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Sentimentos diante da não amamentação de gestantes e puérperas soropositivas para HIV

Feelings of pregnant and post-partum women with HIV/AIDS about not breastfeeding

Sentimientos frente a la falta de amamentamiento en mujeres gestantes y puérperas con VIH

Resumos

Investigação entre gestantes e puérperas portadoras do HIV sobre quais os sentimentos que representam pelo fato de não poderem amamentar. Trata-se de estudo qualitativo realizado de outubro a dezembro de 2003 em Fortaleza-CE. Foram entrevistadas por meio de entrevista semi-estruturada cinco gestantes e oito puérperas soropositivas para HIV. De acordo com os achados, as gestantes e puérperas expressaram que a maternidade estaria completa se efetivassem o ato da amamentação. Mencionaram que o motivo de não amamentar lhes acarreta culpa, frustrações, sofrimentos, desejos interrompidos, impotência e sonhos desfeitos. Contudo, também exprimiram sentimentos de indiferença diante do fato pontual de não amamentar. Conclui-se que as mulheres com HIV manifestaram dificuldades físicas, econômicas e psicológicas ante a não amamentação.

HIV; AIDS; Mulheres grávidas; Aleitamento materno


This study aimed at investigating the feeling of pregnant and post-partum women HIV bearers for not being able to breastfeed. It is a qualitative study held from October to December 2003, in Fortaleza CE. Five pregnant and eight post-partum women HIV bearers were interviewed through a semi-structured interview. The results show that pregnant and puerperal women think that maternity would be complete if they could breastfeed. They said that the fact they cannot breastfeed brings guilt, frustration, suffering, unfulfilled wishes, impotence and destroyed dreams. However, they also show indifference to the important fact of not breastfeeding. It is concluded that the women with HIV manifested physical, economical and psychological difficulties because of the not breastfeeding.

HIV; AIDS; Pregnant women; Breast feeding


Investigación entre las mujeres embarazadas y parturientes portadoras de VIH sobre cuales son los sentimientos que vivenciam por el hecho de no poder amamantar. Se trata de un estudio cualitativo realizado desde octubre hasta diciembre del 2003 en Fortaleza-Ceará. Fueron aplicadas entrevistas semi-estructuradas a cinco mujeres gestantes y ocho parturientes portadoras de VIH. Los resultados señalaron que las mujeres gestantes y las parturientes expresan que la maternidad seria completa se fuera efetivo el acto de amamentamiento. Mencionaron que el motivo de no amamantar les produce sentimientos: culpa, frustraciones, sufrimiento, deseos interrumpidos, imposibilidad y sueños no realizados. Sin embargo, también, expresaran sentimiento de indiferencia delante del hecho puntual de no amamantar. Concluimos que las mujeres con VIH manifestaron las dificultades físicas, barata y psicológicas antes de no amamantar.

VIH; SIDA; Mujeres embarazas; Lactancia materna


PESQUISA

Sentimentos diante da não amamentação de gestantes e puérperas soropositivas para HIV

Feelings of pregnant and post-partum women with HIV/AIDS about not breastfeeding

Sentimientos frente a la falta de amamentamiento en mujeres gestantes y puérperas con VIH

Simone de Sousa PaivaI; Marli Teresinha Gimeniz GalvãoII

IAcadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará. Bolsista do PIBIC/UFC

IIEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará

Endereço Endereço: Simone de Sousa Paiva Rua Oito, 1190 60415-510 - Bairro Antônio Bezerra, Fortaleza-CE E-mail simonecvc@yahoo.com.br

RESUMO

Investigação entre gestantes e puérperas portadoras do HIV sobre quais os sentimentos que representam pelo fato de não poderem amamentar. Trata-se de estudo qualitativo realizado de outubro a dezembro de 2003 em Fortaleza-CE. Foram entrevistadas por meio de entrevista semi-estruturada cinco gestantes e oito puérperas soropositivas para HIV. De acordo com os achados, as gestantes e puérperas expressaram que a maternidade estaria completa se efetivassem o ato da amamentação. Mencionaram que o motivo de não amamentar lhes acarreta culpa, frustrações, sofrimentos, desejos interrompidos, impotência e sonhos desfeitos. Contudo, também exprimiram sentimentos de indiferença diante do fato pontual de não amamentar. Conclui-se que as mulheres com HIV manifestaram dificuldades físicas, econômicas e psicológicas ante a não amamentação.

