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História da enfermagem registrada nas artes plásticas: do século XVI ao século XX

History of nursing registered in the fine arts: from XVI century to XX century

Historia de la enfermería registrada en las artes plásticas: del siglo XVI al siglo XX

Resumos

As artes documentam a história de um povo. A saúde do homem, as doenças, a promoção da saúde também foram registradas. Objetivamos apresentar à comunidade científica como a enfermagem foi registrada nas telas de pintores do século XVI ao século XX e relacionar os conceitos expressos nas telas com a história da enfermagem. Realizamos uma pesquisa documental, a partir de consultas às obras de Donahue, das quais selecionamos apenas a publicação de 1989, da qual constam 26 telas que foram interpretadas pela autora e as organizamos em ordem cronológica para em seguida discutirmos as diferentes nuanças da enfermagem, reveladas nas pinturas. Com assessoria de uma professora de Arte, conseguimos apreender a idéia de que entre os vinte e seis conceitos relacionados às telas o cuidado está presente do século XVI ao século XX como essência da enfermagem, mesmo antes de ser constituída como profissão.

História da enfermagem; Arte; Estética


Art has always documented people's history. Human health, illnesses, and health promotion have also been registered. In this study, we aimed at presenting to the scientific community nursing history as registered upon the screens of painters from the XVI Century to the XX Century. In addition, we related the expressions and concepts depicted on the screens to the history of nursing. We carried out a documentary research based on Donahue's work, from which we selected only publications from 1989, consisting of 26 screens that were first interpreted by the author. We organizing them in chronological order to argue the different nuances of nursing, disclosed in the paintings. With the aid of an art professor, we were able to approach the care that was present from the XVI Century to XX Century throughout her twenty and six concepts, as an essence of the nursing practice, even before it was constituted as a profession.

History of nursing; Art; Esthetics


Las artes han documentado la historia de un pueblo. La salud del hombre, las enfermedades, la promoción de la salud también, fueron registradas. Objetivamos presentar a la comunidad científica como la profesión de enfermería ha sido registrada en las telas de los pintores del siglo XVI al siglo XX y relacionar los conceptos expresos en las telas con la historia de la enfermería. Relizamos una investigación documental partiendo de las publicaciones de Donahue de las cuales escogimos de 1989 con 26 telas que fue interpretada por la autora y la organizamos en orden cronológica y a continuación analizamos y discutimos las diferentes tonalidades de enfermería reveladas en las pinturas. Con la asesoría de una profesora conseguimos apreender que entre los veinti seis conceptos relacionados a las telas el cuidado está presente en los Siglos XVI al XX como la esencia de la enfermería, mucho tiempo antes de que esta fuera considerada como una profesión.

Historia de la enfermería; Arte; Estética


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

História da enfermagem registrada nas artes plásticas: do século XVI ao século XX

History of nursing registered in the fine arts: from XVI century to XX century

Historia de la enfermería registrada en las artes plásticas: del siglo XVI al siglo XX

Maria Dalva Santos AlvesI; Mônica Oliveira Batista OriáII; Eugênio Santana FrancoIII; Maria Suêuda CostaIV; Maria Grasiela Teixeira BarrosoV

IEnfermeira. Psicóloga. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Grupo de Pesquisa Família: Ensino, Pesquisa e Extensão (FAMEPE) do Departamento de Enfermagem/UFC

IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem. Membro do Grupo de Pesquisa FAMEPE

IIIEnfermeiro. Professor Adjunto do Curso de Enfermagem da Escola Superior de Saúde (Universidade de Aveiro Portugal). Membro da Unidade Integrada de Estudo e Investigação em Educação e Cuidado em Enfermagem e Saúde da Secção Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro

IVEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem. Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Membro do Grupo de Pesquisa em Práticas e Políticas Públicas de Saúde (GRUPPS)

VEnfermeira. Professora Emérita. Docente Livre. Membro do Grupo de Pesquisa FAMEPE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Dalva Santos Alves R. Des. Waldemar Alves Pereira, 455 60.810-700 - Água Fria, Fortaleza, Ceará E-mail: mdalvaalves@uol.com.br ou dalva@rapix.com.br

