (famílias com chefes não obesos é uma exceção), laticínios e carnes; e aumento no consumo de legumes, frutas e panificados e doces. Dessa forma, entende-se que esse cenário, apesar de possuir efetividade na redução de alimentos com alto teor de sódio, apresentaria como efeito colateral o aumento da quantidade demandada de panificados e doces, sendo esse aumento significativamente maior para famílias com chefes obesos em relação às famílias com chefe não obesos e com sobrepeso.

O cenário II proporciona queda no consumo de panificados e doces, embutidos, cereais, laticínios e carnes e aumento na quantidade demandada de legumes e frutas. Assim, percebe-se que esse cenário, além de reduzir a compra de produtos ricos em açúcar, como esperado, também incentiva as famílias a adquirirem produtos benéficos à saúde, como legumes e frutas. Os domicílios chefiados por chefes obesos, por exemplo, são os que mais responderiam, pois adquiririam menos panificados e doces (grupo taxado) e mais legumes quando comparados as outras tipologias de famílias.

Já o cenário III, no qual a intervenção corresponde a um subsídio para frutas, teve efeito negativo sobre a quantidade demandada de legumes, cereais e panificados, sendo que as famílias chefiadas por obesos foram as que mais diminuíram o consumo de cereais. Em contrapartida, o subsídio teve efeitos positivos sobre a demanda de embutidos, frutas, laticínios e carnes. As famílias com chefes não obesos foram as que responderam a essa intervenção, aumentando, em maior escala, o seu consumo de frutas quando comparadas aos outros tipos de domicílios. Entretanto, a grande desvantagem encontrada nesse cenário é o aumento em aproximadamente 4% da quantidade demandada de embutidos (ricos em sódio).

O subsídio para legumes e verduras, proposto no cenário IV, teve efeitos negativos sobre a demanda de cereais, frutas e panificados, sendo que as famílias chefiadas por obesos foram as que mais reduziram o consumo de cereais e panificados quando comparadas as outras famílias. Por sua vez, o subsídio é efetivo para aumentar a demanda de verduras e legumes, embutidos, laticínios e carnes. Mais uma vez, constata-se que o subsídio a um grupo de alimentos saudáveis (verduras e legumes) pode levar a queda de consumo de alimentos benéficos a saúde, como cereais e frutas, mas um aumento de alimentos maléficos como os embutidos.

A combinação de impostos e subsídios, cenário V, ocasionou queda na demanda de embutidos, panificados e carnes e um aumento na demanda de legumes, frutas e laticínios. Entretanto, esse movimento foi acompanhado de uma queda na demanda por cereais, que ocorreu, em maior magnitude, em famílias chefiadas por indivíduos obesos. Desse modo, apesar de todos os resultados positivos da combinação dessas políticas, seus efeitos negativos também devem ser considerados.

O segundo conjunto de intervenções proposto, cenários VI a IX, apresentou em termos gerais, efeitos de maior magnitude sobre as quantidades demandadas dos alimentos, visto que a tributação afeta todos os grupos alimentícios. No cenário VI, a tributação sobre sódio afeta negativamente a demanda dos embutidos, cereais, laticínios, panificados e carnes e afeta positivamente a demanda de legumes e frutas. As famílias chefiadas por obesos seriam as que diminuiriam em maior grau o consumo de embutidos e laticínios.

Já no cenário VII, a tributação sobre o açúcar proporciona um aumento na quantidade demandada de legumes e frutas e uma diminuição na demanda de embutidos, cereais, laticínios, panificados e doces e carnes. Um resultado interessante desse cenário é que as famílias chefiadas por indivíduos obesos, em resposta à tributação, aumentariam sua demanda por cereais, enquanto as outras famílias reduziriam essa demanda, o que caracteriza um efeito positivo do tributo, pois incentiva uma alimentação mais saudável para aqueles que teoricamente mais necessitam.

O cenário VIII, o qual combina os cenários VI e VII juntamente à isenção de tributação sobre frutas e verduras, apresenta resultados de significativa magnitude. A intervenção provoca um aumento na demanda de legumes e frutas e redução de embutidos, cereais, laticínios, panificados e carnes. As famílias com chefes obesos são as que mais aumentariam a sua demanda por legumes e verduras e as que menos reduziriam seu consumo de cereais, resultados esses significantes para o estímulo de uma alimentação balanceada.