Palavras-chave: HIV. AIDS. Mulheres grávidas. Aleitamento materno.

ABSTRACT

This study aimed at investigating the feeling of pregnant and post-partum women HIV bearers for not being able to breastfeed. It is a qualitative study held from October to December 2003, in Fortaleza CE. Five pregnant and eight post-partum women HIV bearers were interviewed through a semi-structured interview. The results show that pregnant and puerperal women think that maternity would be complete if they could breastfeed. They said that the fact they cannot breastfeed brings guilt, frustration, suffering, unfulfilled wishes, impotence and destroyed dreams. However, they also show indifference to the important fact of not breastfeeding. It is concluded that the women with HIV manifested physical, economical and psychological difficulties because of the not breastfeeding.

Keywords: HIV. AIDS. Pregnant women. Breast feeding.

RESUMEN

Investigación entre las mujeres embarazadas y parturientes portadoras de VIH sobre cuales son los sentimientos que vivenciam por el hecho de no poder amamantar. Se trata de un estudio cualitativo realizado desde octubre hasta diciembre del 2003 en Fortaleza-Ceará. Fueron aplicadas entrevistas semi-estructuradas a cinco mujeres gestantes y ocho parturientes portadoras de VIH. Los resultados señalaron que las mujeres gestantes y las parturientes expresan que la maternidad seria completa se fuera efetivo el acto de amamentamiento. Mencionaron que el motivo de no amamantar les produce sentimientos: culpa, frustraciones, sufrimiento, deseos interrumpidos, imposibilidad y sueños no realizados. Sin embargo, también, expresaran sentimiento de indiferencia delante del hecho puntual de no amamantar. Concluimos que las mujeres con VIH manifestaron las dificultades físicas, barata y psicológicas antes de no amamantar.

Palabras clave: VIH. SIDA. Mujeres embarazas. Lactancia materna.

INTRODUÇÃO

No Brasil, desde o início da década de 80 até 2002, foram registrados 72.719 casos de aids na população do sexo feminino1. O número de gestantes infectadas pelo HIV até 2001 era de 17.198 mulheres, mas apenas 34,7% receberam tratamento adequado para evitar a transmissão vertical2.

De acordo com estimativas a partir de estudos sentinelas em maternidades, o estado do Ceará apresentou cobertura de 9,9% das gestantes portadoras do HIV que consumiram o AZT (Zidovudina) no momento do parto, durante o ano de 20013.

A ausência de terapia adequada colabora no crescimento do contágio vertical, que conduz ao constante incremento nas taxas de morbidade e mortalidade infantis.Assim, um indicador importante do envol-vimento da mulher na epidemia é o número de casos de transmissão perinatal. Como se observa entre os anos de 1980 a 2002, no Brasil 85,8% das crianças menores de 13 anos notificadas com aids haviam adquirido a infecção da mãe contaminada1.

O HIV pode ser transmitido para o recém-nascido em três momentos: na gravidez, no parto ou na amamentação. Durante o trabalho de parto, a probabilidade de transmissão materno-infantil ou vertical do HIV é de cerca de 65%, enquanto o aleitamento materno representa risco adicional de 7 a 22% de contágio3.

Com vistas a diminuir as chances da contaminação da criança, algumas estratégias terapêuticas e preventivas têm sido indicadas no período de intraparto, parto e pós-parto. A primeira estratégia para evitar a contaminação do bebê é realizada com tratamento específico iniciado após a 14ª semana de gestação; a segunda é o tratamento intensivo durante o trabalho do parto, e a terceira alternativa, que diminui a probabilidade da contaminação da criança, é a exclusão do aleitamento materno3.

Como sugere o Ministério da Saúde, a amamenta-ção natural de mulheres soropositivas só poderá ocorrer se o leite materno passar por processo de pasteurização capaz de tornar o HIV inato4. Entretanto, essa prática não é difundida em nosso meio.

Os serviços de atendimento às gestantes devem orientá-las o mais cedo possível sobre os diversos recursos terapêuticos disponíveis para diminuir a possibilidade da transmissão do HIV ao feto.

Grande parcela de mulheres contaminadas pelo HIV descobrem seu diagnóstico durante o pré-natal, mas esta informação não é partilhada imediatamente com os familiares. No entanto, a omissão do diagnóstico nesta fase pode constituir uma situação de desconforto, principalmente pela ameaça de serem descobertas após o parto, por não estarem amamentando seus filhos. O fato de não poderem amamentar as expõe socialmente, pois, se omitiram sua condição atual de saúde, precisam de uma explicação convincente para amigos e familiares.

