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A participação paterna no processo de humanização do nascimento: uma questão a ser repensada

La participación paterna en el proceso de humanización del nacimiento: un asunto a ser repensado

The paternal participation in the humanization birth process: an issue to be rethought

Resumos

A Portaria 569 do Ministério da Saúde instituiu o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, tendo como proposta melhorar a qualidade da assistência e diminuir a morbimortalidade materna e perinatal. Apesar do empenho na humanização da assistência no período gravídico-puerperal, observa-se que pouco se avançou quanto à participação do pai na arena da saúde reprodutiva. Urge repensar esta situação quanto à construção da eqüidade de gênero neste campo. Este trabalho visa uma reflexão acerca do processo da participação paterna no momento do parto. A contemporaneidade oferece uma pluralidade de sistemas de significação e cada pessoa precisa construir sua forma de ser no mundo. Nesta perspectiva, é fundamental buscar os significados circulantes e suas contradições, rupturas com antigas significações, relações com discursos de diferentes ordens, enfim, colocar a paternidade como questão cultural.

Humanização do parto; Saúde da mulher; Família


La Ley nº 569 del Ministerio de la Salud estableció el Programa de Humanización en el Pre-Natal y el Nacimiento proponiendo mejorar la calidad de la atención y disminuir la morbi-mortalidad maternal y perinatal. A pesar de todos los esfuerzos para humanizar la atención en el periodo del embarazo y del puerperio, se observo que tuvo poco avance la participación paterna en la salud reproductiva. Es urgente repensar sobre la construcción de la equidad de género en este campo. El estudio hace una reflexión sobre la participación paterna en el parto. La contemporaneidad ofrece una pluralidad de sistemas significativos y cada persona precisa construir su manera de ser en el mundo. Bajo esta perspectiva, es esencial buscar los significados circulantes, sus contradicciones, las rupturas con los antiguos significados, las relaciones con los discursos de diferentes órdenes y concebir a la paternidad como una questión.

Humanización del parto; Salud de las mujeres; Familia


The Law 569 of the Health Ministry established the Pre-Natal and Birth Humanization Program, aiming at improving the care quality and diminishing maternal and perinatal morbid-mortality. Notwithstanding the efforts to humanize care in the pregnancy-puerperal period, there has been little growth regarding the father's participation in the arena of reproductive health. It is urgent to reconsider the issue of gender equity construction in this field. This study aims at reflecting about the paternal participation at the delivery occasion. The contemporariness offers a plurality of significant systems and each subject has to build his own presence in the world. Under this perspective, it is essential to search the current significances, their contradictions, ruptures from old significances, connections with speeches from different orders and finally conceiving paternity as a cultural issue.

Humanizing delivery; Woman's health; Family


ARTIGO ORIGINAL

REFLEXÃO TEÓRICA

A participação paterna no processo de humanização do nascimento: uma questão a ser repensada

The paternal participation in the humanization birth process: an issue to be rethought

La participación paterna en el proceso de humanización del nacimiento: un asunto a ser repensado

Karina da Silva TarnowskiI; Elisete Navas Sanches PrósperoII; Ingrid ElsenIII

IEnfermeira Obstetra do Ambulatório de Medicina Ocupacional da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Aluna do Mestrado em Saúde da UNIVALI

IIDoutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Docente do Curso de Graduação em Enfermagem e do Mestrado em Saúde da UNIVALI

IIIDoutora em Enfermagem pela University of Califórnia. Docente do Mestrado em Saúde da UNIVALI

Endereço Endereço: Karina da Silva Tarnowski. R. Uruguai, 458, Bloco 6, Sala101 88.302-900 Centro, Itajaí, SC E-mail: karinat@univali.br

RESUMO

A Portaria 569 do Ministério da Saúde instituiu o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, tendo como proposta melhorar a qualidade da assistência e diminuir a morbimortalidade materna e perinatal. Apesar do empenho na humanização da assistência no período gravídico-puerperal, observa-se que pouco se avançou quanto à participação do pai na arena da saúde reprodutiva. Urge repensar esta situação quanto à construção da eqüidade de gênero neste campo. Este trabalho visa uma reflexão acerca do processo da participação paterna no momento do parto. A contemporaneidade oferece uma pluralidade de sistemas de significação e cada pessoa precisa construir sua forma de ser no mundo. Nesta perspectiva, é fundamental buscar os significados circulantes e suas contradições, rupturas com antigas significações, relações com discursos de diferentes ordens, enfim, colocar a paternidade como questão cultural.

