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Análise espacial da relação entre financiamento e especialização industrial por intensidade tecnológica no Brasil

Spatial analysis of the relationship between financing and industrial specialization by technological intensity in Brazil

Resumo

O sistema financeiro brasileiro apresentou incrementos sistemáticos no montante de crédito livre e direcionado após 2001, porém poucos estudos relacionam crédito e distribuição da indústria no território. O objetivo deste artigo é verificar os impactos espaciais da disponibilização de crédito sobre a especialização das microrregiões brasileiras no setor da indústria. Foi utilizado o quociente locacional de vínculos empregatícios na indústria por intensidade tecnológica como indicador de especialização industrial, entre 2006 e 2019, com técnicas de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) e econometria espacial. Os resultados indicam: a existência de autocorrelação espacial em relação ao quociente locacional de vínculos industriais, com clusters espaciais principalmente nas regiões Sudeste e Sul; que há impactos significativos da preferência pela liquidez dos bancos e do crédito do BNDES sobre a especialização industrial das microrregiões, em atividades de baixa e média intensidade tecnológica; e atividade de alta intensidade tecnológica apresentou piora na distribuição espacial.

Palavras-chave
Preferência pela liquidez; Crédito; BNDES; Bancos; AEDE

Abstract

The Brazilian financial system showed systematic increases in the amount of free and earmarked credit after 2001, but few studies relate credit and industry distribution in the territory. This article aims to verify the spatial impacts of the availability of credit on the specialization of Brazilian microregions in the industry sector. The locational quotient of employment relationships in industry by technological intensity was used as an indicator of industrial specialization, between 2006 and 2019, with Exploratory Spatial Data Analysis (AEDE) and spatial econometrics techniques. The results indicate the existence of spatial autocorrelation in locational quotient of industrials’ links, with spatial clusters mainly in the Southeast and South regions, there are significant impacts of the banks’ liquidity preference and BNDES credit on the industrial specialization of microregions, in activities of low and medium technological intensity and; activity of high technological intensity showed a worsening in the spatial distribution.

Keywords
Liquidity preference; Credit; BNDES; Banks; ESDA

Introdução

Na história recente brasileira (período de 2003 a 2014), pode ser observado um incremento consistente nos volumes das concessões de crédito pelo sistema bancário, inicialmente privado e posteriormente pelos bancos públicos. Este boom do crédito foi acompanhado por queda na taxa de desemprego (Matos Filho; Teles, 2018MATOS FILHO, J. C.; TELES, V. K. Crédito e desemprego no Brasil: 2002 a 2015. Rio de Janeiro: FGV, nov. 2018. v. 1. (Working Paper, n. 495).), aceleração do crescimento econômico, aumentos da massa salarial real e redução da taxa de juros básica nominal e real. Isto veio acompanhado por importantes mudanças institucionais, que estimularam o ciclo positivo do crédito no período: mudanças nos instrumentos de alienação fiduciária, criação do crédito consignado em folha de pagamento e aprovação da nova Lei de Falências (Oreiro; Paula, 2021OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192.).

Contudo, este não foi um fenômeno brasileiro somente, visto que o crédito privado cresceu fortemente após a década de 1990, tanto em países desenvolvidos como em emergentes, tendo passado de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2010 (Muller, 2018MULLER, K. Credit markets around the world, 1910-2014. 2018. Pré-print.) e já estava em mais de 250% do PIB nos Estados Unidos na crise do subprime em 2008 (Bezemer, 2014BEZEMER, D. J. Schumpeter might be right again: the functional differentiation of credit. Journal of Evolutionary Economics, New York, v. 24, n. 5, p. 935-950, 2014.).

Apesar da maior relevância do crédito nas economias, historicamente alicerçada em inovações financeiras e institucionais (Muller, 2018MULLER, K. Credit markets around the world, 1910-2014. 2018. Pré-print.; Paula, 2013PAULA, L. F. D. Financiamento, crescimento econômico e funcionalidade do sistema financeiro: uma abordagem pós-keynesiana. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 43, n. 2, p. 363-396, 2013.), ainda existem questões relevantes a serem tratadas tanto de forma empírica como teórica. De um lado é necessário entender como a estratégia do sistema financeiro quanto aos processos de finance e funding impacta sobre o desenvolvimento econômico, investimento produtivo e a inovação, e por outro lado, é necessário considerar um ambiente onde as decisões de produção, investimento e emprego são tomadas sob incerteza (Keynes, 1996KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Rio de Janeiro: Editora Nova Cultural, 1996. p. 328.; Paula, 2014PAULA, L. F. Sistema financeiro, bancos e financiamento da economia: uma abordagem Keynesiana. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.).

Há que se avaliar, além disso, a funcionalidade do sistema financeiro a níveis macro e microeconômicos, ou seja, descobrir se este agente permite suportar um crescimento econômico financeiramente estável e também eficiente do ponto de vista dos custos de intermediação e dos projetos financiados, de forma que as dimensões relacionadas ao problema do financiamento de investimentos de Keynes (1996)KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Rio de Janeiro: Editora Nova Cultural, 1996. p. 328. e da fragilidade financeira das economias de Minsky (1992MINSKY, H. P. The financial instability hypothesis. New York: Levy Economics Institute of Bard College, 1992. p. 9. (Working Paper, n. 74). , 2009)MINSKY, H. P. Estabilizando uma economia instável. Osasco: Novo Século Editora, 2009. possibilitem desenvolvimento econômico e crescimento de longo prazo (Paula, 2013PAULA, T. H. P.; CROCCO, M. A. Financiamento e diversidade Produtiva: um Modelo baseado em Agentes com Flutuações Cíclicas Emergentes. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 5-38, 2013.).

Neste sentido, há uma subestimação sobre entendimento do poder dos fatores financeiros em explicar as diferenças de desenvolvimento das regiões, ao passo que inclusive os efeitos das políticas monetárias em níveis macro impactam de forma diferenciada nos territórios (Dow; Rodríguez-Fuentes, 1997DOW, S. C.; RODRÍGUEZ-FUENTES, C. J. Regional finance: a survey. Regional Studies, Abingdon, v. 31, n. 31.9, p. 903-920, 1997.). Isto porque ainda persiste a necessidade de entender se sistemas financeiros promovem divergência ou convergência econômica nas regiões e quais os impactos da atividade e estrutura bancária sobre o desempenho dos territórios (Dow, 2017DOW, S. C. Regional finance. International Encyclopedia of Geography, Hoboken, p. 1-9, 2017.).

Há uma profícua contribuição empírica acerca dos impactos do sistema financeiro nas economias regionais e sobre o seu desenvolvimento (Cavalcante; Crocco; Jayme-JR., 2004CAVALCANTE, A.; CROCCO, M. A.; JAYME-JR, F. G. Preferência pela liquidez, sistema bancário e disponibilidade de crédito regional. Belo Horizonte: Cedeplar-UFMG, 2004. p. 22. (Textos para Discussão, n. 237). ; Crocco, 2012CROCCO, M. A. Centralidade e hierarquia do sistema financeiro brasileiro. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 22, n. 1, p. 31-79, 2012.; Crocco et al., 2014CROCCO, M. A. et al. Banks and regional development: an empirical analysis on the determinants of credit availability in brazilian regions. Regional Studies, Abingdon, v. 48, n. 5, p. 883-895, 2014.; Dow; Rodríguez-Fuentes, 2020DOW, S. C.; RODRÍGUEZ-FUENTES, C. J. The role of credit in regional divergence: Spanish regions and Eurozone countries. Brazilian Journal of Political Economy, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 712-727, 2020.; Paula; Crocco, 2013PAULA, T. H. P.; CROCCO, M. A. Financiamento e diversidade Produtiva: um Modelo baseado em Agentes com Flutuações Cíclicas Emergentes. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 5-38, 2013., 2014PAULA, T. H. P.; CROCCO, M. A. Instabilidade financeira no espaço: uma abordagem monetária da dinâmica econômica regional monetária da dinâmica econômica regional. Economia e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 52, p. 793-817, 2014.; Rodríguez-fuentes, 2013RODRÍGUEZ-FUENTES, C. J. La banca y el crecimiento económico regional. Una panorámica de la literatura. Ekonomiaz, Logroño, v. 84, n. 3, p. 38-65, 2013.; Romero; Ávila, 2010ROMERO, J. P.; ÁVILA, J. L. T. Sistema financeiro e desenvolvimento regional: um estudo sobre o financiamento bancário da atividade industrial no Brasil. EconomiA, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 217-263, 2010.; Romero; Jayme, 2012ROMERO, J. P.; JAYME, F. G. Financial system, innovation and regional development: the relationship between liquidity preference and innovation in Brazil. Review of Political Economy, Abingdon, v. 24, n. 4, p. 623-642, 2012.). Estudos recentes mostram que os impactos espaciais do crédito e seus transbordamentos nas regiões são assimétricos, impulsionando os níveis de desenvolvimento financeiro das regiões, com influência da preferência pela liquidez dos agentes (Cavalcante; Almeida; Baker, 2016CAVALCANTE, A.; ALMEIDA, R. P.; BAKER, N. The urban dynamics of financial services: centralities in the metropolis. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 26, Número Especial, p. 1245-1286, 2016. ; Crocco; Santos; Amaral, 2010CROCCO, M.; SANTOS, F.; AMARAL, P. V. The spatial structure of financial development in Brazil. Spatial Economic Analysis, Abingdon, v. 5, n. 2, p. 181-203, 2010.; Gama; Bastos, 2018GAMA, F.; BASTOS, S. Q. A. Impacto heterogêneo da incerteza sobre o desempenho econômico das microrregiões brasileiras: uma análise espacial a partir do modelo RGP. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018.; Tonin; Curado; Silva, 2018), podem ser explicados em função da configuração das estruturas demográficas, de negócios e empregos locais (Silva; Jayme-Jr., 2013SILVA, G. J. C.; JAYME-JR., F. G. Estratégia de localização bancária: teoria e evidência empírica aplicada ao estado de Minas Gerais. Economia e Sociedade, Campinas, v. 22, n. 3, p. 729-764, 2013.; Tonin; Curado; Silva, 2018TONIN, J. R.; CURADO, M. L.; SILVA, V. C. E. O que impulsiona o desenvolvimento do setor bancário regional brasileiro? Uma visão pós-Keynesiana. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA (ANPEC), 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018.) e estão relacionados com a heterogeneidade da financeirização analisada espacialmente através de atividades e instituições complexas (Cavalcante et al., 2018CAVALCANTE, A. et al. Financialization and space: theoretical and empirical contributions. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 193-220, 2018.).

Com base na literatura que aborda a relação entre o setor financeiro e o espaço territorial, este artigo tem como objetivo contribuir na análise dos impactos espaciais da disponibilização de crédito bancário e de recursos direcionados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre a especialização industrial das microrregiões brasileiras, no período de 2006 a 2019, utilizando as técnicas de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) e modelos de econometria espacial. A importância da participação do setor industrial no desenvolvimento econômico dos países é um tema recorrente na ciência econômica, a novidade deste trabalho é incorporar à análise as restrições espaciais de crédito distribuído ao longo do tempo para o caso brasileiro.