RESUMO

As artes documentam a história de um povo. A saúde do homem, as doenças, a promoção da saúde também foram registradas. Objetivamos apresentar à comunidade científica como a enfermagem foi registrada nas telas de pintores do século XVI ao século XX e relacionar os conceitos expressos nas telas com a história da enfermagem. Realizamos uma pesquisa documental, a partir de consultas às obras de Donahue, das quais selecionamos apenas a publicação de 1989, da qual constam 26 telas que foram interpretadas pela autora e as organizamos em ordem cronológica para em seguida discutirmos as diferentes nuanças da enfermagem, reveladas nas pinturas. Com assessoria de uma professora de Arte, conseguimos apreender a idéia de que entre os vinte e seis conceitos relacionados às telas o cuidado está presente do século XVI ao século XX como essência da enfermagem, mesmo antes de ser constituída como profissão.

Palavras-chave: História da enfermagem. Arte. Estética.

ABSTRACT

Art has always documented people's history. Human health, illnesses, and health promotion have also been registered. In this study, we aimed at presenting to the scientific community nursing history as registered upon the screens of painters from the XVI Century to the XX Century. In addition, we related the expressions and concepts depicted on the screens to the history of nursing. We carried out a documentary research based on Donahue's work, from which we selected only publications from 1989, consisting of 26 screens that were first interpreted by the author. We organizing them in chronological order to argue the different nuances of nursing, disclosed in the paintings. With the aid of an art professor, we were able to approach the care that was present from the XVI Century to XX Century throughout her twenty and six concepts, as an essence of the nursing practice, even before it was constituted as a profession.

Keywords: History of nursing. Art. Esthetics.

RESUMEN

Las artes han documentado la historia de un pueblo. La salud del hombre, las enfermedades, la promoción de la salud también, fueron registradas. Objetivamos presentar a la comunidad científica como la profesión de enfermería ha sido registrada en las telas de los pintores del siglo XVI al siglo XX y relacionar los conceptos expresos en las telas con la historia de la enfermería. Relizamos una investigación documental partiendo de las publicaciones de Donahue de las cuales escogimos de 1989 con 26 telas que fue interpretada por la autora y la organizamos en orden cronológica y a continuación analizamos y discutimos las diferentes tonalidades de enfermería reveladas en las pinturas. Con la asesoría de una profesora conseguimos apreender que entre los veinti seis conceptos relacionados a las telas el cuidado está presente en los Siglos XVI al XX como la esencia de la enfermería, mucho tiempo antes de que esta fuera considerada como una profesión.

Palabras clave: Historia de la enfermería. Arte. Estética.

INTRODUÇÃO

As primeiras obras de arte datam da Era Paleolítica época em que as pinturas em cavernas, conhecidas como arte rupestre, serviam para registrar o cotidiano vivenciado pelo homem pré-histórico.

Com a evolução do homem, suas conquistas e visão de mundo por meio das culturas de cada região, as artes plásticas também evoluíram e se destacaram na Mesopotâmia, Egito, Grécia Antiga e Roma (do Ocidente e Oriente Arte Bizantina). Posteriormente as artes plásticas passaram a ser classificadas em escolas, tais como: Renascentista, Maneirista, Barroca, Neoclássica, Romântica, Realista, Impressionista, Pós-impressionista, Expressionista, Cubista e Surrealista.

Independentemente da época e da escola seguida pelos artistas as artes plásticas documentam a visão de mundo de quem as desenvolve, o que inclui também a ciência e os problemas vivenciados em cada época. Em relação à saúde do homem, as doenças, a promoção da saúde e o cuidado humano também foram registrados ao longo da nossa história. Assim, antes mesmo de a enfermagem ser constituída como profissão, muito já havia sido retratado sobre nossa prática assistencial.

Dessa forma, objetivamos com este estudo apresentar à comunidade científica o modo como a profissão de enfermagem foi registrada nas telas de pintores do século XVI ao século XX, relacionando os conceitos expressos nas telas com a História da Enfermagem.