Por fim, a intervenção proposta no cenário IX, assim como no cenário VIII, tem efeitos significativos sobre a demanda dos bens alimentícios. As famílias respondem a essa intervenção aumentando sua demanda de legumes e frutas e reduzindo a demanda de embutidos, cereais, laticínios, panificados e carnes. Mais uma vez, as famílias chefiadas por indivíduos obesos são as que respondem em maior escala à tributação em termos de aumento da demanda de legumes e redução da demanda de panificados e doces.

A Tabela 8 apresenta a variação na quantidade de nutrientes adquirida de acordo com a mudança no padrão de gastos com os bens alimentícios e separados para os três tipos de arranjos familiares considerados. Como já ressaltado anteriormente, os cenários de VI a IX apresentam resultados de maior magnitude quando comparados aos outros. Isso ocorre justamente porque nesses cenários a tributação recai sobre todos os grupos alimentícios, provocando, assim, maiores mudanças sobre a cesta de consumo adquirida pelas famílias. Logo, entende-se que os cenários de VI a IX são mais eficientes, ou seja, tributar-se diretamente os nutrientes produz alterações mais significativas sobre o consumo alimentício familiar.

Partindo do fato de que o sobrepeso e a obesidade já são uma realidade para a população brasileira, os formuladores de políticas públicas devem estar cientes de que mecanismos podem ser efetivos para alterar a alimentação das famílias, levando em consideração as diferenças existentes entre os domicílios.

Se o objetivo dos formuladores de política for a redução na quantidade ingerida de sódio ou em termos de calorias (kcal), o cenário VIII seria o mais indicado, pois tem maior efeito sobre todas as tipologias de famílias consideradas. Dessa forma, esse cenário também seria o mais indicado caso o objetivo de determinada política fosse reduzir o peso em quilogramas da população, visto que esse é o que mais impacta na ingestão de calorias. O cenário VIII também seria indicado para reduzir o consumo de ácidos graxos saturados. Alternativamente, se o governo propusesse intervenção para diminuir a quantidade ingerida de açúcar, o cenário IX seria o mais indicado, pois ele é o que mais tem efetividade na redução de quantidade adquirida de açúcar.

Por outro lado, caso os formuladores de políticas optem pela intervenção através de impostos sobre grupos alimentícios específicos, simulações dos cenários I a V, o cenário V seria o mais efetivo para diminuir a quantidade ingerida de energia e açúcares enquanto o cenário II é o que propiciaria maior redução na ingestão de sódio. O resultado encontrado no cenário V, já presente na literatura, mostra que a introdução de um imposto combinada a subsídios em alimentos saudáveis, como legumes, verduras e frutas, contribui de maneira mais significativa para a redução de nutrientes associados a doenças cardíacas e diabetes (Arnoult et al., 2008ARNOULT, M. H.; TIFFIN, R.; TRAILL, W. B. Models of nutrient demand, tax policy and public health impact. Reading: University of Reading, 2008. Available at: https://www.researchgate.net/profile/Matthieu_Arnoult/publication/277572184_Models_of_Nutrient_Demand_Tax_Policy_Public_Health_Impact/links/556d8fe708aefcb861d81382/Models-of-Nutrient-Demand-Tax-Policy-Public-Health-Impact.pdf. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www.researchgate.net/profile/Mat...
; Leifert; Lucinda, 2015LEIFERT, R. M.; LUCINDA, C. R. Linear symmetric “fat taxes”: evidence from Brazil. Applied Economic Perspectives and Policy, v. 37, n. 4, p. 634-666, 2015. Available at: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1093/aepp/ppu062. Acesso em: 3 mar. 2020.
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).

5 Considerações finais

Este estudo analisou a demanda por bens alimentícios das famílias de acordo com a característica do seu chefe (não obeso, com sobrepeso ou obeso) definida a partir de seu IMC e de um sistema Quaids com base nos microdados da POF 2008-2009. Adicionalmente, estendeu-se a análise a cenários em que se tributam alimentos ricos em açúcar e sódio e se subsidiam frutas e0 legumes com o intuito de verificar sua eficiência em proporcionar uma alimentação mais balanceada para as famílias.