Além desta introdução, a próxima seção busca realizar uma revisão geral sobre a evolução recente do crédito na economia brasileira e da utilização do BNDES para o financiamento de longo prazo. Em seguida são apresentados os procedimentos metodológicos. Na sequência, é feita a apresentação e análise dos resultados. Por fim, são apresentadas as principais conclusões do estudo.

1 Revisão da literatura

1.1 O mercado de crédito no Brasil

A economia mundial cresceu em média 4,5% ao ano no período 2000-2007, sendo interrompido pela grande crise financeira internacional de 2007/2008 (GCF). Este crescimento foi acompanhado pelo boom de commodities e elevação na liquidez internacional. No Brasil, entre 2001 e 2016 ocorreram elevações nas concessões de crédito, crescimento econômico e expansão na rentabilidade do setor financeiro (BNDES, 2017BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.; Oreiro; Paula, 2021OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192.).

O forte incremento na oferta de crédito no país ocorre entre 2003 e 2008 (tanto de recursos livres para pessoas físicas – PF, quanto crédito para capital de giro para pessoas jurídicas – PJ). Já entre 2008 e 2010 vem a fase de crise e recuperação do impacto da crise financeira internacional sobre a economia brasileira, o que levou à adoção de políticas contracíclicas de aumento da participação do crédito pelos bancos públicos federais, com relevância do crédito direcionado às PJs. O período 2011-2014 é de queda da taxa de retorno do capital privado (Oreiro, 2017OREIRO, J. L. A grande recessão brasileira: diagnóstico e uma agenda de política econômica. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, p. 75-88, abr. 2017.) e de estagnação e acomodação na oferta de crédito, apesar da continuidade da expansão do crédito direcionado (Oreiro; Paula, 2021OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192.; Paula; Alves Júnior, 2020PAULA, L. F.; ALVES JÚNIOR, A. J. Comportamento dos bancos e ciclo de crédito no Brasil em 2003-2016: uma análise pós-Keynesiana da preferência pela liquidez. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 1-32, 2020.).

Como se observa na Figura 1.A, o incremento é substancial nos saldos da carteira de crédito livre (aqueles que possuem flexibilidade e gerência das instituições financeiras com relação à definição dos prazos e taxas disponibilizados, dentro da legislação vigente) e crédito direcionado (linhas em que a taxa de juros e a fonte dos recursos são definidos pelo governo) até o período da crise institucional brasileira do biênio 2015/2016.

Neste período, há no país uma série de fatores que afetam negativamente a economia e a levaram a uma recessão, como a deterioração dos termos de troca, políticas fiscais contracionistas, a crise decorrente da Operação Lava Jato, os reajustes dos preços administrados, os cortes nos gastos públicos (Oreiro; Paula, 2021OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192.; Paula; Pires, 2017PAULA, L. F.; PIRES, M. Crise e perspectivas para a economia Brasileira. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, p. 125-144, 2017.). Por outro lado, tanto o crédito à pessoa física quanto a PJ obtiveram incrementos consistentes (Figura 1.B), porém após a crise de 2015 nota-se uma forte contração do crédito disponibilizado a PJ1 1 No período após o ano de 2020, que não é foco de análise deste estudo, constatam-se novamente incrementos significativos no volume de crédito direcionado do BNDES e bancos públicos na economia brasileira (Figura 1). No entanto, a explicação desta elevação do crédito se encontra em grande parte pelas medidas emergenciais para mitigação dos danos econômicos da pandemia global da covid-19 causados pela paralisação das atividades econômicas no país, por meio de linhas de crédito a vários setores (Portela et al., 2022). .

Quanto à demanda agregada, é observado incremento da formação bruta de capital fixo (FBKF) puxada por elevações na utilização da capacidade instalada das indústrias, após os efeitos da GCF no Brasil, impulsionados pelas políticas anticíclicas adotadas e com grande contribuição da retomada do consumo (Paula; Pires, 2017PAULA, L. F.; PIRES, M. Crise e perspectivas para a economia Brasileira. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, p. 125-144, 2017.). As políticas de crédito do BNDES destinadas ao investimento de longo prazo contribuíram para esta elevação (BNDES, 2017BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.; Oreiro; Paula, 2021OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192.; Paula; Alves Júnior, 2020). Apesar disso, ainda consta na literatura grande discussão sobre a falta de coordenação das políticas anticíclicas adotadas, bem como pelo fato de se privilegiar as desonerações fiscais ao invés dos investimentos públicos entre 2010 e 2014 (Paula; Pires, 2017PAULA, L. F.; PIRES, M. Crise e perspectivas para a economia Brasileira. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, p. 125-144, 2017.). Após 2014, a FBKF apresenta expressivas reduções contribuindo negativamente para a recuperação econômica brasileira.

Figura 1
Saldos da Carteira de Crédito Direcionado e Crédito Livre no Brasil (A) e Saldos da Carteira de Crédito Total, a Pessoas Jurídicas (PJ) e Pessoas Físicas (PF) no Brasil (B), 2007-2022

Já o crédito direcionado na economia brasileira é fornecido principalmente pelas linhas do BNDES2 2 Este banco se constitui em uma instituição de fomento ao desenvolvimento (IFD) brasileiro criado em 1952 pelo então presidente Getúlio Vargas, com o intuito de disponibilizar financiamento de longo prazo para infraestrutura e fomento industrial em função das políticas definidas pelo Governo Federal (BNDES, 2017). . Estes recursos são disponibilizados de forma direta e indireta, considerando que neste último caso os bancos comerciais são responsáveis pela operacionalização aos clientes finais. Mais recentemente os objetivos deste banco se tornaram mais direcionados à promoção do desenvolvimento sustentável e competitivo da economia, com geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais foram incluídos em sua proposta (BNDES, 2017BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.).

A existência desse tipo de instituição financeira pública de desenvolvimento é observada em diversos países, como a Alemanha, China, Coreia do Sul, Espanha, França, Itália e Japão, por exemplo. Por outro lado, a relevância dessas instituições para o financiamento de longo prazo voltou a se elevar devido aos esforços empregados em resposta à GCF, a fim de compensar a redução do crédito no mercado privado e a diminuição da demanda privada. Isso levou várias dessas instituições a aumentarem ainda mais suas carteiras de crédito após aquele período (BNDES, 2017BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.; Pereira; Miterhof, 2018PEREIRA, T. R.; MITERHOF, M. T. O Papel do BNDES e o financiamento do desenvolvimento: considerações sobre a antecipação dos empréstimos do Tesouro Nacional e a criação da TLP. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 3, p. 875-908, 2018.).

Neste sentido, segundo Rodrigues, Afonso e Paiva (2017, p. 12)RODRIGUES, D. A.; AFONSO, J. R.; PAIVA, S. M. Instituições financeiras de desenvolvimento: revisitando lições das experiências internacionais. Revista do BNDES, Brasília, DF, v. 48, p. 7-51, 2017., “a existência de IFDs públicas justifica-se pela presença de setores ou projetos de investimento que requerem financiamento, mas que são preteridos pelo setor privado em razão da maior incerteza em relação a seus resultados futuros”. Ressaltam desta forma a influência positiva das IFDs em momentos de crise do setor financeiro privado ou mesmo quando ocorrem arrefecimento dos investimentos e da demanda agregada nas economias.

No Brasil, o volume do estoque de crédito do BNDES em comparação ao PIB total no país passa de 25,6% em 2001 para 53,7% em 2015 (BNDES, 2017BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.). A Figura 2 mostra a evolução dos desembolsos de recursos do BNDES por município, agrupados anualmente, entre 2006 e 2019 (excluídos os créditos em que foram disponibilizados para múltiplos locais, onde não pode ser identificado o município onde a empresa atuava). Entre 2006 e 2010 há grande evolução nos desembolsos, chegando ao patamar de em torno de 150 bilhões em valores correntes neste último ano, retraindo-se no biênio 2012-2013 e voltando a crescer no biênio 2014-2015.

Figura 2
Valores dos desembolsos do BNDES por setores da CNAE, 2006-2019

Após a utilização do BNDES no contexto de medidas contracíclicas com crédito direcionado pelos bancos oficiais (Oreiro; Paula, 2021OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192.), retraem-se fortemente os seus desembolsos a partir de 2015 em um contexto de crise econômica institucional e com aumento da fragilidade financeira das empresas. A redução na atuação do BNDES também impacta diretamente nos desembolsos para a indústria de transformação brasileira, que atinge patamares mínimos históricos em 2019 (Figura 2).

Neste panorama, este período de redução dos desembolsos foi acompanhado de alterações de políticas operacionais do banco (BNDES, 2017BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.), incluídas a devolução ao Tesouro Nacional em 2016 de R$ 100 bilhões e, em 2018 da mudança do custo básico do banco para uma nova taxa denominada TLP (taxa de longo prazo), que convergiria o custo dos empréstimos ao longo do tempo ao custo de títulos públicos, “eliminando o custo fiscal implícito decorrente da diferença de remuneração entre os recursos emprestados ao BNDES e o custo do serviço da dívida pública” (Pereira; Miterhof, 2018PEREIRA, T. R.; MITERHOF, M. T. O Papel do BNDES e o financiamento do desenvolvimento: considerações sobre a antecipação dos empréstimos do Tesouro Nacional e a criação da TLP. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 3, p. 875-908, 2018., p. 877).

Entender a dinâmica das regiões na disponibilização de recursos financeiros dada a sua participação na produção interna se torna extremamente relevante neste contexto. Em termos de dinamismo regional, historicamente, a região Sudeste tem desempenhado um papel central na economia do país, graças ao seu processo de industrialização proeminente. Isto é observado na Figura 3, que apresenta a distribuição espacial do PIB brasileiro por regiões.

Apesar disso nota-se uma redução da sua participação na composição do PIB brasileiro entre os anos de 2006 e 2020. Esse fato demonstra uma continuidade na redução da importância do maior centro dinâmico do país, tendência que já vinha sendo verificada desde 2002, conforme apontado por Crocco, Santos e Amaral (2010)CROCCO, M.; SANTOS, F.; AMARAL, P. V. The spatial structure of financial development in Brazil. Spatial Economic Analysis, Abingdon, v. 5, n. 2, p. 181-203, 2010. em relação à redução relativa do crédito na região Sudeste nesse mesmo período, enquanto as demais regiões apresentam evolução nesse indicador.

Figura 3
Distribuição espacial do Produto Interno Bruto por região do Brasil, 2006-2019

O Quociente Locacional (QL) é um indicador tradicional em economia regional para avaliar a participação relativa de uma região em determinada perspectiva. Em se tratando de volume de crédito, este indicador compara o montante da participação do crédito na região em relação ao Brasil, à participação do PIB da região ao PIB total do país, sendo adaptação do indicador QL que é tradicionalmente utilizado em estudos regionais (Crocco et al., 2006CROCCO, M. A. et al. Metodologia de identificação de aglomerações produtivas locais. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 16, n. 2, p. 211-241, ago. 2006.; Suzigan et al., 2004SUZIGAN, W. et al. Clusters ou sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. Brazilian Journal of Political Economy, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 548-570, 2004.) que constará na metodologia deste estudo. Desta forma, em sendo uma razão de razões, se a região obtiver valor de QRC superior a 1, o crédito disponibilizado naquele ano é superior à sua participação do seu PIB no período. A distribuição espacial do Quociente Regional de Crédito (QRC) livre (sistema financeiro) e direcionado (BNDES), para o caso das regiões brasileiras, é apresentada na Figura 4.

