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Opções contraceptivas entre mulheres vivendo com HIV/AIDS

Opciones contraceptivas en mujeres viviendo con VIH/SIDA

Contraceptive choices for women living with HIV/AIDS

Resumos

As novas possibilidades terapêuticas no controle da AIDS têm reforçado a esperança de vida entre os pacientes e estas circunstâncias influenciam nas decisões relativas ao planejamento familiar. O presente estudo de natureza qualitativa buscou conhecer as opções contraceptivas utilizadas por mulheres portadoras de HIV ou com aids, bem como suas dificuldades na utilização desses métodos. Foram estudadas 31 mulheres portadoras de HIV, atendidas em hospital público de Fortaleza-CE, em 2003. Das entrevistadas, 20 (64%) afirmaram ter vida sexual ativa. Destas, 17 (85%) referiram uso de algum tipo de opção contraceptiva, tais como: condom masculino (uso regular e irregular), coito interrompido, laqueadura tubária, Oginos-Knaus e abstinência sexual. Duas mulheres não mencionaram medida contraceptiva. As dificuldades apontadas foram o desconhecimento da anatomia do corpo, a falta de segurança e confiança nos métodos e as próprias limitações tanto para aceitar um método como para negociar o uso com o parceiro.

Saúde da mulher; HIV; AIDS; Contracepção


Las nuevas posibilidades terapéuticas para el control del SIDA han reforzado la esperanza de vida entre los pacientes, una vez que estas circunstancias han influenciado en las opciones relativas a la planificación familiar. El presente estudio de naturaleza cualitativa buscó conocer las opciones contraceptivas empleadas por las mujeres portadoras del VIH o con SIDA, así como, las dificultades en el uso de estos métodos. Fueron estudiadas 31 mujeres portadoras de VIH, asistidas en un hospital público de Fortaleza-CE, en el 2003. De las entrevistadas, 20 (64%) informaron tener una vida sexual activa. De estas, 17 (85%) manifestaron el uso de algun tipo de contraceptivo, como: preservativo masculino (uso regular e irregular), coito interrumpido, ligadura de trompas, método de Ogino-Knaus y abstinencia sexual. Dos mujeres no manifestaron medidas contraceptivas. Las dificultades indicadas por las mujeres fueron el desconocimiento de la anatomía del cuerpo, la falta de seguridad y confianza en los métodos, la propia dificultad tanto en aceptar un método y la dificultad en negociar el método con el compañero.

Salud de la mujer; VIH; SIDA; Contracepción


New possibilities for treatment and control of AIDS have reinforced hope for life among patients, in that these circumstances have influenced choices related to family planning. This study of qualitative nature sought to investigate the contraceptive choices used by women carrying HIV or AIDS, as well as their difficulty in using such methods. The subjects studied were 31 HIV-positive women being treated at a public hospital in Fortaleza-CE, in 2003. Of those interviewed, 20 (64%) reported being in sexual activity. Of these, 17 (85%) informed use of some kind of contraception, such as: male condom (regular and irregular use), coitus interruptus, female sterilization, the rhythm method and abstinence from sex. Two women did not refer to contraceptive measures. The difficulties indicated by women were lack of knowledge of bodily anatomy, lack of safety and confidence in methods, their own difficulty in accepting the method and difficulty in negotiation method with partners.

Women's health; HIV; AIDS; Contraception


PESQUISA

Opções contraceptivas entre mulheres vivendo com HIV/AIDS

Contraceptive choices for women living with HIV/AIDS

Opciones contraceptivas en mujeres viviendo con VIH/SIDA

Sandra Batista de VasconcelosI; Marli Teresinha Gimeniz GalvãoII

IEnfermeira do Programa da Saúde da Família (PSF) do Município de Quixeramobin

IIDoutora em enfermagem. Professora Adjunto I do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará

Endereço Endereço: Sandra Batista de Vasconcelos Rua João Lobo Filho, 393 CEP: 60055-360 - Bairro de Fátima, Fortaleza-CE E-mail: sandravasconcelos@globo.com