Palavras-chave: Humanização do parto. Saúde da mulher. Família.

ABSTRACT

The Law 569 of the Health Ministry established the Pre-Natal and Birth Humanization Program, aiming at improving the care quality and diminishing maternal and perinatal morbid-mortality. Notwithstanding the efforts to humanize care in the pregnancy-puerperal period, there has been little growth regarding the father's participation in the arena of reproductive health. It is urgent to reconsider the issue of gender equity construction in this field. This study aims at reflecting about the paternal participation at the delivery occasion. The contemporariness offers a plurality of significant systems and each subject has to build his own presence in the world. Under this perspective, it is essential to search the current significances, their contradictions, ruptures from old significances, connections with speeches from different orders and finally conceiving paternity as a cultural issue.

Keywords: Humanizing delivery. Woman's health. Family.

RESUMEN

La Ley nº 569 del Ministerio de la Salud estableció el Programa de Humanización en el Pre-Natal y el Nacimiento proponiendo mejorar la calidad de la atención y disminuir la morbi-mortalidad maternal y perinatal. A pesar de todos los esfuerzos para humanizar la atención en el periodo del embarazo y del puerperio, se observo que tuvo poco avance la participación paterna en la salud reproductiva. Es urgente repensar sobre la construcción de la equidad de género en este campo. El estudio hace una reflexión sobre la participación paterna en el parto. La contemporaneidad ofrece una pluralidad de sistemas significativos y cada persona precisa construir su manera de ser en el mundo. Bajo esta perspectiva, es esencial buscar los significados circulantes, sus contradicciones, las rupturas con los antiguos significados, las relaciones con los discursos de diferentes órdenes y concebir a la paternidad como una questión.

Palabras clave: Humanización del parto. Salud de las mujeres. Familia.

INTRODUÇÃO

Reflexões acerca da presença e participação do pai no parto e pós-parto e do seu papel no contexto familiar, com a inserção do bebê na formação da nova família, tem nos levado a discutir qual o real significado da figura paterna e quais mudanças poderiam estar ocorrendo diante da diversidade de arranjos familiares e dos inúmeros contextos sócio-culturais que se confluem.

Não podemos deixar de considerar que nossa sociedade atravessa hoje uma crise de indefinição dos papéis sociais, que devem ser atributos do masculino ou do feminino. Há cobranças de atitudes e comportamentos dos jovens pais, que provocam sentimentos contraditórios e ambivalentes, sem lhes dar em contrapartida um porto seguro, um modelo, ou uma estrutura de acolhimento.

"Ao homem, criado desde pequenino para ser macho, durão, provedor e protetor, se cobra de repente que seja sensível, colaborador, e até `maternal' em relação à esposa grávida e ao bebê. Criado para competir na selva do mercado de trabalho, é agora convidado a lavar mamadeiras e trocar fraldas. Criado para prover, agora dele se espera que reveze com a mulher nos cuidados com o bebê, enquanto ela sai, trabalha e ganha seu próprio dinheiro. À mulher, criada desde pequenina para ser suave, sensível, compreensiva e meiga, se cobra de repente que seja indiferente, competitiva, agressiva no mercado de trabalho e que progrida profissionalmente [...]. Até ter um bebê, pois aí se espera que largue tudo e `materne' seu bebê, ao menos por algum tempo, enquanto as crianças são tão pequenas e precisam tanto da mãe".1:64-5

Diante deste contexto, homens e mulheres fazem parte de uma geração em transição. De um longo tempo de papéis tão rigidamente delineados e cultuados, passamos pela fase na qual tudo é criticado e questionado: mas não é o nascimento de um bebê um acontecimento tão biologicamente natural e presumível que pode ocorrer muito bem sem interferências? Homem e mulher, não são capazes de gerar e procriar de forma fluida e natural?