Nesta perspectiva, na prática cotidiana há o incremento de mulheres no atendimento ambulatorial, as quais, quando grávidas, expressam seus temores, suas ansiedades e frustrações, em virtude de muitas delas serem oriundas de camadas sociais menos privilegiadas. Para estas, na maioria das vezes, para a subsistência do bebê, o aleitamento materno seria um recurso indispensável como fonte de alimentação e proteção.

OBJETIVO

Investigar entre gestantes e puérperas portadoras do HIV quais os sentimentos que representam por não poderem amamentar.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Desenvolveu-se um estudo qualitativo de abordagem descritiva exploratória. A abordagem qualitativa propicia compreender a complexidade das experiências e seus significados5. Os dados qualitativos permitem apreender o aspecto multidimensional dos fenômenos, capturando os diferentes significados das experiências no ambiente investigado, com vistas a auxiliar a compreensão das relações entre os indivíduos, seu contexto e suas ações. Oferece a possibilidade de o pesquisador captar a maneira pela qual os indivíduos pensam e reagem ante as questões focalizadas do ponto de vista de quem as vivencia.

O cenário do estudo foi o ambulatório de um hospital público de referência estadual ao atendimento de portadores de HIV em Fortaleza-CE, durante outubro e dezembro de 2003, quando recebiam o acompanhamento clínico da infecção. Concomitante ao atendimento clínico, as mulheres realizavam as consultas do pré-natal e a avaliação puerperal em maternidades próximas de suas residências.

Participaram do estudo cinco gestantes e oito puérperas portadoras de HIV, recrutadas aleatoriamente na sala de espera da referida instituição. A amostra foi definida à medida da saturação dos dados. Considerou-se como mulheres portadoras de HIV grávidas aquelas cujos exames clínico e laboratorial confirmavam sua gestação, identificadas nos resultados como "G" e puérperas portadoras de HIV, considerando a fase posterior ao parto, identificadas nos resultados como "P".

As mulheres foram entrevistadas em ambiente privativo, utilizando-se roteiro semi-estruturado, tendo como foco de atenção as questões relacionadas à experiência de não amamentar ou de vivenciar a gravidez. As entrevistas foram gravadas, e seus conteúdos, avaliados, usando a análise de conteúdo6. As respostas obtidas foram reunidas e classificadas por temas, dando origem a categorias referentes aos sentimentos diante do fato de não poder amamentar e da experiência de não ter amamentado.

Todos os passos da presente investigação seguiram as instruções da Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996, referentes a estudos que envolvem seres humanos7. Inicialmente obteve-se a autorização formal do diretor da instituição de saúde e posteriormente a pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Para as participantes do estudo, explicou-se que sua participação era livre e que a recusa em participar da pesquisa não lhes causaria nenhuma restrição a atendimentos posteriores. Após a anuência em participar, todas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS ACHADOS

A seguir são apresentados os achados da análise da caracterização das 13 mulheres portadoras de HIV entrevistadas, no total de cinco gestantes e oito puérperas.

As idades variaram entre 16 e 36 anos; oito participantes (61,5%) encontravam-se na faixa etária de 21 a 30 anos de idade.

Nenhuma das mulheres entrevistadas havia concluído ensino superior, entretanto 11 (84,6%) cursaram até o primeiro grau.

Quando indagadas sobre a situação conjugal, sete mulheres informaram relacionamento estável (53,9%), uma (7,6%) referiu parceiro fixo na ocasião do diagnóstico da infecção, mas no momento da entrevista encontrava-se separada. As demais (38,5%) estavam solteiras.

Quanto à renda per capita, quatro mulheres indicaram renda inferior a cinqüenta reais (R$ 50,00) e sete tinham renda entre cinqüenta e cem reais(R$ 50,00 -R$ 100,00). Uma das entrevistadas declarou sobreviver de doações e de contribuições do governo, enquanto outra relatou não possuir renda mensal fixa.

Entre as participantes do estudo, nove afirmaram ter experiência com a maternidade e a amamentação antes do conhecimento do diagnóstico de HIV. Já outra mulher experimentava a terceira gestação, referindo conhecer a soropositividade desde sua primeira gravidez. Duas mulheres vivenciaram a gestação e uma o puerpério pela primeira vez.

