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Construindo a identidade sindical das enfermeiras no rio de janeiro (1978-1984)

Construyendo la identidad sindical de las enfermeras en el rio de janeiro (1978-1984)

Framing a syndicate identity of the nurses in rio de janeiro (1978-1984)

Resumos

O estudo tem como objeto o processo de politização das enfermeiras no Rio de Janeiro. O recorte temporal, estabelecido no período compreendido entre 1978 e 1984, atende ao propósito de abarcar as gestões das duas primeiras diretorias eleitas para o Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro. Objetivos: analisar a trajetória do movimento sindical das enfermeiras do Rio de Janeiro, no bojo do movimento sindical brasileiro, no período 1978-1984 e contrastar as ações sindicais desenvolvidas pela primeira com as iniciativas da segunda diretoria do sindicato e discutir e as implicações dessas ações para os avanços da enfermagem como profissão da área da saúde. As fontes primárias foram documentos escritos e depoimentos orais de enfermeiras e enfermeiros, que participaram da gestão das duas diretorias do sindicato no período 1978-1984. Os dados evidenciaram que o sindicato, através de sua história, ocupou lugar de destaque na construção da identidade sindical/profissional das enfermeiras.

História da enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Associação


El estudio tiene como objeto el proceso de politización de las enfermeras en el Rio de Janeiro. El recorte temporal, establecido en el período entre 1978 y 1984, atende a la intención de comprender las gerencias de las dos primeras direcciones elegidas para el Sindicato de las Enfermeras de Rio de Janeiro. Objetivos: analizar la trayectoria del movimiento sindical de las enfermeras de Rio de Janeiro, en el tazón del movimiento sindical brasileño, en el período de 1978 a 1984 y poner en contraste las acciones sindical desarrolladas por la primera con las iniciativas de la segunda dirección del sindicato y discutir y las implicaciones de estas acciones para los avances de la enfermería como profesión del área de la salud. Las fuentes primarias fueron documentos escritos y deposiciones verbales de las enfermeras y enfermeros, que habían participado de la gerencia de las dos direcciones del sindicato en el período de 1978 a 1984. Los datos evidenciaron que el sindicato, a través de su historia, ocupó lugar de prominencia en la construcción de la identidad sindical y profesional de las enfermeras.

Historia de la enfermería; Investigación en enfermería; Associación


This paper studied the political process of the nurses of Rio de Janeiro. The period of the study, from 1978 to 1984, attended the desire to cover the management periods of the first two elected executive teams for the Nurses' Union of Rio de Janeiro (Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro SERJ). Detailed objectives were to analyze the trajectory of the Nurses' Union of Rio de Janeiro movement, the salience of the Brazilian union movement between 1978 and 1984, as well as relate the union actions developed by the Nurses' Union Rio de Janeiro with the initiatives of the second elected executive team of the SERJ, and discuss the implications of these actions towards the advancement of nursing as a profession in the health area. Primary sources were written documents and oral testaments from nurses who participated in management of both executive team of the SERJ from 1978-1984. The data evidenced that the SERJ, throughout its history, has fulfilled an important position in the construction of the professional/union identity of nurses.

History of nursing; Nursing research; Association


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Construindo a identidade sindical das enfermeiras no Rio de Janeiro (1978-1984)

Framing a syndicate identity of the nurses in Rio de Janeiro (1978-1984)

Construyendo la identidad sindical de las enfermeras en el Rio de Janeiro (1978-1984)

Maria da Luz Barbosa GomesI; Tânia Cristina Franco SantosII

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN)/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras)

IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem Fundamental da EEAN/UFRJ. Membro do Nuphebras.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria da Luz Barbosa R. Carvalho Alvim, 499, Ap. 102 20510-100 - Tijuca, Rio de Janeiro, RJ E-mail: marialuz@alternex.com.br

RESUMO

O estudo tem como objeto o processo de politização das enfermeiras no Rio de Janeiro. O recorte temporal, estabelecido no período compreendido entre 1978 e 1984, atende ao propósito de abarcar as gestões das duas primeiras diretorias eleitas para o Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro. Objetivos: analisar a trajetória do movimento sindical das enfermeiras do Rio de Janeiro, no bojo do movimento sindical brasileiro, no período 1978-1984 e contrastar as ações sindicais desenvolvidas pela primeira com as iniciativas da segunda diretoria do sindicato e discutir e as implicações dessas ações para os avanços da enfermagem como profissão da área da saúde. As fontes primárias foram documentos escritos e depoimentos orais de enfermeiras e enfermeiros, que participaram da gestão das duas diretorias do sindicato no período 1978-1984. Os dados evidenciaram que o sindicato, através de sua história, ocupou lugar de destaque na construção da identidade sindical/profissional das enfermeiras.

Palavras-chave: História da enfermagem. Pesquisa em enfermagem. Associação.

ABSTRACT

This paper studied the political process of the nurses of Rio de Janeiro. The period of the study, from 1978 to 1984, attended the desire to cover the management periods of the first two elected executive teams for the Nurses' Union of Rio de Janeiro (Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro SERJ). Detailed objectives were to analyze the trajectory of the Nurses' Union of Rio de Janeiro movement, the salience of the Brazilian union movement between 1978 and 1984, as well as relate the union actions developed by the Nurses' Union Rio de Janeiro with the initiatives of the second elected executive team of the SERJ, and discuss the implications of these actions towards the advancement of nursing as a profession in the health area. Primary sources were written documents and oral testaments from nurses who participated in management of both executive team of the SERJ from 1978-1984. The data evidenced that the SERJ, throughout its history, has fulfilled an important position in the construction of the professional/union identity of nurses.