As elasticidades-dispêndio e -preço marshalianas estimadas, apesar de apresentarem os mesmos sinais para os três grupos de amostras, não possuem magnitudes iguais, ou seja, as diferentes famílias poderiam reagir às intervenções no mesmo sentido (aumentar/reduzir a demanda). Consequentemente, ao analisar os nove cenários de intervenção propostos, percebe-se que os domicílios respondem diferentemente em suas demandas por alimentos, pois, nos cenários propostos, consideram-se não somente os efeitos diretos, mas também os indiretos através das análises das elasticidades-preço cruzadas.

Com o intuito de entender quais dos cenários seriam os mais benéficos para a população, utilizou-se a variação na quantidade demandada de cada grupo alimentício para calcular a mudança no montante adquirido em termos de nutrientes. Desse último exercício, algumas conclusões podem ser retiradas. Em primeiro lugar, os cenários I a V são os que apresentaram resultados de menor magnitude quando comparados aos cenários VI a IX. Logo, definir se a tributação deve ser inserida em grupos alimentícios ou sobre nutrientes específicos é primordial e pode afetar diretamente o sucesso da política tributária. Em segundo lugar, também é necessário definir o objetivo da tributação, pois, como foi possível perceber através dos resultados anteriormente apresentados, um determinado cenário será mais efetivo do que o outro dependendo do propósito da intervenção. Em terceiro lugar, percebe-se que diferenciar as famílias de acordo com a característica do chefe mostrou ser procedimento adequado e útil, pois os domicílios reagem de formas distintas às intervenções propostas em cada cenário. Entretanto, a efetividade de cada cenário se manteve constante entre os grupos, ou seja, o cenário VIII foi o mais eficiente para reduzir a quantidade adquirida de sódio para todos os tipos de famílias analisados, por exemplo.

Outro ponto que merece atenção é que, apesar dos cenários VI a IX propiciarem redução significativa dos nutrientes consumidos, esses também podem ocasionar uma maior distorção nos preços relativos, pois as taxas consideradas nesses cenários são mais elevadas. Analogamente, os cenários de I a V são os que possuem as menores taxas de tributos, o que poderia gerar menores distorções na economia. Logo, os formuladores de políticas devem se atentar a esse trade-off existente, uma vez que a introdução de altos tributos pode impactar negativamente outros aspectos econômicos.

Além disso, vale ressaltar que uma limitação deste estudo é que as estimativas do sistema de demanda proposto se inserem em um ambiente de estática comparativa, em que não há ligação integrada entre as estruturas de consumo e estruturas fiscais vinculadas ao governo, não sendo possível captar, assim, os efeitos de substituição e complementaridade em um contexto de equilíbrio geral. Outra limitação da análise aqui proposta é que se supõe que o chefe de família seja o responsável pela maioria das decisões de consumo e que sua característica física (não obeso, sobrepeso e obeso) poderia ser um indicativo do estilo de vida que sua família possui. Entretanto, é possível que famílias chefiadas por obesos possuam familiares não obesos, o que indicaria que nem todos os membros possuem os mesmos hábitos alimentares. Dessa forma, como tentativa de evitar este viés, as informações sobre o IMC de todos os membros familiares (ou uma combinação destas informações) podem ser incorporadas dentro do modelo do sistema de demanda em estudos futuros.