RESUMO

As novas possibilidades terapêuticas no controle da AIDS têm reforçado a esperança de vida entre os pacientes e estas circunstâncias influenciam nas decisões relativas ao planejamento familiar. O presente estudo de natureza qualitativa buscou conhecer as opções contraceptivas utilizadas por mulheres portadoras de HIV ou com aids, bem como suas dificuldades na utilização desses métodos. Foram estudadas 31 mulheres portadoras de HIV, atendidas em hospital público de Fortaleza-CE, em 2003. Das entrevistadas, 20 (64%) afirmaram ter vida sexual ativa. Destas, 17 (85%) referiram uso de algum tipo de opção contraceptiva, tais como: condom masculino (uso regular e irregular), coito interrompido, laqueadura tubária, Oginos-Knaus e abstinência sexual. Duas mulheres não mencionaram medida contraceptiva. As dificuldades apontadas foram o desconhecimento da anatomia do corpo, a falta de segurança e confiança nos métodos e as próprias limitações tanto para aceitar um método como para negociar o uso com o parceiro.

Palavras-chave: Saúde da mulher. HIV. AIDS. Contracepção.

ABSTRACT

New possibilities for treatment and control of AIDS have reinforced hope for life among patients, in that these circumstances have influenced choices related to family planning. This study of qualitative nature sought to investigate the contraceptive choices used by women carrying HIV or AIDS, as well as their difficulty in using such methods. The subjects studied were 31 HIV-positive women being treated at a public hospital in Fortaleza-CE, in 2003. Of those interviewed, 20 (64%) reported being in sexual activity. Of these, 17 (85%) informed use of some kind of contraception, such as: male condom (regular and irregular use), coitus interruptus, female sterilization, the rhythm method and abstinence from sex. Two women did not refer to contraceptive measures. The difficulties indicated by women were lack of knowledge of bodily anatomy, lack of safety and confidence in methods, their own difficulty in accepting the method and difficulty in negotiation method with partners.

Keywords: Women's health. HIV. AIDS. Contraception.

RESUMEN

Las nuevas posibilidades terapéuticas para el control del SIDA han reforzado la esperanza de vida entre los pacientes, una vez que estas circunstancias han influenciado en las opciones relativas a la planificación familiar. El presente estudio de naturaleza cualitativa buscó conocer las opciones contraceptivas empleadas por las mujeres portadoras del VIH o con SIDA, así como, las dificultades en el uso de estos métodos. Fueron estudiadas 31 mujeres portadoras de VIH, asistidas en un hospital público de Fortaleza-CE, en el 2003. De las entrevistadas, 20 (64%) informaron tener una vida sexual activa. De estas, 17 (85%) manifestaron el uso de algun tipo de contraceptivo, como: preservativo masculino (uso regular e irregular), coito interrumpido, ligadura de trompas, método de Ogino-Knaus y abstinencia sexual. Dos mujeres no manifestaron medidas contraceptivas. Las dificultades indicadas por las mujeres fueron el desconocimiento de la anatomía del cuerpo, la falta de seguridad y confianza en los métodos, la propia dificultad tanto en aceptar un método y la dificultad en negociar el método con el compañero.

Palabras clave: Salud de la mujer. VIH. SIDA. Contracepción.

INTRODUÇÃO

A aids está presente há mais de duas décadas no mundo. Durante os primeiros anos no Brasil, esta epidemia ocorria sobretudo entre os homens, enquanto os casos entre a população feminina eram inexpressivos.

Atualmente, porém, a incidência desta doença entre mulheres tem apresentado índices preocupantes. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a razão masculino/feminino que em 1984 era de 23:1, em 2003 chegou a 1:1,81.

Do ponto de vista biológico, e por razões anatômicas, as mulheres são mais suscetíveis que os homens à transmissão do HIV. Assim, em virtude de apresentar grande superfície de mucosa vaginal que se expõe ao sêmen, o qual, por sua vez, contém maior concentração de vírus que o fluido vaginal, a mulher tem o dobro do risco de contrair o vírus em comparação ao homem.

Alguns recursos são usados para reduzir o crescimento da aids entre homens e mulheres. Destes, sobressai a adoção sistemática do preservativo masculino ou feminino. Pelo fato de ser tal método também um recurso contraceptivo, seu uso constante para proteger do risco da transmissão é designado como método de dupla proteção.

A realidade da anticoncepção para a mulher brasileira tem suscitado amplas discussões nos últimos anos, as quais envolvem desde aspectos sociais, com quadro de desigualdade de direitos, de oportunidades e de recursos financeiros, até políticas públicas, pois os programas de atenção à sua saúde não têm sido efetivamente implementados2.