Keywords: History of nursing. Nursing research. Association

RESUMEN

El estudio tiene como objeto el proceso de politización de las enfermeras en el Rio de Janeiro. El recorte temporal, establecido en el período entre 1978 y 1984, atende a la intención de comprender las gerencias de las dos primeras direcciones elegidas para el Sindicato de las Enfermeras de Rio de Janeiro. Objetivos: analizar la trayectoria del movimiento sindical de las enfermeras de Rio de Janeiro, en el tazón del movimiento sindical brasileño, en el período de 1978 a 1984 y poner en contraste las acciones sindical desarrolladas por la primera con las iniciativas de la segunda dirección del sindicato y discutir y las implicaciones de estas acciones para los avances de la enfermería como profesión del área de la salud. Las fuentes primarias fueron documentos escritos y deposiciones verbales de las enfermeras y enfermeros, que habían participado de la gerencia de las dos direcciones del sindicato en el período de 1978 a 1984. Los datos evidenciaron que el sindicato, a través de su historia, ocupó lugar de prominencia en la construcción de la identidad sindical y profesional de las enfermeras.

Palabras clave: Historia de la enfermería. Investigación en enfermería. Associación.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A temática desta pesquisa está relacionada com o movimento sindical brasileiro, de onde derivei o processo de politização das enfermeiras do Rio de Janeiro como objeto de estudo. O recorte temporal, estabelecido no período compreendido entre 1978 e 1984, atende ao propósito de abarcar as gestões das duas primeiras diretorias eleitas para o Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro - SERJ.

Esse período apresenta aos estudiosos muitas observações instigantes. Entre outras, assinalo a reorganização e expansão do sindicalismo brasileiro, que afluiu como força política emergente no bojo do processo de abertura do regime militar. Nessa perspectiva de análise, à época, paralelamente a outros importantes eventos no campo das relações de poder na sociedade brasileira, merece destaque o surgimento de um movimento, designado como novo sindicalismo.

Esse movimento, que contribuiu significativamente para a criação de condições para a mudança institucional e retomada da democracia, trouxe à tona novos personagens na cena histórica brasileira. Nesse contexto, foram constituídos vários sindicatos e associações de profissionais, atribuindo-se relevo às organizações de funcionários públicos. Essas, organizadas com caráter sindical, pela natureza dos profissionais que congregavam, incorporaram amplos setores das classes médias urbanas como médicos, professores e também enfermeiras(os). Nesse contexto, ocorreu a criação do SERJ, em 1977.

Nesta breve retrospectiva, lembro que a Associação Brasileira de Enfermagem - ABEn, a primeira entidade organizativa das enfermeiras brasileiras, de abrangência nacional, desde sua fundação, em 1926, constituiu o principal núcleo de articulação da categoria, sendo também responsável pelo estímulo à criação das suas entidades sindicais.

Outro ponto a salientar é que o início da organização sindical das enfermeiras remonta à década de 40, quando um grupo de lideranças, através da ABEn, mobilizou-se na luta pelo enquadramento da categoria como profissionais liberais e pelo direito de formar sindicato que defendesse interesses específicos. O pleito encontrava justificativa principal no descontentamento, por fazerem parte de um sindicato que englobava enfermeiros, juntamente com outras categorias auxiliares (enfermeiros práticos, e demais empregados em Hospitais e Casas de Saúde).

O processo de criação da entidade sindical das enfermeiras cariocas foi estudado por Comino, que identificou entre as entrevistadas representações sobre o significado e as finalidades de uma entidade sindical, entendida pelas enfermeiras como órgão legal de defesa da classe e forma de garantir o status de profissional liberal.1

Segundo conclusões do estudo mencionado, a fundação do SERJ representa o esforço de um grupo de enfermeiras que sentiam a necessidade de ter sindicato próprio legalmente instituído, para defender os interesses trabalhistas da categoria. Nesse sentido, as enfermeiras entrevistadas por Comino acreditavam que, para valorização e reconhecimento social da categoria, era necessário marcar a diferença entre elas e os vários componentes da equipe de enfermagem e a condição de profissional liberal iria garantir essa distinção.

Considero oportuno salientar que o sindicalismo brasileiro, ao longo do período em que as enfermeiras estiveram envolvidas na construção do sindicato da categoria, configurava-se como o sindicalismo de governo, integrado organicamente à ideologia dominante no Estado, por força de suas características estruturais, e, mais tarde permaneceu sob controle direto dos governos militares.2

Como demonstram muitos estudos da história política brasileira, o caráter assistencialista e burocrático-administrativo dos sindicatos foi herdado do populismo, característico da era Vargas. Sua criação foi motivada por objetivos de atendimento às demandas de segmentos da classe trabalhadora, sem correr o risco de perder o controle sobre suas articulações. Nessa perspectiva, desenvolveu-se vigoroso esforço para convencer os trabalhadores de que a atividade política era estranha aos sindicatos, pois que as lutas legítimas eram aquelas de caráter econômico, que só podiam ocorrer nos limites da legislação trabalhista da ditadura. Essa, como sabemos, só admitia greves em situações-limite, depois de cumprir rígido ritual jurídico, que, na prática, tornava esses movimentos inviáveis.