Entende-se que, apesar da tributação consistir em um custo para a sociedade, seus efeitos sobre a saúde da população podem ser significativamente positivos, uma vez que ela pode estimular o consumo de alimentos mais saudáveis, fazendo com que haja menor pressão sobre o sistema público de saúde (SUS), reduzindo os gastos com tratamentos relacionados à obesidade, como cirurgias bariátricas e doenças cardiovasculares, e aumentando a produtividade individual dos trabalhadores, hipótese deixada para trabalhos futuros. Ademais, a receita arrecadada pelo governo advinda dos impostos poderia também ser empregada como subsídio a alimentos saudáveis (ex.: frutas e verduras), para financiar campanhas comerciais que incentivassem estilos de vida saudáveis e práticas de esportes ou, ainda, ser injetada no sistema público de saúde, compensando, assim, os custos com tratamentos de doenças relacionadas à obesidade. Dessa forma, esse imposto sobre alimentos e/ou nutrientes prejudiciais à saúde assemelha-se muito ao imposto pigouviano, o qual tem valor capaz de corrigir (internalizar) uma externalidade negativa que não é precificada pelo mercado. Portanto, a carga tributária, apesar de já ser elevada, traria mais benefícios do que custos à população ao longo dos anos. Essa é exatamente a diretiva preconizada pela OCDE (2019)ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The heavy burden of obesity: the economics of prevention. OECD Health Policy Studies, OECD Publishing, Paris, 2019. Available at: https://read.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/the-heavy-burden-of-obesity_67450d67-en#page8. Acesso em: 25.jan. 2020.
https://read.oecd-ilibrary.org/social-is...
: políticas públicas que tenham como objetivo combater fatores prejudiciais à saúde, como é o caso da obesidade, podem auxiliar na prevenção de doenças crônicas, como diabetes tipo II e doenças cardiovasculares, e, assim, reduzir os custos com o sistema de saúde no longo prazo.

Vale ressaltar também que, no Brasil, há algumas evidências que apontam que as famílias de baixa renda tendem a consumir alimentos com grande quantidade de gordura e óleo, açúcares e alimentos industrializados (Borges et al., 2007; Coelho et al., 2009COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D.; FERNANDES, E. A. Padrão de consumo de alimentos no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 47, p. 335-362, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/resr/a/WnsVqsc7pVwzRmLtMYzkPdN/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
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), visto que os preços destes produtos são relativamente menores dos que alimentos saudáveis. Logo, a utilização da política tributária como incentivo para uma alimentação mais saudável deve ser implementada com cautela, especialmente ao taxar alimentos com alto teor de açúcar e sódio, pois esta tributação pode afetar negativamente no poder aquisitivo das camadas sociais mais carentes contribuindo, assim, para aumentar ainda mais as desigualdades sociais.

Por fim, ressalta-se que a imposição de tributos e subsídios não é capaz de resolver o problema da obesidade por si só. Esse é apenas um instrumento que deve ser utilizado em conjunto com outras medidas, como estímulo a práticas esportivas, maior conscientização da população sobre os benefícios de uma alimentação equilibrada em termos nutritivos e incentivos (não econômicos) a ter uma vida saudável. Estas iniciativas procuram atender um conjunto de medidas para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir a prosperidade para todos como determina a nova agenda de sustentabilidade, conhecida por Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecida pela ONU em 2015.

