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A macroeconomia do Social Desenvolvimentismo: um estudo da Rede Desenvolvimentista

The macroeconomics of Social Developmentalism: a study of Rede Desenvolvimentista

Resumo

O presente artigo tem como unidade de análise o Social Desenvolvimentismo. A categoria de análise é sua macroeconomia. O estudo adotou como procedimento metodológico a abordagem sistemática por meio da seleção, do fichamento e da avaliação crítica de dados bibliográficos que formam o arcabouço teórico do Social Desenvolvimentismo, sobretudo os estudos da Rede Desenvolvimentista (Rede D). O artigo foi dividido em duas seções: a primeira apresenta uma breve história da edificação da escola e da operacionalização conceitual do Social Desenvolvimentismo; a segunda seção concentra-se em elucidar a macroeconomia do Social Desenvolvimento. Os resultados da pesquisa demonstram que o Social Desenvolvimentismo resgata o caráter político na macroeconomia ao defender um modelo de política e de regime macroeconômico mais adaptável e menos engessado, no entanto sem enveredar para “aventuras” ou “populismos”. O modelo, assim, contribui para o amadurecimento do debate desenvolvimentista no Brasil atualmente.

Palavras-chave
Economic development; Social Desenvolvimentismo; Estratégias de desenvolvimento econômico; Macroeconomia; Economia brasileira

Abstract

This article has social developmentalism as its unit of analysis. The category of analysis is its macroeconomics. The study adopted as a methodological procedure the systematic approach by the selection, classification, and critical evaluation of bibliographic that form the theoretical framework of Social Developmentalism, especially the studies of Rede Desenvolvimentista (Rede D). The article was divided into two sections: the first presents a brief history of the building of the school and the conceptual operationalization of Social Developmentalism; the second focuses on elucidating the Social Development macroeconomics. The results of the research show that Social Developmentalism rescues the political character in macroeconomics by defending a model of macroeconomic policy and regime that is more adaptable and less fixed, but without embarking on “adventures” or “populisms.” The model, thus, contributes to the maturation of the developmentalism studies in Brazil nowadays.

Keywords
Economic development; Social developmentalism; Economic development strategies; Macroeconomics; Brazilian economy

Introdução

O retorno aos estudos e às estratégias desenvolvimentistas está sendo um fenômeno global recentemente. Há a revisitação dos modelos de regime de crescimento econômico keynesiano, kaleckiano e estruturalista com influências das políticas pró-trabalho e pró-capital na dinâmica da demanda agregada. Essas teorias ajudam na análise do impacto da condução da política econômica sobre a trajetória de crescimento e de distribuição de renda. No Brasil, os estudos sobre desenvolvimento econômico – que nunca cessaram, mas ficaram eclipsados pela predominância da ortodoxia convencional após a crise do modelo Nacional-desenvolvimentista na década de 1980 – começaram a ter novamente destaque. Entre as principais escolas do pensamento neodesenvolvimentista brasileiro na atualidade estão: a) Social Desenvolvimentismo e b) Novo Desenvolvimentismo.

O presente artigo tem como unidade de análise o Social Desenvolvimentismo. A categoria de análise é sua macroeconomia com enfoque nos estudos da Rede Desenvolvimentista (Rede D). O artigo, portanto, não tem o escopo de realizar uma pesquisa de estado da arte sobre o Social Desenvolvimentismo. Essa escola de pensamento desenvolvimentista desenvolve uma produção complexa e acentuada, logo, seria preciso um espaço maior para investigar e analisar toda a completude do Social Desenvolvimentismo. Além disso, não há o propósito de realizar uma comparação com outros modelos do Desenvolvimentismo (Nacional ou Novo), visto que tal empreitada já foi concretizada diretamente ou indiretamente por Bastos (2012)BASTOS, Pedro. P. Z. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 779-810, 2012.; Bresser-Pereira (2016)BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Economia Política, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 237-265, 2016.; Carneiro (2012)CARNEIRO, Ricardo M. Velhos e novos desenvolvimentismos Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 749-778, 2012.; Leão; Vaz (2019)LEÃO, Rafael A. R.; VAZ, Vinícius Rezende C. O novo desenvolvimentismo: limites e possibilidades frente ao debate atual. Cadernos de Campo: Revista de Ciências Sociais, Araraquara, n. 27, p. 167-194, 2019.; Mollo; Amado (2015)MOLLO, Maria. L. R.; Amado, Adriana. O debate desenvolvimentista no Brasil: tomando partido. Economia e Sociedade, Campinas, v. 24, p. 1-28, 2015.; Finello; Feijó (2017)FINELLO, Mariana; FEIJÓ Carmen. O desenvolvimentismo no Brasil: o debate atual. Análise Econômica, Porto Alegre, ano 35, p. 233-262, 2017.; Oreiro (2016)OREIRO, José. L. C. Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana. Rio de Janeiro: LTC, 2016, entre outros.

O enfoque do artigo, portanto, é somente nos estudos e nos discursos acerca da política e do regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo essencialmente no âmbito da Rede D. A pesquisa optou por este recorte porque ao estudar as novas escolas de pensamento desenvolvimentista no Brasil, percebeu-se que muitos dos seus escritos e estudos não estão sistematizados, categorizados e esquematizados. Isso dificulta a análise, a compreensão, a divulgação e a avaliação do Social Desenvolvimentismo com seus preceitos e retórica na macroeconomia.

A intenção deste texto, assim, é de aclarar, inteirar e organizar os estudos e os discursos sobre a macroeconomia do Social Desenvolvimentismo, contribuindo com o avanço das pesquisas e da organização didática da temática, além de auxiliar para evitar falsos rótulos e alguns preconceitos. Para concretizar esse escopo, o estudo adotou como procedimento metodológico a abordagem sistemática por meio da seleção, do fichamento e da avaliação crítica de dados bibliográficos que formam o arcabouço teórico do Social Desenvolvimentismo.

A fim de apresentar sua pesquisa e resultados, o artigo foi dividido em duas seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção destina-se a oferecer uma breve história da edificação da escola e da operacionalização conceitual do Social Desenvolvimentismo. A segunda seção concentra-se em elucidar a macroeconomia do Social Desenvolvimento com seus principais estudos, discursos e preceitos.

Social Desenvolvimentismo: história e conceito

Segundo Biancarelli (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., os preceitos do Social Desenvolvimentismo – mesmo que não se apresentassem com esse nome – foram elucidados desde a década de 1980 de forma dispersa por vários escritos e discursos dos economistas Maria Conceição Tavares e Carlos Lessa. O marco da sistematização da teoria, no entanto, foi o artigo O Brasil a caminho do mercado de consumo de massa (1990), de Antônio Barros de Castro, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Castro (1990)CASTRO, Antônio. B. O Brasil a caminho do mercado de consumo de massa. In: REIS VELLOSO, João. P. (Coord.). As perspectivas do Brasil e o Novo Governo. São Paulo: Nobel, 1990. apresenta uma estratégia de crescimento liderada pelo aumento salarial e de investimentos públicos (investment and wage-led growth strategy), posteriormente aperfeiçoada pelo Social Desenvolvimentismo no âmbito da Rede D. Salienta-se que tal modelo já era defendido pelo ideário político-econômico do Partido dos Trabalhadores (PT) em seu programa de governo para a presidência nas eleições de 1989. A teoria do Social Desenvolvimentismo, mesmo que não se apresentasse com esse nome, sempre teve inserção política intensa no PT.