O novo sindicalismo, que surgiu no Brasil a partir de 1977 e se desenvolveu reconstruindo os instrumentos de luta dos trabalhadores, resultou nas três principais tendências que hoje influenciam o sindicalismo. Elas refletem diferentes interpretações das finalidades e potencialidades do movimento sindical brasileiro e podem ser assim resumidas: o classista, que se vincula a lutas econômicas específicas e assume, dentro de uma perspectiva anti-capitalista, uma postura de defesa do socialismo, subordinando a luta sindical à luta de classes; o reformista, de fundo social-democrata, que também vincula as suas lutas econômicas às políticas, mas se restringe aos limites da luta por um capitalismo com melhor distribuição de renda; e finalmente, o sindicalismo de resultados, que defende o capitalismo como bandeira de luta e procura circunscrever suas demandas no âmbito dos limites e das possibilidades conjunturais e estruturais da economia.3 Sob esse ponto de vista, freqüentemente, tem seu discurso atrelado às propostas governamentais e da classe empresarial. Quando refletimos sobre o movimento sindical das enfermeiras, é preciso lembrar que, por um lado, ele foi orientado pela ideologia do próprio movimento sindical em termos amplos, o que se refletiu na atuação de suas dirigentes e, por outro lado, expressou a ideologia da profissão, sendo ambas as perspectivas, por sua vez, influenciadas pela ideologia dominante na sociedade.

Decorre do exposto que o nascente movimento sindical das enfermeiras entrou no cenário político impregnado da cultura do sindicalismo oficial, com suas características de mediação e colaboração com o Estado.

À medida que se organizaram as demandas da categoria, as enfermeiras, embora sem tradição de luta sindical, paulatinamente, passaram a desenvolver ações de natureza político-reivindicatória, tais como atos públicos, passeatas e greves. Até então, esse grupo estava acostumado com as estratégias tradicionais de luta da ABEn, merecendo destaque as iniciativas voltadas para a apresentação dos pleitos junto aos poderes Executivo e Legislativo, principalmente através de suas Comissões de Educação e Legislação.

Com essa mudança, é compreensível que segmentos da categoria passassem a representar o sindicato segundo dupla perspectiva: "por um ângulo, como órgão legal de defesa da classe, encarregado de intermediar as reivindicações trabalhistas junto às autoridades; por outro, como algo duvidoso e suspeito, cuja imagem era associada a grupos de esquerda aos quais se atribuía intenções de desestabilização da ordem e tendência ao confronto e à confusão".1:100

Para atender a problemática deste estudo, formulei como objetivos: analisar a trajetória do movimento sindical das enfermeiras do Rio de Janeiro, no bojo do movimento sindical brasileiro, no período 1978-1984 e contrastar as ações sindicais desenvolvidas pela primeira com as iniciativas da segunda diretoria do SERJ e discutir e as implicações dessas ações para os avanços da enfermagem como profissão da área da saúde.

O contexto operacional da pesquisa

O presente estudo de cunho histórico-sociológico, derivado de minha tese de doutorado, caracteriza-se por uma abordagem dialética entendida como "método do desenvolvimento e da explicitação dos fenômenos culturais, partindo da atividade prática e objetiva do homem histórico".4:100 Essa abordagem é apropriada aos objetivos da pesquisa, especialmente porque parte do pressuposto de que o homem é o sujeito social e, por isso, autor da própria história.

Além disso, atribuo particular importância ao fato de que a dialética contribui significativamente para compreensão da realidade, na medida em que parte do princípio de que nada é eterno, fixo e absoluto. Em outras palavras: não há idéias, instituições ou categorias que sejam imutáveis. Decorre daí que a compreensão da realidade (e de problema como o que orientou o presente estudo) precisa tomar como referência os conceitos de conflito e de contradição, entendendo-os como inerentes à natureza dos fenômenos, em sua permanente transformação e não como distorções ou doenças sociais.

Neste estudo, a aproximação da totalidade assume, como ponto de partida, as representações das enfermeiras sobre o sindicalismo, através da atuação concreta do sindicato, analisada em relação às bases materiais e ideológicas presentes no contexto de que emergem. "De um lado, o homem é produto de seu produto as estruturas da sociedade criam seu ponto de partida; de outro, temos que esse homem constrói a história dentro das condições dadas, ultrapassando-as e inscreve sua significação em toda parte, em todo o tempo e na ordem das coisas".5:252

Em termos operacionais, privilegiei na investigação as seguintes fontes e técnicas: entrevistas com enfermeiras e enfermeiros, que participaram da gestão das duas diretorias do SERJ no período 1978-1984, assumindo cargos dirigentes, ou sob outras formas de militância política, no sindicato. Defini como critério para inclusão desses atores sociais na pesquisa, a maior participação nas ações da categoria no período citado. Para identificar esses participantes, procurei localizar os que revelaram maior freqüência a assembléias, atos públicos, reuniões abertas de diretoria, ou outras ações sindicais.

Os depoimentos foram tomados na perspectiva da História Oral, que é uma forma de recuperação do passado conforme a concepção dos que o viveram.6 Deste modo, procurei dar ênfase a história referente aos acontecimentos específicos que evidenciam a postura política desenvolvida pelo SERJ, tal qual foram vivenciados pelos sujeitos da pesquisa.

Atendendo aos aspectos éticos as entrevistas foram realizadas após assinatura do consentimento livre e esclarecido de cada depoente.

Também usei como fontes de informação, documentos como: atas de reuniões de diretoria do SERJ e ofícios encaminhados pelo SERJ; jornais e publicações do SERJ; publicações dos Encontros Nacionais de Entidades Sindicais e Pré-Sindicais de Enfermagem; reportagens jornalísticas sobre o movimento sindical da saúde e das enfermeiras do Rio de Janeiro publicadas em diversos jornais, veiculados no período; Anais dos Congressos Brasileiros de Enfermagem e Revistas Brasileiras de Enfermagem.

O sindicalismo entre as enfermeiras

O primeiro sindicato de enfermeiros, foi fundado em 1933 nos moldes da estrutura sindical viabilizada pelo governo Vargas, com a denominação Sindicato de Enfermeiros Terrestres subordinado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC). Legalmente, essa organização tinha respaldo oficial para representar tanto os enfermeiros diplomados, quanto sos "enfermeiros práticos". Entretanto, os primeiros não reconheciam a legitimidade do sindicato.