É observado que a região Sul desde 2006 possui um QRC superior às demais regiões na maioria dos períodos em se tratando de crédito livre (Figura 4.A), ao passo que eleva consideravelmente sua participação em crédito vinculado ao BNDES (Figura 4.B) após 2010. A região Centro-Oeste obteve bom desempenho após 2010, ao observar as elevações importantes em seu QRC de crédito livre e direcionado a partir daquele ano. Demonstra-se aí que as medidas anticíclicas da utilização do BNDES relatados por Oreiro e Paula (2021)OREIRO, J. L.; PAULA, L. F. Macroeconomia da estagnação brasileira. Rio de Janeiro: Alta Books, 2021. p. 192. e BNDES (2017)BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – BNDES. Livro Verde: nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017., podem ter beneficiado mais os Estados destas regiões, alterando temporariamente o centro dinâmico da economia brasileira em função dos efeitos da recuperação da crise daquele período.

Figura 4
Distribuição espacial do Quociente Regional de Crédito (A) e do Quociente Regional de Crédito BNDES (B) por região do Brasil, 2006-2019

Desta forma, além de se observar diferentes dinâmicas de crédito ao longo das regiões brasileiras, há indícios de desconcentração regional do crédito em detrimento de regiões que historicamente apresentam menor dinamismo econômico. Isto porque a região dinâmica do Sudeste apresenta reduções em seu quociente de crédito no período, tanto em crédito livre como direcionado, passando a demonstrar que em 2019, por exemplo, a sua participação de crédito direcionado do BNDES está abaixo da sua participação relativa do PIB. Outrossim, as regiões Nordeste e Norte chegam ao ano de 2019 com QRC-BNDES superior a 1, após importantes incrementos de crédito direcionado a partir de 2016 para estas regiões.

A Figura 5 retoma os resultados acerca da do desempenho histórico da participação total de vínculos industriais no país, em sendo empresas consideradas de Alta, Média e Baixa intensidades tecnológicas – classificações tecnológicas disponibilizadas por Cavalcante (2014)CAVALCANTE, L. R. Classificações tecnológicas: uma sistematização. Nota Técnica IPEA, Brasília, DF, n. 17, p. 21, 2014. –, com relação ao total de vínculos industriais daquele território, para o período 2006-2019.

Figura 5
Participação do total de Vínculos em indústrias de Alta, Média e Baixa intensidades tecnológicas do Brasil, 2006-2019

Importante observar que o padrão de vínculos não é alterado substancialmente no período, sendo que a maior participação se constitui em todos os períodos em vínculos de baixa intensidade tecnológica – 53,5% dos vínculos industriais para o ano de 2006 e 53,1% dos vínculos industriais em 2019. Após 2013, reduz-se a participação de vínculos de média intensidade tecnológica – 46% naquele ano para 43,7% em 2019. Em sendo empregos em indústrias de alta intensidade tecnológica, há redução sistemática em sua participação nos empregos industriais no Brasil.

A Tabela 1 apresenta a evolução da participação percentual de cada grupo de vínculos industriais, de Alta, Média e Baixa intensidades tecnológicas, no Brasil e também em cada uma das suas regiões, considerando a sua representação sobre a quantidade de empregos totais de todas as atividades econômicas, para o período de 2006 a 2019. A região Sudeste apresenta grande proporção nestes tipos de vínculos, representando 9,4% de participação de vínculos industriais totais em relação a todos os vínculos do país em 2006, porém, reduzindo para 7,12% em 2019. O Centro-Oeste foi a única região que elevou a participação deste tipo de emprego no período, de 0,86% para 0,95% do total de empregos industriais do país.

Ao estratificarem-se por regiões e também por intensidades tecnológicas, se verifica claramente que neste período ocorre estagnação ou então queda na participação do emprego industrial na economia brasileira (de 17,8% para 14,52%). Inclusive, todas as intensidades tecnológicas apresentaram queda na participação no emprego total, sendo que a queda foi maior em alta intensidade – queda de 27% na participação.

Tabela 1
Participação (%) do total de Vínculos em indústrias de Alta, Média e Baixa intensidades tecnológicas para o Brasil e cada uma das regiões, com relação ao total de vínculos de todas as atividades econômicas do país, 2006-2019

As regiões que possuem maior representatividade são Sudeste e Sul, de forma que esta variação negativa na participação do emprego industrial foi maior nestas regiões, em todos os níveis de intensidade tecnológica. Tais resultados descritivos estão em consonância com aqueles estudos que demonstram empiricamente que o processo de desindustrialização na economia brasileira é um fato que produz efeitos deletérios sobre a capacidade produtiva do país para geração de emprego e renda e que, é um processo complexo que atinge todas as regiões do Brasil de forma desigual, necessitando de maior entendimento para gerar políticas que revertam estes processos e entendam a dinâmica regional (Bresser-Pereira, 2018BRESSER-PEREIRA, L. C. Em busca do desenvolvimento perdido. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.; Cano, 2012CANO, W. A desindustrialização no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 831-851, 2012. ; Morceiro; Ghilhoto, 2019MORCEIRO, P. C.; GUILHOTO, J. J. M. Desindustrialização setorial e estagnação de longo prazo de manufatura brasileira. São Paulo: Department of Economics – FEA/SUP, 2019. (Working Paper Series, n. 2019-01).; Nassif, 2008NASSIF, A. Há evidências de desindustrialização no Brasil? Brazilian Journal of Political Economy, São Paulo, v. 28, n. 1(109), p. 72-96, 2008.; Sugimoto; Diegues; 2022SUGIMOTO, T. N.; DIEGUES, A. C. A China e a desindustrialização brasileira: um olhar para além da especialização regressiva. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 32, n. 2, p. 477-504, 2022.).

2 Estudos aplicados

O estudo dos impactos do sistema financeiro e do crédito disponibilizado no território tem uma profícua linha de investigação e vem ganhando espaço entre as análises que utilizam o ferramental de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) e modelos de econometria espacial, gerando importantes evidências para subsidiar as políticas públicas para o desenvolvimento econômico e social a nível regional.

Nesta linha de pesquisa, interessa avaliar o padrão e a evolução da disponibilidade de crédito no território, uma vez que a estratégia de lucros diferenciadas do sistema financeiro nos diferentes locais pode gerar restrições importantes na disponibilização dos recursos aos agentes, inclusive gerando padrões centro-periferia (Dow, 1987DOW, S. C. Money and regional development. Studies in Political Economy, v. 23, n. 23, p. 73-94, 1987., 2017DOW, S. C. Regional finance. International Encyclopedia of Geography, Hoboken, p. 1-9, 2017.) nos territórios nacionais. Neste sentido, os resultados de Crocco, Santos e Amaral (2010)CROCCO, M.; SANTOS, F.; AMARAL, P. V. The spatial structure of financial development in Brazil. Spatial Economic Analysis, Abingdon, v. 5, n. 2, p. 181-203, 2010. apontaram que há um padrão de associação positiva entre oferta de crédito per capita e número de filiais na região Sudeste, haja vista que existe baixa concentração em poucos locais. Enquanto isso, a região Nordeste apresenta um padrão espacial negativo, ou seja, alta concentração da oferta de crédito em alguns municípios, os quais possuem municípios vizinhos com baixo desenvolvimento de seu sistema financeiro, demonstrando assim que os custos para acessar o sistema financeiro se alteram substancialmente nos municípios brasileiros.

Silva e Jayme-Jr. (2013)SILVA, G. J. C.; JAYME-JR., F. G. Estratégia de localização bancária: teoria e evidência empírica aplicada ao estado de Minas Gerais. Economia e Sociedade, Campinas, v. 22, n. 3, p. 729-764, 2013. mostraram que a presença dos bancos nos locais vizinhos afeta negativamente as decisões dos bancos em entrarem nos mercados locais; a distribuição de renda afeta a estratégia de localização dos bancos; as contrapartidas políticas importantes para a localização bancária são significativas em municípios menores; e a população do município e os seus depósitos privados no sistema bancário foram relevantes para a estratégia de localização bancária. Pereira e Silva (2021)PEREIRA, G. A.; SILVA, E. C. D. Socioeconomic development of Brazilian municipalities: the role of public and private banks. Estudios Económicos, [s. l.], v. 38, n. 77, p. 147-170, 2021. também constataram que a presença dos bancos influencia os serviços financeiros em seus vizinhos, tanto de bancos públicos como privados e que a presença de bancos impacta no índice de desenvolvimento dos municípios, porém o efeito é maior a contar com a presença de bancos públicos.

Por sua vez, os custos para acessar o sistema financeiro variam significativamente no território, ao passo que são observadas associações espaciais importantes nesta literatura, como no estudo de Cavalcante, Almeida e Baker (2016)CAVALCANTE, A.; ALMEIDA, R. P.; BAKER, N. The urban dynamics of financial services: centralities in the metropolis. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 26, Número Especial, p. 1245-1286, 2016. . Os autores encontram correlação espacial significativa acerca do número de agências e postos bancários, com espaços em distritos centrais com alto crescimento onde há queda no número de agências na vizinhança. Quanto aos postos bancários, que oferecem serviços menos complexos, seu crescimento se deu nas vizinhanças e regiões mais distantes.

Os resultados de Gama e Bastos (2018)GAMA, F.; BASTOS, S. Q. A. Impacto heterogêneo da incerteza sobre o desempenho econômico das microrregiões brasileiras: uma análise espacial a partir do modelo RGP. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018. contribuem nesta direção, ao sinalizarem que a preferência pela liquidez das regiões (indicador resultado da comparação entre a disponibilidade de crédito e o nível de depósitos das instituições financeiras) está associada às variações da preferência pela liquidez dos vizinhos. Além disso, seus resultados permitem inferir que os níveis de atividade econômica das microrregiões localizadas nas regiões Norte e Nordeste são mais sensíveis que as variações da incerteza bancária na própria região e também nas variações da incerteza bancária das microrregiões vizinhas.

Tais efeitos também foram demonstrados em estudos longitudinais, como em Tonin, Curado e Silva (2018)TONIN, J. R.; CURADO, M. L.; SILVA, V. C. E. O que impulsiona o desenvolvimento do setor bancário regional brasileiro? Uma visão pós-Keynesiana. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA (ANPEC), 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018., os quais mostram que entre 2006 e 2018 houve aumento da concentração setorial dos bancos nas regiões Sul e Sudeste. Segundo os autores, o desenvolvimento do setor bancário está diretamente relacionado à preferência pela liquidez do público e dos bancos nas regiões. Constatam ainda que são fatores importantes associados à restrição de crédito nos locais: a presença de uma maior densidade de indústrias intensivas em bens de capital e a existência de grande volume de emprego. Isto porque estes indicadores estão associados negativamente na concentração do setor bancário, ou seja, possuem efeitos sobre a competição bancária distribuída no território, pois ao diluir o risco, permitem a ampliação no volume de crédito e também no número de agências bancárias.