De acordo com estudo realizado no Brasil sobre a situação dos métodos contraceptivos usados entre mulheres da população geral, estes métodos são utilizados por 76% das mulheres casadas sai, e, destas, 40% já foram submetidas à esterilização cirúrgica3, evidenciando-se assim mais um agravante à adoção do uso de preservativos para a prática do sexo mais seguro quando se depara com a necessidade do controle de doença sexualmente transmissível.

As novas possibilidades terapêuticas no controle da infecção pelo HIV e para a redução da taxa de transmissão vertical têm reforçado a esperança de vida entre os infectados, e estas circunstâncias influenciam nas decisões relativas ao planejamento familiar, notadamente na decisão de ter ou não ter filhos.

Na prática profissional, observa-se o crescente número de mulheres portadoras da infecção que desejam engravidar mas temem pela concepção. Entretanto, diante de sua doença, necessitam de orientação para um planejamento familiar mais adequado, pois a decisão de ter ou não ter filhos deve estar atrelada a fatores clínicos para não pôr em risco a própria vida. Em face do exposto, o presente estudo buscou conhecer as opções contraceptivas utilizadas por mulheres portadoras de HIV ou com aids, bem como suas dificuldades na utilização desses métodos.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de natureza descritiva realizado no ambulatório do Hospital São José de Doenças Infecciosas, instituição de referência para atendimento de portadores da infecção pelo HIV ou com aids, da cidade de Fortaleza-CE, cujos pacientes são oriundos da capital e das diversas regiões do Estado do Ceará.

As participantes foram 31 mulheres que buscavam o serviço para consulta de retorno e foram recrutadas de forma aleatória no mês de outubro de 2003, na sala de espera do ambulatório. Consideraram-se como critérios de inclusão os seguintes: ser do sexo feminino, ter diagnóstico confirmado da infecção pelo HIV, estar em seguimento ambulatorial, ter idade igual ou superior a 18 anos e aceitar participar da pesquisa.

Para a coleta de dados utilizou-se entrevista semi-estruturada com vistas a obter informações sobre a identificação: idade, situação conjugal, ocupação atual, procedência, forma de aquisição do vírus, questões relacionadas à sexualidade, opção contraceptiva em uso e situação sorológica (anti-HIV) do companheiro.

Na realização da pesquisa foram observados os preceitos éticos a envolver os seres humanos de acordo com a Resolução n°196 de 10 de outubro de 19964. Assim, assegurou-se às mulheres a privacidade e confiabilidade dos dados, e enfatizou-se que não perderiam quaisquer direitos, como o tratamento oferecido, caso não aceitassem participar da pesquisa. Todas participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. No intuito de preservar o anonimato das pacientes, a elas foi atribuído nome de flores.

Para análise das entrevistadas, agruparam-se os dados quanto a sua caracterização, e efetuou-se a análise descritiva. Em relação aos dados qualitativos procedeu-se ao agrupamento dos temas, segundo a análise do conteúdo5. Em relação ao agrupamento das opções contraceptivas utilizaram-se as seguintes categorias: Formas Adequadas e Formas Inadequadas6. Por Formas Adequadas, entende-se aquelas que têm a função contraceptiva e de prevenção contra a reinfecção pelo HIV; por Formas Inadequadas, aquelas que não protegem da infecção ou não são formas de anticoncepção6.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como ponto inicial para esta análise, apresenta-se a caracterização das pacientes. Das 31 mulheres participantes da pesquisa, 14 (45%) moravam na capital e 17 (55%) em cidades do interior do Ceará. As idades variaram de 21 a 50 anos (média de 35 anos). A respeito da situação conjugal, 14 (45%) mulheres eram casadas ou viviam maritalmente; 11 (35%) eram solteiras; três (10%) separadas e três (10%) eram viúvas.

A despeito da forma de contaminação referida pelas mulheres, 30 (96%) afirmaram que a infecção ocorreu por relação heterossexual; a maioria referiu relacionamentos estáveis e uma (3%) mulher referiu ter sido contaminada pelo uso de drogas injetáveis (UDI).

Quanto à situação funcional, 15 mulheres estavam desempregadas, sete aposentadas em virtude da doença, quatro estavam inseridas no mercado formal do trabalho, uma mencionou fazer "bicos" e, outras quatro pacientes disseram ser prostitutas.