Vale ressaltar que em 1940 com a implementação do instrumento legal (Decreto Lei 2.381/40) que regulamentou o registro das profissões no Ministério do Trabalho, Industria e Comércio (MTIC) os enfermeiros foram enquadrados como profissionais liberais; ou seja, profissão que exigia diploma de nível superior. Com isso, abriram-se as possibilidades para que as enfermeiras formassem seu próprio sindicato (embora não haja registro de iniciativa desse gênero nesta época).

Com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho CLT, em 1943, o Sindicato dos Enfermeiros Terrestres passou a congregar todos os trabalhadores de estabelecimentos de saúde e a denominar-se Sindicato dos Enfermeiros e Empregados em Hospitais e Casas de Saúde SEEHCS, englobando todos os que trabalhavam nessas instituições mesmo os não pertencentes ao serviço de enfermagem. Ao perceber as implicações dessa circunstância o SEEHCS solicita ao MTIC a retirada dos enfermeiros do quadro de profissionais liberais. A partir de então os enfermeiros foram enquadrados no grupo denominado Turismo e Hospitalidade, que incluía os empregados de hotéis hospitais e outros.

Este acontecimento preocupou as enfermeiras e, a criação de um sindicato, definido como entidade constituída para defesa dos seus interesses específicos, tomou vulto e assumiu a conotação de prioridade para as lideranças da enfermagem. Imediatamente inicia-se uma longa batalha pelo reenquadramento dos enfermeiros como profissional liberal, tendo conseguido esta vitória, somente em 1962.

Não obstante, apesar das lutas intensas, a primeira entidade pré-sindical dos enfermeiros no Brasil foi oficialmente reconhecida pelo Ministério do Trabalho em 11 de agosto de 1971, a Associação Profissional dos Enfermeiros do Estado da Guanabara. Ao ser registrada em março de 1972, o Ministério do Trabalho alterou seu nome à revelia das enfermeiras, registrando-a como Associação Profissional dos Enfermeiros Liberais do Estado da Guanabara.

A partir daí, as enfermeiras da Guanabara iniciaram o processo para fundação do sindicato, travando uma luta burocrática e jurídica com o SEEHCS, no sentido de que a denominação original fosse mantida e que fosse retirada a denominação "enfermeiros" do outro sindicato, para caracterizar a entidade sindical vigente. Em 1974, as enfermeiras conseguiram vencer este obstáculo quando o Ministério do Trabalho atendeu à reivindicação do grupo, determinando a exclusão da palavra "liberal" do nome da Associação.

E, finalmente, em 22 de agosto de 1977, as enfermeiras receberam a Carta Sindical, que transformou a APEMRJ em Sindicatos dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro. Em 1978, toma posse a primeira diretoria para gestão 1978-1981 e a segunda diretoria compreende o período de 1981 a 1984.

Vale ressaltar que a Associação Profissional dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul foi criada em 30 de novembro de 1972 tendo recebido a Carta Sindical em 17 de junho de 1976 sendo, portanto o primeiro sindicato próprio da categoria a ser legalmente instituído.

A caminhada do sindicato das enfermeiras

No que concerne aos objetivos e valores na adesão ao sindicato, creio ser adequado assinalar o que segue. Em primeiro lugar, se considerarmos a forma pela qual ocorreu o processo eleitoral no SERJ no período estudado, podemos evidenciar que não se manifestou disputa política pela direção da entidade, uma vez que houve chapa única nas duas eleições. O fato provavelmente se explique porque, historicamente existe, entre as enfermeiras, a tendência a negar a ação política e um apelo à neutralidade em sua prática enquanto categoria profissional.

Além disso, as eleições sindicais, de um modo geral, têm alcançado baixa participação dos associados no processo eleitoral, o que representa uma dificuldade para o movimento, devido à desmobilização dos trabalhadores com relação à atividade sindical. Ao mesmo tempo, esse fenômeno sugere expressiva distância entre os dirigentes sindicais e a base.

Também cabe ter em mente que, durante os governos militares, as diretorias sindicais constituíam-se, quase sempre, de sindicalistas ligados ao governo e alguns sindicatos se tornaram alheios às lutas operárias. Outros ainda transformaram-se em locais de delações. Na época da intervenção no Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material de São Paulo, em 1964, os interventores ajudaram a polícia a localizar cerca de 1800 delegados sindicais, membros mais ativos do sindicalismo naquele momento.7

Alguns sindicalistas, que ajudaram a interventoria e posteriormente foram candidatos, eleitos em chapa única, permaneceram, por longo período, no comando do sindicato, colaborando com o regime.

No caso das enfermeiras, havia pouca adesão da categoria ao sindicato, como declara esta depoente: a base, como sempre, é frágil; a categoria é frágil no sentido da participação (dep. 2). Apesar disso, no processo eleitoral havia a preocupação com o respeito aos princípios democráticos, como se pode inferir da seguinte declaração: então, na formação de chapa se tornava difícil para encontrar um concorrente... Naquele período só tínhamos chapa única. Era bastante divulgado, mas as pessoas não se interessavam... Tínhamos dificuldade, mas fazíamos sempre através do voto direto (dep. 3).

Outra indicação, que reforça essa idéia, era que as lideranças das enfermeiras manifestavam extremo cuidado com a questão do quorum nas eleições. Realizavam as eleições, logo no primeiro turno, como declarou esta depoente: [...] que coisa estranha, numa entidade, você fazer as pessoas comparecerem a votação com chapa única... conseguíamos, quorum no primeiro escrutínio, o que a maioria dos sindicatos não conseguiam... aquilo era um ponto de honra, conseguir, mesmo com chapa única, o quorum (dep. 4).