METODOLOGIA

Realizamos uma pesquisa do tipo documental, a partir de consultas às obras de Donahue, das quais, por conveniência dos autores, selecionamos apenas a publicação de 1989, pois a obra de 1996 possui cerca de 400 ilustrações, incluindo pinturas, desenhos, fotografias e esculturas. Na obra analisada, constam 29 telas que esboçam de forma especial o cuidado humano.1;2 O conjunto da obra foi caracterizado em conceitos por Donahue e por nós organizada em ordem cronológica. Em seguida, discutimos as diferentes nuanças da enfermagem reveladas nas pinturas. Consultamos uma professora de Arte para nos dar o suporte necessário a fim de interpretar adequadamente as telas apresentadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As obras que constituem o livro de Donahue Nursing, the finest art: an illustrated history, são telas com pinturas, desenhos e caricaturas de artistas plásticos.2 Ao destacarmos de forma especial as pinturas, percebemos que o estilo predominante foi o realismo, embora existam obras do estilo renascentista, impressionista e contemporâneo.

Para algumas obras, foi difícil categorizá-las em uma escola de arte, pois havia traços significativos de estilos artísticos diferentes. Por sua vez, tal fato decorreria do longo tempo necessário para se concluir única tela. O trabalho rebuscado, exigente e delicado de cada pintor pode levar vários anos para ser rematado. Com isso o artista pode iniciar seu trabalho usando um estilo e passar a ser influenciado por outros, mudando seu modo de pintar.

Analisando as telas que estão reproduzidas em Donahue, organizamos o material por ordem cronológica conforme a figura 1.2


Considerando os títulos de todas as obras constantes no livro de Donahue2, percebemos que eles relacionam a enfermagem à higiene, às guerras, ao hospital, à religião, à visita domiciliar, ao cuidado de enfermagem e à profissional enfermeira. Ressaltamos que as telas representam apenas as mulheres como cuidadoras, não existindo nenhuma figura masculina que vinculasse o homem à profissão de Enfermagem. Sabemos que isso revela, de forma especial, a realidade do início da nossa profissão, momento em que a enfermagem era uma ocupação exclusivamente feminina. A presença do homem na área da saúde estava sempre relacionada à medicina, ao ato cirúrgico objetivando a cura, como evidenciado na tela "A clínica Agnew" do século XIX.

SÉCULO XVI

Neste século, destacamos a tela intitulada "Cena de hospital", que enfoca o conceito de caridade. Os dados históricos relatam que a Igreja Católica era a responsável pela expansão das instituições de caridade e cuidados aos doentes. As doenças comunicáveis não eram controladas e as condições de moradia em aglomerados contribuíam para a propagação das doenças, o que passou a exigir a construção das instituições de caridade. Tais edificações são consideradas os primórdios daquilo que viria a ser o hospital na atualidade.2

Sendo a caridade benevolente a marca do Cristianismo da época, eram as mulheres, principalmente as freiras e, às vezes, as criadas, que praticavam os cuidados. Na concepção da Igreja Católica, "a caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus direitos. Exige a prática da justiça e só ela nos torna capazes de praticá-la".3:504

SÉCULO XVII (1615-1674)

O estudo de Donahue documentou somente quatro telas que estão descritas a seguir.2

Na tela "Higéia, deusa da Saúde" evidencia-se a relação estabelecida entre o homem, as divindades mitológicas e os aspectos referentes à saúde. Da mesma forma que o homem acreditava que a doença era resultante de espíritos maus, havia a crença de que alguns deuses tinham poderes sobre a saúde, a vida e a morte. Tal fato levou o homem a crer que a desobediência aos deuses e as transgressões morais resultariam em doenças como um castigo divino. Dessa forma o homem passou a construir templos para cultuar e agradar seus deuses, dos quais podemos citar Esculápio e Higéia.2

Esculápio, figura mitológica, filho do deus Apolo e da mortal Coronis, aprendeu os segredos da arte curativa e passou a ser venerado como o deus da Medicina. Conta a mitologia que Esculápio era tão habilidoso que certa vez conseguiu devolver a vida a um morto4. Sua família também se relacionava com assuntos que diziam respeito à saúde. "Sua esposa, Epione, acalmava a dor; sua filha Higéia, simbolizava a prevenção das doenças; outra filha, Panacéia, simbolizava o tratamento das doenças; seu único filho, Telésforo simbolizava a convalescença".5:1