Uma das chaves para a compreensão do pensamento do Social Desenvolvimentismo está no entendimento do que Bielschowsky (2012, p. 743) denominou de “três motores do investimento” com seus dois “turbinadores”. Para o autor, o Brasil somente irá romper com o subdesenvolvimento caso impulsione três motores de crescimento econômico: a) a promoção do consumo; b) os recursos naturais e c) a infraestrutura.

O primeiro motor, conforme Bielschowsky (2012)BIELSCHOWSKY, Ricardo. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual. Economia e Sociedade, Campinas v. 21, n. especial, p. 729-747, 2012., é capaz de gerar crescimento em curto prazo, e os demais de manterem a dinâmica de crescimento em longo prazo. O autor ainda afirma que esses motores podem ser turbinados pela: a) recuperação de encadeamentos produtivos fragilizados e b) por inovações tecnológicas. Os turbinadores, todavia, somente agem de forma correta caso o Estado consiga edificar um conjunto de políticas desenvolvimentistas, como: política cambial competitiva, política industrial, política de compras governamentais e mecanismos de atração de investimentos externos.

Verifica-se que o Social Desenvolvimentismo possui ênfase em uma estratégia de desenvolvimento centrada na expansão do mercado interno, mais especificamente na amplificação do mercado de consumo de massas. Em razão de seu enfoque no consumo de massa e no aumento salarial como estratégia de crescimento econômico, o Social Desenvolvimentismo também é identificado como “modelo de desenvolvimento inclusivo” por Calixtre, Biancarelli e Cintra (2014, p. 16)CALIXTRE, André. B.; BIANCARELLI, André. M.; CINTRA, Marcos A. C. Introdução. In: CALIXTRE, André. B.; BIANCARELLI, André. M.; CINTRA, Marcos A. C. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília, DF: Ipea, 2014. e como “desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado” por Bastos (2012, p. 793)BASTOS, Pedro. P. Z. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 779-810, 2012..

Para Katz (2016)KATZ, Claudio. Neoliberalismo, neodesenvolvimentismo, socialismo. São Paulo: Expressão Popular, 2016., o Social Desenvolvimentismo, além de ter referências da Teoria Macroeconômica e da Teoria Desenvolvimentista Clássica, possui, também, influências do estruturalismo-histórico latino-americano, do marxismo e da Teoria Marxista da Dependência em sua retórica. Isso faz com que autores ortodoxos o definam como Desenvolvimentismo de esquerda. O fato é que como as demais correntes do Desenvolvimentismo, o Social Desenvolvimentismo parte de visões e teorias econômicas heterodoxas.

Em 2004, as principais diretrizes do Social Desenvolvimentismo foram defendidas oficialmente no documento Um outro Brasil é possível, elaborado por economistas e cientistas políticos ligados ao PT para servir de programa polítco-partidário ao candidato Lula da Silva nas eleições de 2002. O texto reintroduziu a participação efetiva do Estado na política econômica, defendendo um intervencionismo econômico mais ativo como política industrial e valorização do salário mínimo. De acordo com o documento:

[...] nosso programa econômico está estruturado a partir de duas dimensões: a social e a nacional. [...] A constituição do novo modelo priorizará três aspectos: (a) o crescimento do emprego; (b) a geração e distribuição de renda; (c) a ampliação da infraestrutura social [...] A ampliação do emprego, a melhoria das remunerações e de sua distribuição e a ampliação da oferta de bens e serviços públicos têm significativos impactos econômicos. Sua maior implicação será o rápido crescimento do emprego e da renda, aumentando, portanto, a massa de rendimentos da economia. Com a sua melhor distribuição, haverá estímulo ao desenvolvimento de um amplo mercado de consumo de massas [...] O motor básico do sistema é a ampliação do emprego e da renda per capita e consequentemente da massa salarial que conformará o assim chamado mercado interno de massas. O crescimento sustentado a médio e longo prazo resultará da ampliação dos investimentos na infraestrutura econômica e social e nos setores capazes de reduzir a vulnerabilidade externa, junto com políticas de distribuição de renda [...] A partir desses ganhos de produtividade poderá se estabelecer o seguinte círculo virtuoso: aumento de rendimentos das famílias trabalhadoras, levando à ampliação do consumo popular, que reforça, por sua vez, os investimentos, com aumento de produtividade, fechando-se o ciclo com a elevação do rendimento das famílias trabalhadoras [...]

(Silva, 2002SILVA, Luís Inácio Lula. Programa de Governo: Coligação Lula Presidente. Um Brasil para todos: crescimento, emprego e inclusão social. 2002. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2010/02/16/programas-de-governo-pt/. Acesso em: 20 out. 2019.
https://fpabramo.org.br/2010/02/16/progr...
, p. 30-35, grifo nosso).

Segundo Bastos (2012)BASTOS, Pedro. P. Z. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 779-810, 2012., o Social Desenvolvimentismo materializou-se em política concreta em 2005, logo no primeiro mandato do presidente Lula e quando o Ministro da Fazenda ainda era Antonio Palocci. Mesmo com a forte presença de economistas ortodoxos no Ministério da Fazenda (MF), naquela ocasião, o governo do PT conseguiu elevar o salário mínimo, ampliar o crédito ao consumidor – por meio do crédito consignado e microcédito – e adotar políticas sociais.

O Social Desenvolvimentismo tornou-se corrente de ordem no governo de Lula depois da desaceleração econômica de 2004-2005 e da crise política do mensalão de 2005. É nesse ensejo que intelectuais e políticos simpatizantes da visão e da retórica do Social Desenvolvimentismo passaram a ter importantes órgãos oficiais de inteligência e de decisões como meios de pesquisa e de divulgação de seus estudos e para a execução de seus projetos, por exemplo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Instituto Brasileiro de Geografica e Estatística (IBGE) e BNDES. A partir de 2005 e até a ascensão do economista ortodoxo Joaquim Levy ao MF, em 1º de janeiro de 2015, o Social Desenvolvimentismo foi o paradigma econômico predominante nos governos de Lula e de Dilma do PT, tendo seu apogeou na condução de Guido Mantega no MF (27 de março de 2006 a primeiro de janeiro de 2015). Nas palavras de Pochmann:

A partir do governo Lula, o Brasil passou a demonstrar importantes sinais de transição do neoliberalismo para o modelo social-desenvolvimentista. A identificação básica de que o Estado faz parte das soluções dos problemas existentes não implicou reproduzir os traços do velho modelo nacional-desenvolvimentista vigente entre as décadas de 1930 e 1970. [...] A antiga figura de pirâmide social que identificava a distribuição pessoal da renda no país passou a se transformar numa nova figura, cada vez mais associada a uma pera (ou barril), o que expressa, sinteticamente, os avanços já colhidos pela força do atual modelo social-desenvolvimentista

(Pochmann, 2010POCHMANN, Marcio. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil. Avanços recentes no emprego e na distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010., p. 41-42).

