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Assédio moral: a violência perversa no cotidiano

RESENHA

Hirigoyen MF. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002.

Regina Lúcia Mendonça LopesI; Normélia Maria Freire DinizII

IDoutora em Enfermagem/UFRJ. Livre-Docente/UNI-Rio. Mestre em Educação/UERJ. Especialista em Avaliação à Distância/UNB. Especialista em Educação/UERJ. Especialista em Enfermagem do Trabalho/UERJ. Habilitada em Enfermagem Obstétrica/UFRJ. Bacharel em Enfermagem/UFRJ. Profª Titular da Escola de Enfermagem da UFBA. Pesquisadora na Área de Saúde da Mulher

IIDoutora em Enfermagem/UNIFESP. Mestre em Enfermagem/UNIFESP. Especialista em Enfermagem Obstétrica e Obstetrícia Social/UNIFESP. Especialista em Metodologia do Ensino e da Assistência de Enfermagem/UFPB. Habilitada em Enfermagem Obstétrica/UFPE. Bacharel em Enfermagem/FESPE. Profª Adjunta da Escola de Enfermagem da UFBA. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Saúde da Mulher/GEM-EEUFBA. Coordenadora da sub-linha de Pesquisa Mulher, Saúde e Violência

Endereço Endereço: Regina Lúcia Mendonça Lopes Rua Engenheiro Milton Oliveira, 187/702. 40140 100 - Barra. Salvador, Ba E-mail: reginalm@cpunet.com.br

A autora francesa Marie-France Hirigoyen tem como formação básica a Medicina, com Especialização em Psiquiatria, Psicanálise, Psicoterapia Familiar e Vitimologia. Sua última Especialização como Vitimó-loga, na área da Criminologia, realizada nos Estados Unidos da América, levou-a a analisar as múltiplas repercussões psíquicas em indivíduos que tinham sofrido agressões diversas. Seu especial interesse na violência psicológica, teve como resultado imediato a publicação do livro Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, que já está sendo divulgado em vários países.

Afora a introdução e a conclusão, a obra é constituída por três partes, tendo como objetivo principal analisar, em detalhes, uma forma específica de violência, ou seja, o assédio moral com relação às diferentes formas de sofrimento no ambiente laboral.

Na introdução, a autora denuncia que, diante de episódios de assédio moral, o contexto sócio-cultural atual, de forma geral, induz-nos à cegueira, à tolerância e à complacência, levando-nos a banalizar tal forma de perversão, que tem origem em um processo inconsciente de destruição psicológica. Justifica que se utiliza dos termos "agressor" e "agredido", por entender que se trata de uma violência declarada, mesmo quando oculta, na qual o processo de destruição moral do outro, pode levá-lo à enfermidade mental ou, em casos extremos, ao suicídio.

A primeira parte intitulada A violência perversa no cotidiano, é sub-dividida em: a violência privada e o assédio na empresa.

Quanto à violência privada, com vários recortes de casos reais, a autora tem como foco primeiro a relação entre os casais, detalhando a evolução do relacionamento desde o enredamento até a possível separação, procedimento este defensivo, que, não raramente, requer suporte externo profissional. Em seguida, traz a situação da violência no âmbito familiar, cujos depoimentos demonstram os sentimentos que eclodem em casos de violência direta, em que há uma rejeição consciente ou não da criança, por parte de um dos genitores ou de ambos. Partindo para uma atmosfera familiar mais doentia, aborda o incesto latente, em que há, entre os envolvidos, uma cumplicidade, implantando-se o domínio maléfico que impede a vítima de perceber claramente os fatos e poder cessá-los.

Já no assédio na empresa, também com a ilustração de casos, a autora destaca que o assédio no trabalho é qualquer conduta abusiva que se manifesta, sobremaneira, por comportamentos, palavras, atos, gestos e escritos. Tal situação tem como conseqüências imediatas lesar a personalidade, a dignidade e/ou à integridade física ou psíquica do agredido. Este, muitas vezes, vê a degradação do ambiente laboral e seu emprego ser colocado em perigo. Detalhando quem é visado e quem é o autor da agressão, a autora caminha para as diversas formas de impedimento de reação, que incluem: a recusa de comunicação direta, a desqualificação, o descrédito, o isolamento, o vexame, a indução ao erro e o assédio sexual. Aponta como ponto de partida do assédio, a luta pelo poder e o abuso deste, descrevendo os procedimentos existentes em empresa, cujos responsáveis que não tomam nenhuma atitude, bem como os procedimentos utilizados por àquelas que estimulam os métodos perversos.

A segunda parte, denominada A relação perversa e seus protagonistas, apresenta: a sedução perversa, a comunicação perversa, a violência perversa, o agressor e a vítima.

Na sedução perversa, o enredamento apresenta três dimensões: uma ação de apropriação, em que o outro se despossui; uma ação de dominação, em que o outro é mantido em estado de submissão e de dependência; e uma dimensão de impressão, pois se objetiva imprimir no outro uma marca de características negativas.