Higéia era tida como a personificação da saúde física e psíquica e aconselhava dietas e poções curativas buscando preservar o corpo dos defeitos, doenças, disfunções e fragilidades. Foi venerada inicialmente em Epidauro, no mesmo templo dedicado ao seu pai. Posteriormente, seu culto se disseminou para outras Cidades-Estado gregas. Em alguns cultos, quando as mulheres desejavam ter filhos sadios, elas oravam a Higéia.6

Para as telas intituladas "Enfermeira e a criança", "São Sebastião atendido por Santa Irene" e "Santa Elizabete banhando pessoas com infecção cutânea", os conceitos identificados foram compromisso, amor e devoção, respectivamente.

Desde os primórdios da enfermagem os profissionais têm demonstrado forte compromisso com a saúde e bem-estar daqueles de quem cuidam. Vale ressaltar que o compromisso do enfermeiro diz respeito ao direito a um cuidado seguro, eficiente e competente. Tal preocupação ficou mais evidente ao se tratar do cuidado à mulher e à criança, sendo as enfermeiras consideradas as pioneiras na redução do trabalho e mortalidade infantil2, o que ainda é um problema político e de saúde pública evidente em diversos países, incluindo o Brasil.

No que se refere ao amor, destacamos o fato de que, com o advento do Cristianismo emergiu um amor altruísta que era capaz de se dedicar ao bem-estar dos outros. Dessa forma, não só as mulheres como também os homens passaram a se envolver com atividades de cuidar. Estando o cuidado intrinsecamente relacionado com a religião, o surgimento de `santos' enfermeiros foi um processo natural. Foi o caso de Santa Irene, que cuidou dos graves ferimentos de São Sebastião, fazendo-o recuperar a saúde.1

No que concerne à devoção enfocada em "Santa Elizabete banhando pessoas com infecção cutânea", Nightingale já expressava que "enfermagem é uma arte, e se é para ser feita uma arte requer uma devoção tão exclusiva, uma preparação árdua como a de qualquer pintor ou escultor; pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do Espírito de Deus? É uma das artes, e poder-se-ia dizer, a mais fina das finas artes".1:501

O Cristianismo sempre apregoou a devoção relacionada às crenças religiosas e ao serviço aos irmãos. Além disso, a devoção exige um firme propósito de cumprir os votos feitos a Deus, o que reforça o pensamento de Nightingale, ou seja, para exercer a enfermagem, se exige uma devoção à essência da enfermagem, às suas atividades, ao seu objeto de trabalho, de forma a fazê-la crescer.

Santa Elizabete da Hungria, além dos dons artísticos em prosa, poesia e música, tinha uma vida piedosa, austera e ascética. Por essas características, foi considerada uma excelente organizadora, administradora e enfermeira, o que a tornou um ícone da enfermagem.1

SÉCULO XVIII (1738-1793)

Neste período, foram destacadas três telas cujos conceitos presentes foram atenção, preocupação e disciplina. Tais conceitos englobam os aspectos referentes ao trabalho voltado às necessidades humanas básicas, com predomínio religioso, o que levou a enfermagem a ser considerada como uma vocação sagrada. De forma particular, a atenção diz respeito à compreensão das necessidades dos outros. Além disso, no momento em que se presta o cuidado, acredita-se que o enfermeiro conceda especial atenção aos seus clientes.

Outro ponto a destacar envolve inicialmente o interesse e a preocupação da enfermeira em resolver os problemas de saúde da família. Posteriormente, o interesse de cuidar expandiu-se para os vizinhos e estranhos, concedendo uma dimensão social ao cuidado diante das condições adversas de saúde.

Por último, o conceito da disciplina está vinculado ao militarismo, também imbuído da caridade no cuidado aos doentes. Os militares foram introduzidos na enfermagem no final da Idade Média. Assim, quando os militares não estavam nas guerras, eles se colocavam a serviço da comunidade, seja cuidando diretamente dos doentes, seja auxiliando nas atividades de implementação de unidades hospitalares. Os princípios do militarismo exigia, disciplina, deferência aos superiores e votos de obediência, o que prejudicou o desenvolvimento, a educação e o progresso da enfermagem, por terem seus profissionais se tornado dóceis e passivos.1;2

Atualmente, observamos uma realidade diferenciada, tendo as enfermeiras conquistado mais espaços, autonomia em suas ações, assumindo papéis de liderança nos diversos segmentos da prática profissional.