Estes estudos apresentados possuem contribuições relevantes sobre os impactos do sistema financeiro no território. Demonstram assim que os processos de disponibilização de recursos – padrões heterogêneos de oferta de crédito pelo setor financeiro ao longo dos locais, muito embora associados aos já conhecidos fatores de localização (demografia, capital humano, padrões centro-periferia etc.), têm potencial de influenciar a evolução da estrutura produtiva local. Os comportamentos espaciais destes indicadores – dependência espacial e formação de clusters – são consideráveis e desta forma se tornam imprescindíveis para as inferências empíricas. Inclusive, estes estudos e evidências a respeito dos impactos do sistema financeiro no território não se restringem ao caso brasileiro (Barra; Zotti, 2021BARRA, C.; ZOTTI, R. Financial stability and local economic development: the experience of Italian labour market areas. Empirical Economics, New York, n. 62, p. 1951-1979, 2021.; Birkan; Akdogu, 2016BIRKAN, A. O.; AKDOGU, S. K. The geography of financial intermediation in Turkey: 1988-2013. Annals of Regional Science, New York, v. 57, n. 1, p. 31-61, 2016.; Li, 2015LI, Y. The spatial econometric analysis of China’s banking competition and its influential factors. Sustainability, Switzerland, v. 7, n. 12, p. 16771-16782, 2015.; Wang et al., 2019WANG, C. et al. Industrial structure upgrading and the impact of the capital market from 1998 to 2015: A spatial econometric analysis in Chinese regions. Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, Amsterdam, v. 513, p. 189-201, 2019.).

Por outro lado, no âmbito da economia regional (Christaller, 1966CHRISTALLER, W. Central places in southern Germany. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.; Myrdal, 1960MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1960. p. 208.) há uma literatura consolidada acerca das implicações geográficas da localização das indústrias ao longo dos territórios. Porém, ao aplicar o ferramental de econometria espacial, juntamente com a disponibilização de bases de dados longitudinais setoriais, a análise do impacto regional do crédito está não só ampliando a compreensão sobre o efeito da proximidade na colaboração entre as indústrias (Carboni, 2013CARBONI, O. A. Spatial and industry proximity in collaborative research: Evidence from Italian manufacturing firms. Journal of Technology Transfer, New York, v. 38, n. 6, p. 896-910, 2013.), mas também realizando descobertas sobre os clusters industriais significativos e os fatores financeiros que influenciam as inovações (Gezici; Walsh; Kacar, 2017GEZICI, F.; WALSH, B. Y.; KACAR, S. M. Regional and structural analysis of the manufacturing industry in Turkey. Annals of Regional Science, New York, v. 59, n. 1, p. 209-230, 2017.; Kaur; Nakai; Kaur, 2022KAUR, P.; NAKAI, G. P.; KAUR, N. Spatial spillover of product innovation in the manufacturing sector: evidence from India. Journal of the Knowledge Economy, New York, v. 13, n. 1, p. 447-473, 2022.). Assim, é reforçada a relevância deste estudo acerca das evidências sobre os nexos entre finanças e concentração/especialização industrial e seus impactos regionais para o caso brasileiro, a contribuição original deste trabalho.

3 Metodologia

Com o objetivo de verificar os impactos espaciais da disponibilização de crédito sobre a especialização das microrregiões em empregos industriais no Brasil, este trabalho utiliza as técnicas de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) e modelos de econometria espacial. A análise econométrica de dados espaciais vem a contribuir no entendimento das dinâmicas regionais, uma vez que a econometria tradicional ignora questões de dependência (autocorrelação espacial) e heterogeneidade (estrutura espacial) ao longo dos locais (Anselin, 1988ANSELIN, L. Spatial econometrics: methods and models. Dordrecht: Springer Science & Business Media, 1988. p. 284.). Assim, a econometria espacial passou a ser utilizada em diversos campos de análises regionais, uma vez que possibilita a observação da interação entre os agentes, das externalidades e transbordamentos (Golgher, 2015GOLGHER, A. B. Introdução à Econometria Espacial. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 384.). Esta seção apresentará os dados utilizados neste artigo, bem como o procedimento exploratório e econométrico utilizado.

3.1 Dados e indicadores utilizados

Este trabalho empregou dados extraídos em níveis municipais e posteriormente agregados aos níveis das microrregiões brasileiras, para os anos de 2006 a 2019. As variáveis constam no Quadro 1, onde são apresentados adicionalmente o efeito esperado das variáveis independentes e os seus referenciais teóricos associados.

Quadro 1
Variáveis utilizadas, fonte dos dados, efeito esperado e referencial

Os dados utilizados para a criação das variáveis são: opcredito – valor das operações de crédito por município; depavista – valor dos depósitos à vista nas instituições financeiras por município; totalv – quantidade total de vínculos de emprego na microrregião em todos os setores; tvinc – quantidade total de vínculos de empregos dos segmentos de baixa, média e alta intensidade tecnológica do setor manufatureiro, extraído de RAIS (2022)RAIS. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Brasília, DF, 2022. Disponível em: https://bi.mte.gov.br/bgcaged/login.php. Acesso em: 28 ago. 2022.
https://bi.mte.gov.br/bgcaged/login.php...
; bndesit – crédito total disponibilizado à indústria de transformação por microrregião; PIB – Produto Interno Bruto da microrregião, extraído de SIDRA (2022)SIDRA. Sidra: sistema IBGE de recuperação automática. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/. Acesso em: 21 set. 2022
https://sidra.ibge.gov.br/...
.

Quanto aos setores da indústria de transformação utilizados e a sua relação com a intensidade tecnológica, foram empregadas aqui as classificações tecnológicas da OCDE3 3 Esta classificação derivada da OCDE permite associar o setor da indústria com a intensidade em que a empresa utiliza Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), vinculados ao valor adicionado, aos gastos em bens intermediários e de capital e na relação destes com o faturamento. Trata-se de uma classificação amplamente utilizada pelos formuladores de políticas econômicas e pesquisadores em economia da inovação (Cavalcante, 2014). , disponibilizadas por Cavalcante (2014)CAVALCANTE, L. R. Classificações tecnológicas: uma sistematização. Nota Técnica IPEA, Brasília, DF, n. 17, p. 21, 2014. (Quadro A1 – Apêndice A), agrupadas na divisão da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) de dois dígitos para o caso brasileiro. Neste estudo foram formados três grupos: alta, média (média-baixa e média-alta) e baixa intensidade tecnológica.

Foram criados os indicadores de QL de vínculos industriais (Equação 1) como variáveis dependentes, que resultaram nas variáveis lnqltotal, lnqlalta, lnqlmedia e lnqlbaixa. Justifica-se a utilização do QL neste estudo, uma vez que ele permite comparar as estruturas setoriais-regionais, indicando se a localidade analisada possui especialização produtiva em uma atividade específica (Crocco et al., 2006CROCCO, M. A. et al. Metodologia de identificação de aglomerações produtivas locais. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 16, n. 2, p. 211-241, ago. 2006.) ou se o setor se concentra espacialmente em determinadas localidades (Suzigan et al., 2004SUZIGAN, W. et al. Clusters ou sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. Brazilian Journal of Political Economy, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 548-570, 2004., p. 553).

Além disso, regiões com valores acima da unidade neste indicador pode indicar que exista alguma característica endógena que faz com que o setor seja mais importante neste lugar (Piacenti; Lima, 2012PIACENTI, C. A.; LIMA, J. F. Análise regional: indicadores e metodologias. Curitiba: Editora Camões, 2012. p. 134., p. 33). Desta forma, ao serem utilizados neste trabalho dados referentes ao emprego industrial das microrregiões brasileiras, serão melhor identificadas aquelas que possuem especializações na manufatura. Neste estudo poderá ser analisada, desta forma, a relação entre a característica de financiamento na microrregião e seu impacto sobre a especialização/concentração em empregos da manufatura, visto que é relevante para a geração de evidências que favoreçam políticas industriais favoráveis aos sistemas locais de produção (Suzigan et al., 2004SUZIGAN, W. et al. Clusters ou sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. Brazilian Journal of Political Economy, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 548-570, 2004.).

Os indicadores de QL da microrregião relacionam o emprego total do setor manufatureiro (s) da microrregião (i) em cada ano (Esit), com o emprego total da microrregião (i) no ano (t), em proporção ao emprego total na microrregião (i) em cada ano (Eit) dividido pelo emprego total em todos os setores no ano (Et), neste caso utilizando totalv para cálculo do emprego em todos os setores. O indicador mostra quanto especializada é a microrregião no segmento estudado, tendo em vista que se o indicador for superior a 1, se diz que a região é relativamente especializada no setor manufatureiro4 4 Em função de que algumas regiões não possuem emprego industrial, em nenhum tipo de intensidade tecnológica, ao passo que foi aplicada a função logaritma nos indicadores de QL para que fossem analisadas as elasticidades diminuindo-se a influência de valores extremos, foi somado o valor de 0,1 na criação destes indicadores (lnqltotal, lnqlalta, lnqlmedia, lnqlbaixa, lnqlc, lqlbndes e lnplb), inclusive para possibilitar uma análise mais completa das influências da vizinhança na análise exploratória de dados espaciais e econometria espacial (pois não se excluiriam da amostra muitas regiões para a análise), que serão discutidas a seguir. Considera-se aqui que os impactos são mínimos ao efetuar este procedimento, em se tratar de modelos econométricos e espaciais em log-log (logaritmo da variável dependente e variáveis explicativas). .

ln Q L i t = ln Σ E sit Σ E i t / Σ E i t Σ E t (1)

onde: E = emprego, Pib = Produto Interno Bruto, t = tempo, i = região, s = setor.