Para diferenciar-se do Nacional Desenvolvimentismo com sua Teoria de Desenvolvimento clássica, a escola do Social Desenvolvimentismo foi nomeada dessa forma, em 2007, por Guido Mantega enquanto ocupava o cargo de ministro da Fazenda. Em entrevista à Radiobras, Mantega afirmou:

[...] o Brasil já entrou em um novo ciclo econômico. Eu chamo esse novo ciclo de social-desenvolvimentismo porque é um crescimento que ocorre concomitantemente ao aumento da renda da população, aumento do poder aquisitivo e fortalecimento do mercado de massa. É um novo tipo de crescimento que o Brasil nunca trilhou. [...] o país hoje tem um mercado de massa, com a entrada de grandes contingentes da população que estão aumentando o seu poder aquisitivo. Além disso, o crédito também está mais barato e mais abundante.

(Mantega, 2007MANTEGA, Guido. Brasil entrou no novo ciclo econômico do social-desenvolvimentismo, avalia Mantega. O Globo, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/brasil-entrou-no-novo-ciclo-economico-do-social-desenvolvimentismo-avalia-mantega-4156829. Acesso em: 20 ago. 2019.
https://oglobo.globo.com/economia/brasil...
, s.n).

O prefixo Social acoplado ao termo Desenvolvimentismo por Guido Mantega e reproduzido por intelectuais adeptos a essa vertente do pensamento desenvolvimentista se deve a duas razões: a) diferenciar dos preceitos do Nacional Desenvolvimentismo e de seu regime de crescimento alicerçado na industrialização por substituição de importações (ISI) e no crescimento econômico liderado por investimentos do Estado e financiados pela dívida pública (debt-financed investment-led growth strategy); b) enfatizar o pensamento medular do modelo, que é defender o investment and wage-led growth strategy.

Segundo Biancarelli e Rossi (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., o prefixo “social” assinala o papel de destaque que é atribuído à dimensão social nessa estratégia e justifica-se pela grande concentração de renda e de riqueza que o país apresenta, assim como os diferentes graus de desigualdade social e de oportunidades. Para Dweck e Rossi (2019)DWECK, Esther; ROSSI, Pedro. Políticas sociais, distribuição, crescimento e mudança estrutural. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019., o que caracteriza o Social Desenvolvimentismo é sua preocupação em não somente recuperar a competitividade da economia brasileira mediante o aumento da efetividade das capacidades produtivas, mas também garantir que o crescimento econômico seja revertido em melhoria da vida cotidiana da população como um todo, ou seja, em desenvolvimento de fato.

Nesse contexto, um projeto social de desenvolvimento no Brasil deve ter como objetivo o crescimento e a transformação social, com a distribuição da renda e da riqueza, ampliação da oferta pública de bens serviços sociais básicos e a adequação da estrutura produtiva às necessidades econômicas deste projeto. Estruturar a vida coletiva, garantir emprego de qualidade e acesso universal a saúde, educação e cultura e demais serviços sociais básicos devem constituir objetivos finais da política econômica. Esse projeto se opõe frontalmente ao projeto neoliberal, onde o desenvolvimento é um conceito esvaziado, entregue a um pretenso caráter natural do sistema capitalista, cuja operação, livre de interferências do Estado, levaria a uma alocação eficiente de recursos

(Dweck; Rossi, 2019DWECK, Esther; ROSSI, Pedro. Políticas sociais, distribuição, crescimento e mudança estrutural. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019., p. 98).

Para Mercadante (2010, p. 36)MERCADANTE, Aloiso. Brasil: a reconstrução retomada. São Paulo: Terceiro Nome, 2010., o Social Desenvolvimentismo consiste “[...] no compromisso fundamental de impulsionar a constituição de um amplo mercado de consumo de massa, que promovesse a inclusão de milhões de brasileiros, universalizasse as políticas sociais básicas e resolvesse um drama histórico da concentração de renda e riqueza”.

No campo teórico e retórico, o Social Desenvolvimentismo se enraizou no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp) na primeira década dos anos 2000 e ganhou corpo com os estudos do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon), dirigido por Ricardo Carneiro, e com a estruturação da Rede D em 2011. Há, posteriormente, contribuições expressivas de economistas da UFRJ e da América Latina – destacados intelectuais da Argentina, do México e do Uruguai também podem ser categorizados de social desenvolvimentistas1 (1) Fabián Amico, Alejandro Fiorito, Guillermo Wierzba, Arturo Guillén, entre outros. . Muitos desses intelectuais mantêm contato com os colegas brasileiros mediante a atuação no Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

O mapeamento da produção teórica nesses espaços e das conexões acadêmicas funcionou como um mecanismo norteador – mas não único – utilizado neste artigo para selecionar autores e obras a serem consultados. A maioria está inserida na Rede D. Por exemplo, os membros com atuações mais significativas no âmbito da Rede D para o Social Desenvolvimentismo são: Ricardo Carneiro, Eduardo Mariutti, Pedro Paulo Zaluth Bastos, Fernando Sarti, Célio Hiratuka, Claudio Maciel, Carlos Brandão, André Biancarelli, Francisco Lopreato, Paulo Baltar, Anselmo dos Santos, Fernando Nogueira da Costa, Walter Belik, Aloísio Teixeira, André Singer, Carlos Lessa, Cláudio Dedecca, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, Luciano Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzzo, Pedro Rossi, Márcio Pochmann, Maria da Conceição Tavares, Paul Singer, Ricardo Bielschowsky, Samuel Pinheiro Guimarães, Tânia Bacelar, José Luiz Fiori e Wilson Cano.

No âmbito da Rede D, os autores do Social Desenvolvimentismo produziram o documento O desenvolvimento brasileiro: temas estratégicos, de 2012. No texto, importantes autores do Social Desenvolvimentismo apresentam o conjunto de temas e de ideias estratégicas crucial para que o Brasil rompa com o subdesenvolvimento. Na visão do Social Desenvolvimentismo, qualquer política econômica de conteúdo desenvolvimentista, atualmente, tem de se atentar para duas dimensões distintas e articuladas do Estado e do mercado: a doméstica e a internacional.

Em âmbito doméstico, o documento define como temas estratégicos e cruciais ao desenvolvimento econômico brasileiro os seguintes pontos: a) agricultura; b) setor produtor de commodities; c) industrialização; d) infraestrutura econômica e social; e) relacionamento entre as regiões brasileiras e a qualidade de vida nas cidades, f) financiamento externo e interno da economia; g) tributos, transferências e gastos; h) mercado de trabalho e a questão estrutural do emprego; i) políticas sociais ativas; j) Estado desenvolvimentista (Carneiro et al., 2012CARNEIRO, Ricardo M. Velhos e novos desenvolvimentismos Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 749-778, 2012.).

Na dimensão internacional, o texto produzido pela Rede D elenca os seguintes pontos estratégicos para o Brasil se desenvolver: a) reformulação da ordem/governança econômica internacional; b) futuro do sistema monetário internacional e do padrão-dólar; c) organização e evolução do mercado de commodities; d) ascensão de novos atores estatais ao centro econômico, com atenção para a China; e) consolidação de blocos regionais, dando ênfase à América do Sul (Carneiro et al., 2012CARNEIRO, Ricardo, et al. O desenvolvimento brasileiro: temas estratégicos. Campinas: Rede Desenvolvimentista, 2012.).