Sabemos que novos papéis estão apenas delineados, que tudo está por ser construído1 e que a maravilhosa e árdua tarefa dos futuros pais consiste, essencialmente, na transição entre ser cuidado e ser cuidador. Para cumprí-la, eles precisam ser orientados. O sucesso dependerá de uma série de fatores, sejam eles de ordem cultural, econômica ou social.

Entendemos que é por estes e tantos outros motivos que o desenvolvimento do ser humano, que começa com a trajetória da gestação e todo processo que envolve o nascimento, deve ser repensado, a partir da inclusão de um elemento relevante: a participação paterna.

Diversos trabalhos têm abordado a questão da paternidade, mas todos com limitações decorrentes da escassez da literatura sobre esta temática. Assim, este trabalho pretende provocar reflexões acerca da paternidade no processo de humanização do nascimento e o papel do pai no contexto familiar.

Importa salientar que as políticas de saúde e os profissionais que dela fazem parte são atores contribuintes para o desenvolvimento saudável de seres humanos. Acolher pessoas em momentos de transição e fornecer-lhes apoio necessário é tarefa de suma importância dos profissionais que atuam no processo de nascimento e no cuidado com famílias.

PATERNIDADE E FAMÍLIA

Ser pai era considerado, até pouco tempo, algo da ordem do natural e a ciência, assim como a crença popular, não enfatizava a importância do pai para o desenvolvimento da criança. Em decorrência dessa naturalização, estudos mais aprofundados a respeito da relação pais-filhos e os caminhos da paternidade não eram empreendidos. A rápida ascensão do número de separações/divórcios e o afastamento do pai do contexto familiar inauguraram uma vertente de pesquisas que passou a investigar as conseqüências da ausência paterna.2 Entretanto, foi somente a partir dos estudos sobre a mulher, impulsionados pelo feminismo, que pesquisadores buscaram compreender melhor a masculinidade e a paternidade, que passaram a ser vistas sob outro prisma, como construções sociais.

A partir desta compreensão, no âmbito dos estudos feministas, estudar a condição da mulher implica, necessariamente, remeter-se à condição do homem. Assim, cria-se uma nova perspectiva que contempla a questão do poder: "[...] a de conceituar gênero como categoria analítica, que permite compreender ou interpretar uma dinâmica social que hierarquiza as relações entre o masculino e o feminino".3:20

O movimento feminista dos anos 60, junto a outros movimentos sociais, foi fundamental para deslocar a concepção de sujeito moderno. A meta deste movimento partiu da igualdade na diferença sexual. Reivindicando a não-hierarquização das especificidades de homens e mulheres, almejou uma igualdade social que reconhece as diferenças, hoje expressa na noção de equidade de gênero.4

Na divisão do mundo em esferas "generificadas", a divisão sexual do trabalho que o feminismo questionou, assentou-se a identidade masculina no seu atributo de provedor e a feminina no seu papel de doméstica e reprodutiva, de mãe.4 Assim, em termos de sexualidade, esperava-se o exercício da sexualidade masculina desde cedo, fora do âmbito familiar/reprodutivo, enquanto a feminina foi limitada à reprodução dos filhos legítimos.

O movimento feminista gerou muitas contradições e ocasionou mudanças significativas, sócioeconômicas e culturais. Estas foram se consolidando na metade do século XX e provocaram alterações nas condições femininas e masculinas, desencadeando a necessidade de se buscar diferentes compreensões sobre as relações pessoais e sobre os laços e as novas configurações familiares.

No Brasil, dados mais recentes de áreas urbanas de baixa renda mostram que a dificuldade dos homens em garantir uma renda familiar adequada, ou mesmo de manter-se em trabalho estável, está gerando o que podemos considerar uma transição de gênero em que mulheres não somente ajudam como também começam a ser responsabilizadas, e a se considerarem responsáveis, pela provisão de renda, mesmo tendo filhos pequenos.4-6

A atualização ideológica dos gêneros, na figura da "nova mulher independente", permite o ocultamento da dupla jornada de trabalho, da exploração e da forma em que estas estratégias contribuem para a reprodução da desigualdade em nível de gênero e de classe social. Cabe salientar que esta dupla jornada de trabalho não é fonte de independência financeira e nem mesmo de estabilidade familiar. Ao contrário, embora necessária à sobrevivência e manutenção dos filhos, é intimamente relacionada à desestruturação do provedor masculino no contexto do desemprego e salários inadequados à manutenção de uma família. Este fracasso masculino pode resultar em "comportamentos masculinos de desistência, pânico e fuga"7:37 ou mesmo expulsão do homem do lar.6