Sobre o conhecimento da situação sorológica de seus parceiros, durante a entrevista, de 20 mulheres que referiram vida sexual ativa, 7 (35%) confirmaram ter parceiro sexual com sorologia positiva, 5 (25%) informaram parceiro sexual soronegativo, enquanto 8 (40%) disseram que seus parceiros habituais não haviam realizado até o momento o exame para avaliação diagnóstica.

Em virtude da amostra apresentar quatro mulheres que informaram ser profissionais do sexo, contextualizou- se na presente investigação, também, a questão do cuidado da transmissão do vírus, pois numa relação sexual desprotegida pode ocorrer tanto a gravidez como a transmissão do HIV ao parceiro.

Descrição da sexualidade

Das 31 mulheres entrevistadas, 20 (64%) narraram ter vida sexual ativa. Entre aquelas com vida sexual ativa, 17 (85%) confirmaram o uso de algum tipo de opção contraceptiva, tais como: preservativo masculino, coito interrompido, laqueadura tubária e Oginos-Knaus. Duas (15%) mulheres ressaltaram não fazer uso de método contraceptivo e 11 (34,5%) informar ter adotado a abstinência sexual como meio para evitar a transmissão e, portanto, esta também foi considerada uma opção contraceptiva.

A Tabela 1 apresenta os dados referentes às formas contraceptivas mencionadas pelas mulheres no momento da entrevista. Do total de mulheres analisadas, 24 relataram formas adequadas de evitar filhos usadas também como métodos para evitar a disseminação do vírus. Ainda segundo dez dessas mulheres, seus parceiros usavam constantemente o preservativo masculino.

No presente estudo, o preservativo feminino não foi indicado pelas mulheres, semelhante ao resultado observado na cidade de São Paulo em 19977. Em 2001 no interior de São Paulo encontraram-se 8,2% das pacientes utilizando preservativo feminino6.

Como mostram alguns estudos8, clínicos conversam pouco, ou jamais conversam sobre uso de sexo mais seguro, uso de contraceptivos ou qualquer outro assunto relacionado à saúde reprodutiva das mulheres portadoras do HIV. Muitas vezes os profissionais apenas informam os meios para prevenção da transmissão do HIV, entretanto não demonstram e nem mesmo discutem com as pacientes sobre estes métodos. Diante desses argumentos, torna-se necessário assegurar estratégias para apresentação das diversas formas de sexo mais protegido e, principalmente, do uso do preservativo feminino, método capaz de beneficiar as mulheres portadoras de HIV, protegendo-as contra a concepção indesejada e a transmissão do vírus, por ser um método de escolha próprio e manipulado por elas.

No presente estudo três mulheres que referiram terem sido submetidas a laqueadura tubária também indicaram a utilização do preservativo masculino nas relações sexuais. Nestes casos a laqueadura foi uma opção contraceptiva irreversível, escolhida após o diagnóstico da infecção pelo HIV. Apesar do Código Brasileiro de Ética Médica afirmar que a esterilização só deve ser realizada em casos excepcionais de problemas sérios nas mulheres, essa prática vem sendo adotada indiscriminadamente nos diferentes serviços de saúde9.

Sete (24,0%) mulheres informaram opções contraceptivas inadequadas. As Formas Inadequadas de contracepção também não evitam a transmissão ou reinfecção pelo HIV. Uma mulher referiu o uso irregular do preservativo masculino devido à recusa do parceiro e outra afirmou valer-se da Oginos-Knaus. Duas mulheres informaram não utilizar medidas contraceptivas, alegando que provavelmente não podiam engravidar pela co-existência de doença oportunista e estágio avançado da doença. Já outra mulher disse utilizar o coito interrompido e duas referiram ser laqueadas. As Formas Inadequadas de prevenção à transmissão do HIV como também opção contraceptiva inadequada têm sido descritas na literatura como uma das dificuldades da mulher ao negociar relação mais protegida com seu parceiro, além da desinformação da mulher sobre sua doença10.