De acordo com Castelo (2012)CASTELO, Rodrigo. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica do pensamento econômico brasileiro. Serviço Social, São Paulo, n. 112, p. 613-636, 2012., o documento estruturado pela Rede D pode ser considerado como a pauta político-ideológica do Social Desenvolvimentismo para atuação do Estado Desenvolvimentista brasileiro. O trabalho da Rede D e dos autores do Social Desenvolvimentismo contou, além dos espaços acadêmicos e de pesquisa – como IE-Unicamp, UFRJ, Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento –, com o apoio de setores mais vanguardista da mídia, como as revistas Carta Capital e Le Monde Diplomatique Brasil e a agência de notícia Carta Maior.

O documento da Rede D, O desenvolvimento brasileiro: temas estratégicos, é um bom ponto de partida para mapear, sistematizar e esquematizar a macroeconomia do Social Desenvolvimentismo. Entretanto, o documento é datado de 2011, após isso houve várias novas contribuições e até mesmo autocrítica dos autores pertencentes a essa escola. A próxima seção buscou agrupar esses escritos, focando nos estudos da macroeconomia, e apresentá-los de forma sistematizada e esquematizada.

A macroeconomia do Social Desenvolvimentismo

Um bom ponto de partida para compreender os estudos, preceitos e discursos acerca da macroeconomia do Social Desenvolvimentismo é saber que o Social Desenvolvimentismo distingue política macroeconômica de regime macroeconômico. Segundo Rossi (2014)ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., a primeira é um arranjo macroeconômico de curto prazo para responder às crises econômicas, choques externos e administrar os conflitos crescimento vs inflação; juros altos vs câmbio valorizado; inflação vs desemprego etc. O segundo é composto pelo conjunto de regras, de limites, de objetivos e de diretrizes – muitas vezes institucionalizado – com orientações em longo prazo de como se deve portar a política macroeconômica.

Para Bastos (2012, p. 804)BASTOS, Pedro. P. Z. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 779-810, 2012., “A política macroeconômica, ao contrário do que querem os ingênuos, não é domínio dos técnicos (macroeconomistas ou não), mas a esfera da luta ou do conluio entre a grande finança (os “mercados”) e o Estado [...]”. Os autores do Social Desenvolvimentismo, desse modo, entendem a política macroeconômica como mais uma política econômica, assim como foi definida por Tinbergen (1956, p. 6)TINBERGEN, J. On the theory of Economic Policy. Amsterdam: North-Holland Publishing Company, 1956., isto é “[...] economic policy consists of the deliberate manipulation of a number of means in order to attain certain aims” e como apresentada por Kirschen (1974, p. 9)KIRSHEN, E. S. (Ed.). Economic policies compared – West and East. Amsterdam: NorhHolland Publishing Company, 1974. “[...] processo pelo qual o governo hierarquiza certos objetivos à luz dos seus fins de política econômica geral e usa instrumentos ou alterações institucionais para os alcançar".

Segundo Rossi (2014, p. 199)ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., enquanto o regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo tem duas funções basilares: “[...] i) orientar a política macro para uma atuação anticíclica; e ii) criar um ambiente macroeconômico favorável ao investimento”, a política macroeconômica se restringe a três dimensões: a) política fiscal; b) política monetária e c) política cambial. Conforme o autor:

Nesse sentido, a política macro está sujeita a determinadas diretrizes e aos imperativos da conjuntura, já o regime macroeconômico passa por um planejamento econômico e por uma perspectiva de longo prazo. Ele é, portanto, uma variante estrutural da política macro no sentido de condicionar a atuação do Estado como executor de políticas macroeconômicas. [...] Nesses termos, de acordo com a definição, políticas estruturais são aquelas ligadas à definição do regime macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante, meta de superávit fiscal) e as políticas conjunturais estão ligadas à gestão do regime (política monetária, cambial e fiscal)

(Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., p. 198).

A política macroeconomia, por estar condicionada aos imperativos conjunturais, segundo Rossi (2014)ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., demanda maior liberdade de atuação do policy maker. Isso é essencial, porquanto a administração da política fiscal, monetária e cambial interfere diretamente nos agregados macroeconômicos, ou seja, impacta o nível de renda, do produto, de preços, do emprego, o balanço de pagamentos e as taxas de câmbio e de juros em curto prazo. Tal realidade permite que o governo atue de forma mais dinâmica com medidas anticíclicas, resguardando de choques externos decorrentes de crises internacionais ou recessões endógenas por outros motivos.

O pressuposto implícito nesta tarefa é que o modo de produção capitalista tem mecanismos cíclicos endógenos e tende a gerar crises periódicas. [...] Aqui se segue a tese geral de Marx, Keynes, Schumpeter e Kalecki de que as forças de mercado não são harmônicas e a economia capitalista é inerentemente instável e tende a gerar ciclos e crises

(Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., p. 200).

O regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo, por sua vez, deve ser edificado no âmbito de políticas estruturais e não conjunturais, levando em consideração o projeto desenvolvimentista proposto em toda a sua complexidade. O regime macroeconômico, dessa maneira, deve ser condicionado pelo quadro institucional estatal. Isso não quer dizer que ele tenha de ser engessado e fechado. “A despeito disso, todo regime macro tem algum grau de flexibilidade e pode dar espaço para diferentes formas de manejo da política no mesmo quadro institucional, assim como para formas distintas de interpretação das regras e diretrizes” (Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., p. 198).

O Social Desenvolvimentismo apregoa que o regime macroeconômico estabeleça um conjunto de regras, de objetivos, de diretrizes e de limites em longo prazo, mas, ao mesmo tempo, que possa ser repensado e reformulado de acordo com o funcionamento dos três motores do desenvolvimento econômico apresentados pela corrente, por exemplo, aprofundamento do processo de distribuição de renda e de expansão da infraestrutura econômica e social. O conjunto de diretrizes, de regras, de objetivos e de limites do regime macroeconômico, além de criar um ambiente macroeconômico favorável ao investimento produtivo, também orienta a política macroeconômica para a sustentação do crescimento econômico (Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014.).

Em vista disso, a pesquisa prefere afirmar que o regime macroeconômico no Social Desenvolvimentismo precisa ter adaptabilidade, e não necessariamente flexibilidade. O termo flexibilização, ainda mais utilizado no contexto de regimes institucionais, carrega uma conotação excessivamente pejorativa diante do mercado financeiro e das camadas sociais produtivas, podendo transparecer “falta de regras” na condução da política econômica do governo e “imprevisibilidade” de ação. No Social Desenvolvimentismo há a adoção de um regime macroeconômico pré-definido, contudo, ele não é engessado e imutável. O regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo é adaptável, porém sempre comprometido com o controle inflacionário e a estabilidade macroeconômica, ao mesmo turno com a efetividade econômica da taxa de juros, da taxa de lucros e da taxa de câmbio com o propósito de atender à necessidade de superação do subdesenvolvimento econômico brasileiro.

