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Avaliação de serviços em saúde mental no contexto da reforma psiquiátrica

La evaluación en los servicios de la salud mental según el contexto de la reforma psiquiátrica

Evaluation of mental health services in the context of psychiatric reform

Resumos

O presente trabalho tem como proposta discutir a avaliação de serviços no campo da saúde mental, atrelando-a à proposta de reformulação do modelo assistencial, realizando uma reflexão crítica. Entendemos que a avaliação toma, juntamente com a sua função técnica, a função política de servir como instrumento de apoio na efetiva implantação dos serviços substitutivos ao modelo psiquiátrico hospitalocêntrico, como um dispositivo, entre outros, na busca da consolidação do modelo de reforma psiquiátrica proposto.

Saúde mental; Serviços de saúde mental; Avaliação de serviços


El presente trabajo discute la evaluación de los servicios en el campo de la salud mental, arrastrándola a la propuesta de la reformulación del modelo asistencial, através de una reflexión crítica. Entendemos que la evaluación conjuntamente con su función técnica, la función política de servir como instrumento de apoyo en la implantación efectiva de los servicios substitutivos al modelo hospital-céntrico psiquiátrico, como un dispositivo de búsqueda en la consolidación del modelo de la reforma psiquiátrica propuesta.

Salud mental; Servicios de salud mental; Evaluación de los servicios


The present work describes a proposal for evaluation of mental health services, harnessing it to the proposal of transformation of the care model, and accomplishing a critical reflection. We understand that the evaluation takes, besides its technical function, a political one, in serving as a support instrument in the effective implantation of the substitutive services to the psychiatric hospital-centered model, as a device, among others, in to search of the consolidation of the psychiatric reform model.

Mental health; Mental health services; Evaluation of services


ARTIGO ORIGINAL

REFLEXÃO

Avaliação de serviços em saúde mental no contexto da reforma psiquiátrica

Evaluation of mental health services in the context of psychiatric reform

La evaluación en los servicios de la salud mental según el contexto de la reforma psiquiátrica

Christine WetzelI; Luciane Prado KantorskiII

IProfessora Assistente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Enfermagem Psiquiátrica e Doutoranda em Enfermagem Psiquiátrica pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP

IIProfessora Adjunto da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas/RS. Doutora em Enfermagem

Endereço Endereço: Christine Wetzel Rua Víctor Valpírio, 259/301 96020- 250 Pelotas, RS E-mail: cwetzel@ibest.com.br

RESUMO

O presente trabalho tem como proposta discutir a avaliação de serviços no campo da saúde mental, atrelando-a à proposta de reformulação do modelo assistencial, realizando uma reflexão crítica. Entendemos que a avaliação toma, juntamente com a sua função técnica, a função política de servir como instrumento de apoio na efetiva implantação dos serviços substitutivos ao modelo psiquiátrico hospitalocêntrico, como um dispositivo, entre outros, na busca da consolidação do modelo de reforma psiquiátrica proposto.

Palavras-chave: Saúde mental. Serviços de saúde mental. Avaliação de serviços.

ABSTRACT

The present work describes a proposal for evaluation of mental health services, harnessing it to the proposal of transformation of the care model, and accomplishing a critical reflection. We understand that the evaluation takes, besides its technical function, a political one, in serving as a support instrument in the effective implantation of the substitutive services to the psychiatric hospital-centered model, as a device, among others, in to search of the consolidation of the psychiatric reform model.

Keywords: Mental health. Mental health services. Evaluation of services.

RESUMEN

El presente trabajo discute la evaluación de los servicios en el campo de la salud mental, arrastrándola a la propuesta de la reformulación del modelo asistencial, através de una reflexión crítica. Entendemos que la evaluación conjuntamente con su función técnica, la función política de servir como instrumento de apoyo en la implantación efectiva de los servicios substitutivos al modelo hospital-céntrico psiquiátrico, como un dispositivo de búsqueda en la consolidación del modelo de la reforma psiquiátrica propuesta.

Palabras clave: Salud mental. Servicios de salud mental. Evaluación de los servicios.

INTRODUÇÃO

A presente reflexão teórica pretende entrar em um campo bastante complexo e heterogêneo: a avaliação de serviços, no nosso caso, de serviços supostamente funcionando nos moldes apregoados pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. A Reforma é marcada, atualmente, na sua vertente assistencial, pela implantação de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico e, entre eles, com grande destaque, os chamados Centros de Atenção Psicossocial. Estas modalidades de atendimento tem sido criadas em vários municípios como propostas de mudança do foco de um sistema hospitalocêntrico para um sistema comunitário de saúde mental e têm como principal meta à inclusão social do portador de sofrimento psíquico.