Havia esforço para agir com extrema lisura, como podemos derivar desta declaração: o pessoal do Tribunal do Trabalho dizia que éramos alucinadas, diziam que tínhamos que fazer um primeiro edital já convocando para o segundo escrutínio que o percentual é menor (dep. 7).

Aqui cabe discutir a contradição da participação das bases das enfermeiras no processo eleitoral, a ponto de o sindicato conseguir realizar eleições em primeiro escrutínio, embora revelassem baixa capacidade de mobilização. Encontramos, nas raízes da profissão, valores que explicam, pelo menos em parte, essa participação da categoria no processo eleitoral, dando o cunho de excelência às eleições no sindicato. As enfermeiras, por formação têm a tendência de cumprir as normas estabelecidas, numa perspectiva que se poderia classificar como perfeccionista. Um estudo sobre as supervisoras da Campanha Nacional contra a Tuberculose dá suporte a essa afirmação, especialmente, quando mostra como a excelência do trabalho dessas profissionais estava relacionada ao processo pedagógico de inculcação da necessidade de cumprimento das normas estabelecidas, pelas escolas de enfermagem. Discutindo a formação dessas profissionais, demonstra que esses valores são fruto da ideologia reproduzida pelas Escolas de Enfermagem.8

Por outro lado, a dificuldade de conseguir enfermeiras dispostas a aceitar o compromisso de dirigir a entidade foi uma constante nas duas diretorias, o que nos remete à questão da representação das enfermeiras, acerca do sindicato como uma entidade de menor importância. Numa tentativa de análise desse fenômeno, ressalto que a reduzida importância, atribuída à entidade sindical não é peculiaridade das enfermeiras. No começo da década de 70, os metalúrgicos do ABC paulista, onde o sindicalismo sempre foi uma referência, manifestavam-se distantes do sindicato.7 As explicações para isto são as mais variadas, cabendo a responsabilidade, ora às diretorias sindicais ora aos próprios trabalhadores. Todavia, provavelmente a melhor explicação se relacione às práticas autoritárias e pouco participativas, que encontramos, historicamente em nossa sociedade, em todas as instituições e esferas. Além disso, não se pode esquecer da repressão a que era submetida à população brasileira, à época da emergência do sindicato das enfermeiras.

Na década de 70 com o surgimento do novo sindicalismo, a partir do interior das fábricas, renovaram-se as diretorias dos sindicatos oficiais, o que viabilizou o ingresso de novas lideranças. Essas, até por motivos ideológicos e estratégicos, procuravam fazer com que os sindicatos fossem assumidos pelos trabalhadores, como órgão de luta. Mas, a reaproximação dos trabalhadores aos sindicatos ocorreu, principalmente, com a greve do ABC paulista em 1978 que trouxe ao debate político as questões sociais e a reorganização do Estado, em face do descontentamento com o governo militar. Nesse sentido, merece destaque o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que passou a ocupar o "papel político de agência de organização e mobilização dos trabalhadores, em defesa de seus direitos".7:310

Desse modo, foi no bojo desse movimento que as enfermeiras, organizaram seu sindicato. Esse ponto de vista adquire reforço, quando se reflete sobre a seguinte manifestação de uma entrevistada: [...] as enfermeiras tinham consciência do que se passava na sociedade e buscavam construir o sindicato. O movimento de restrição ao próprio movimento sindical e mesmo aqueles sindicatos mais combativos foi muito forte. Era um processo de recuperação para eles, que tinham uma mobilização grande e, para nós, era buscar uma coisa que não tínhamos ainda (dep. 4).

Retrocedendo aos primórdios da profissão, encontraremos princípios éticos e morais, que, compreensivelmente, foram privilegiados pela ABEn em sua história. Essa orientação ideológica teve profundos reflexos no modo como as enfermeiras buscaram estruturar os primeiros passos para implementação de seu sindicato. Um exemplo disso pode ser percebido, quando refletimos sobre os critérios adotados para selecionar os membros que compuseram a primeira chapa para concorrer as eleições do SERJ. Esses profissionais faziam parte do que designo como a "elite da enfermagem". É relevante mencionar que procedimento análogo foi adotado, muitos anos antes, quando houve necessidade de recrutar candidatos ao primeiro curso de enfermagem profissional promovido pela escola de enfermeiras brasileiras. Também nesse caso, os critérios se dirigiram para a seleção de moças das famílias de elite da sociedade da época.

Comparando esses dois acontecimentos, acredito ser admissível que o princípio norteador desses critérios foi o desejo de firmar a nova profissão, de torná-la visível como algo que interessava às pessoas importantes, ou que detinha algum prestígio social. Certamente, que de forma subjacente a essas iniciativas encontrava-se também a intenção de romper com o estigma social que acompanhava o trabalho de enfermagem, no Brasil. No caso do sindicato, os achados deste estudo levam a concluir que as enfermeiras buscavam credibilidade e adesão da categoria.

Posteriormente, quando desenvolveram as providências para formação da chapa que concorreria à segunda gestão, parece ter havido alguma alteração nos critérios. Isso porque, com a experiência vivenciada no sindicato, as enfermeiras buscaram entre seus pares aquelas que, de certa forma, tinham aderido ao movimento sindical e revelavam maior afinidade com as questões pertinentes a esse tipo de liderança social. É sintomático, também, que tenham realizado a solenidade de posse no Sindicato dos eletricitários. Essas evidências levam a supor que o grupo estava buscando nova compreensão da natureza do sindicato e melhor definição de objetivos, mais coerentes com a defesa dos interesses da categoria, agora, mais conscientes da necessidade de um trabalho autônomo em relação ao Estado e aos valores tradicionais da profissão. Provavelmente por isso, estrategicamente, trataram de aproximar-se de um sindicato de outra categoria que não da saúde e procuraram, de forma simbólica, uma identificação com estes e não mais exclusivamente com a ABEn como quando se realizou a eleição da primeira Diretoria, cuja posse ocorreu em evento cultural daquela entidade.