A adaptabilidade do regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo é primordial para que a administração da macroeconomia não submeta o Estado a um constrangimento intertemporal, restringindo a intervenção econômica somente às falhas de mercado. O regime macroeconômico tem de viabilizar o intervencionismo econômico de longo prazo característico do Estado Desenvolvimentista e ir se adaptando conforme o processo de desenvolvimento econômico ampliar, integrar e sofisticar a estrutura produtiva da nação (e consequentemente o posicionamento do país na economia internacional) e diminuir a desigualdade social, o desemprego estrutural e a vulnerabilidade externa.

O Social Desenvolvimentismo, assim, professa o manejo da política macroeconômica e a construção de regime macroeconômico adaptável, e não engessado como o atual mecanismo do tripé macroeconômico. Desde 1999, o regime macroeconômico brasileiro foi aos poucos sendo institucionalizado e pautado em três mecanismos: a) câmbio flutuante, b) metas de inflação e c) regime de meta fiscal primária. Esse modelo ficou conhecido como tripé macroeconômico. O Social Desenvolvimentismo reconhece a importância dessas três dimensões para a estabilidade do atual regime, mas afirma que o modelo pode ser aperfeiçoado e adaptado para comportar ações de um Estado Desenvolvimentista e seu modelo de plan rational.

Política cambial do Social Desenvolvimentismo

A política cambial, de acordo com Belluzzo (2016)BELLUZZO, Luiz G. Os emergentes e a globalização. In: LASTRES, Helena, et al. (Org.). O futuro do desenvolvimento: ensaios em homenagem a Luciano Coutinho. Campinas: IE-Unicamp, 2016., não pode adotar regimes extremos, ou seja, taxa fixa ou livre flutuação. Para Biancarelli e Rossi (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., o regime cambial tem de se manter com certa flutuação, uma vez que a flexibilidade cambial absorve rapidamente os choques externos, segurando pressões inflacionárias e não sobrecarregando a política monetária. A política cambial, no entanto, tem de manter uma dinâmica menos sujeita às distorções financeiras, reduzindo a atuação dos especuladores e as operações de carry-trade2 (2) “O carry trade constitui uma estratégia de negociação alavancada envolvendo duas moedas, que pode ser realizada por meio do sistema bancário ou por apostas no mercado de derivativos. Em sua primeira forma, consiste basicamente em tomar fundos emprestados de economias com baixas taxas de juros, como EUA, Japão e Suíça, e aplicá-las em países de juros altos, como o Brasil e a Turquia. [...] Um ganho de arbitragem provém dos diferenciais das taxas de juros, mas o ganho final depende do (desconhecido) comportamento da taxa de câmbio. O especulador aposta em uma taxa de câmbio estável ou uma depreciação da moeda de financiamento (funding currency) e uma valorização da moeda alvo (target currency). Estes movimentos cambais proporcionam um ganho adicional para o especulador, uma vez que depreciam o empréstimo e valorizam seu rendimento” (Mello; Conti; Rossi, 2019, p. 184-185). , particularmente na atuação no mercado futuro, e permitindo maior liquidez no mercado. Dweck e Rossi (2019, p. 111)DWECK, Esther; ROSSI, Pedro. Políticas sociais, distribuição, crescimento e mudança estrutural. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019. utilizam o termo “regime de flutuação administrada”, que seria um modelo de administração da taxa de câmbio sem metas específicas, mas adaptável às circunstâncias.

O regime de flutuação administrada, de acordo com Rossi (2016)ROSSI, Pedro. Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016., justifica-se em razão de quatro motivos: a) ciclo de preço de commodities; b) doença holandesa; c) influência dos mercados financeiros e d) carry-trade. Conforme Rossi (2016)ROSSI, Pedro. Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016. e Mello, Conti e Rossi (2019)MELLO, Guilherme; CONTI, Bruno de; ROSSI, Pedro. Estabilizando a taxa de câmbio em patamares competitivos: propostas para conter a volatilidade cambial de uma moeda periférica. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019., em economias fortemente dependentes da exportação de commodities o preço do câmbio funciona como um importante instrumento para amenizar o impacto da volatilidade da receita de exportação de commodities e a doença holandesa.

A doença holandesa, segundo Bresser-Pereira (2016BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Economia Política, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 237-265, 2016.; 2018)BRESSER-PEREIRA, Luiz C. Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil. São Paulo: FGV, 2018., é consequência da apreciação excessiva da taxa de câmbio em razão das rendas do comércio externo oriundo da exportação de commodities e recursos naturais com altas vantagens competitivas, forçando a especialização regressiva e a desindustrialização da estrutura produtiva. O regime de flutuação administrada evitaria a doença holandesa. A política cambial, ademais, tem a função, para o Social Desenvolvimentismo, de neutralizar as distorções temporárias e/ou conjunturais causadas pelo setor financeiro que adota, não raramente, comportamentos de manada, impossibilitando que a taxa de câmbio fique em seu preço de equilíbrio. Por fim, o modelo estabelece como outro motivo para um regime de flutuação administrada de câmbio a neutralização das operações de carry-trade. Essas são investimentos intermoedas visando ganhos especulativos com diferenciais de juros pelos agentes financeiros (Rossi, 2016ROSSI, Pedro. Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016.; Mello; Conti; Rossi, 2019MELLO, Guilherme; CONTI, Bruno de; ROSSI, Pedro. Estabilizando a taxa de câmbio em patamares competitivos: propostas para conter a volatilidade cambial de uma moeda periférica. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019.).

O regime de flutuação administrado, segundo Mello, Conti e Rossi (2019)MELLO, Guilherme; CONTI, Bruno de; ROSSI, Pedro. Estabilizando a taxa de câmbio em patamares competitivos: propostas para conter a volatilidade cambial de uma moeda periférica. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019., poderia empregar três instrumentos para reduzir a volatilidade e impedir a sobrevalorização cambial quando for indesejada: a) leilões de compra e venda de moeda estrangeira; b) controle de entrada e de saída de capitais; e c) adoção de medidas regulatórias para os agentes de mercado futuro e interbancário sobre posições de câmbio.

Os leilões de compra e venda da moeda estrangeira podem ser realizados, conforme os autores, por meio das operações de swap reverso, ou seja, o governo atua vendendo dólar futuro e concomitantemente compra dólar à vista para depreciar a moeda no futuro. Mello, Conti e Rossi (2019)MELLO, Guilherme; CONTI, Bruno de; ROSSI, Pedro. Estabilizando a taxa de câmbio em patamares competitivos: propostas para conter a volatilidade cambial de uma moeda periférica. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019. sugerem como controle de entrada e saída de capitais a instituição do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações cambiais. Com a taxação nas operações cambiais, por meio do IOF, as operações de venda de dólar futuro ficam mais custosas, havendo, dessa maneira, uma barreira para a especulação no mercado futuro sem interferir no mercado interbancário, que possui formas de captação de moeda estrangeira diferenciadas.

