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Interdisciplinaridade: questões conceituais e aplicadas

EDITORIAL

Interdisciplinaridade: questões conceituais e aplicadas

A produção de saber num espaço "entre" disciplinas é a temática abordada nos artigos deste número da Revista Texto & Contexto. A leitura dos mesmos revela uma diversidade conceitual que põe em questão, antes de mais nada, o que significa interdisciplinaridade e, em conseqüência, suas possíveis aplicações acadêmicas. Neste editorial, eu abordarei alguns conceitos, limites e possibilidades da interdisciplinaridade no campo da saúde, tendo como pano de fundo para esta análise a minha experiência de pesquisadora no Canadá e no Brasil.

A idéia propulsora do movimento da interdisciplinaridade é a de superação dos limites das disciplinas científicas para a produção de conhecimento que permita interpretar e dar resposta a situações complexas e multi-facetadas (como podem ser as experiências de saúde e doença no contexto da sociedade brasileira e da atenção oferecida pelo SUS, que podem amalgamar saberes da genética à economia); ainda no seu bojo está a proposta de solução de problemas baseada na fusão ou integração dos saberes de distintas disciplinas científicas para gerar um conhecimento acessível a mais grupos ou aplicável a vários contextos.

Algumas(uns) autoras(es) se referem a graus de interdisciplinaridade, enquanto outras(os) utilizam conceitos distintos para os diferentes tipos de articulação dos saberes compartilhados pelo apagamento dos limites disciplinares. Talvez a forma mais utilizada de interdisciplinaridade seja a instrumental, na qual as(os) acadêmicas(os) de uma disciplina utilizam métodos ou idéias de outra para expandir as possibilidades de trabalhar na sua própria disciplina. Formas mais completas de interdisciplinaridade são a conceitual e a epistemológica, que supõem a criação de um campo de saber novo que não é do domínio de nenhuma disciplina em particular ou ainda a utilização de pressupostos onto-epistemológicos compartilhados, como pode ser o caso dos estudos de gênero, que são freqüentemente compostos por acadêmicas(os) de diversas disciplinas que empregam e produzem teorias que têm ressonância e aplicação em várias disciplinas, como podem ser a enfermagem, a educação e a antropologia.

Estas variações também são concebidas conceitualmente como multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Aparentemente, este último conceito foi cunhado por Piaget quando comentou que se poderia esperar que a interdisciplinaridade seria superada por um sistema transdisciplinar, sem fronteiras estáveis entre as disciplinas (Relatório do encontro L'interdisciplinarité Problèmes d'enseignement et de recherche dans les universités, Nice, França, OCDE, 1972). Assim, o movimento previsto seria de disciplinas que dialogam, seguido de disciplinas que produzem um saber comum, até se chegar ao apagamento das disciplinas como as conhecemos atualmente; uma proposta de unidade na diversidade.

A busca de superação das amarras disciplinares se justifica pela contribuição parcial e limitada que cada disciplina oferece para a compreensão e transformação de fenômenos complexos. No entanto, a prática da interdisciplinaridade tem se mostrado de difícil execução e um desafio constante para pesquisadoras(es). Duas dificuldades funcionais que as equipes interdisciplinares tendem a experimentar são a falta de uma linguagem comum (pela carência de pressupostos teóricos compartilhados) e o longo tempo que a construção deste referencial requer. Como a produtividade nas universidades costuma ser medida por disciplinas, o ritmo acelerado que pauta a produção acadêmica atual conflitua com o desenvolvimento de equipes realmente interdisciplinares. A estes dois desafios se soma o risco de falta de rigor acadêmico criado pela transposição de teorias de uma disciplina a outra e a possível falta de profundidade que o saber que serve a vários campos pode sofrer se a proposta de interdisciplinaridade não vai além de uma moda acadêmica.

Entender a interdisciplinaridade como resposta a complexidade e ao desafio de situações concretas (por exemplo, fundir e re-criar conjuntamente teorias sobre políticas públicas, administração, enfermagem, medicina e farmácia para responder a uma questão assistencial) revela uma concepção de produção de saber que se centra em princípios onto-epistemológicos, identificando fundamentos comuns para avançar com maior abrangência, e manifesta um compromisso social com um saber que quer dar resposta a questões coletivas, seja para um maior entendimento ou para intervenção. Esta proposição, no entando, por ser conflitiva com vários elementos que constituem as instituições de saúde e acadêmicas tem que provar ainda sua consistência e efetividade para fazer frente as divisões disciplinárias nas quais fomos e ainda somos educadas(os) e educamos. Esta coletânea de artigos é mais um passo nesta direção.

Denise Gastaldo, PhD

Associate Professor. Faculty of Nursing. University of Toronto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2005
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