Quanto aos filhos concebidos após o diagnóstico do HIV, duas mães relataram tê-los amamentado. O argumento alegado pela mulher foi o desconhecimento da contra-indicação do aleitamento natural, pois, segundo ela referiu, o profissional que a atendeu logo após o parto não a convenceu de ser a amamentação contra-indicada. Outra mulher durante o puerpério ofereceu a mama uma única vez por desejo e impulso em amamentar.

A seguir apresentam-se as falas categorizadas das mulheres que vivenciaram o diagnóstico da infecção pelo HIV no estado gravídico ou puerperal.

Significados positivos diante da gravidez e do filho

Na opinião das mulheres soropositivas, parir uma criança é condição indispensável à sua própria vida, como forma de dar continuidade a uma vida que tem morte anunciada8.

Nenhuma das entrevistadas planejou a gravidez, entretanto consideravam o filho seu motivo de viver, razão de sua existência, uma pessoa muito especial, como sintetizou uma entrevistada:

[...]quero viver o suficiente para cuidar dele, pois nem minha mãe, nem meu pai, nem meus irmãos, ninguém vai cuidar dele como eu cuido, vai ter a paciência como eu tenho, por mais que goste (P.3).

Insatisfação com a gravidez

Sentimentos de preocupação, insatisfação e angústia também foram encontrados nos relatos diante da confirmação da gravidez, em decorrência de sua condição sorológica. No entanto, posteriormente ocorreu a aceitação de seu estado gravídico, como relatado por uma puérpera:

[...]eu fiquei doente [insatisfeita] nos primeiros dias, nos primeiros meses, eu fiquei doente quando soube que estava grávida, mas depois eu deixei correr (P.6).

A confirmação de gravidez pode gerar diversos comportamentos entre as mulheres, como indiferença, contrariedade e insatisfação. As dificuldades socioeconômicas vivenciadas pelas mulheres e a presença da doença adquirem maior gravidade quando as gestantes tomam atitudes deliberadas quando se descobrem grávidas, como as tentativas de abortamen-tos, arriscando a saúde materna, conforme relatado por uma gestante:

[...]meu filho representa para mim uma barreira bem grande porque eu tenho um bem novinho, um de nove meses. Eu tomei remédio para abortar (G.4).

Nessa afirmação, como se pode observar, a maternidade também está afetada por fatores relacionados à falta de orientação ao planejamento familiar. As opções por um aborto legal e seguro para as que desejam interromper a gravidez não estão disponíveis no Brasil e um dos mais difíceis dilemas enfrentados pelas mulheres soropositivas são as restrições legais quanto à possibilidade de interromper a gravidez9.

O sofrimento diante da não amamentação

A não amamentação é encarada pelas mulheres como uma situação de dor e padecimento e a recomendação sobre o não aleitamento materno confronta-se com seu desejo do papel social de "mãe", causando sofrimento diante do fato de ser impedida de amamentar, como exemplarmente ilustram os relatos:

[...] no começo foi muito difícil porque eu gosto de amamentar e já na gravidez já me doía [causava sofrimento] [...] é uma coisa muito chocante, especialmente para a gente que já foi mãe (P.1); A gente fica triste [...] o ruim é quando as pessoas lhe perguntam: Por que ela não é amamentada? Eu me sinto muito triste, envergonhada [...] [fala interrompida por choro] (P.8).

As restrições no estabelecimento do vínculo mãe-filho, as vivências anteriores à amamentação, o conhecimento prévio das vantagens do aleitamento natural, enfatizadas e divulgadas constantemente pelos meios de comunicação e nas instituições de saúde em países em desenvolvimento, dificultam a decisão pelo não aleitamento10.

Ademais, a deficiência de informações das pacientes quanto aos seus direitos relacionados à administração de medicamentos inibidores da lactação, ao recebimento gratuito da fórmula láctea, além do despreparo de alguns profissionais em assistir individualmente cada mulher, considerando sua situação perante essa nova realidade que a aflige, pode ser observada nas falas a seguir:

[...]foi muito difícil [...]minhas mamas ficaram empedradas, cheias, vermelhas, eu sofria muito. Tive dor de cabeça, febre [...]. Além disso tenho muitas dificuldades em conseguir o leite da criança e minha própria alimentação (P.5); [...] teve um momento que eu dei o peito para esse último filho que tive porque eu estava com dificuldades de arranjar o leite, eu não tava com condição de comprar o leite dele, aí eu ainda dei [a mama], dei bem rápido [...] (G.4); Aquela hora que é para dar a alimentação dele eu não gosto de jeito nenhum (P.2).