A adoção de medidas regulatórias para os agentes de mercado futuro e interbancário sobre posições de câmbio pode ocorrer mediante o estabelecimento de regras para determinar depósitos sobre os valores nocionais dos contratos, estabelecendo até mesmo limites e prazos para as negociações dos contratos. Outra ação, elencada pelos autores, é a oneração do excesso de posição vendida dos bancos. Nos termos de Belluzzo:

[...] no sistema bancário contemporâneo a liquidez não é controlada pela “quantidade de reservas”, mas pelo “pedágio”, a taxa cobrada para o acesso dos bancos-membros ao “emprestador de primeira instância”, o Banco Central (BC). Ainda que não conste legalmente em seu mandato, o BC deve buscar equilibrar o desejo por ativos líquidos e não líquidos de forma a defender o poder aquisitivo da moeda, não permitir níveis de alavancagem temerários e, por fim, mas não menos importante, zelar pelo pleno emprego das forças produtivas

(Belluzzo, 2016BELLUZZO, Luiz G. Os emergentes e a globalização. In: LASTRES, Helena, et al. (Org.). O futuro do desenvolvimento: ensaios em homenagem a Luciano Coutinho. Campinas: IE-Unicamp, 2016., p. 72).

A adoção dessas medidas, para o Social Desenvolvimentismo, permite que a taxa de câmbio nas economias periféricas fique menos sujeita aos ciclos especulativos ou ciclos internacionais de liquidez. Além disso, o regime de flutuação administrado proporciona mudanças essenciais na operacionalização do mercado de câmbio na economia nacional, como a transferência de operações do mercado de derivativos para o mercado à vista, o aquecimento do mercado interbancário, menor fragilidade financeira da economia, redução da volatilidade cambial e estabilização do valor da moeda brasileira em um patamar competitivo (Rossi, 2016ROSSI, Pedro. Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2016.; Mello; Conti; Rossi, 2019).

Políticas anti-inflacionárias do Social Desenvolvimentismo

As metas de inflação, para o Social Desenvolvimentismo, são um excelente indicador de compromisso estatal com a estabilidade de preços e de referência para a política monetária. O regime de metas de inflação, entretanto, para Biancarelli e Rossi (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., não pode se manter extremamente rígido em um Estado Desenvolvimentista, pois inviabiliza o processo de transformações estruturais da economia. Rossi (2014)ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014. afirma que o regime de metas de inflação do Social Desenvolvimentismo precisa levar em consideração três aspectos: a) meta de inflação não é uma questão única de política monetária; b) adoção de uma meta de inflação flexível, capaz de acomodar as pressões de preços que são inerentes ao processo de desenvolvimento econômico em virtude das transformações estruturais e de outros choques de oferta; e c) adoção de outros instrumentos, e não somente da taxa de juros, para se manter dentro da meta de inflação, uma vez que a origem do fenômeno e a natureza da pressão inflacionária podem ser diversos.

De acordo com Rossi (2014)ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., a flexibilização do regime de metas de inflação não é algo incomum e imprudente de se realizar. Na verdade, um expressivo número de países está flexibilizando o regime de metas de inflação de sua economia desde a crise mundial de 2008. A institucionalização de um regime de meta de inflação mais flexível do que a atual brasileira pode ser realizada pela edificação de novas formas de gestão do processo inflacionário – abarcando não somente o Banco Central do Brasil (BCB), mas também outros órgãos, agências e ministérios do governo – e pode escolher diversos enquadramentos institucionais.

Os modelos de enquadramento institucional de meta de inflação elencados pelo Social Desenvolvimentismo são amplos, logo a corrente não elege um. Rossi (2014)ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014. lista como possíveis novos desenhos institucional do regime de meta de inflação os seguintes:

[...] i) o formato da meta, que pode ser pontual ou com bandas, nesse último caso ainda há a alternativa de se ter, ou não, uma meta central; ii) a escolha do índice, que pode ser um índice cheio ou um núcleo de inflação; iii) o horizonte temporal da meta, que determina o período para o qual a meta deve ser cumprida; e iv) os instrumentos de política monetária usados para operacionalização do sistema. [...] sistema conhecido como janela móvel (rolling window), no qual o cumprimento da meta é avaliado todo mês, considerando a inflação acumulada em um determinado número de meses (normalmente 12). Uma terceira alternativa, tal como ocorre na Austrália, é não fixar horizonte fixo, mas considerar que as metas devem ser alcançadas em média ao longo do tempo

(Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., p. 214).

A inflação, para o Social Desenvolvimentismo, não é algo oriundo somente da política monetária – como professa a escola Monetarista-Neoliberal –, mas há questões estruturais impostas pelo próprio subdesenvolvimento econômico, como: desigualdade social, gargalos em infraestrutura, transporte, logística, energia etc. Esses fatores fazem com que a inflação no Brasil não se restrinja a um problema somente do lado da demanda, mas do lado da oferta também (Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014.; Biancarelli; Rossi, 2014BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014.).

Tendo isso em mente, o Social Desenvolvimentismo apregoa que o regime de meta de inflação tem de ser adaptado para acomodar “[...] as pressões de preços decorrentes das transformações estruturais inerentes ao processo de desenvolvimento e outros choques de oferta” (Biancarelli; Rossi, 2014BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., p. 35). Se a pressão inflacionária tem caráter estrutural, e não somente monetário, os investimentos em infraestrutura econômica e social (terceiro motor) são ferramentas basilares para dinamizar o crescimento econômico e funcionam como política de controle de preços, evitando inflação derivada de um aumento dos custos de produção.

O regime de metas de inflação do Social Desenvolvimentismo, ademais, tem de se atentar não somente para a evolução do preço de bens, mas também considerar a evolução dos preços de ativos financeiros. Sem o controle dos preços dos ativos financeiros, o investimento pode não ocorrer, “[...] uma vez que os agentes preferem manter sua riqueza sob a forma líquida mesmo com novos parâmetros de rentabilidade” (Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., p. 217). É preciso desestimular que os capitalistas produtivos aloquem sua renda no mercado financeiro, incentivando-os investir na produção real, migrando de ativos líquidos para ilíquidos. Assim, a observação da evolução dos preços de ativos financeiros se torna tão fundamental quanto a dos preços de bens no Estado Desenvolvimentista, com claro objetivo de “[...] estimular o investimento produtivo e ao mesmo tempo evitar o desenvolvimento de bolhas em preços de ativos” (Rossi, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014., p. 217).

Para o Social Desenvolvimentismo, a meta de inflação não se restringe à regra de Taylor (1993)TAYLOR, J. B. Discretion versus policy rules in practice. Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy, v. 39, p. 195-214, 1993., sobretudo na questão em que estipula a taxa nominal de juros necessária para adequar o produto corrente ao produto potencial compatível com a curva de oferta de longo prazo. O Social Desenvolvimentismo, assim, é crítico ao controle inflacionário exclusivamente via aumento da taxa de juros.

Em virtude da inflação estrutural da economia brasileira e da inflação pelo lado da oferta, o aumento da taxa de juros de forma sistemática e persistente – como único instrumento para controlar a evolução dos preços de bens – faz com que o investimento oriundo da camada social produtiva seja inibido e se retraia, levando-a a preferir outras formas de rentabilidade. Isso faz com que a infraestrutura não se aperfeiçoe e a oferta não aumente, reforçando as causas da inflação e afetando a demanda agregada ao estabelecer um círculo vicioso de pressão inflacionária-recessão, e não um trade-off entre pressão inflacionária vs crescimento.