No decorrer das entrevistas, segundo observado, as opções contraceptivas foram escolhas estabele-cidas pelas próprias pacientes, não havendo interferência dos profissionais de saúde que as atenderam até o período da realização do estudo. Entretanto, os serviços de saúde devem assegurar meios e fomentá-los com vistas a auxiliar as decisões reprodutivas das mulheres portadoras de HIV. Tais serviços, muitas vezes, podem depender de critérios médicos, como estágio e evolução da doença, nível da carga viral e outros indicadores para aconselhar sobre o período mais indicado à concepção, e, com isso, trazer o mínimo de conseqüências a sua saúde e ponderar os riscos do bebê se infectar.

Segundo se observa, o desejo de maternidade está presente em mulheres que convivem com a infecção pelo HIV. No entanto, até o presente momento as técnicas de reprodução assistida não estão disponíveis para elas em serviços públicos de saúde. Alternativa para contornar esse problema, já que a infecção pelo HIV não impede o desejo de terem filhos, pode ser engravidar na melhor fase da doença, aquela em que o risco da possibilidade de transmissão seja menor.

Assim, deve-se garantir um planejamento familiar às mulheres portadoras de HIV, a fim de receberem informações direcionadas ao seu estado de saúde, possibilitando decisões mais conscientes quanto a ter um filho. Também deve-se garantir às infectadas acesso ao pré-natal sem discriminação, atendimento universalmente assegurado a todas as mulheres.

A situação sorológica do parceiro sexual dessas mulheres, em relação ao HIV, está descrita na Tabela 2. Vinte mulheres referiram ter parceiros sexuais, dos quais sete eram soropositivos para HIV, cinco eram soronegativos e oito não haviam realizado pesquisa de anticorpos específicos até o momento da entrevista, pela recusa do companheiro em submeter-se ao exame. Diante destes dados, conforme encontrado, houve sete casais concordantes, ou seja, ambos apresentaram sorologia positiva para o HIV, cinco casais discordantes, neste caso, a mulher é HIV-positiva e seu parceiro não tem infecção pelo HIV até o momento.

O fato de a mulher não usar preservativo feminino ou de o parceiro não usar o condom indica relação de alto risco, tratando-se de parceiro soronegativo. Em face desta situação, o planejamento familiar dentro do contexto de se viver com HIV deve ser discutido com o casal, pois diante da escolha de uma gravidez planejada, o parceiro HIV-negativo também deve ponderar sobre o risco de contrair a doença.

Durante as entrevistas as mulheres manifestaram claramente a insatisfação de conceber naquele momento. Entretanto, em relação às dificuldades mencionadas pelas mulheres que informaram vida sexual ativa e uso de alguma medida contraceptiva, 15 (75%) não referiram dificuldade para utilização dessas medidas e apenas 5 (25%) apresentaram alguma dificuldade.

A seguir, expõem-se as opções contraceptivas referidas pelas mulheres e suas falas a respeito das dificuldades em utilizá-las.

Preservativo masculino

Tratando-se de indivíduo portador do HIV, a opção contraceptiva mais adequada é o uso do método de barreira. Neste caso o condom masculino e o feminino são considerados método de dupla proteção, pois seu uso impede a concepção e também previne a transmissão do vírus. A dificuldade do uso do condom masculino está demonstrada a seguir:

Tenho alergia e também não confio muito bem (Jasmim); Tenho dificuldade, às vezes ele [o parceiro] não quer porque diminui a vontade, o prazer (Copo de Leite); Não, só que às vezes quando não tem [referindo-se ao condom masculino] vai sem [...] (Benjamim); Tinha dificuldade em colocar a camisinha, porque não sei e tenho medo que fique dentro de mim (Girassol).

Diante das falas considera-se que as dificuldades das mulheres estão na falta de noção da anatomia do corpo, na falta de segurança e confiança no método, em problemas de aceitação do condom e na resistência atribuída ao parceiro em usá-lo.

A recusa do parceiro ao uso do preservativo também foi observada em pesquisa11, que ao analisar as razões para o não uso do preservativo masculino entre casais portadores do HIV encontrou que a não utilização desse método pelas mulheres deve-se ao fato de o companheiro não gostar, por referir incomodo ao usá-lo e que o maior temor atribuído por essas mulheres é o risco de uma nova gravidez. Como mostra pesquisa7 sobre prostitutas, a utilização do preservativo masculino é maior com parceiros casuais do que com seus parceiros fixos, pois com estes parecem não conseguir fazer valer sua vontade ou negociar sexo seguro. Assim, percebe-se que a prática irregular do preservativo masculino é observada em diferentes contextos de vida das mulheres e que as causas advêm dos vários cenários onde se vive.