As variáveis independentes utilizadas nas análises são:

a) lnplb: logaritmo da preferência pela liquidez na microrregião, representada pela razão entre o total de depósitos a vista da microrregião pelo total de suas operações de crédito, na microrregião (i) no tempo (t) (Equação 2). Espera-se sinal negativo desta variável, em função de que em regiões mais industrializadas (mais desenvolvidas) os bancos possuem menor aversão ao risco, reduzindo assim a preferência por recursos mais líquidos, aumentando o nível de empréstimos e reduzindo juros (Dow, 2017DOW, S. C. Regional finance. International Encyclopedia of Geography, Hoboken, p. 1-9, 2017.; Tonin; Curado; Silva, 2018TONIN, J. R.; CURADO, M. L.; SILVA, V. C. E. O que impulsiona o desenvolvimento do setor bancário regional brasileiro? Uma visão pós-Keynesiana. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA (ANPEC), 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018.). Além disso, a escolha de portfólio dos bancos é motivada pelo ambiente e estrutura em que a microrregião e as firmas se encontram, que molda as expectativas de lucros, gerando padrões desiguais da oferta de crédito (Dow, 2017DOW, S. C. Regional finance. International Encyclopedia of Geography, Hoboken, p. 1-9, 2017.; Dow; Rodríguez-Fuentes, 1997). Estes fatores impulsionariam o emprego da indústria na microrregião e a concentração/especialização neste setor em termos relativos quanto à elevação em seu QL;

lnplb = depavista i t opcredito i t (2)

b) wlnplb: logaritmo do QL da preferência pela liquidez nos vizinhos da microrregião, uma vez que podem existir efeitos importantes provenientes da proximidade geográfica (Cavalcante; Almeida; Baker, 2016; Gama; Bastos, 2018GAMA, F.; BASTOS, S. Q. A. Impacto heterogêneo da incerteza sobre o desempenho econômico das microrregiões brasileiras: uma análise espacial a partir do modelo RGP. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018.; Pereira; Silva, 2021PEREIRA, G. A.; SILVA, E. C. D. Socioeconomic development of Brazilian municipalities: the role of public and private banks. Estudios Económicos, [s. l.], v. 38, n. 77, p. 147-170, 2021.) sobre o risco da microrregião;

c) lnqlbndes: logaritmo do QL do valor total do crédito disponibilizado pelo BNDES para a indústria manufatureira por microrregião, esperando-se sinal positivo, uma vez que o crédito subsidiado disponibilizado por esta instituição pode contribuir positivamente para a evolução da indústria de bens de capital (Romero; Ávila, 2010ROMERO, J. P.; ÁVILA, J. L. T. Sistema financeiro e desenvolvimento regional: um estudo sobre o financiamento bancário da atividade industrial no Brasil. EconomiA, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 217-263, 2010.), fornecendo capital de longo prazo para a sustentação dos investimentos e combate às restrições de crédito quando a aversão ao risco se eleva no setor bancário privado (Pereira; Miterhof, 2018PEREIRA, T. R.; MITERHOF, M. T. O Papel do BNDES e o financiamento do desenvolvimento: considerações sobre a antecipação dos empréstimos do Tesouro Nacional e a criação da TLP. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 3, p. 875-908, 2018.). Estudos mostram que: os créditos disponibilizados pelo BNDES foram fundamentais no suporte à intensidade de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas empresas durante períodos de maior dependência de capitais financeiros (externo) (Souza; Ribeiro; Mattos, 2020SOUZA, E. C.; RIBEIRO, P. F.; MATTOS, E. S. Crédito do BNDES, dependência de finança externa, e intensidade de P&D nos setores da indústria brasileira (1998-2014). Estudos Econômicos, São Paulo, v. 50, n. 4, p. 611-645, 2020.); e que o efeito dos créditos subsidiados foi positivo sobre a massa salarial devido ao aumento do número de empregos ou especialização (Morais; De Negri; Mattos, 2022MORAIS, R.; DE NEGRI, J. A.; MATTOS, L. Impacto das ações do BNDES sobre emprego e produtividade da economia. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Ed.). Financiar o futuro: o papel do BNDES. Brasília, DF: Ipea, 2022. p. 176.). O indicador é dado por5 5 Os indicadores lnqlc e lnqlbndes utilizaram por sua vez um QL modificado (Equação 3), que emprega no numerador os dados de crédito e, no denominador, a participação do PIB da microrregião em cada ano (Pibit) com o PIB total do país no ano (Pibt). O significado do indicador segue a mesma linha de raciocínio, levando em conta que se resultar em valor superior a 1, o volume de crédito disponibilizado (lnqlc, crédito bancário total na microrregião; lnqlbndes, crédito disponibilizado pelo BNDES para as indústrias manufatureiras da microrregião) é maior na microrregião do que se esperaria em função da sua participação no PIB nacional. Este QL modificado foi utilizado nos estudos de Crocco (2012) e Dutra et al. (2015), sendo amplamente utilizado em estudos econômicos regionais. :

lnqlbndes k t = ln Σ Cred sit Σ Cred i t / Σ Pib i t Σ Pib t (3)

d) wlnqlbndes: logaritmo do QL do valor total do crédito disponibilizado pelo BNDES para a indústria nos vizinhos da microrregião, uma vez que efeitos espaciais podem ter externalidades importantes advindos desta vizinhança sobre a concentração da atividade industrial;

e) lndenpop: logaritmo da densidade populacional da microrregião, sendo a razão entre a população da microrregião e sua área. Espera-se sinal positivo, uma vez que pode representar o efeito positivo da aglomeração urbana e produtiva dos grandes centros (CHRISTALLER, 1966CHRISTALLER, W. Central places in southern Germany. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.), que possuem padrão de especialização e produtividade superiores, abrangendo as principais atividades de comércio, indústria e sistema financeiro relativamente mais sofisticado e desenvolvido (Dow, 1987DOW, S. C. Money and regional development. Studies in Political Economy, v. 23, n. 23, p. 73-94, 1987.); e

f) wlndenpop: logaritmo da densidade populacional vizinha da microrregião, uma vez que o setor industrial pode estar localizado em regiões médias e centrais, mas correlacionadas com vizinhos com menor densidade populacional, gerando associações com a concentração de emprego industrial da microrregião.

3.2 Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE)

Para avaliar os impactos espaciais, é preciso definir uma matriz de dependência espacial (w), denominada de matriz de vizinhança ou matriz de pesos, que será utilizada para definir quais serão as regiões mais próximas e assim relacionadas entre si, ou seja, os vizinhos. Dentre as matrizes mais utilizadas estão a matriz de contiguidade, que define wij se uma região faz fronteira (é contígua) e wij = 0 se não faz fronteira (não é contígua) (Golgher, 2015GOLGHER, A. B. Introdução à Econometria Espacial. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 384.). Caso se utilize todos os primeiros vizinhos daquela região, se apresentará uma matriz de pesos denominada tipo Queen de ordem 1 (ordem 1, 2, etc). Outro tipo de matriz utilizada é a de vizinhos mais próximos (Knn), onde se define o(s) k-vizinho(s) (1, 2, 3, …, n) que estão mais próximos daquela região específica, utilizando como medida as distâncias euclidianas entre os centroides, definindo-se wij = 1 caso a região vizinha esteja entre as k mais próximas à região de referência e wij = 0 para as demais.

Um indicador utilizado para testar a autocorrelação espacial de determinada variável com as suas vizinhanças a partir da matriz de pesos determinada, medindo consequentemente a força desta relação, é o I Global de Moran:

I W = n Σ i Σ j w i j Σ i Σ j w i j z i z ¯ z i z ¯ Σ i z i z ¯ 2 (4)

onde: ij, w representa a matriz de pesos atribuída, n o número de regiões, z a variável de interesse analisada, i e j as regiões (adaptado de Loonis e Bellefon (2018)LOONIS, V.; BELLEFON, M.-P. Handbook of spatial analysis: theory and application with R. Paris: Eurostat, INSEE, 2018. p. 394.). A hipótese nula desta relação é que os vizinhos não co-variam com a região e, sendo assim, para valores de IW > 0 considera-se que há uma autocorrelação espacial positiva. É possível obter a significância estatística desta autocorrelação através do cálculo dos valores limites para H0 (Loonis; Bellefon, 2018LOONIS, V.; BELLEFON, M.-P. Handbook of spatial analysis: theory and application with R. Paris: Eurostat, INSEE, 2018. p. 394.).

O I Global de Moran mostra, portanto, a presença ou não de um padrão de dependência espacial utilizando todos os dados da amostra analisada. No entanto, Anselin (1995)ANSELIN, L. Local Indicators of Spatial Association – LISA. Geographical Analysis, v. 27, n. 2, p. 93-115, 1995. elabora um indicador local para analisar a associação espacial, o Local Indicator of Spatial Association (LISA), onde cada observação pode ter sua contribuição analisada, sendo possível identificar os clusters estatisticamente significativos ao longo dos locais. Neste sentido, em cada observação é possível auferir quais são as extensões dos clusters espaciais com relação aos valores similares ao redor da observação e, a soma de todos os indicadores LISA das observações representa proporcionalmente o indicador de Moran Global. O I de Moran Local é dado por:

I i = z i z ¯ Σ j w i j z j z ¯ (5)

Assim, valores superiores a zero de Ii indicam que existe um agrupamento de valores similares (maiores que a média) e, valores menores que zero indicam uma combinação de valores dissimilares, por exemplo, altos valores rodeados por baixos valores (Loonis; Bellefon, 2018LOONIS, V.; BELLEFON, M.-P. Handbook of spatial analysis: theory and application with R. Paris: Eurostat, INSEE, 2018. p. 394.). Para este agrupamento ser estatisticamente significativo, as combinações de valores semelhantes ou dissimilares devem ser diferentes do que seria observado em uma distribuição espacial randomizada.

Os valores limites então são definidos para testar a hipótese nula de que os valores são normalmente distribuídos. O indicador LISA mostra então as áreas onde os processos de autocorrelação local (I Local de Moran) são maiores que os processos de autocorrelação global (I Global de Moran) e onde não há autocorrelação (Loonis; Bellefon, 2018LOONIS, V.; BELLEFON, M.-P. Handbook of spatial analysis: theory and application with R. Paris: Eurostat, INSEE, 2018. p. 394.). O diagrama de Moran mostra, por outro lado, a existência de quatro grupos ao longo da distribuição dos grupos: o grupo alto-alto (onde altos valores observados são circundados por altos valores nas regiões vizinhas), alto-baixo (onde altos valores observados são circundados por baixos valores nas regiões vizinhas), baixo-alto (baixos valores são circundados por altos valores nas regiões vizinhas) e baixo-baixo (baixos valores são circundados por baixos valores nas regiões vizinhas).

3.3 Modelos de regressão espacial

Foram utilizadas regressões de econometria espacial de painel com efeitos fixos de tempo, modelos Espacial Auto Regressivo – Spatial Auto Regressive (SAR); Espacial Durbin Spatial Durbin Model (SDM)/; Espacial Durbin com Mínimos Quadrados em 2 Estágios –Spatial Durbin Model with Two Stages Ordinary Least Squares (SDM-2SLS) e Espacial Durbin com Método dos Momentos Generalizados com Mínimos Quadrados em 2 Estágios – Spatial Durbin Generalized Moments Model with Two Least Squares (SDGMM-2SLS). Para escolher entre os modelos de efeitos fixo, aleatório e empilhado, comuns na definição do modelo apropriado considerando a disponibilização dos dados em formato de painel balanceado, foram utilizados os testes de Hausmann, Chow e LM (Golgher, 2015GOLGHER, A. B. Introdução à Econometria Espacial. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 384.).

Com relação ao modelo de painel espacial de efeitos fixos no tempo, é efetuada a transformação das variáveis para eliminar o efeito do tempo entre as observações, de forma semelhante a um modelo de painel convencional, subtraindo de cada indivíduo i o valor médio no tempo t, resultando em observações transformadas (it e it) para a estimação. Desta forma, o modelo SAR é dado por:

y ~ i t = ρ W y ~ i t + β x ~ i t + ε ~ i t (6)

onde Wỹit são as variáveis dependentes espacialmente defasadas, ρ é o coeficiente espacial autorregressivo (o coeficiente associado à variável dependente defasada espacialmente – vizinhos), W é a matriz de pesos espaciais e ε~it é o termo de erro (i.i.d ~ N(0,σ2)).

Já o modelo de painel SDM é dado por:

y ~ i t = ρ W y ~ i t + β x ~ i t + θ W x ~ i t + ε ~ i t (7)

onde Wỹit são as variáveis dependentes espacialmente defasadas, ρ é o coeficiente espacial autorregressivo, W é a matriz de pesos espaciais e ε~it é o termo de erro (i.i.d ~ N(0,σ2)), e adiciona-se Wx̃it, que representa as variáveis independentes defasadas espacialmente e θ é o coeficiente espacial autorregressivo das variáveis independentes.