Estas transformações tiveram uma maior visibilidade no Brasil a partir da década de 80, tendo como ator principal o denominado Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira que, no cenário de um país em processo de democratização e de reformulação no sistema de saúde, questiona os saberes e práticas psiquiátricos e o espaço do hospital psiquiátrico como o locus do tratamento. Este movimento foi protagoniza-do por diferentes atores: usuários e suas famílias, trabalhadores de saúde mental, políticos, donos de hospitais psiquiátricos, artistas, entre outros, e passou a introduzir questões da esfera político-ideológica tais como cidadania, direitos e ética. Esta polifonia cheia de tensões, conflitos e até paradoxos trouxe várias mudanças nas políticas, na legislação e na organização da atenção em saúde mental, preconizando a necessidade de equipamentos múltiplos para atender à complexidade do sofrimento psíquico.

Os serviços substitutivos ainda não se consolidaram como tal, sendo-o mais em termos potenciais do que efetivos, pois não lograram a substituição do sistema asilar no país. Isso não diminui a sua importância, principalmente como possibilidades alternativas concretas ao modelo manicomial, o que todos os movimentos anteriores não conseguiram construir. A reforma não preconiza apenas a criação de equipamentos extra-hospitalares, muitas vezes complementares ao hospital e operando dentro de uma mesma lógica. Esse funcionamento apenas reforça as bases do sistema asilar, ao qual, aparentemente, se opõe.

Tendo como meta a inserção social do doente mental, a mudança deve englobar a relação que se estabelece entre usuário, equipe e família, e entre esses e a comunidade. A mudança de papéis, a democratização das instituições, e o envolvimento e responsabili-zação da comunidade devem somar-se aos objetivos técnicos do atendimento. O objeto de intervenção torna-se mais complexo, interdisciplinar, e as práticas e saberes tradicionais necessitam ser reconstruídos para responder a essa transformação. Espera-se que todos os envolvidos na assistência em saúde mental possam constituir-se como sujeitos no processo de assistência, com os poderes sendo negociados, de forma que a construção de identidades possa substituir o processo de despersonalização que atinge a todos envolvidos no sistema asilar.

Este trabalho tem como objetivo discutir a avaliação de serviços no campo da saúde mental, atrelando-a a proposta de reformulação do modelo assisten-cial, realizando uma reflexão crítica. Entendemos que a avaliação toma, juntamente com a sua função técnica, a função política de servir como instrumento de potencialização das práticas substitutivas ao modelo hospitalocêntrico e manicomial. Um dispositivo, entre outros, na busca da consolidação do modelo proposto.

A avaliação de serviços, por si só, assim como a gestão, as políticas, a prática, não são suficientes para levar a alguma mudança. Mas entendendo a capacidade de análise como fundamento para a construção de sujeitos de mudança, podemos inserir a avaliação como um dispositivo, que os analistas institucionais definem como "uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera acontecimentos, atualiza virtualidades e inventa o Novo Radical"1.

A mudança de modelo encontra-se amparada por todo um aparato normativo e legal nas políticas de saúde mental vigentes mas, paradoxalmente, ainda resiste o modelo a ser superado. A partir da reflexão teórica realizada, reconhecemos a avaliação como um instrumento para pensar e transformar a prática cotidiana, potencializado o seu campo de possibilidade, fundamental na consolidação da reforma psiquiátrica.

O CAMPO DA AVALIAÇÃO

Fazendo um esboço dos diferentes significados da avaliação nos últimos cem anos, refletindo o contexto histórico existente, os propósitos que as pessoas tinham em mente ao realizarem avaliações, e os princípios filosóficos da época, a avaliação é dividida em quatro gerações2.

1ª geração - Mensurações: entre as primeiras influências estão as mensurações dos vários atributos de escolares. O papel do avaliador era de um técnico que tem que saber construir e usar os instrumentos, de forma que qualquer variável a ser investigada pudesse ser medida. É muito importante notar que a primeira geração ou o sentido técnico da avaliação persiste até hoje. Com freqüência, são publicados textos que usam as palavras medidas e avaliação como sinônimos.

2ª geração - Descrição: logo após a Primeira Guerra Mundial tornou-se evidente que o currículo escolar necessitava passar por uma dramática revisão, e uma abordagem de avaliação que não pudesse prover outros dados além dos relacionados com os estudantes, não serviria aos propósitos da avaliação agora contemplados.