Uma mulher do presente estudo menciona desejar receber mais unidades do preservativo, por considerar insuficiente a quantidade oferecida (15 unidades por mês). Diante das próprias dificuldades financeiras, retornar mensalmente ao serviço é um obstáculo na adoção sistemática do condom. O serviço de saúde deve assegurar a possibilidade de oferecer mais preservativos aos pacientes, porquanto a sexualidade, o tipo e o número de relações são definidos pelos casais.

Ogino-Knaus

Ogino-Knaus, método denominado "tabelinha", é uma maneira natural de observar o corpo e descobrir os dias férteis, nos quais é possível engravidar, e durante estes dias abster-se das relações ou usar outra medida contraceptiva.

A dificuldade de estabelecer essa opção contraceptiva é demonstrada pela fala: eu faço tabelinha, mas não sei direito, nunca me ensinaram (Gardênia).

O uso da tabelinha requer da mulher conhecimento do seu corpo e a anotação sistemática do período de suas menstruações. Deve-se capacitar as mulheres sobre as diferentes opções contraceptivas com vistas a um planejamento familiar, cuja decisão e escolhas sejam a vontade da paciente.

Coito interrompido

A prática de retirar o pênis da vagina e da região próxima à vulva, antes da ejaculação, foi opção contraceptiva utilizada por uma paciente. Esse método, porém, não é recomendado, pois oferece pouca segurança, em virtude da possibilidade de saída de gotas de sêmem antes da ejaculação.

Essa opção relatada, além de não agradar a paciente, mostrou seu desconhecimento sobre a possibilidade da gravidez: usamos tirar fora antes. Não gosto, é muito chato [...] (Cravo).

Abstinência sexual

Considerada único recurso para evitar a propagação do HIV, a abstinência tem sido observada imediatamente após o conhecimento do diagnóstico da infecção por este vírus. A fase de abstinência representa uma fuga das relações sexuais pelo fato de a maioria das mulheres relembrarem ter sido por meio das relações sexuais que adquiriram o vírus, apontando, assim, ser a abstinência sexual um período de "luto" em suas vidas.

Onze mulheres informaram terem adotado a abstinência sexual como meio para evitar a transmissão, e, portanto, esta também, considerada uma opção contraceptiva.

Dentro do contexto de vida sexual agrupou-se os depoimentos que permitiram contextualizar a relação da vida sexual sob a ótica do planejamento familiar.

Vida sexual ativa: prazeres e desprazeres

Dez mulheres manifestaram se sentirem confortáveis em relação ao sexo, enquanto a maioria delas referiram que a infecção pelo HIV mudou tudo em suas vidas, principalmente a sexual, tendo em vista o medo da transmissão e/ou reinfecção.

Descreveram sua vida sexual antes do diagnóstico como muito mais prazerosa e desejável do que atualmente.

Duas mulheres declararam que a vida sexual melhorou após o diagnóstico. A relação ficou mais comprometida entre o casal, houve mais fidelidade, mais respeito e compreensão quando se tratava de haver ou não a relação sexual.

Descobrir outras formas de prazer na relação sexual parece ter sido também uma opção contraceptiva desejável, pois com o uso persistente do preservativo a mulher refutaria a possibilidade de gravidez, conduzindo ao sexo mais prazeroso, como se percebe na fala: não quero mais filhos. Com preservativo tem- se muito mais prazer sem a possibilidade de nova gravidez (Copo de Leite).

Rejeição do parceiro: uma proposta à abstinência

Ao se deparar com a sorologia negativa do parceiro, segundo duas das mulheres, as questões ligadas à sexualidade ficaram alteradas. Minha vida sexual mudou muito, principalmente com o parceiro sem a doença (Lírio). Fiquei isolada logo [referindo-se às relações sexuais] (Antúrio).

As mulheres relataram terem sido tratadas de forma diferente após o estabelecimento da sorologia negativa do parceiro atual, no qual se estabelecia que dentro do atual casamento não havia ocorrido a contaminação da parceira.

Como tem sido observado, é mais fácil a mulher aceitar o fato de o parceiro ter a infecção do que o oposto. Na sociedade em que vivemos as questões de gênero não estão bem claras, assim, o fato de o parceiro não ter o vírus põe em prova sua fidelidade. Para muitos homens, é difícil aceitar essa condição. Deste modo a recusa para uma vida sexual ativa não foi condição acolhida pelo homem.