É preciso, para a corrente, que haja outros instrumentos para frear uma pressão inflacionária. Biancarelli e Rossi (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014. propõem como mecanismo alternativo a taxa de juros para manter o regime de metas de inflação, o manejo de tarifas de importação e exportações. De acordo com os autores:

No caso de produtos predominantemente importados, como o trigo, por exemplo, a redução das tarifas de importação pode ser usada nos momentos de aumento de preços desse produto no mercado internacional. No caso do aumento do preço de produtos da pauta de exportação brasileira que tenham impacto importante no índice de inflação, o imposto sobre exportações é uma alternativa. Esse aumento terá como efeito o redirecionamento da produção destinada à exportação para o mercado interno, aumentando a oferta e reduzindo os preços. No caso das commodities e nos demais casos onde a inflação decorre de problemas de oferta, a eficácia do uso da taxa de juros como instrumento de política monetária é extremamente limitada. O aumento dos juros tende a inibir o investimento e retrair a oferta, logo, reforça as causas da inflação

(Biancarelli; Rossi, 2014BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., p. 35).

O regime de metas de inflação para o Social Desenvolvimentismo precisa seguir a lógica da Teoria de Keynes e administrar o trade-off entre inflação e crescimento. Nesse sentido, a política monetária deve sinalizar as taxas de juros para que as riquezas sejam alocadas ou na forma líquida ou para o investimento produtivo. Dessa maneira, o regime de metas de inflação não é um modelo de gestão “estrito” com objetivo único e exclusivo do Banco Central, mas um modelo “adaptável” em que outras variáveis, como o produto, são consideradas.

Política fiscal do Social Desenvolvimentismo

Por fim, a política fiscal e seu regime de meta fiscal primária. A meta fiscal primária, conforme demonstram Biancarelli e Rossi (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., desconsidera o ciclo econômico e a relação de endogenia entre o gasto público e o crescimento. O modelo atual de metas fiscais anuais é estruturado em cima de um resultado fiscal pró-cíclico em virtude da dependência da geração de renda e/ou do crescimento econômico. Isso faz com que o governo se comprometa com um resultado fiscal pautado em projeções de arrecadação e de crescimento econômico que frequentemente não são alcançadas. Como solução para essa questão, os autores prescrevem duas alterações para a modernização da política fiscal.

A primeira modernização da política fiscal seria a adoção de um regime de meta fiscal de médio prazo para “[...] atuar de forma a ter momentos expansionistas e outros contracionistas e, na média do período, garantir o superávit previsto” (Biancarelli; Rossi, 2014BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., p. 33). A segunda consistiria na criação de “[...] um fundo orçamentário com reservas de recursos públicos” (Biancarelli; Rossi, 2014BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., p. 33). O fundo orçamentário teria de contar com regras rígidas e transparentes para obrigar o Estado a poupar o excesso de arrecadação nos momentos de alto crescimento, permitindo a expansão do investimento público nos períodos de baixo crescimento e contracionistas da economia. Esse mecanismo institucional e transparente auxiliaria o governo a atingir sua meta de superávit fiscal anualmente.

As duas medidas propostas pelo Social Desenvolvimentismo ao regime e à meta fiscal têm o intento de proporcionar a institucionalização da política anticíclica no regime macroeconômico, ao mesmo tempo em que mantêm sua capacidade de atuar no desenvolvimento econômico. O fundo orçamentário para atingir o superávit primário, por exemplo, é um aparato legal que, além de permitir a expansão do investimento público na baixa do ciclo econômico e disciplinar o Estado Desenvolvimentista a poupar o excesso de arrecadação na alta do ciclo econômico – como próprio Keynes prescrevia –, sinaliza ao mercado financeiro e às camadas sociais produtivas a situação, o compromisso e as ações do governo, reduzindo a instabilidade do sistema (ROSSI, 2014ROSSI, Pedro. Regime macroeconômico e o projeto social-desenvolvimentista. In: CALIXTRE, André. B. et al. (Org.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, 2014.).

Para Dweck e Rossi (2019)DWECK, Esther; ROSSI, Pedro. Políticas sociais, distribuição, crescimento e mudança estrutural. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019., o Social Desenvolvimentismo somente seria viabilizado se o Estado adotasse regras fiscais com bases nos seguintes princípios: a) diretrizes voltadas para reduzir a pró-ciclicidade, permitindo que o governo volte a atuar na direção contrária à de famílias e de empresas, essencialmente em momentos de recessão; b) estabelecimento de regras de escape para situação atípicas, como baixo crescimento e alto desemprego – estagflação; c) maior adaptabilidade na política fiscal em virtude das conjunturas, negando seu modelo de longo prazo; e d) adoção de mecanismos de transparência e prestação de contas para a sociedade.

Investimento em infraestrutura social

Com a adoção dessa política e regime macroeconômico, segundo os autores do Social Desenvolvimentismo, haveria mais espaço para o Estado retornar seus projetos desenvolvimentistas, e o principal deles seria o investimento em infraestrutura social. Nesse ponto, os investimentos do governo objetivam promover o aumento da produtividade e da competitividade da economia brasileira, seja a partir de obras de infraestrutura pró-capitais (transporte e energia), seja nos gastos em infraestrutura social ou pró-trabalho (educação, saneamento básico, seguridade social, lazer etc.) (Bielschowsky, 2012BIELSCHOWSKY, Ricardo. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual. Economia e Sociedade, Campinas v. 21, n. especial, p. 729-747, 2012.).

Na visão dos autores Bielschowsky (2012)BIELSCHOWSKY, Ricardo. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um desenho conceitual. Economia e Sociedade, Campinas v. 21, n. especial, p. 729-747, 2012., Bastos (2012)BASTOS, Pedro. P. Z. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 779-810, 2012., Carneiro (2012)CARNEIRO, Ricardo M. Velhos e novos desenvolvimentismos Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p. 749-778, 2012. e Biancarelli e Rossi (2014)BIANCARELLI, André. M.; ROSSI, Pedro. L. A política macroeconômica em uma estratégia social-desenvolvimentista. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, Brasília, n. 1, p. 21-38, 2014., a expansão da infraestrutura social em longo prazo não somente reduziria o déficit social do país e aumentaria o investimento agregado, mas geraria impactos indiretos na sociedade capazes de alterarem positivamente a efetividade das capacidades produtivas, oportunizando sua ampliação, sua integração e sua sofisticação. Os principais impactos indiretos são o aumento da produtividade do trabalho por meio da melhoria nas condições de vida dos trabalhadores, promovidas pelo aumento da escolarização de qualidade e das condições de saúde, o que por sua vez ocasionaria ganhos de competitividade no preço.

Para os defensores do projeto do Social Desenvolvimentismo, a expansão dos gastos com consumo público gera impactos econômicos diretos. O aumento do emprego público nos segmentos de serviços sociais impacta diretamente sobre o consumo agregado e atua como mecanismo de suavização do consumo ao longo do ciclo econômico. Se houver demanda, as firmas respondem por intermédio de um aumento da produção e da capacidade produtiva.