Desta maneira, emerge o que chamamos de segunda geração da avaliação, uma abordagem caracterizada pela descrição de padrões de forças e limitações dos objetivos estabelecidos. O papel do avaliador era o de um descritor, apesar dos aspectos técnicos anteriores terem sido mantidos. A medição não era mais tratada como equivalente à avaliação, mas é redefinida como um instrumento que poderia ser usado a seu serviço.

3ª geração Julgamento: a abordagem descritiva orientada para os objetivos teve sérios problemas e seus estudos provaram ser inadequados para a tarefa de avaliar a responsabilidade do governo federal nas supostas deficiências da educação americana, o que teria levado a Rússia a ganhar a corrida da exploração espacial.

Mas o que era, nesta época, o modo aceito de avaliar, teve outra crítica: sendo essencialmente descritiva, a segunda geração negligenciou a outra face da avaliação: o julgamento. A inclusão do julgamento no ato de avaliar marcou a emergência da terceira geração, onde avaliadores eram caracterizados por seus esforços em realizarem julgamentos, e onde o avaliador assume o papel de juiz, apesar de reter a função técnica e descritiva anterior.

As três gerações representaram avanços: a coleta de dados em indivíduos não era sistematicamente possível até o desenvolvimento de instrumentos apropriados, que caracterizou a primeira geração. Mas a avaliação teria estagnado neste ponto se a segunda geração não mostrasse formas de avaliar aspectos não-humanos, tais como o programa, materiais, estratégias de ensino, padrões organizacionais, e tratamentos em geral. A terceira geração exigiu que a avaliação julgasse, tanto o mérito do objeto de avaliação (seu valor interno ou intrínseco) como a sua importância (seu valor extrínseco ou contextual)2.

4ª geração propõe-se uma nova construção, que se caracteriza como Avaliação de Quarta Geração, tendo como base uma avaliação inclusiva e participativa. Alternativa às avaliações tradicionais, uma avaliação responsiva, baseada em um referencial construtivista. O termo responsiva é usado para designar uma diferente forma de focalizar uma avaliação em relação aos seus parâmetros e limites. Nos modelos tradicionais os parâmetros e limites são definidos a priori. A avaliação responsiva determina parâmetros e limites através de um processo interativo e de negociação que envolve grupos de interesse e que consome uma considerável porção de tempo e de recursos disponíveis. É por esta razão que o projeto de uma avaliação responsiva é chamado de emergente. O termo construtivista é usado para designar a metodologia empregada para realizar a avaliação e tem as suas raízes em um paradigma de pesquisa que é alternativo ao paradigma científico, e também é conhecido por outros nomes (interpretativo, hermenêutico). Um modo responsivo de focar e um modo construtivista de fazer.

O processo de qualquer avaliação deve começar com um método para determinar quais questões serão colocadas e quais informações serão buscadas. Os elementos a serem enfocados: variáveis, objetivos, decisões e outros, podem ser denominados de organizadores de avanço (advance organizers). A avaliação responsiva também tem seus organizadores de avanço: as reivindicações, preocupações e questões que serão identificadas por grupos de interesse (stakeholders), isto é, pessoas que serão potencialmente vítimas ou beneficiários da avaliação2.

Existem diferentes grupos de interesse, que podem ser divididos em três classes3:

1. os agentes, que são todas pessoas envolvidas em produzir, usar e implementar o serviço;

2. os beneficiários: todas as pessoas que se beneficiam de alguma forma com o uso do serviço;

3. as vítimas, todas as pessoas que são afetadas negativamente pelo uso do objeto avaliado: grupos excluídos do seu uso, grupos que sofreram efeitos negativos, pessoas politicamente em desvantagem, sem poder, influência ou prestígio, pessoas que perderam oportunidades que não podem ser exploradas porque os recursos necessários estão alocados para darem suporte ao objeto da avaliação.

A avaliação não é responsiva apenas porque busca a visão de diferentes grupos de interesse, mas também a medida em que responde às questões na subseqüente coleta de informações. É muito comum que diferentes atores tenham diferentes construções a respeito de reivindicações, preocupações e questões particulares. A maior tarefa do avaliador consiste em conduzir a avaliação de forma que cada grupo confronte a suas construções com todos os outros, um processo que denominamos hermenêutico-dialético. É hermenêutico porque tem caráter interpretativo, e dialético porque implica em comparação e contraste de diferentes pontos de vista, objetivando um alto nível de síntese2.

AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

Defendemos premência de estarmos olhando para estas novas modalidades públicas de atenção que estão sendo abertas no país na busca de um monitora-mento destas ações. Isso implica em acompanhar a construção de serviços que se propõe a atender em direção à inserção do usuário, com maior resolutivida-de, com uma equipe multiprofissional e não centrada no modelo biomédico, mas sim, na utilização de múltiplos recursos.

Apesar da tendência internacional de incorporação da avaliação ao campo da Saúde Mental, principalmente relacionada à questão de redução de custos, de uma maneira geral não se constituiu uma tradição em avaliação. Em comparação com outras áreas da atenção à saúde, mesmo os procedimentos clássicos de avaliação, baseados em análise de eficácia, efetividade e eficiência, são pouco utilizados4.

Há uma carência de indicadores na saúde mental devido a pouca utilização da epidemiologia e pela dificuldade de transposição dos seus instrumentos para essa área. Os parâmetros utilizados na assistência médica não se adaptam à realidade dos serviços de saúde mental. Algumas especificidades do campo que determinam essa lacuna: a dificuldade de definir e precisar vários aspectos das doenças mentais; os diagnósticos de baixa confiabilidade; um universo extremamente amplo e detalhado de diagnósticos para uma gama muito reduzida de terapêuticas; a complexidade em estabelecer a prevalência de doenças mentais pela dificuldade de definir o seu início e fim; além da medicalização excessiva da população, expressa pela manutenção em atendimento de pacientes que poderiam ser gradativamente desligados dos serviços5.

Entendemos que a proposta da reforma não se restringe à criação de serviços extra-hospitalares. Estes equipamentos devem incorporar novas tecnologias de intervenção no sofrimento psíquico. Um estudo6 realizado em um Centro de Atenção Psicossocial identificou como premissas do serviço a liberdade de ir e vir e a reabilitação psicossocial, sendo o acolhimento, a escuta, o responsabilizar-se pela trajetória do indivíduo, o plano terapêutico constituído considerando-se a individualidade do sujeito e a inserção da família e comunidade as principais características das novas tecnologias estudadas.

Há uma grande diferenciação entre os Centros de Atenção Psicossocial existentes, especialmente na diversificada realidade brasileira. Nessas instituições há histórias, compromissos e dificuldades específicos e distintos que nos proíbem de concebê-las como instituições homogêneas7.

A padronização de indicadores exclusivamente e dominantemente quantitativos em um processo avaliativo não leva em conta essa questão e tem conduzido a noções e julgamentos equivocados de eficiência7. No caso dos serviços de saúde mental, não avaliam se o serviço está realmente atendendo dentro de uma outra lógica ou se está, em diferentes espaços, reproduzindo a mesma lógica manicomial. Essa questão passa pela forma como se conformam, no cotidiano do serviço, as relações entre os diferentes atores.

A mudança de enfoque da atenção psiquiátrica baseada na internação para serviços ambulatoriais fez com que a incidência de internações se constituísse num parâmetro importante nos trabalhos de avaliação de qualidade, mas que, se analisados de forma isolada, não tem qualquer valor preditivo de boa ou má assistência5.

Em relação às internações, é inegável que é fundamental diminuí-las. A maioria dos serviços de atenção à saúde mental coloca, com maior ou menor ênfase, a necessidade de serem substitutivos à internação psiquiátrica. Apesar de, em muitos serviços, essa função ser cumprida, nunca o é com taxa zero de internações. Frente a uma crise, aparece a fragilidade dos serviços em lidarem com essa situação, levando à internação e ruptura no processo de vinculação do sujeito com o serviço. No momento de maior sofrimento e fragilidade, o paciente é exposto a uma quebra extra de seus referenciais e vínculos, indo parar em um espaço que não conhece, entre pessoas que nunca viu, sendo tratado por uma equipe que não conhece sua história. A necessidade de capacitar esses novos serviços para lidarem com o surto pode não aparecer nesses indicadores, além de outras características que conformam uma boa prática8.

Nossa posição em relação às internações psiquiátricas é que elas continuam sendo necessárias, mas fora dos hospitais psiquiátricos. Devemos construir espaços alternativos, tais como unidades psiquiátricas em hospitais gerais, ligados a uma rede de saúde mental, de forma que a internação seja um momento, o mais breve possível, do tratamento. Espera-se que os serviços sejam substitutivos não às internações, mas sim, ao modelo manicomial e hospitalocêntrico.

Observamos que as críticas a estes serviços tem tido, com freqüência, a influência do modelo de avaliação da caixa preta, onde as limitações em relação aos resultados inicialmente esperados são tomadas como um fracasso do dispositivo sem, contudo, analisar a influência do grau de implantação e do contexto. Muitas vezes, fatores político-administrativos locais e interesses econômicos na manutenção do sistema centrado no hospital psiquiátrico tem sido dificultadores de um avanço maior.