Nessa linha de pensamento, convém ressaltar, para evitar equívocos ou conclusões apressadas, que as dirigentes sindicais do SERJ tinham muito cuidado com o cumprimento dos preceitos legais no desenvolvimento das ações sindicais. Entretanto, numa evidente atitude de resistência, buscaram descobrir brechas, dentro da legalidade, para romper com o sindicalismo oficial. Um exemplo desse aspecto pode ser encontrado no seguinte depoimento, em que a entrevistada abordou o trabalho que desenvolviam para conseguir filiação para o sindicato: [...] tinha toda uma tramitação que constituía o atrelamento ao Ministério, todos os sindicatos eram atrelados ao Ministério... tinha, através da CLT, todas as regrinhas definindo o que era possível ou não fazer. O próprio movimento da enfermagem, no momento em que começa a criar um fôlego próprio, começou a romper com isso. A primeira ruptura foi a sindicalização de enfermeiros que eram servidores públicos. Pela lei não podia, mas o quadro do sindicato era de 99% de enfermeiros do serviço público, do estado, do município e das instituições federais. Então, começamos na prática, com alguma coisa que não era legal, mas era legítima (dep. 4).

Essa visão de independência do sindicalismo das enfermeiras ao Estado se torna contraditória, quando verificamos que os argumentos utilizados para sindicalização tinham respaldo legal, como esclareceu uma das participantes da investigação: nos filiávamos em cima do argumento: vocês não estão se filiando como servidores públicos, estão se filiando como enfermeiras. Não parece nada, mas isso aí era uma virada de postura, era uma atitude de coragem de nossos enfermeiros (dep. 7).

É importante destacar que a dificuldade registrada refere-se à questão legal trata-se dos enfermeiros servidores públicos, que a época não podiam se sindicalizar, mas podiam aderir ao sindicato como enfermeiros de acordo com a legislação vigente, pois a profissão pertencia ao quadro de profissionais liberais do Ministério do Trabalho.

De qualquer forma, os achados deste estudo indicam que as enfermeiras tinham em mente a necessidade de participação da categoria no SERJ, para que pudesse dar legitimidade a sua existência. Com esse propósito, mesmo as funcionárias públicas, que não exerciam atividades de profissional liberal se sindicalizavam. A isso, muito coerentemente, uma das entrevistadas designou como legítimo. Creio que, pensando e agindo desta forma, fica marcada uma nova postura para as enfermeiras - postura política, voltada para a transformação. Numa tentativa de analise desse achado, podemos dizer que, "quando os oprimidos obtêm percepção dos conflitos que se apresentam na luta de classe e manifestam resistência ao estilo de vida e reinterpretam valores, eles assumem o controle de sua situação, mesmo que de modo efêmero".9:6 Estes são momentos políticos.

Outro fato muito significativo para a presente análise ocorreu em abril de 1984, quase ao término da segunda gestão. Nessa oportunidade, através do Boletim Informativo Tempo de Luta temos claras indicações da visão de sindicato, que emergiu no movimento sindical das enfermeiras ao observamos a seguinte conclamação: "por um sindicato combativo, forte e independente; pela valorização da enfermagem; pela participação no processo decisório dos programas de saúde; pela aprovação da nova lei do exercício profissional; por melhor assistência de saúde à população; por melhores condições de trabalho e salário; pela conquista da jornada de 30 horas semanais; pela abertura imediata de Concurso Público nos órgãos municipais, estaduais e federais; pela dignidade do salário do enfermeiro; pelo fortalecimento das comissões nos locais de trabalho; por uma campanha ampla de sindicalização; pelo direito à sindicalização dos servidores públicos; pelo trabalho conjunto com as demais entidades de enfermagem e pelas eleições diretas para Presidente da República".10:1

É por demais evidente que essa visão de sindicato se coaduna com a do novo sindicalismo, que estava sendo implementado naquele momento histórico de contestação à estrutura sindical tradicional e aos reclamos da ordem democrática.

Com o passar do tempo, parece ter ficado claro, pelo menos para as lideranças que os problemas com que se deparavam as enfermeiras não se diferenciavam daqueles enfrentados pelos trabalhadores em geral. A partir dessa descoberta parece ter emergido nova identidade profissional, agora mais próxima daquela que caracteriza o trabalhador assalariado, sem retoques, ou subterfúgios.

Para que essa compreensão tenha ocorrido, não se pode desconsiderar que o mercado de trabalho das enfermeiras, desde a implantação da enfermagem, situa-se, principalmente no âmbito da rede pública de serviços de saúde. Foi exatamente aí, onde as contradições das políticas públicas em geral e da saúde, em particular, revelam seus efeitos que as enfermeiras encontraram os elementos da prática para estruturar seu aprendizado político. Foi, por isso, nesses locais onde desenvolvem experiências coletivas de enfrentamento das dificuldades decorrentes dos problemas salariais e de condições de trabalho, que se encontraram os principais argumentos que justificaram a constituição e atuação do sindicato. Esse ponto foi assim abordado por uma depoente: acho que isso ajudou nessa caminhada, pois se fôssemos depender dos enfermeiros que estavam na iniciativa privada e que, a priori, poderia ter mais liberdade para isso, esse número era bastante reduzido (dep. 4).