Outro modelo estimado foi painel de efeitos fixos de tempo SDMM-2SLS, desta forma buscando-se eliminar o efeito de simultaneidade entre a preferência pela liquidez das microrregiões (lnplb) e seu emprego industrial (variáveis dependentes utilizadas). Inspirado nos procedimentos e resultados de Crocco, Santos e Amaral (2010)CROCCO, M.; SANTOS, F.; AMARAL, P. V. The spatial structure of financial development in Brazil. Spatial Economic Analysis, Abingdon, v. 5, n. 2, p. 181-203, 2010., foram utilizadas neste trabalho variáveis instrumentais para a variável lnplb, instrumentalizando com a variável wlnqlc – logaritmo do QL do crédito bancário disponibilizado nos vizinhos da microrregião, juntamente com a variável da preferência pela liquidez nas microrregiões vizinhas (wlnplb), uma vez que a hipótese é que há maior correlação e poder explicativo entre estas variáveis do que com a(s) variável(eis) dependente(s) proposta(s). Gama e Bastos (2018)GAMA, F.; BASTOS, S. Q. A. Impacto heterogêneo da incerteza sobre o desempenho econômico das microrregiões brasileiras: uma análise espacial a partir do modelo RGP. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018. apresentam indicativos desta relação em seus resultados e metodologia adotada.

Este modelo requer a utilização de equações simultâneas, sendo que no primeiro estágio, conforme Wooldridge (2010)WOOLDRIDGE, J. M. Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT Press, 2010., efetua-se uma equação reduzida (Equação 8) regredindo as variáveis exógenas juntamente com as variáveis instrumentais, contra a variável que se julga endógena ao modelo, neste caso lnplb:

m ~ i t = ρ W y ~ i t + β x ~ i t + θ W x ~ i t + θ k z ~ k + r ~ i t (8)

onde Zk é(são) a(s) variável(eis) instrumental(is) utilizada(s), neste caso serão wlnplb e wlnqlc; it representa o termo de erro deste estágio.

Após, utiliza-se a estimação da variável it resultante da Equação (7), para o modelo completo no segundo estágio (Equação 8):

y ~ i t = ρ W y ~ i t + β x ~ i t + γ m ~ i t + θ W x ~ i t + v ~ i t (9)

Para testar a robustez dos instrumentos utilizados, a considerar que os instrumentos são exógenos, Wooldridge (2010)WOOLDRIDGE, J. M. Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT Press, 2010. sugere a utilização do teste de Durbin-Wu-Hausman (DWH). Este teste busca identificar as diferenças entre os estimadores da regressão em dois estágios – Two Satge Least Squares (2SLS) com os estimadores da regressão que não é em dois estágios – Ordinary Least Squares (OLS). É preciso avaliar se o erro da equação reduzida (Equação 8) não é correlacionado com o termo de erro da equação completa (Equação 8), ou seja, Cov(it, it) = 0. Desta forma, uma maneira para efetuar esta verificação é incluir os resíduos da equação reduzida (Equação 8) em (Equação 9), aplicando um teste de estatística t, sendo que a hipótese nula para este regressor é de que os estimadores são exógenos (Wooldridge, 2010WOOLDRIDGE, J. M. Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT Press, 2010.).

Outro modelo aqui estimado foi o SDGMM-2SLS com variáveis instrumentais em dois estágios, com os mesmos instrumentos citados anteriormente (wlnqlc e wlnplb) para lidar com as questões de endogenia, em função também de que os distúrbios dos modelos espaciais são potencialmente correlacionados com o tempo, bem como possuem características de heterocedasticidade, como lembram Kapoor, Kelejian e Prucha (2007)KAPOOR, M.; KELEJIAN, H. H.; PRUCHA, I. R. Panel data models with spatially correlated error components. Journal of Econometrics, Amsterdam, v. 140, n. 1, p. 97-130, 2007.. A abordagem de método dos momentos, por sua vez, permite encontrar estimadores consistentes para as variáveis considerando o processo de distúrbio (Golgher, 2015GOLGHER, A. B. Introdução à Econometria Espacial. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 384.), ao passo que vem recebendo grande atenção nos últimos anos (Barra; Zotti, 2021BARRA, C.; ZOTTI, R. Financial stability and local economic development: the experience of Italian labour market areas. Empirical Economics, New York, n. 62, p. 1951-1979, 2021.; Crocco; Santos; Amaral, 2010CROCCO, M.; SANTOS, F.; AMARAL, P. V. The spatial structure of financial development in Brazil. Spatial Economic Analysis, Abingdon, v. 5, n. 2, p. 181-203, 2010.; Kapoor; Kelejian; Prucha, 2007KAPOOR, M.; KELEJIAN, H. H.; PRUCHA, I. R. Panel data models with spatially correlated error components. Journal of Econometrics, Amsterdam, v. 140, n. 1, p. 97-130, 2007.).

4 Resultados e discussão

4.1 Análise descritiva

Das 558 microrregiões brasileiras, 13 foram excluídas da análise em função da deficiência dos dados de crédito (Fernando de Noronha, Bertolínia, Cariri Oriental, Chorozinho, Jalapão, Japurá, Mazagão, Meruoca, Nordeste de Roraima, Pio IX, Serra de Santana, Traipu, Umbuzeiro), resultando em 545 microrregiões. Considerando o período de 2006 a 2019, o número de observações passa a ser de 7.630, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Estatísticas descritivas das variáveis utilizadas (média do painel)

Em média, durante o período analisado, o QL dos vínculos da indústria de transformação é de 1,02, impulsionado pelo alto QL da indústria de baixa intensidade tecnológica (qlbaixa), que na média das microrregiões é de 1,26. Quanto ao setor da indústria de alta intensidade tecnológica, seu QL médio é de 0,33, tendo valor mediano de 0,00 e alto desvio padrão, indicando alta concentração desta indústria ao longo do território.

A densidade populacional mínima é da microrregião do Rio Negro em 2006 (0,25 habitantes por km ) e a máxima é de São Paulo em 2019 (6.401). Em geral, as variáveis apresentaram valores de mediana menor que a média, demonstrando uma distribuição assimétrica à direita, com tendência a uma distribuição mais concentrada em valores mais baixos, em consonância com a grande quantidade de pequenos municípios que geram microrregiões com população de menores portes, ou seja, há alta heterogeneidade da distribuição das variáveis, o que justifica também a transformação em log das variáveis para as análises deste estudo.

A Figura 7.A apresenta o padrão espacial da distribuição do QL dos vínculos da indústria da transformação (qltotal) ao longo das microrregiões brasileiras, nos anos de 2006 e 2019, permitindo observar expansão da especialização local em vínculos da manufatura, pois o número de microrregiões com QL maior que 1 passou de 227 para 245 entre os períodos analisados. Apesar disso, é possível notar que o padrão de distribuição não se altera substancialmente, visto que os locais mais especializados se encontram nos estados das regiões Sul e Sudeste majoritariamente. O estado de São Paulo possui 50 microrregiões com QL acima de 1 no ano de 2019, seguido por Minas Gerais (36), Paraná (30), Rio Grande do Sul (21) e Santa Catarina (18).

Com relação à distribuição espacial do QL dos vínculos de alta intensidade tecnológica da indústria de transformação (Figura 7.B), é possível verificar pouca alteração na configuração da distribuição territorial, visto que não houve alteração na quantidade de microrregiões nesta configuração (40). Nota-se que para o ano de 2019, o estado de São Paulo possuía 18 microrregiões com QL acima de 1, seguido por Minas Gerais (5), Paraná (4), Pernambuco (3), Bahia (2) e Rio Grande do Sul (2).

Visualizando a distribuição espacial do QL dos vínculos de média intensidade tecnológica da indústria de transformação (Figura 7.C), nota-se que também possui uma concentração nos estados das regiões Sul e Sudeste do país, com elevação de 23% de microrregiões com QL maior que 1 entre os períodos (122 microrregiões em 2006 para 151 em 2019).

O estado de São Paulo apresentou, em 2019, 40 microrregiões nesta configuração, ademais o seu padrão espacial neste recorte tendeu a se disseminar em direção ao interior do estado, da mesma forma que no Rio Grande do Sul, com 16 microrregiões nesta configuração, interiorizou ao centro e norte do território microrregiões mais especializadas. Os estados de Minas Gerais (22 microrregiões), Paraná (26), Santa Catarina (11) e Rio de Janeiro (9) também se destacam.

Figura 7
Mapa da distribuição do QL do total de vínculos (A), de alta intensidade tecnológica (B), média intensidade tecnológica (C) e baixa intensidade tecnológica (D) nas microrregiões do Brasil, 2006 e 2019

A distribuição espacial do QL dos vínculos de baixa intensidade tecnológica da indústria de transformação (Figura 7.D) possui uma distribuição espacial mais equilibrada no território brasileiro, com pouca alteração entre os períodos, passando de 252 microrregiões em 2006 para 280 em 2019.

4.2 Análise espacial

Para selecionar a matriz de pesos que melhor se ajustasse às análises espaciais efetuadas neste trabalho, foram estimados os Indicadores Global de Moran para a variável qltotal (Tabela 3.A) comparando matrizes espaciais do tipo Queen de ordem 1 (WQueen) e de ordem 2 (Wqueen2) e matrizes tipo Knn com 1 vizinho mais próximo (WKnn), 2 vizinhos mais próximos (WKnn2), 3 vizinhos mais próximos (Wknn3) e 4 vizinhos mais próximos (Wknn4). Todos os indicadores de Moran apresentaram significância estatística, porém a configuração da matriz Knn com 1 vizinho mais próximo apresentou maior correlação espacial nas microrregiões e desta forma foi utilizada neste trabalho. Este resultado reforça a relevância de avaliar os efeitos de autocorrelação espacial para os indicadores de especialização em vínculos industriais no território, importantes para as inferências a serem efetuadas nos modelos econométricos aqui propostos.

Tabela 3
Índice de Moran da variável qltotal usando diferentes matrizes de pesos (A) e Índice de Moran para as variáveis qlalta, qlmedia, qlbaixa em diferentes anos, usando a matriz de pesos WKnn (B)

A Tabela 3.B apresenta o Indicador Global de Moran para as variáveis dependentes deste trabalho, para cada um dos anos de 2006, 2010, 2015 e 2019, com a matriz Wknn. Nota-se que a autocorrelação espacial do QL de vínculos (qltotal) elevou-se entre os períodos, passando de 0,47 em 2006 para 0,53 em 2019, ou seja, aumentou a correlação entre o QL industrial da microrregião com o QL industrial de seus vizinhos.

Já considerando qlalta, apresenta elevação na autocorrelação espacial entre 2006 e 2010 (0,10 e 0,28), todavia após este período há uma redução na correlação de microrregiões com seus vizinhos no que tange aos QLs de emprego de alta intensidade tecnológica (0,22 em 2015 a 0,16 em 2019), demonstrando piora na distribuição espacial destas atividades no território brasileiro neste último período. Para média intensidade tecnológica (qlmedia), o indicador de Moran cresceu de 0,29 para 0,39, demonstrando que microrregiões com esta configuração tiveram incrementos de vizinhos com esta concentração de emprego, enquanto para baixa intensidade (qlbaixa), o indicador manteve-se praticamente inalterado.