Na comunicação perversa, o enredamento e a comunicação se estabelecem com o uso de procedimentos que, dão à todos a ilusão que o intercâmbio pessoal está se processando. Surge, então, a situação da angústia, pois, a violência é abafada pelas reticências, subentendidos e pelos não-ditos. A angústia se agrava pela recusa da comunicação direta; pela linguagem deformada; pelas mentiras; pelo manejo do sarcasmo, da derrisão e do desprezo; pelo uso do paradoxo; pela desqualificação; pela divisão para melhor dominar; e, finalmente, pela imposição do próprio poder.

No item violência perversa, a resistência ao domínio é diretamente proporcional à exposição ao ódio, sentimento que se torna visível, levando a acuação do outro.

Na descrição do agressor, a autora destaca exemplos de narcisismo, de perversão, de megalomania, de vampirização, de irresponsabilidade e de paranóia. Já sobre a vítima, a estudiosa afirma que, esta é vítima porque assim foi designada pelo agressor, e, destarte, é escolhida porque suscita inveja. Esta, questiona-se sobre sua escolha como bode expiatório, e depois passa, à primeira vista, a aceitar seu destino, emergindo, nesse momento, os sentimentos de desvalorização e de culpa. É o momento em que o poder mais impera, e faz a vítima calar-se pelo terror.

Na última parte, Conseqüências para a vítima e responsabilidades, Hirigoyen detalha cinco itens, quais sejam: as conseqüências da fase do enredamento, as conseqüências a longo prazo, conselhos práticos no lar e na família, conselhos práticos na empresa e assumir a responsabilidade psicológica.

Quanto as conseqüências da fase do enreda-mento, tem-se a renúncia, em que os dois adotam uma atitude de cessão mútua, evitando o conflito mais aberto, embora, subliminarmente, o agressor fique cada vez mais certo de seu poder. A outra possibilidade é a confusão da vítima, pois, não sabe ou não ousa se queixar, e aqui se tem como produto a instalação do estresse, do medo e do isolamento.

A longo prazo, as conseqüências são: o choque emocional, quando a vítima toma consciência da agressão, e passa a sentir-se desamparada e ferida, e a dor soma-se à angústia; a descompensação, ocorrendo um esgotamento psíquico com respostas fisiológicas, situação que, não raro, leva-a a buscar ou a ser encaminhada o um serviço de psiquiatria; a separação, esta que, quando chega a ocorrer, é sempre por iniciativa da vítima e, este processo de libertação, se dá com dor e culpa, podendo vir a buscar um encaminhamento jurídico; a evolução, como última conseqüência citada, é a tentativa de superação ou de esquecimento por parte da vítima, nunca sendo afastada a possibilidade de seqüelas psíquicas, com por exemplo, o desenvolvimento da síndrome do estresse pós-traumático.

Os conselhos práticos no lar e na família dizem respeito ao reconhecimento da situação, a busca por ações, a resistência psicológica e a intervenção judiciária.

Os conselhos pertinentes à empresa são de cunho prático e imediato: a vítima deve descobrir e registrar os fatos; buscar ajuda dentro da empresa, recorrendo à chefia imediata e/ou ao Serviço de Recursos Humanos; resistir psicologicamente, se possível, com auxílio terapêutico; reconhecer a possibilidade de ações judiciais como um caminho, analisando o conhecimento da empresa. Como ponto importante afirma que, a organização deve visar a prevenção do assédio moral.

O texto que trata do assumir a responsabilidade psicológica, enfoca a necessidade de cura, tendo como ponto de apoio o atendimento psicoterápico, que deverá trabalhar a perversão vivenciada e a saída da situação, auxiliando o indivíduo a livra-se da culpa e do sofrimento. Por último, esclarece sobre as várias psicoterapias disponíveis: a cognitivo-comportamental, a hipnose, a sistêmica e a psicanálise.

Na conclusão, Marie-France Hirigoyen nos alerta que tal fenômeno pode ser encontrado em todos os grupos sociais em que a rivalidade se instala, destacando como meios as escolas e as universidades. Sendo a imaginação do ser humano desmedida, o assédio moral caracteriza o sucesso como o valor primordial e reveste a honestidade de fraqueza.

A obra fornece subsídios as(aos) estudiosas(os) das áreas de Saúde Mental, de Violência e Saúde, e de Administração, bem como a todas(os) que se interessam em aprofundar a complexidade das relações interpessoais, quer no âmbito familiar ou, especificamente, no trabalho. O livro conduz-nos à reflexão sobre tal forma de perversão, levando-nos a valorar a dimensão social desta conduta, para a saúde mental e física de todos os indivíduos.

Embora o assédio moral não seja um fenômeno novo, somente a partir dos anos 80 tem sido abordado, principalmente nos Estados Unidos da América e em alguns países da Europa. A autora nos apresenta uma triste radiografia dessa violência perversa, realidade que, não tem sido suficientemente discutida em nossa sociedade. É, pois, de caráter emergencial levarmos em conta, não só as terríveis conseqüências pessoais para os diretamente envolvidos, mas, também, para as organizações ou empresas em que se esta forma de violência se origina.

Recebido em: 15 de maio de 2003

Aprovação final: 25 de agosto de 2003

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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