  • 1
    Ressalta-se que o uso de dados mais recentes, por exemplo, a POF 2017-2018 do IBGE, também foi considerada para fins comparativos; no entanto, informações antropométricas dos indivíduos necessárias para a realização do presente estudo não foram incluídas no levantamento de campo nesta edição da POF.
  • 2
    A formalização completa do modelo Quaids está omitida no presente trabalho; no entanto, pode ser encontrada nos trabalhos de Coelho e Aguiar (2007)COELHO, A. B.; AGUIAR, D. R. D. O modelo quadratic almost ideal demand system (Quaids): uma aplicação para o Brasil. Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, v. 2, p. 485-514, 2007. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3253/2/Gasto%20e%20consumo%20das%20fam%c3%adlias%20brasileiras%20contempor%c3%a2neas%20-%20v.%202.pdf. Acesso em: 22 dez. 2019.
    http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream...
    ; Pereda (2008)PEREDA, P. C. Estimação das equações de demanda por nutrientes usando o modelo Quadratic Almost Ideal Demand System (Quaids). 2008. Tese (Doutorado)–Universidade de São Paulo. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-04092008-105503/pt-br.php. Acesso em: 25 jan. 2020.
    https://teses.usp.br/teses/disponiveis/1...
    ; Travassos e Coelho (2015)TRAVASSOS, G. F.; COELHO, A. B. A questão da separabilidade fraca na estimação de sistemas de demanda de carnes no Brasil. Economia Aplicada, v. 19, n. 3, p.507-539, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ecoa/v19n3/1413-8050-ecoa-19-03-0507.pdf Acesso em: 18 jan. 2021.
    https://www.scielo.br/pdf/ecoa/v19n3/141...
    e Zanin et al. (2019)ZANIN, V.; BACCHI, M. R. P.; ALMEIDA, A. T. C. A demanda domiciliar por arroz no Brasil: abordagem por meio do sistema Quaids em 2008/2009. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 2, p. 234-252, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/0103-2003-resr-57-2-234.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020.
    https://www.scielo.br/pdf/resr/v57n2/010...
    .
  • 3
    A Tabela A1 no Apêndice apresenta para cada um dos grupos alimentícios analisados da POF 2008/2009, o percentual de domicílios cujo consumo do referido produto foi zero utilizando os fatores de expansão. Percebe-se que, para todos os grupos considerados, há um elevado percentual de gastos nulos, comprovando, assim, a importância em se incorporar na análise as famílias com gastos zero.
  • 4
    Com o intuito de contornar a questão da endogeneidade das despesas totais, Blundell e Robin (1999) sugerem estimar uma equação na forma reduzida, tendo como variável dependente a despesa domiciliar total com alimentos, lnmn=a0+ΛZn+Λlnpn+eylnYn+υn no qual Z e p são vetores de variáveis demográficas (número total de moradores na família, número total de filhos na família, idade do chefe de família, estudo do chefe, dummy de gênero do chefe, dummy de cor do chefe, dummies estaduais e dummy para região urbana) e de preços, respectivamente; Yn corresponde à renda total mensal domiciliar e ey é a elasticidade-renda da despesa com o grupo alimentos.
  • 5
    O método do IFGLS é indicado quando há indícios de que os erros das regressões a serem estimadas estão correlacionados (correlação contemporânea), produzindo assim estimativas mais eficientes do que obtidas pelo método OLS (Wooldridge, 2007WOOLDRIDGE, J. M. Econometric analysis of Cross Section and Panel Data. 2nd edition. Massachusetts: The MIT Press, 2007.).
  • 6
    Vale ressaltar que a tributação sobre os grupos alimentícios deve ser vista como um aumento direto em seu preço. Por exemplo, se uma tributação de 5% incidir sobre o grupo de cereais, deve-se entender que os preços de todos os produtos pertencentes a esse grupo aumentarão em 5%. Neste estudo, não se consideram os efeitos da tributação sobre o lado da oferta, apenas sobre a demanda dos consumidores. Harding e Lovenheim (2017)HARDING, M.; LOVENHEIM, M. The effect of prices on nutrition: comparing the impact of product-and nutrient-specific taxes. Journal of Health Economics, v. 53, p. 53-71, 2017. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167629617301522?casa_token=XGWQ1h4ILLsAAAAA:2xuyMNEnZIqTv7hWrdhQyU5OTncvcv03UngP_YDsbJbvxt_36YgHU6l0EsoPm1FONOV9G6dOHQ. Acesso em: 17 abr. 2020.
    https://www.sciencedirect.com/science/ar...
    apontam que, a curto prazo, ignorar os efeitos sobre o lado da oferta não traz grandes desvantagens à análise em questão.
  • 7
    Neste estudo, os termos famílias e domicílios foram considerados sinônimos, pois em 99,73% dos domicílios amostrados constituíam-se de apenas 1 família residente.
  • 8
    Estimativas do primeiro estágio (Probit) e do segundo estágio do modelo Quaids já incluído a correção da endogeneidade dos gastos totais para cada grupo de alimentos e as três tipologias familiares consideradas estão omitidas no presente trabalho, mas disponível mediante solicitação com os autores.
  • JEL: D12, R21, C24.
  • *
    Os autores agradecem o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Capes/Cnpq).

Apêndice

Tabela A1
Taxas de gastos zero para os grupos de alimentos selecionados com fator de expansão
Tabela A.2
Alíquotas finais inseridas em cada grupo alimentício por cenário (%)

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2021
  • Aceito
    12 Nov 2021
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