Semelhante sentimento foi observado por investigador12 nos Estados Unidos da América, que estudando casais sorodiscordantes, encontrou que os homens soronegativos expressavam sentimentos de desconfiança e traição sobre a fonte de transmissão do HIV quando suas parceiras eram as infectadas.

Relação sexual: um trauma

O diagnóstico da infecção pelo HIV foi uma situação que impôs uma vida ao celibato, conforme as falas: desde o diagnóstico fiquei com medo de homem (Macela); Fiquei com medo, trauma, medo de me aproximar das pessoas e passar para alguém (Margarida).

A abstinência sexual, única maneira segura para evitar a concepção, a transmissão do HIV e a reinfecção pelo vírus, foi referida por 11 mulheres. Estudos no Brasil apresentam índices semelhantes13-4. Segundo pesquisadores7, a atividade sexual é uma questão muito importante na vida de um casal e está freqüentemente relacionada ao amor e à afetividade, e não somente à procriação. Entretanto, muitas vezes a abstinência funciona como uma fuga, não sendo expressão de um desejo real e à medida que a tempo passa, estas mulheres redescobrem sua vida sexual.

Três mulheres manifestaram-se avessas diante da possibilidade de uma gravidez, em decorrência do risco da criança também sofrer com a doença. Isso corrobora a opção contraceptiva apontada entre essas mulheres de abstinência sexual e uso do preservativo masculino.

No presente estudo percebeu-se que a abstinência sexual relatada pelas mulheres decorreu do trauma vivido por elas após o diagnóstico, pelo medo de contaminar seus parceiros, seus filhos e acima de tudo, do preconceito que podem sofrer diante da necessidade de revelar o diagnóstico, além do estigma ainda persistente em nossa sociedade.

Ter filhos: um desejo compartilhado

No que diz respeito à vontade de ter filhos, sete (22%) mulheres declararam interesse de engravidar pela primeira vez ou de repetir a experiência. Muitas dessas mulheres mantinham seu desejo atrelado ao fato de seus companheiros também manifestarem o mesmo interesse.

Ao serem inquiridas sobre o que elas e seus parceiros pensavam sobre filhos, sete mulheres foram espontâneas e mencionaram que tinham vontade de ter filhos. Entre elas, seis referiam ser seu desejo compartilhado com o parceiro. A proporção entre mulheres e homens desejosos de ter filhos é quase idêntica. Ademais, essa vontade das mulheres está entrelaçada ao fato do companheiro também ter esse desejo.

CONCLUSÕES

Como indicam os resultados, as opções contraceptivas entre mulheres vivendo com a infecção pelo HIV não se mostram adequadas em 24% da amostra estudada quando se considera o planejamento familiar como um ato de escolha consciente por determinado número de filhos, pois informaram uso irregular do preservativo masculino, maneira incorreta de utilizar a tabelinha e coito interrompido durante as relações sexuais.

As mulheres usuárias que indicaram opções contraceptivas consideradas inadequadas, em virtude da infecção pelo HIV, o faziam por desconhecimento tanto da anatomia do corpo, pela falta de segurança e confiança nos métodos, e por dificuldade própria de aceitar um método como de negociar o uso com o parceiro.

Quanto às formas adequadas de concepção e apropriadas também para ser adotadas na proteção da transmissão do HIV, encontramos 76 % usando-as adequadamente.

Os serviços de saúde devem promover orientações sobre a sexualidade com vistas a propiciar às mulheres elementos para refletir sobre formas de exercerem sexualidade plena, saudável em todas as etapas da vida, independente do contexto em que vivem. Assim, as informações relacionadas ao planejamento familiar devem fazer parte de ações educativas sistemáticas voltadas às mulheres, independente da idade, situação conjugal e situação sorológica do parceiro, para poder o casal decidir-se conscientemente sobre quais métodos escolherem, assegurando a igualdade de oportunidade às opções contraceptivas.

É dever dos profissionais de saúde procurar informá-las sobre as opções contraceptivas mais adequadas, ajudando-as a encontrar um período mais propício à gravidez desejada.

Recebido em: 15 de fevereiro de 2004

Aprovação final: 28 de junho de 2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      28 Jun 2004
    • Recebido
      15 Fev 2004
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