SÉCULO XIX (1843-1899)

No período em análise foram pintadas dez telas. A partir dos conceitos citados no quadro 1, três deles merecem destaque: cuidar/cuidado, inovação e ciência. Cuidar/cuidado, de alguma maneira, estão presentes na maioria das telas, visto que retratam a essência da enfermagem. De forma particular, porém, a tela "Saúde e Doença" retrata a complexidade do cuidado que "é um termo concreto ainda que abstrato, complexo ainda que simples. É simples porque é uma palavra que a maioria das pessoas acredita entender, é complexo porque cuidado em enfermagem circunda a totalidade do ser humano".2:20

Ao introduzir o conceito de inovação, é ressaltado que Florence Nightingale, com sua criatividade, os conhecimentos científicos relacionados ao cuidado, a habilidade no uso das análises estatísticas, o esforço para reformar o sistema de saúde militar, no estabelecimento e no desenvolvimento de um programa sólido de enfermagem, tornou-se o marco da profissão - "foi o memorial vivo para um novo tipo de pensamento que influenciaria para sempre a direção da enfermagem".2:40

"Florence Nightingale era uma mulher de caráter forte, apesar de sua frágil saúde e de educação invejável para sua época. Dominava várias línguas, matemática, filosofia, ciências e era também extremamente religiosa. Seu espírito inovador e decidido, aliado as suas habilidades de administradora e mais algumas influências advindas de sua época foram decisivas na forma como conduziu o ensino e a prática de enfermagem".7:54

Em se tratando do conceito de ciência, vale ressaltar as descobertas deste século, a partir dos estudos de Louis Pasteur, Lord Lister e Robert Köch, que foram um marco para a História da Biomedicina. Além disso, o surgimento das primeiras escolas de enfermagem concedeu à profissão um caráter acadêmico e científico. Daí se justifica por que a enfermagem é tida como ciência e arte. "A ação de enfermagem deve ser equilibrada entre ciência e arte. A ciência possibilitará o desenvolvimento das técnicas necessárias. A estética orientará a ação artística indispensável ao cuidado humano. Isto porque, nenhum cuidado humano existe isoladamente e sim em unidade de ação e de propósito. Fins e meios influenciam a forma de cuidado na sua complexidade, oferecendo-lhe a imagem do momento histórico do cuidador e do ser cuidado".8:192

A ciência da Enfermagem tem evoluído, as escolas do gênero se multiplicaram e passaram a oferecer cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, o que contribui para ensejar conhecimentos inovadores que possam melhorar a qualidade do nosso cuidar. Nesse início de século, momento em que vivemos rápida transformação tecnológica, é de fundamental importância que a enfermagem esteja alerta para que o desenvolvimento da ciência não torne seu cuidado fragmentário, mecânico e desumano.

Os demais conceitos enfocam as qualidades invisíveis necessárias ao bom desempenho da prática profissional e, para melhor compreendê-los, introduzimos o filósofo Comte-Sponville ao abordarmos três deles: a tolerância, a fidelidade, e a coragem.9

Sobre a tolerância, ele explica, "como a simplicidade é a virtude dos sábios e a sabedoria dos santos, assim a tolerância é sabedoria e virtude para aqueles que (...) não são nem uma coisa nem outra".9:189 Poderíamos então nos perguntar: o que cabe aos enfermeiros tolerar? Donahue responde: "os enfermeiros são tolerantes quando confrontados com diferentes crenças, valores, raças e credos".2:32

Quanto à tela "Enfermeira fiel", o conceito em destaque é a fidelidade que, na visão de Comte-Sponville, está subordinada à lei moral. Ele acrescenta: "não há sujeito moral sem fidelidade de si para consigo, e é nisso que a fidelidade é devida: pois de outro modo não haveria deveres".9:27 Este conceito é destacado no "Juramento e Profissão de Fé dos Enfermeiros Brasileiros", prestado pela primeira turma da Escola Ana Néri, em 1925. Assim, vejamos: "Comprometo-me solenemente a servir de todo o coração a aqueles cujos cuidados me forem confiados (...) Trabalharei sempre com fidelidade e obediência para com os meus superiores e peço a Deus que me conceda paciência, benevolência e compreensão, no santo mistério de cuidar dos que sofrem".10:1