Isso representa enorme avanço, se considerarmos, resultados de estudos que mostram como, nas raízes da profissão, encontramos padrões culturais que indicam a dificuldade de as enfermeiras se reconhecerem como trabalhadores assalariados dependentes do capital, apesar de a enfermagem moderna ter nascido sob a égide do capitalismo e como trabalho assalariado.10

Nos primórdios da enfermagem moderna, encontram-se reforços à ideologia capitalista, o que se revela até mesmo na seleção das candidatas ao curso de formação de enfermeiras, Escola Nightingale no St. Thomas'Hospital (criada em 1860, na Inglaterra por Florence Nightingale). As candidatas eram oriundas de camadas sociais diferenciadas, um grupo de uma classe social mais elevada (lady-nurses), eram preparadas para o ensino e supervisão - trabalho do tipo intelectual e outro grupo da camada mais pobre da sociedade (nurses) preparadas para o cuidado direto ao paciente sob supervisão das primeiras trabalho do tipo manual. Dessa forma, reproduzia-se a própria estrutura de classe da sociedade som a separação do trabalho intelectual e manual.10

Além disso, na organização dos serviços de saúde, o hospital é o campo em que a enfermagem moderna se desenvolve, campo este organizado dentro dos princípios empresariais, demarcando a divisão social e técnica do trabalho. Entendo que a divisão do trabalho relaciona-se a forma como os homens produzem seus meios de subsistência, como se relacionam entre si e como são as formas de propriedade historicamente determinadas.

Nessa perspectiva analítica, é possível inferir que, com o desenvolvimento do sistema capitalista e com sua incorporação aos serviços de saúde, incrementou-se a demanda do mercado de trabalho por profissionais com maior qualificação para atender às novas tecnologias da indústria farmacêutica e de equipamentos. Mas, isso ocorreu concomitantemente ao aumento da demanda por pessoal menos qualificado, para atender ao barateamento da mão de obra, favorecendo a mais valia. Essas práticas reforçaram a crescente divisão social e técnica do trabalho em saúde e da enfermagem.

No Rio de Janeiro, na década de 70, intensifica-se a expansão dos serviços de saúde com a contratação dos serviços hospitalares pela Previdência, ocorrendo a ampliação da rede particular de serviços de saúde. Essa iniciativa facilitou a penetração do capital industrial nos serviços de saúde, com a ampliação do uso de equipamentos sofisticados e de medicamentos, para a assistência hospitalar. Entretanto, poderia causar perplexidade constatar que toda essa modernização não acarretou, como seria de esperar, maior demanda do mercado de trabalho por enfermeiras. Qualquer possibilidade de dúvida se desfaz, quando lembramos que, da mesma forma como em outras empresas, os capitalistas que investiram nos serviços de saúde estão mais preocupados com os lucros do que com a qualidade da assistência prestada à população. Decorre daí que os chamados setores de recursos humanos são orientados a priorizar o recrutamento e seleção de mão de obra desqualificada, principalmente os atendentes de enfermagem, os quais, evidentemente, têm menor peso na folha de pagamento.

Vale ressaltar, que a crise econômica que também exerceu influência na chamada crise da Previdência Social, no início da década de 80, favoreceu o discurso que defendia a racionalização dos serviços de saúde, com a proposta de recuperação dos serviços públicos de saúde, em especial daqueles prestados com recursos da Previdência Social. Essa medida administrativa ressaltou as precárias condições de trabalho das enfermeiras, o que acirrou os descontentamentos, gerando a demanda no sentido de melhorar suas condições de trabalho.

Por outro lado, não se pode esquecer que a precariedade das condições de trabalho nas instituições de saúde atinge outras categorias profissionais, além das enfermeiras. Essa circunstância favoreceu a aproximação entre os profissionais de nível superior e dos demais trabalhadores que compõem a equipe de saúde. Esquecendo diferenças de formação e outros aspectos, às vezes problemáticos no cotidiano hospitalar, esses grupos acabaram por identificar-se, na condição de trabalhadores assalariados. O cotidiano visto como "local onde se passa nossa existência em todas as contradições, forças, limites e possibilidades".11:61 Para fortalecer suas demandas, buscaram também apoio junto a outros grupos, no seio da sociedade.

Neste sentido, o movimento dos médicos procurou estabelecer alianças com os diversos setores da população (movimentos populares e sindical) para tentar articular novas propostas de política de saúde, de melhores condições de vida e democracia.12

Na busca de melhores condições de trabalho para as enfermeiras, identificamos, na plataforma de trabalho, desde a primeira diretoria do SERJ, a preocupação com o estabelecimento de um salário mínimo profissional, redução da jornada diária de trabalho para 6 (seis) horas; aposentadoria aos 25 anos de serviço e direito de acumulação de cargo, que, até o momento, continua como bandeira de luta do movimento sindical das enfermeiras.

A dignidade profissional da enfermeira, no sentido da valorização de sua força de trabalho, através da reivindicação de uma jornada de trabalho especifica para a categoria, tem sido uma constante na formação da identidade sindical das enfermeiras, como declarou essa depoente: defender, valorizar, manter claro para as autoridades e para a população de um modo geral a importância da enfermagem, enquanto trabalhador de saúde e a valorização de sua força de trabalho... deixar claro que isso que se reivindica, reduzir carga horária, é pelo desgaste, e quais as conseqüências de uma jornada longa para a categoria e, ao mesmo tempo, mostrando qual é a exigência de qualificação que se tem desses profissionais, para que se possa fazer justiça. (dep. 3).

A questão do trabalho da enfermeira foi enfocada em seu aspecto técnico de formação acadêmica, buscando a igualdade com os demais profissionais de nível superior no serviço público. Também esteve presente, a todo momento, o cuidado com assinalar a importância de seu trabalho dentro da equipe multiprofissional e de enfermagem como atividade fim na assistência à saúde.