As situações vivenciadas pelas mulheres podem induzi-las a repensar sua decisão de não amamentar seu filho ou a tomar atitudes sem refletirem nas possíveis conseqüências de tais ações sobre a saúde do filho. O profissional que se depara com esse contexto precisa estar capacitado para orientar e auxiliar a mãe a buscar soluções para os problemas que interferem na vivência da maternidade sem o ato de amamentar.

A impotência por não amamentar

As inúmeras restrições sofridas pelas mulheres soropositivas, em particular as gestantes que decidiram prosseguir com uma gestação de risco, fazem com que a decisão de não amamentar seu filho gere lamentações e sentimentos de incapacidade e frustração, como ilustram as falas a seguir:

[...] sem poder amamentar a gente fica com aquele sentimento desagradável (P.1); É muito difícil estar com as mamas cheias de leite, ter a criança, mas não poder dar o peito, não ter esse prazer, esse privilégio [...] (P.5); De repente aquilo ali, faltando três meses e você ansiosa esperando aquela criança nascer e de repente você recebe essa bomba [...] aí [...] você não pode amamentar [...] como mulher você se sente a pior coisa do mundo (P.2).

Sentimentos de vontade e desejo de amamentar

O processo de amamentação e de desmama reflete o momento histórico em que viveram e a educação recebida das mulheres em períodos anteriores de suas vidas11. Entretanto, o momento histórico atual ainda é de incentivo ao aleitamento natural, refletindo negativamente nos sentimentos de mulheres com HIV diante da recomendação para excluírem a amamentação natural de seus filhos.

Manifestações pela vontade e desejo de amamentar os filhos surgem nos relatos, em decorrência do conhecimento prévio das vantagens do aleitamento natural, no estabelecimento do vínculo mãe-filho, ou pelo sonho de mãe que acalma o filho por um ato que somente ela poderia realizar. Também se observa o desejo de amamentar em decorrência das dificuldades financeiras vivenciadas pela entrevistada. As descrições a seguir retratam esses sentimentos:

[...] a gente tem a vontade de amamentar porque amamentar é amor, né? (P.1); Eu acharia melhor oferecer a amamentação, diante das dificuldades [financeiras] [...] (G.4); Era meu sonho ter um filho e ver ele mamando [...] quando visse ele chorando poderia dar o peito e ver ele parar de chorar[...] era o meu sonho e o sonho de meu marido [...]. Fiquei tão triste, cheguei até a chorar [por não poder amamentar] (G.5).

O aleitamento materno é uma função primordial para todo o desenvolvimento psicológico da criança. Assim, na presença de mãe HIV positiva encontra-se uma dificuldade associada ao fato da paciente ser desaconselhada a amamentar em virtude do risco de transmissão do vírus.

Há momentos em que o bebê começa a fixar continuamente a face da mãe, percebendo seu rosto e sentindo seu calor, num misto de sensações visuais e táteis até adormecer8. Como este contato é vivido especialmente durante a amamentação, ele se fragiliza com o oferecimento do leite artificial. Ademais, a interrupção dessa relação mãe-filho poderá ter repercussões na vida adulta da criança, até mesmo de caráter neurótico ou psicótico.

Proteção materna alterada

Foi unânime entre as entrevistadas a decisão pelo não aleitamento natural, apesar das limitações e dificuldades que este ato poderia acarretar em suas vidas. Contudo, a experiência da maternidade, tão vital para as mulheres, torna-se diferenciada diante da infecção pelo HIV. Com relação à fragilidade do sentimento maternal, esse sentimento ficou claro, como ilustrado na fala:

[...]cada vez que ele tomava a chuquinha, podendo dar o seio para ele, eu me sinto mal por isso, mas se era pro bem dele [...] eu evito pôr ele nos meus braços encostado nos meus seios; eu não durmo com ele em cima de mim, ele gosta, mas eu não consigo, eu me retraio (P.2).