A coragem é "a virtude mais universalmente admirada, (...) é a capacidade de superar o medo, é a virtude dos heróis. (...) A coragem pode servir para o bem como para o mal (...) e não alteraria a natureza deste ou daquele".9:51

Assim, destacamos a coragem de Florence Nightingale e de Ana Néri, como ícones da coragem da enfermeira, ao se voluntariarem para servir nas guerras da Criméia e do Paraguai, respectivamente. Independentemente das motivações que as impulsionaram nessa tomada de decisão, essas enfermeiras demonstraram toda a sua bravura.

Atualmente as enfermeiras continuam a cuidar dos soldados nas diferentes guerras e tragédias em diversas partes do mundo e, com o trabalho, exercem a profissão em locais de risco, tendo a violência como uma constante, particularmente nos grandes centros urbanos. Estudos apontam que enfermeiros da rede básica de saúde se sentem susceptíveis às situações tais como: exposição a riscos biológicos, estresse, doenças infecto-contagiosas e degenerativas. No que diz respeito à violência, relatam episódios que atentam contra suas integridades físicas e mentais. Entre esses episódios, estão os atendimentos aos dependentes químicos, usuários de drogas, os procedimentos desenvolvidos em comunidades que se situam abaixo do nível de pobreza e as pressões sofridas no âmbito do trabalho.11

SÉCULO XX (1914-1980)

Neste período, foram produzidas oito telas e, quanto aos conceitos a elas relativos ressaltamos: humanitarismo, profissionalismo e toque.

O conceito de humanitarismo nos remete às causas humanitárias e aos direitos humanos. A tela "A Cruz francesa" faz referência à Cruz Vermelha, órgão internacional de serviço humanitário que surgiu a partir dos esforços de Henri Dunant. Ao longo dos anos, muitas outras organizações humanitárias surgiram, algumas delas focalizando em um serviço específico à comunidade. Diante das imensas desigualdades sociais, contudo, as organizações humanitárias não têm sido suficientes para, unidas às ações governamentais, solucionar os problemas de inúmeras pessoas que vivem em condições desumanas. Por fim, percebe-se que a obra "A Cruz francesa" é registrada na proximidade da Primeira Guerra Mundial, o que pode ter influenciado o artista.

Enfocando o profissionalismo, "o processo profissional da enfermagem apresenta uma perspectiva política (...) e os agentes de enfermagem devem evitar o erro de desenvolver suas ações sem verificar qual o peso material e psicológico que incide sobre as diferenças e como essas peculiaridades afetam a vida das pessoas".12:191-192

Com o desenvolvimento tecnológico dos séculos XX e XXI, eclodiu um movimento dos enfermeiros para defender um cuidado mais humano, sensível e holístico. A partir de então tem-se enfocado o conceito de toque.

"Tocar alguém quando temos a intenção de que esta pessoa se sinta melhor por si só já é terapêutico. É intuitivo e multicultural tocar o ombro ou as mãos de quem está precisando de ajuda. (...) Não tenha medo de tocar, de abraçar, de interagir desde que perceba o limite do espaço pessoal do paciente-cliente".13:69

O toque como arte ocorre no contato enfermeiro-cliente, ao serem estabelecidos "laços efetivos e intuitivos, concretos ou imaginários que se reforçam a partir do cuidado alimentando o `espírito' de ambos".(14: 23)

Quanto aos outros cinco conceitos dedicação, conforto, espírito, serviço e dignidade, - de maneira implícita já haviam sido definidos na interpretação de Donahue nas telas dos quatro séculos anteriores e por nós descritos de alguma maneira.2

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Artes Plásticas constituem a expressão do mais íntimo ser do artista, e isso inclui a sua subjetividade e sensibilidade em busca de uma harmonia de cores, formas, luz e sombras para revelar o belo e registrar o fato (haja vista que naquela época não haviam outros media para fazer esse registro). A contribuição maior destes artistas foi o registro histórico do momento vivenciado pela Humanidade, o que inclui também a enfermagem. Algumas vezes pode ser difícil reconhecer o real valor da arte, seja por desconhecimento, seja por falta de sensibilidade, porém a arte não deixará de existir. Ela estará presente no mundo e na vida das pessoas.