Além do mais, nunca é redundante salientar que a enfermagem representa a maioria dos trabalhadores necessários para execução do trabalho de saúde. Entretanto, devido à própria lógica do sistema capitalista, representa a maioria silenciosa, como lembrou esta depoente: a enfermagem, dentro das instituições de saúde, acabava sendo a maioria silenciosa. Então, era uma questão de reverter isto, havia um potencial de força que não tinha sido medido, nem constatado ainda... daí teríamos a geração de um processo forte, combativo e unitário da enfermagem, abarcando todos os componentes da equipe (dep. 7).

Também ficou inequívoco, no desenrolar desta pesquisa, que o movimento sindical das enfermeiras desenvolveu-se a partir do princípio da luta pela dignidade profissional e pela cidadania. Como discuti anteriormente, essa luta fundamentava-se no respeito à legalidade, mas sem perder de vista a busca do cumprimento de direitos que estivessem sendo desrespeitados, de regulamentação de aspectos que careciam dessa formalidade ou conquista de novos direitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar a atuação do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro, durante o período de gestão de suas duas primeiras diretorias, no cenário político sindical brasileiro, proporcionou-me importantes "descobertas". A realização da pesquisa, mais especificamente, a consulta aos documentos, os contatos que pude estabelecer durante as entrevistas, as reflexões que as informações obtidas me proporcionaram, em confronto com as provocações propiciadas com a leitura e análise dos trabalhos de outros pesquisadores que estudaram temática análoga à que escolhi, levaram-me à uma análise crítico-reflexiva, isto é, à outras condições de pensar sobre o SERJ, dialeticamente.

Tentando ser mais precisa, eu diria que, a partir desta investigação, vejo a trajetória do SERJ com mais elementos para sistematizar respostas à dúvidas que me acompanham há anos. Sinto-me também um pouco melhor "equipada" para vislumbrar perspectivas e limitações, no percurso que nós, enfermeiras, ainda teremos que percorrer, na defesa dos interesses da categoria. Apresentarei algumas considerações que derivei das reflexões que a pesquisa me proporcionou.

Inicialmente, cabe salientar que o estudo revelou-me, com clareza o quanto foi importante o movimento sindical em geral e, em especial, a articulação com o movimento dos trabalhadores da saúde, no sentido da politização das enfermeiras. Refiro-me à tomada de consciência por parte das lideranças, e também por alguns dos seus filiados a respeito do sindicato, como entidade representativa dos interesses dos enfermeiros, perante o poder constituído, que, historicamente, nos exclui, em termos de respeito aos direitos.

Nesse sentido, as informações foram mostrando, como, paulatinamente, alguns segmentos da categoria perceberam a exploração a que estavam submetidos, no que diz respeito a condições de trabalho, à jornada extenuante e a um salário que, de forma alguma, é compatível ao volume e à relevância das atividades profissionais que desenvolvemos, no cotidiano da prestação de assistência à saúde da população.

Chega a ser emocionante verificar que nós, enfermeiras, que tínhamos dificuldade para discutir questões de natureza material e, nesse âmbito, reclamar do salário era praticamente um tabu, tivemos coragem de "ir para a rua", para protestar e mostrar à sociedade nossa insatisfação e resistência, em diferentes momentos. Isso deixa clara a nossa compreensão de que, como enfermeiras, situamo-nos na condição de categoria assalariada que, como qualquer outra, precisa lutar por seus direitos e na busca da ampliação do respeito aos seus direitos de cidadania.

Nesse sentido, destaco, igualmente que o SERJ através de sua história, ocupou lugar de destaque na construção da identidade sindical/profissional das enfermeiras. Descobri ainda que esses avanços resultaram de um processo lento e cumulativo de experiências vividas numa série de acontecimentos, que demandaram coragem, compromisso, consciência de classe, humildade e, ao mesmo tempo cautela, num momento de particular dificuldade, em termos de participação política, como foi o da ditadura militar, no Brasil.

Ao longo do período, com as demandas surgidas internamente na enfermagem, na saúde e na sociedade como um todo contribuíram para que, gradativamente, a diretoria e seus militantes mais ativos, fossem adquirindo experiência, em cooperação com outros segmentos da luta geral dos trabalhadores, incorporando ao seu discurso as propostas voltadas à construção de um novo modelo de sociedade.

Finalizando, eu diria que com a participação no cotidiano sindical, enfrentando seus desafios e dificuldades, mas também sentindo o prazer das conquistas, as enfermeiras do Rio de Janeiro refletiram suas condições reais de vida e de trabalho, e desenvolveram e aperfeiçoaram uma compreensão política das relações de classe e das condições de alienação a que estavam submetidas. Buscaram libertar-se da burocratização sindical e buscaram um novo caminho.

Essa atuação das enfermeiras no sindicato, como destaquei, passa pela questão da consciência de classe da categoria, pelo reconhecimento do sindicato como órgão de luta dos trabalhadores, que busca não apenas os direitos econômicos mas, também, uma sociedade mais justa e igualitária.

Assim, não é demais afirmar que o SERJ no período estudado, tornou-se uma instância que permitiu a aglutinação de forças individuais e dispersas, num movimento dinâmico de resistência ao poder econômico, de construção permanente de dignidade e de liberdade em termos coletivos.

Recebido em: 15 de maio de 2005

Aprovação final: 04 de novembro de 2005

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  • Endereço para correspondência:
    Maria da Luz Barbosa
    R. Carvalho Alvim, 499, Ap. 102
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Nov 2005
    • Recebido
      15 Maio 2005
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