Nos novos estudos de gênero masculino, os homens estão argumentando que os serviços de saúde estão exageradamente feminilizados, tanto em termos de gênero dos profissionais como em serviços, programas e clientela, denunciando que não têm espaço nem horário para atenção à saúde.8 Já questionam, também, a conformação patriarcal da divisão sexual do trabalho, da identidade masculina e da hierarquia entre os gêneros. O que tem sido colocado em termos de imposição do gênero feminino agora é traduzido em afastamento do gênero masculino da possibilidade de convivência com os filhos, das decisões reprodutivas, entre outros.4 A entrada dos homens nos estudos de gênero acompanha a relativização do poder do patriarca, reduzido a um vendedor da sua força de trabalho individual. O homem sofre, atualmente, uma dupla violência: do trabalho alienante e informatizado que gera instabilidade no emprego e insegurança, e do individualismo extremo que fragmenta as relações interpessoais.9

Esses fatores podem resultar na desestruturação da identidade masculina que reflete violentamente nas suas parceiras. Nestas condições, uma gravidez pode representar não uma afirmação, mas uma ameaça à virilidade masculina, tanto que alguns estudos apontam que a violência doméstica ocorre frequentemente durante a gravidez.4

No âmbito internacional, as pesquisas sobre masculinidade surgiram na década de 70, mas são relatadas pelos estudos sobre mulheres. Na década seguinte, apareceram, com maior consistência, estudos sobre a construção social da masculinidade, diretamente beneficiados pelas reflexões em torno do conceito de gênero. Estudos sobre a paternidade surgem como um campo particular e investigam a participação mais efetiva do homem no cotidiano familiar, mais especificamente no cuidado com filhos/as: este homem passa a ser caracterizado como o novo pai.3

Outro aspecto bastante relevante, para ser também analisado, diz respeito aos mitos. Historicamente, constatamos que os mitos exercem grande influência na construção dos valores e na ideologia de um grupo influenciando os padrões comportamentais. A tradição judaico-cristã de nossa cultura ocidental tem um forte mito relacionado com a maternidade. Na crença católica, constatamos o padrão ideológico da maternidade associado à assexualidade (Maria concebeu sem pecado), retratando a função materna como sublime e pura. Já Eva representava a mulher pecadora e sensual, que merece punição. Há uma completa dissociação entre as funções de mulher e mãe, entre sexo e maternidade.10

Os mitos nos levam a compreender porque em poucas sociedades os homens cuidaram de crianças. Os homens continuam sendo representados por papéis fora das interações familiares. As exigências de trabalho, a falta de reconhecimento do engajamento do pai nos cuidados com as crianças e as negociações entre parceiros na determinação da parte desempenhada pelo homem nas famílias precisam ser consideradas, para que se possa obter uma compreensão mais completa da paternidade como uma atividade social.10

Mas o que os homens estão experienciando em relação à paternidade? Estudos mostram que eles, dentro das concepções que definem o que é ser pai e como deve ser um pai, querem ter dialogo e intimidade, mas se preocupam com sua responsabilidade diante dos filhos; criticam o estilo de seu pai, mas muitas vezes se sentem desconfortáveis quando assumem outra posição.2

É necessário uma reconstrução do papel dos homens/pais para que eles possam assumir a própria masculinidade, exercendo uma paternagem conectada com afetos e prazeres.2 A fala dos homens entrevistados, em um estudo realizado em Porto Alegre, também recai sobre a tônica da participação, que define novas atitudes no cuidado e na relação com filhos/as e não está, como poderia se pensar, atrelada à convivência cotidiana.11

PATERNIDADE E O NASCIMENTO DE UMA CRIANÇA

O envolvimento paternal é mais complexo do que parece ser, principalmente na fase que compreende o nascimento da criança, quando as rotinas são bruscamente alteradas. Há que se considerar que existem variadas influências sobre as funções paternas. As negociações entre os genitores, envolvendo padrões de mudanças nos cuidados da criança e nos trabalhos domésticos, são cruciais para a compreensão dos papéis paternos e maternos.

