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Editorial

EDITORIAL

"Famílias em situação de risco" pode ser considerado como um tema vago na medida em que não define, exatamente, à que ameaça se refere e generaliza o sujeito ameaçado. Ao mesmo tempo, está sustentado em uma dimensão concreta da vida individual e coletiva dos seres humanos, representada pelas condições econômicas, sociais e culturais que interferem no desenvolvimento e no bem-estar de um grande contingente de famílias que enfrentam, principalmente nas últimas décadas, as conseqüências da ineficiência de inúmeros planos econômicos e as dificuldades cada vez maiores do Estado para prover as necessidades básicas de saúde e educação, da maioria da população.

São situações com elevado potencial de risco, incluindo desde a fragmentação dos serviços que atendem famílias, os quais, geralmente, não trabalham de forma integrada, gerando, por conseguinte, uma lacuna em termos de suporte às famílias; a criminalidade em geral, incluindo a corrupção política; os valores sociais que toleram a violência; a injustiça social que apóia, por exemplo, o parasitismo de grandes empresas que se beneficiam da isenção de impostos, mas não trazem retorno para a sociedade, na mesma proporção em que usufruem; e a concepção social acerca da paternidade, a qual aceita que a responsabilidade pela educação dos filhos seja prioritariamente da mãe. No nível mais interno, as famílias convivem com a ameaça do desemprego ou do emprego instável; o salário insuficiente; e as limitações para atender suas necessidades mais elementares como, por exemplo, de um espaço físico adequado para morar e concretizar a unidade familiar.

Embora contraditório, ou em alguns casos, até mesmo desumano, é em meio a essas circunstâncias que se espera que uma multidão de crianças e adolescentes construa sua identidade, debatendo-se com as demandas próprias de seu desenvolvimento, que podem ser comparadas a uma prova de obstáculos na qual precisam aprender, desde a caminhar sozinhos, até a alfabetizar-se na idade escolar; alcançar sua autonomia e independência em relação aos pais, na adolescência e, como adulto, responder às responsabilidades que lhes cabe, nesta etapa da vida.1

Estas e outras perspectivas foram abordadas no Simpósio Internacional "Famílias em Situação de Risco", realizado em novembro de 2004, em Rio Grande/RS, e cujos temas são divulgados neste número especial da Revista Texto & Contexto Enfermagem. Este evento foi promovido pelo Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, juntamente com o Grupo de Estudo e Pesquisa de Família, Enfermagem e Saúde (GEPEFES), o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde (NEPES), o Hospital Universitário da FURG e o Laboratório de Estudos Interdisciplinares de Família e Saúde (LEIFAMS). Contou com o suporte financeiro da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos e do Departamento de Ciência e Tecnologia, ambos do Ministério da Saúde, além da UNESCO e de outras instituições.

O objetivo deste Simpósio foi o de reunir pesquisadores, estudantes e outros profissionais de diferentes regiões e países, para debater questões relacionadas com a saúde, o desenvolvimento e a intervenção junto às famílias que vivem em situação de risco. Mais especificamente, para discutir, compartilhar e socializar as experiências de diversos profissionais, relacionadas com o processo de viver das famílias; divulgar o conhecimento produzido por pesquisadores e outros profissionais que trabalham com famílias em situação de risco; dar visibilidade aos serviços existentes na comunidade que atuam com família; refletir sobre a relação políticas públicas, família, risco e promoção da saúde familial; e subsidiar a consolidação de grupos de pesquisa e estudos sobre família.

O Simpósio foi estruturado com quatro sub-áreas temáticas: Área I: Família e violência, que representa um importante problema social considerado como um dos maiores fracassos do ambiente em prover as oportunidades mínimas para que a saúde e o desenvolvimento dos sujeitos possa desenrolar-se de forma normativa. Área II: A Família enfrentando situações de doença, englobando temas relacionados com a complexa interação entre a família e certas doenças cujos efeitos extrapolam a dimensão individual do sujeito portador, envolvendo o grupo familiar como um todo, de forma significativa. Esta área abordou a família quando a doença se torna parte de seu quotidiano, em diferentes cenários, ou seja, no hospital, na rede básica, na comunidade e noutros. Área III: Políticas públicas de saúde e família, cuja inclusão deveu-se ao entendimento de que as políticas de saúde são os sustentáculos das ações de promoção, manutenção e recuperação da saúde, nos aspectos organizacionais, locação de recursos, além de respaldar a definição de prioridades. Área IV: Resiliência e promoção da saúde familial, incluída pelo fato da resiliência representar um dos possíveis caminhos para trabalhar com problemas graves experimentados por um grande contingente de população que, cada vez mais, está vivendo em situação adversa, em conseqüência dos problemas sociais, econômicos, políticos que assolam o mundo todo e repercutem sobre o quotidiano das famílias, tais como os altos índices de violência e criminalidade nos aglomerados urbanos; as condições de pobreza extrema, entre outros. Esperamos que os leitores apreciem a divulgação dos temas discutidos no Simpósio e acolhidos pela Revista Texto & Contexto Enfermagem, auxiliando na socialização de uma temática que, certamente, é atual e de interesse para profissionais de diversas áreas.

Drª Enfª. Mara Regina Santos da Silva

– Presidente do Simpósio Internacional "Famílias em Situação de Risco" –

  • 1 Dumas J. L'enfant violent: le connaître, l'aider, l'aimer. Paris: Bayard; 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    2005
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