As mães buscam seguir as recomendações dos profissionais de saúde com a finalidade de minimizar o quanto possível os riscos da criança em contrair a infecção. No seu papel cultural de cuidadoras as mulheres se vêem obrigadas a responder pela saúde da família, como se seguissem o instinto materno de protetoras de sua prole, sacrificando seus sentimentos. Esses sentimentos podem ser constatados nas descrições:

[...] no início, fiquei muito triste, chorei, depois eu aceitei normal porque eu entendi que era o melhor para ele [...] Desde quando fiquei sabendo da gravidez, fiz tudo para não passar [o vírus] para ele, tomei medicação, o parto foi cesárea, ele tomou remédio, não estou amamentando [...] (P.3); Eu aceitei normalmente não amamentar porque a gente sabe que vai passar para o bebê [...] eu vou ficar firme, com certeza, em não amamentar (G.4).

A indiferença diante da não amamentação

A amamentação, antes vista como prova de amor materno, também pode ser encarada como uma maneira de escravização das mulheres12. Nesta perspectiva, duas entrevistadas manifestaram em seus relatos sentimentos de plena aceitação do fato de não poderem amamentar seus filhos, sem apresentar durante a comunicação verbal e não verbal traços de dor, sofrimento ou impotência. A fala de uma puérpera representa essa situação:

[...] sei que o leite materno é o melhor alimento para a criança, mas não deixa de ser fadigante para a mãe (P.4).

Vivências do não aleitamento natural, anteriores ao diagnóstico da soropositividade ao HIV, tornam mais fácil a aceitação da não amamentação em decorrência de sua condição sorológica atual, pois já utilizava mecanismos próprios para lidar com essa situação, como se percebe no relato descrito a seguir:

[...] sei que eu não vou poder amamentar. A criança que não é amamentada é mais fraca, né? Eu acho assim que amamentando a criança, ela pode ser mais ligada à mãe [...] não amamentando claro que ela vai ficar ligada à mãe porque vai ter carinho [...] (G.3).

Preconceito de profissionais de saúde em face da gravidez

Quanto aos depoimentos das mulheres sobre a atitude dos profissionais de saúde que às assistem, os relatos demonstram a reação negativa destes profissionais em face da gravidez de suas pacientes. Esta situação reflete diretamente no bem-estar e nos sentimentos das mulheres, que se sentem culpadas por estarem grávidas. A fala a seguir ilustra essa situação:

[...] a médica ficou doidinha porque eu engravidei, mas não estava nos meus planos (P.6).

A mulher HIV positiva goza dos mesmos direitos reprodutivos daquelas que não possuem o vírus. Dessa forma, os profissionais deveriam ser imparciais à gravidez de uma portadora. A mulher soropositiva pode ter uma gravidez de risco devido a rejeição dos profissionais de saúde diante de sua situação9.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões investigadas por essa pesquisa permitiram trazer à tona vários aspectos relacionados à mulher ante a imperiosa recomendação de não amamentar em face do diagnóstico da infecção pelo HIV.

No presente trabalho, as mulheres portadoras do HIV que vivenciaram a gravidez ou o puerpério eram jovens, dispunham de escassos recursos financeiros e eram pouco escolarizadas, características semelhantes às encontradas em nosso país.

Normas e diretrizes para a prevenção da transmissão vertical (TV) do Ministério da Saúde são indiscutíveis, e sugerem inúmeras recomendações. Entre elas, enfatiza-se a necessidade da suspensão do aleitamento natural e sua substituição por alimento artificial. Entretanto, as entrevistadas denunciaram falhas no acesso à distribuição gratuita de leite.

Conforme expressaram gestantes e puérperas, o desejo de uma maternidade estaria completo com o efetivo ato da amamentação. Alegaram que o motivo de não amamentar lhes acarreta culpa, frustrações, sofrimentos, desejos interrompidos, impotência e sonhos desfeitos. Contudo, também manifestaram sentimentos de indiferença diante do fato pontual de não amamentar.

Por fim, observou-se que as dificuldades físicas, econômicas e psicológicas sentidas pelas mulheres com HIV, por si só, não inibem o desejo pela amamentação, mesmo entre as mulheres que já vivenciaram a gravidez com a doença. Ainda segundo informaram, a limitação financeira pode contribuir para o oferecimento do aleitamento natural, mesmo diante das orientações contrárias.

Recebido em: 15 de fevereiro de 2004

Aprovação final: 30 de junho de 2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 2004
    • Recebido
      15 Fev 2004
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