Isso também pode acontecer na enfermagem. Podemos não conhecê-la inteiramente, é possível não reconhecer seu real valor e beleza, mas ela não deixará de existir e se perpetuará na vida das pessoas, pois o cuidado humano é uma constante. A enfermagem estará presente em todos os momentos históricos vivenciados pelo homem.

A partir das obras estudadas, verificamos que os artistas, respeitando seus estilos particulares, conseguiram expressar uma parte da beleza de ser enfermeiro, retratando nossa história, eternizando nossos marcos. Consideramos que os artistas captaram apenas parte dessa beleza porque aquilo que se encontra revelado sobre as telas jamais conseguirá captar a dimensão maior do cuidado.

A produção científica da Enfermagem com enfoque na Arte sempre foi escassa, embora a Enfermagem seja uma arte. Com esta pesquisa, conseguimos apreender, a partir dos vinte e seis conceitos relacionados às telas, que o cuidado está presente desde o século XVI ao século XX e foi retratado ao longo do tempo como essência da Enfermagem mesmo antes de ser constituída como profissão.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à professora de arte Ilca Ferreira por sua assessoria em relação à interpretação das telas, contribuindo para uma análise criteriosa das obras estudadas.

11 Costa MS. Estilos de vida saudável: novas referências nas práticas de saúde [dissertação]. Fortaleza (CE): Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFC; 2004.

Recebido em: 15 de maio de 2005

Aprovação final: 04 de novembro de 2005

  • 1 Donahue P. Nursing, the finest art: an illustrated history. 2a ed. St Louis: Mosby Company; 1996.
  • 2 Donahue P. Nursing: the finest art. St Louis: Mosby Company; 1989.
  • 3 Igreja Católica. Catecismo da Igreja Católica. Rio de Janeiro: Editora Vozes; 1993.
  • 4 Bulfinch T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. 22a ed. Rio de Janeiro: Ediouro; 2001.
  • 5 Amato A. Quem foi Asclépio? Rev. Cultura Saúde 2003 Maio; 1(1):24.
  • 6
    O mito e as atribuições simbólicas. [Acesso em: 2005 Maio 5]. Disponível em: http://astrologia.bol.com.br/deusas/quem_sao_elas/hygeia_mito.jhtm
  • 7 Waldow V. Cuidado humano: o resgate necessário. 2a ed. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzato; 1999.
  • 8 Toniolli A, Sobreira T, Moreira R, Barreto J. Conhecimento de enfermagem e o círculo de Viena. In: Barreto J, Moreira R, organizadores. A vigilância de Argos: filosofia, ações de enfermagem e cuidado humano. Fortaleza: Casa José de Alencar/Programa Editorial; 2002. p. 169-200.
  • 9 Comte-Sponville A. O tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes; 1996.
  • 10 Germano RM. A evolução do ensino da ética para enfermeiros. [Acesso em: 2005 Maio 10]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br
  • 12 Lima MD. O que é enfermagem. São Paulo: Editora Brasiliense; 1993.
  • 13 Sá AC. O cuidado do emocional em enfermagem. São Paulo: Robe Editorial; 2001.
  • 14 Caccayo PV. A arte da enfermagem: efêmera, graciosa e perene. Texto Contexto Enferm 1997 Set-Dez; 6(3): 9-28.
  • Endereço para correspondência:
    Maria Dalva Santos Alves
    R. Des. Waldemar Alves Pereira, 455
    60.810-700 - Água Fria, Fortaleza, Ceará
    E-mail:
  • *
    Identificamos duas telas sem datas, impossibilitando-nos de categorizá-las na linha cronológica. São elas: 1. Jeanne Mance Window Montreal, Canadá e 2. A ama de leite Lille, França. A terceira tela data do ano 50aC (Achilles cuidando dos ferimentos de Patroclus Berlim, Alemanha)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Nov 2005
    • Recebido
      15 Maio 2005
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