Estes resultados apresentam relativos avanços nos transbordamentos espaciais das microrregiões especializadas em vínculos da manufatura, porém mantendo-se os spillovers de qlbaixa maiores que as demais regiões em todos os períodos. É notável a redução do indicador para qlalta entre 2010 e 2019. Significa dizer que os transbordamentos das microrregiões especializadas em vínculos de alta intensidade tecnológica foram reduzidos neste período para o caso brasileiro, caracterizando uma maior concentração destas atividades.

A Figura 8 traz os resultados do indicador de autocorrelação espacial local (LISA) para as microrregiões brasileiras com relação aos diferentes graus de intensidade tecnológica da indústria, comparando o ano de 2006 com 2019. Com relação ao QL do total de vínculos (lnqltotal), observa-se na Figura 8.A que a quantidade de microrregiões que possuía grupos alto-alto (alto QL na microrregião e alto QL nos vizinhos) passou de 31 para 39 entre 2006 e 2019. Os estados com mais clusters espaciais do tipo alto-alto são Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Importante notar que Rio Grande do Sul apresenta uma mudança relevante no espalhamento deste padrão de autocorrelação espacial alto-alto em direção ao centro do estado.

Chama atenção a quantidade de clusters tipo baixo-baixo, estes estando localizados predominantemente nas regiões Nordeste e Norte do país. Analisando os padrões de autocorrelação local em relação ao QL de vínculos de alta intensidade tecnológica da indústria de transformação (lnqlalta) da Figura 8.B, posto que os estados brasileiros que mais constam estas formações são: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás. Observa-se elevação de regiões onde esta relação não foi significativa em 2019 (477 casos).

Figura 8
Mapa LISA do QL do total de vínculos industriais (A) e vínculos em indústrias de alta intensidade tecnológica (B), média intensidade tecnológica (C) e baixa intensidade tecnológica (D) nas microrregiões do Brasil, 2006 e 2019

Sobre os padrões de autocorrelação local em relação ao QL de vínculos em indústrias de média intensidade tecnológica (lnqlmedia) da Figura 8.C, em 2006 constam com padrões alto-alto 22 microrregiões brasileiras, passando para 24 microrregiões em 2019. Neste ano com destaque para os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul (ambos apresentam uma interiorização deste padrão espacial entre os anos analisados), Minas Gerais e Santa Catarina.

A Figura 8.D mostra as alterações entre 2006 e 2019 do indicador LISA para lnqlbaixa (QL dos vínculos em indústrias de baixa intensidade tecnológica). Padrões alto-alto são representativos nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, estando presentes também em 2019 em Belo Horizonte e em alguns estados da região Nordeste. O padrão baixo-baixo se encontra em ambos os períodos majoritariamente em microrregiões do Nordeste e Norte do país.

4.3 Resultados dos modelos econométricos e discussão

A Tabela 4 apresenta os resultados dos exercícios econométricos para as variáveis dependentes com os modelos de painel com efeitos fixos de tempo SDM-2SLS e SDGMM-2SLS com variáveis instrumentais, além disso os resultados dos demais modelos (SAR e SDM) foram disponibilizados na Tabela B1 no Apêndice B6 6 Para selecionar os modelos de painel de regressão espacial a serem utilizados em função do tipo de autocorrelação apresentada pelas variáveis (lag espacial ou erros), foi feito o uso dos testes de lagrange multiplier (LM) clássicos e robustos, que utilizam os resíduos dos modelos de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). O teste de LM erro compara o modelo MQO com o modelo de erro espacial, assumindo que λ = 0 testando-se assim a hipótese nula de que H0: λ = 0 e se H0 for rejeitado, escolhe-se os modelos SEM (Spatial Error Model); já o teste LM lag compara o modelo MQO com um modelo de lag espacial, assumindo ρ = 0 e a hipótese nula é que H0:ρ = 0, assumindo caso seja rejeitada, que o modelo de lags é o mais indicado (Golgher, 2015). Os testes de erros robustos não consideram nem λ = 0 e ρ = 0, mas que os valores são desconhecidos. O resultado dos testes robustos, para o ano de 2019, indicaram que se mantém os processos em favor de autocorrelação em lag espacial (estatisticamente significativos) em comparação aos processos de correlação espacial dos resíduos, escolhendo-se assim para este trabalho os modelos SAR e SDM em detrimento dos modelos SEM. Desta forma, os modelos SAR e SDM são apresentados na Tabela B1 no Apêndice B para complementar os resultados dos modelos SDM-2SLS e SDGMM-2SLS. . Para os modelos SDM-2SLS, são apresentados na tabela os resultados dos testes de Durbin-Wu-Hausman (DWH), informando que os instrumentos utilizados são exógenos. Abaixo serão descritos os resultados do modelo SDGMM-2SLS (equações 5, 6, 7 e 8 da Tabela 4).

Com relação ao processo de autocorrelação espacial, o coeficiente positivo de rho confirma as suposições prévias de que nas microrregiões brasileiras há uma relação espacial positiva e significativa entre o QL dos vínculos da indústria com os seus vizinhos. Tal efeito não ocorre quando se consideram os vínculos de alta intensidade tecnológica (lnqlalta), muito pelo fato de que as microrregiões com este tipo de especialização são mais distantes entre si no espaço territorial brasileiro e também porque há menos microrregiões especializadas neste tipo de indústria. É evidenciado, por outro lado, que microrregiões especializadas em vínculos de média intensidade tecnológica possuem maior autocorrelação com seus vizinhos, indicando maiores transbordamentos.

Quanto ao impacto da preferência pela liquidez dos bancos (lnplb), este foi negativo, conforme esperado pela literatura, exceto novamente para lnqlalta. Isso significa que quanto mais alto o QL da região em empregos industriais, ou seja, mais especializada em vínculos da indústria, menor é a restrição de crédito do sistema bancário na microrregião, visto que menor é a preferência dos bancos por ativos líquidos, proporcionalmente às demais regiões, dado que o risco tende a ser menor devido ao maior dinamismo econômico. Considerando que foram utilizados modelos SDM-2SLS e SDGMM-2SLS com variáveis instrumentais, que minimizam o efeito de simultaneidade entre a disponibilidade de crédito nas microrregiões (lnplb) com o nível de especialização do emprego industrial local, pode-se afirmar com segurança que o sistema financeiro impacta positivamente este tipo de emprego na economia regional.

Para os modelos SDGMM-2SLS, é importante notar que os coeficientes da preferência pela liquidez são maiores para as variáveis lnqlbaixa do que para lnqlmedia e lnqltotal, ou seja, o efeito da preferência pela liquidez é maior quanto menor é a intensidade tecnológica da indústria na respectiva microrregião. Assim, a sensibilidade da preferência pela liquidez do sistema financeiro é maior à lnqlbaixa do que à lnqlmedia, inferindo que o risco de emprestar é, portanto, menor para lnqlbaixa, em outras palavras, o efeito de lnplb é maior sobre a evolução de lnqlbaixa. Este é um resultado preocupante e revelador, pois apresenta um quadro em que maiores restrições financeiras no território podem estar associadas com dificuldades na elevação do padrão tecnológico local e, por outro lado, de incrementos no financiamento de manufaturas de baixa intensidade tecnológica fomentados pelo sistema financeiro local.

Tais efeitos podem estar restringindo uma mudança técnica local, demandando maiores investigações sobre seus determinantes. Já para os vínculos de indústrias com alta intensidade tecnológica, não foram identificados efeitos estatisticamente significativos, talvez devido ao fato de que este tipo de indústria possua maior restrição de financiamento externo ou pelas especificidades com relação ao seu tipo de captação e recursos.

Há, portanto, evidência de desigualdades na oferta de crédito em função da especialização na estrutura de vínculos industriais locais, pois os resultados apresentados com relação aos efeitos da preferência pela liquidez das instituições financeiras a contar com o tipo de vínculos de emprego industrial no território são estatisticamente significativos. Complementam assim os resultados de Romero e Ávila (2010)ROMERO, J. P.; ÁVILA, J. L. T. Sistema financeiro e desenvolvimento regional: um estudo sobre o financiamento bancário da atividade industrial no Brasil. EconomiA, Brasília, DF, v. 11, n. 1, p. 217-263, 2010. que encontraram fraca correlação, porém estatisticamente significativa, entre empréstimos bancários no setor das indústrias de bens de capital, e Tonin, Curado e Silva (2018)TONIN, J. R.; CURADO, M. L.; SILVA, V. C. E. O que impulsiona o desenvolvimento do setor bancário regional brasileiro? Uma visão pós-Keynesiana. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA (ANPEC), 46., 2018, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpec, 2018., que mostraram que a ampliação das indústrias intensivas em bens de capital está relacionada no território com a menor concentração do sistema bancário e menores restrições de crédito. Ao mesmo tempo, os resultados vão ao encontro dos achados de Crocco, Santos e Amaral (2010)CROCCO, M.; SANTOS, F.; AMARAL, P. V. The spatial structure of financial development in Brazil. Spatial Economic Analysis, Abingdon, v. 5, n. 2, p. 181-203, 2010. e Oliveira, Arriel e Rodrigues (2015)OLIVEIRA, G. R.; ARRIEL, M. F.; RODRIGUES, A. F. Concentrações espaciais do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO): o caso de Goiás. Revista de Economia do Centro-Oeste, Goiânia, v. 1, n. 2, p. 2-18, 2015., que descobriram que o crédito disponibilizado depende da atividade econômica distribuída regionalmente.

Desta forma, estes resultados somam-se aos já conhecidos fatores nesta literatura, que apontam que em função dos diferentes graus de incerteza relacionados com a estratégia dos bancos, com sua disponibilidade de se manter em posições mais ou menos líquidas e com o grau de desenvolvimento da região, ao longo do ciclo econômico padrões diversos de restrições financeiras podem fazer com que algumas regiões tenham maiores dificuldades de financiar o investimento produtivo, onde sua localização geográfica e proximidade dos centros, como destacado em Dow (1987)DOW, S. C. Money and regional development. Studies in Political Economy, v. 23, n. 23, p. 73-94, 1987., são relevantes.

Tabela 4
Estimativas das regressões de painel de efeitos fixos (tempo) – SDM-2SLS e SDGMM-2SLS.

Tais evidências contribuem a entender os fatores financeiros que podem ser favoráveis às políticas industriais em níveis locais com configurações territoriais/setoriais heterogêneas, que atuem como vetores de crescimento de longo prazo em economias monetárias de produção (Keynes, 1996KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Rio de Janeiro: Editora Nova Cultural, 1996. p. 328.; Paula, 2013PAULA, T. H. P.; CROCCO, M. A. Financiamento e diversidade Produtiva: um Modelo baseado em Agentes com Flutuações Cíclicas Emergentes. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 5-38, 2013.; Suzigan et al., 2004SUZIGAN, W. et al. Clusters ou sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. Brazilian Journal of Political Economy, São Paulo, v. 24, n. 4, p. 548-570, 2004.).