Os autores se baseiam na premissa de que investimentos públicos apresentam um forte componente de crowding-in. Castro (2012CASTRO, Jorge A. Política social e desenvolvimento no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, número especial, p. 1011-1042, 2012.; 2013)CASTRO, Jorge A. Política social, distribuição de renda e crescimento econômico. In: FONSECA, Ana; FAGNANI, Eduardo (Org.). Políticas sociais, desenvolvimento e cidadania. Economia, distribuição da renda e mercado de trabalho. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013. v. 1. comprova, por meio de cálculos, que o efeito multiplicador dos investimentos em infraestrutura social, por exemplo, consegue elevar a renda e diminuir a desigualdade social de maneira mais eficiente do que os gastos para pagamento de juros da dívida pública, do que os investimentos estatais em construção civil e do que o aumento das exportações e das commodities. Tal fato faz com que o terceiro motor do social Desenvolvimentismo tenha papel basilar no modelo, segundo Dweck e Rossi (2019)DWECK, Esther; ROSSI, Pedro. Políticas sociais, distribuição, crescimento e mudança estrutural. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019..

Em seu desenrolar, essas políticas afetam a situação social dos indivíduos, famílias e grupos sociais, induzindo melhorias na qualidade de vida da população e, ao mesmo tempo, dadas suas dimensões, alteram a economia e a autonomia de um país, o meio ambiente e o próprio patamar de democracia alcançado, tornando-se, assim, elemento fundamental para o processo de desenvolvimento nacional

(Castro, 2012CASTRO, Jorge A. Política social e desenvolvimento no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, número especial, p. 1011-1042, 2012., p. 1012).

Percebe-se que a política e o regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo se incumbem de estipular um modelo inclusivo de capitalismo capaz de reduzir os níveis de desigualdade. A política e o regime macroeconômico do Social Desenvolvimentismo procuram auxiliar no trânsito do capital pelo ciclo e fazer com que sua reprodução seja mais fluida e favorável para as necessidades de crescimento econômico, a reafirmação da soberania nacional, a reformulação do papel do Estado e o choque distributivo no Brasil. Por isso se manisfesta a imbricação do econômico e do político na macroeconomia do Social Desenvolvimentismo, e não um aspecto meramente técnico.

Considerações finais

Ao realizar a seleção, a avaliação, o fichamento e a análise das referências bibliográficas acerca do Social Desenvolvimentismo, a pesquisa concluiu que a escola conta com uma construção científica e discursiva complexa, madura e acentuada. Há importantes textos sobre motores do desenvolvimento econômico, macroeconomia do desenvolvimento e relações internacionais. O pensamento da escola, no entanto, ainda continua em constante aperfeiçoamento, ainda mais após a pandemia mundial do Covid-19, logo, novos estudos serão necessários no futuro.

Por enquanto, em suma, o Social Desenvolvimentismo apregoa o crescimento econômico via aumento da participação dos salários na renda nacional, adensamento da cadeia produtiva em torno das commodities e investimentos em infraestrutura econômica (rodovias, aeroportos, portos, ferrovias, fábricas etc.) e em infraestrutura social (bens de consumo coletivo ou público, como educação, saúde, transporte público, e as condições de vida urbana, como o saneamento, a habitação e o lazer). Esse modelo ocasionaria, segundo o Social Desenvolvimentismo, um estímulo endógeno mais expressivo para o crescimento, alavancando a produtividade da economia e, por consequência, a ampliação, a integração e a sofisticação da estrutura produtiva brasileira.

Para que tal modelo de desenvolvimento econômico tenha êxito, é necessário encontrar um retorno da política na macroeconomia. À luz dos elementos apresentados na segunda seção, que é o cerne do artigo, conclui-se que a política macroeconômica para o Social Desenvolvimentismo tem a ver com os elementos de ordem econômica, os quais, por sua vez, são necessariamente políticos.

Em tempos em que a ortodoxia convencional busca enfatizar o aspecto técnico-administrativo da macroeconomia, o Social Desenvolvimentismo resgata seu aspecto político. Isso, todavia, não quer dizer que o Social Desenvolvimentismo defenda “aventura” ou “populismo” econômico. Ao analisar os estudos sobre macroeconomia do Social Desenvolvimentismo, fica perceptível que a escola defende um modelo mais adaptável e menos engessado, com maior ênfase na intervenção estatal, porém com responsabilidade. Por exemplo, o abandono do tripé macroeconômico, defendido pelo Social Desenvolvimentismo, é pautado em fundamentação econômica e política plausível, consistente e madura.

A intenção deste texto foi de aclarar, inteirar e organizar os estudos e os discursos sobre a macroeconomia no Social Desenvolvimentismo, demonstrando que há estudos e retórica complexos e sofisticados. A preocupação conjuntural com a condução da política econômica e o enfoque estrutural na construção do regime macroeconômico permitem maior adaptação para a realidade brasileira. A política e o regime macroeconômico devem ser condicionados pelo quadro institucional estatal, considerando toda a complexidade do projeto desenvolvimentista do país. Não existe política e regime macroeconômico único, como fazem acreditar os ortodoxos, que aliás estão ficando cada vez mais isolados com o recente revigoramento keynesiano, kaleckiano e estruturalista na atualidade.

Por fim, a economia é uma ciência extremamente influenciada pela ideologia, pois atua na distribuição de renda e de riquezas. Alguns setores ou frações se verão sempre mais favorecidos e outros, mais prejudicados. Isso significa, da perspectiva do campo da política, que é preciso compreender a macroeconomia em uma perspectiva de luta de atuação para a superação do subdesenvolvimento econômico brasileiro. E isso o Social Desenvolvimentismo faz com a propriedade de uma escola de pensamento madura e complexa, contribuindo significativamente para o amadurecimento do debate desenvolvimentista no Brasil.

  • JEL: B20, E10, O11, O30.
  • (1)
    Fabián Amico, Alejandro Fiorito, Guillermo Wierzba, Arturo Guillén, entre outros.
  • (2)
    “O carry trade constitui uma estratégia de negociação alavancada envolvendo duas moedas, que pode ser realizada por meio do sistema bancário ou por apostas no mercado de derivativos. Em sua primeira forma, consiste basicamente em tomar fundos emprestados de economias com baixas taxas de juros, como EUA, Japão e Suíça, e aplicá-las em países de juros altos, como o Brasil e a Turquia. [...] Um ganho de arbitragem provém dos diferenciais das taxas de juros, mas o ganho final depende do (desconhecido) comportamento da taxa de câmbio. O especulador aposta em uma taxa de câmbio estável ou uma depreciação da moeda de financiamento (funding currency) e uma valorização da moeda alvo (target currency). Estes movimentos cambais proporcionam um ganho adicional para o especulador, uma vez que depreciam o empréstimo e valorizam seu rendimento” (Mello; Conti; Rossi, 2019MELLO, Guilherme; CONTI, Bruno de; ROSSI, Pedro. Estabilizando a taxa de câmbio em patamares competitivos: propostas para conter a volatilidade cambial de uma moeda periférica. In: LEITE, Marcos Chiliato. (Org.). Alternativas para o desenvolvimento brasileiro. Santiago: Cepal, 2019., p. 184-185).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2021
  • Aceito
    17 Abr 2023
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