A avaliação da implantação de um serviço representa a politização da técnica, ou seja, submeter o plano, como proposição técnica, às tensões sociais do cotidiano. Os padrões esperados de ação serão atualizados como deslocamento do enunciado, no sentido de vivificar a teoria e re-criar suas elaborações técnicas diante da situação particular e concreta em que se implanta9.

Questionamos a redução da qualidade de uma instituição a seus produtos mais evidentes. É necessário enfrentar essas questões e discordar desses indicadores únicos e mensuráveis de eficiência e produtividade. A noção de qualidade é uma construção social, variável conforme os interesses dos grupos organizados dentro e fora da instituição. Os juízos de valor poderão divergir conforme os grupos e segmentos considerem que ela responde ou não às suas respectivas prioridades ou demandas7.

Mesmo admitindo que avaliar significa, em última instância, emitir um juízo de valor, o processo avaliativo deve ser acompanhado de uma ampliação e diversificação dos eixos em torno dos quais são emitidos tais julgamentos, ou seja, a inclusão de diferentes e divergentes julgamentos, a partir dos distintos pontos de vista dos grupos envolvidos em um programa ou serviço, aproximando-se desta forma da avaliação de quarta geração10.

"O que está em jogo na avaliação é principalmente a qualidade política, ou seja, a arte da comunidade se autogerir, a criatividade cultural que demonstra em sua história e espera para o futuro, a capacidade de inventar o seu espaço próprio, forjando sua autodefinição, sua autodeterminação, sua autopromo-ção, dentro dos condicionamentos objetivos"11:22.

Um programa ou serviço é entendido como um processo que possui movimento, uma dinâmica própria. É levada em conta a ação de atores distintos que se aliam e se contrapõem, tratando-se de uma busca hermenêutica por compreender antagonismos e consensos. Desta forma, avaliar é também decodificar conflitos visando ao entendimento da cultura institucional e da prática dos agentes que o serviço ou programa envolve. As análises dos sujeitos sociais sobre estas experiências não podem ser ignoradas, mas reconhecidas como portadoras de racionalidade e analisadas sob a luz das conexões histórico-sociais que conformam tais discursos. A análise de serviços envolve também a análise da consciência histórica de seus agentes e de suas representações sociais, que por sua vez estarão objetivadas em suas práticas12.

Evidenciamos a importância de desenhos de avaliação dos novos serviços de saúde mental elaborados a partir do estudo do seu cotidiano, privilegiando análises qualitativas que considerem a complexidade do objeto. "A questão não é só a de definir os parâmetros de qualidade a serem alcançados pelos serviços, seja através de métodos quantitativos ou qualitativos ou ambos, mas mapear as relações e acontecimentos que ocorrem nesses serviços, não considerando seus processos [...] como algo dado, único, verdadeiro e natural"13:81.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo, entendemos que é fundamental a participação dos atores envolvidos no serviço no processo avaliativo, de forma que seja considerada a sua história, as suas questões, os seus consensos e dissensos, a forma como percebem o serviço, o compromisso que tem com a proposta.

As mudanças que ocorreram no país no campo da saúde mental não se deram de forma espontânea, mas foram e são construídas através do engajamento dessas pessoas, tanto no campo da luta política e da militância, como na prática cotidiana dos serviços, onde buscam construir um modo de fazer diferente. Um processo avaliativo que ignore esses sujeitos certamente ficará fora de contexto e sem sentido, limitando muito os seus objetivos. Mas o processo deve, também, possibilitar um espaço de reconstrução, contribuindo para que, no movimento e dinâmica do serviço, a avaliação possa servir como um dos mecanismos que direcione de forma mais qualificada a ação.

A avaliação de serviços de saúde tem como seu objeto privilegiado a ação social organizada com vistas à mudança. Entendemos que a proposta da quarta geração, ao negociar resultados da avaliação com todos os interessados, vem ao encontro desta nova visão da ação do homem que propõe o diálogo entre sujeitos de direito. O envolvimento dos grupos de interesse tem tanto o objetivo de buscar questões mais pertinentes dentro do contexto do serviço e que tenham significado para eles, como de aumentar e aprimorar a capacidade de ação desses grupos.

Recebido em: 15 de maio de 2004

Aprovação final: 24 de setembro de 2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      24 Set 2004
    • Recebido
      15 Maio 2004
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