A variável lnqlbndes apresentou sinal positivo e estatisticamente significativo, indicando que microrregiões com maior especialização de crédito disponibilizado pelo BNDES estão positivamente associadas com microrregiões com maiores QLs de vínculos da indústria manufatureira, exceto para os setores de alta e média intensidade tecnológica. O impacto, no entanto, é maior sobre vínculos de baixa intensidade tecnológica, dado que apresentou maior coeficiente nesta regressão. Por operarem com spreads médios muito inferiores em relação às demais operações do sistema financeiro (Pereira; Miterhof, 2018PEREIRA, T. R.; MITERHOF, M. T. O Papel do BNDES e o financiamento do desenvolvimento: considerações sobre a antecipação dos empréstimos do Tesouro Nacional e a criação da TLP. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 3, p. 875-908, 2018.), IFDs impulsionam o investimento de longo prazo das indústrias, corroborando os achados de Silva e Saccaro (2021)SILVA, N.; SACCARO, A. Efeitos do Bndes Finame nas firmas brasileiras: uma análise de sobrevivência para os anos de 2002 a 2016. Estudos de Economia, São Paulo, v. 51, n. 1, p. 169-206, 2021., que empresas que utilizaram o BNDES possuem maior tempo médio de vida do que aquelas que não utilizaram, com efeitos maiores em sendo empresas de menor porte.

Estes resultados sugerem que as recentes mudanças no BNDES podem ter resultado em impactos deletérios sobre a estrutura produtiva local, dada a redução recente nas liberações de crédito e considerando o efeito positivo deste coeficiente do crédito do BNDES sobre a especialização da estrutura industrial das microrregiões. Os efeitos acerca do QL do crédito do BNDES dos vizinhos foram significativos somente no modelo SDM e SDM-2SLS.

Quanto aos efeitos da densidade populacional na microrregião (lndenpop), foi possível observar no modelo SDGMM-2SLS que microrregiões especializadas em atividades da indústria (lnqltotal) e de média intensidade tecnológica (lnqlmedia) são localizadas em microrregiões com mais alta densidade populacional, com microrregiões vizinhas com menores densidades populacionais. Corrobora, assim, que este setor tende a se localizar em locais mais populosos, em cidades médias ou grandes centrais. Tais efeitos são previstos nas teorias tradicionais da localização (Christaller, 1966CHRISTALLER, W. Central places in southern Germany. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966.; Myrdal, 1960MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1960. p. 208.) e serviram de bons controles para este estudo. Já atividades de alta intensidade tecnológica (lnqlalta) se localizam em microrregiões com vizinhos com maior densidade populacional, sendo atividades associadas aos médios e grandes centros urbanos.

5 Conclusões

A relevância do incremento nos desembolsos do crédito livre e direcionado na economia brasileira na história recente gerou interesse em pesquisas que avaliassem os seus efeitos sobre a estrutura produtiva no território. O sistema financeiro se faz presente não apenas como um intermediário entre credores e devedores, mas possui estratégias próprias de geração de lucros e efeitos pró-cíclicos na evolução dos ciclos econômicos e financeiros. Por outro lado, instituições públicas de fomento ao desenvolvimento, responsáveis por financiamento de longo prazo, possuem papel cada vez mais relevante para a continuidade do investimento em atividades que o setor privado tem aversão ao risco, gerando não só políticas contracíclicas que criem externalidades positivas nas cadeias de suprimentos, na estrutura e configuração industrial, mas que podem impulsionar a mudança da estrutura produtiva regional.

Desta forma, o objetivo deste artigo foi verificar os impactos do sistema financeiro, da disponibilização de crédito livre pelos bancos e direcionado pelo BNDES sobre a especialização/concentração das microrregiões brasileiras na atividade da indústria de transformação, no período de 2006 a 2019. É demonstrado que existe presença de autocorrelação espacial na especialização em vínculos da indústria manufatureira e também em vínculos de alta, média e baixa intensidade tecnológica. Quanto às microrregiões mais especializadas em vínculos da indústria de média e baixa intensidade tecnológica, foi identificada uma concentração de clusters LISA do tipo alto-alto nas regiões Sudeste e Sul, com baixa alteração da distribuição espacial e na disseminação de novos clusters entre 2006 e 2019, em especial nas indústrias de alta e média intensidades tecnológicas.

Um resultado importante deste estudo é a evidência de que há impactos relevantes da preferência pela liquidez dos bancos nas microrregiões sobre a especialização de vínculos da indústria, implicando que as restrições na disponibilização do crédito pelo sistema financeiro estão relacionadas com a estrutura produtiva dos territórios, corroborando a ideia de que microrregiões mais industrializadas possuem menor risco, bem como sendo essas regiões associadas a maior potencial de consumo e renda.

Notou-se que para microrregiões especializadas em manufatura de baixa intensidade tecnológica, o efeito da preferência pela liquidez foi maior em comparação com as especializadas em média intensidade tecnológica, o que representa característica negativa caso o interesse seja elevar o padrão tecnológico local. Para as indústrias de alta intensidade tecnológica, o efeito do crédito bancário não foi relevante, levando a necessidade de novos estudos para verificar se existem maiores restrições ao crédito nesse setor e também pelo tipo de captação de recursos, levando em conta também que a distribuição deste tipo de configuração no território brasileiro piorou entre 2010 e 2019, como demonstrado.

Por meio desta pesquisa foi possível inferir também que microrregiões com maior disponibilização de recursos pelo BNDES para a indústria manufatureira estão associadas a microrregiões com maior especialização de vínculos desta indústria, porém com efeitos maiores sobre as indústrias de baixa intensidade tecnológica. Isto se constitui, por uma perspectiva, em um desafio aos formuladores de políticas públicas a julgar pelo interesse na elevação do investimento produtivo e na geração de externalidades positivas no território provenientes de atividades de maior intensidade tecnológica, já reconhecidas pela literatura.

  • 1
    No período após o ano de 2020, que não é foco de análise deste estudo, constatam-se novamente incrementos significativos no volume de crédito direcionado do BNDES e bancos públicos na economia brasileira (Figura 1). No entanto, a explicação desta elevação do crédito se encontra em grande parte pelas medidas emergenciais para mitigação dos danos econômicos da pandemia global da covid-19 causados pela paralisação das atividades econômicas no país, por meio de linhas de crédito a vários setores (Portela et al., 2022PORTELA, C.; ARAUJO, J.; DE NEGRI, J. A. Análise do Crédito Direcionado com recursos do BNDES para pessoas jurídicas. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Org.). Financiar o futuro: o papel do BNDES. Rio de Janeiro: Ipea, 2022.).
  • 2
    Este banco se constitui em uma instituição de fomento ao desenvolvimento (IFD) brasileiro criado em 1952 pelo então presidente Getúlio Vargas, com o intuito de disponibilizar financiamento de longo prazo para infraestrutura e fomento industrial em função das políticas definidas pelo Governo Federal (BNDES, 2017).
  • 3
    Esta classificação derivada da OCDE permite associar o setor da indústria com a intensidade em que a empresa utiliza Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), vinculados ao valor adicionado, aos gastos em bens intermediários e de capital e na relação destes com o faturamento. Trata-se de uma classificação amplamente utilizada pelos formuladores de políticas econômicas e pesquisadores em economia da inovação (Cavalcante, 2014CAVALCANTE, L. R. Classificações tecnológicas: uma sistematização. Nota Técnica IPEA, Brasília, DF, n. 17, p. 21, 2014.).
  • 4
    Em função de que algumas regiões não possuem emprego industrial, em nenhum tipo de intensidade tecnológica, ao passo que foi aplicada a função logaritma nos indicadores de QL para que fossem analisadas as elasticidades diminuindo-se a influência de valores extremos, foi somado o valor de 0,1 na criação destes indicadores (lnqltotal, lnqlalta, lnqlmedia, lnqlbaixa, lnqlc, lqlbndes e lnplb), inclusive para possibilitar uma análise mais completa das influências da vizinhança na análise exploratória de dados espaciais e econometria espacial (pois não se excluiriam da amostra muitas regiões para a análise), que serão discutidas a seguir. Considera-se aqui que os impactos são mínimos ao efetuar este procedimento, em se tratar de modelos econométricos e espaciais em log-log (logaritmo da variável dependente e variáveis explicativas).
  • 5
    Os indicadores lnqlc e lnqlbndes utilizaram por sua vez um QL modificado (Equação 3), que emprega no numerador os dados de crédito e, no denominador, a participação do PIB da microrregião em cada ano (Pibit) com o PIB total do país no ano (Pibt). O significado do indicador segue a mesma linha de raciocínio, levando em conta que se resultar em valor superior a 1, o volume de crédito disponibilizado (lnqlc, crédito bancário total na microrregião; lnqlbndes, crédito disponibilizado pelo BNDES para as indústrias manufatureiras da microrregião) é maior na microrregião do que se esperaria em função da sua participação no PIB nacional. Este QL modificado foi utilizado nos estudos de Crocco (2012)CROCCO, M. A. Centralidade e hierarquia do sistema financeiro brasileiro. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 22, n. 1, p. 31-79, 2012. e Dutra et al. (2015)DUTRA, L. D. et al. Desigualdade na oferta de crédito regional a pessoas jurídicas: uma análise em painel para o período 2000-2011. Economia e Sociedade, Campinas, v. 24, n. 3, p. 681-708, 2015., sendo amplamente utilizado em estudos econômicos regionais.
  • 6
    Para selecionar os modelos de painel de regressão espacial a serem utilizados em função do tipo de autocorrelação apresentada pelas variáveis (lag espacial ou erros), foi feito o uso dos testes de lagrange multiplier (LM) clássicos e robustos, que utilizam os resíduos dos modelos de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). O teste de LM erro compara o modelo MQO com o modelo de erro espacial, assumindo que λ = 0 testando-se assim a hipótese nula de que H0: λ = 0 e se H0 for rejeitado, escolhe-se os modelos SEM (Spatial Error Model); já o teste LM lag compara o modelo MQO com um modelo de lag espacial, assumindo ρ = 0 e a hipótese nula é que H0:ρ = 0, assumindo caso seja rejeitada, que o modelo de lags é o mais indicado (Golgher, 2015GOLGHER, A. B. Introdução à Econometria Espacial. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 384.). Os testes de erros robustos não consideram nem λ = 0 e ρ = 0, mas que os valores são desconhecidos. O resultado dos testes robustos, para o ano de 2019, indicaram que se mantém os processos em favor de autocorrelação em lag espacial (estatisticamente significativos) em comparação aos processos de correlação espacial dos resíduos, escolhendo-se assim para este trabalho os modelos SAR e SDM em detrimento dos modelos SEM. Desta forma, os modelos SAR e SDM são apresentados na Tabela B1 no Apêndice B para complementar os resultados dos modelos SDM-2SLS e SDGMM-2SLS.
  • JEL: R12, G21, E12.

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Apêndice A

Quadro A1
Classificação OCDE para intensidade tecnológica – CNAE 2.0 (2 dígitos), adaptado de Cavalcante (2014)CAVALCANTE, L. R. Classificações tecnológicas: uma sistematização. Nota Técnica IPEA, Brasília, DF, n. 17, p. 21, 2014.

Apêndice B

Tabela B1
Estimativas das regressões de painel espacial com efeitos fixos (tempo), SAR e SDM

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2022
  • Aceito
    12 Ago 2023
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