A transição para a paternidade é interessante porque realça as tensões individuais e as relações sociais e afetivas. A chegada de um bebê é descrita como um tempo de grande intimidade entre parceiros, quando eles, então, engajam-se na "construção do ninho", em atividade de cuidados do bebê.12,13 A assistência dos pais ao nascimento de suas crianças fornece um excelente exemplo de experiências compartilhadas. Em uma larga extensão, a paternidade em lares onde ambos os genitores estão presentes, se caracteriza por empreendimentos similares e por uma união entre cônjuges. Os padrões de paternidade parecem estar sistematicamente relacionados a padrões de interação marital.13

Apesar de algumas mudanças já sentidas no relacionamento pai-mãe-filhos, a exclusão do pai da arena da saúde reprodutiva permanece acontecendo nos programas de saúde. Repensar esta situação parece urgente no sentido da construção da equidade de gênero neste campo.

Uma pesquisa sobre a participação do pai adolescente nos programas públicos de atendimento pré-natal em Florianópolis - SC, revelou que os poucos homens que ali se encontravam, no momento da entrevista, permaneciam na sala de espera aguardando a parceira, sendo que apenas um deles não manifestou interesse em acompanhá-la na consulta. Todos os outros manifestaram interesse em estarem mais próximos, acompanhando a gestação do filho. Ouvir o coração do bebê parece ser um desejo unânime desses homens - talvez associado à vontade de perceber e sentir a materialização da criança que, antes dessas manifestações, era apenas intuída pelo pai através das informações obtidas da mãe.14

Estes homens não são convidados pelos programas e muito menos fazem parte da rotina de suas atividades e aqueles poucos que aguardam na sala de espera não foram convidados sequer para adentrarem a sala de consulta.14

O mesmo acontece com relação ao parto, momento em que a humanização comporta, dentre outros aspectos, a presença do pai durante todo processo de nascimento. Empiricamente, o que podemos observar é que a presença do pai nos centros obstétricos ainda é vista pelos profissionais como perturbadora das atividades rotineiras. Isso implica também a passividade do pai no processo de nascimento. Portanto, sem o devido acolhimento e o reconhecimento da importância da presença paterna no alivio das tensões do trabalho de parto, sejam as ocasionadas pela fisiologia do parto ou aquelas relacionadas ao ambiente não familiar, a humanização não poderá se concretizar.15

O que gostaríamos de vivenciar é uma prática de humanização de assistência ao parto que não seja apenas mais um modelo prescritivo e normativo de atuação assistencial, mas que se configure em bons resultados. As mudanças de atitudes e comportamentos dos profissionais, a solidariedade e o amor ao ser humano são ferramentas fundamentais para que possamos realmente atingir resultados significativos na saúde materno/infantil e, conseqüentemente, na saúde da família.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As profundas mudanças nas relações sociais, características do tempo atual, têm ocasionado transformações contínuas nas famílias, favorecendo muitas e diversas configurações do núcleo familiar. Focalizar a singularidade e a complexidade da rede relacional da família permite vislumbrar um novo quadro de família como um grupo específico em desenvolvimento, inserido em um contexto cultural também em desenvolvimento. É importante ter a noção de que a família e a cultura constituem contextos essenciais para a compreensão do indivíduo em sua singularidade.

A temática sobre paternidade pode ser abordada sobre vários prismas, mas se faz necessária à busca de novas perspectivas, novas formas de olhar, enfim, alternativas teórico-metodológicas que possam acolher a complexidade do mundo contemporâneo.

É oportuno discutir um pouco mais a questão do envolvimento paterno no processo do nascimento e no contexto familiar em face da dimensão que esta temática tem adquirido nos últimos tempos, principalmente em virtude das mudanças que vêm se processando no mundo moderno no que se refere à transmissão da violência, a criança que possui um pai violento ou negligente constrói uma visão de mundo imprevisível e não gratificante.16

O nascimento é uma fase do ciclo vital da família que merece atenção especial dos profissionais da saúde. Especialmente em um país com tantas dificuldades socioeconômicas como o nosso, geradoras de fatores estressantes, faz-se necessário discutirmos de que forma poderíamos contribuir profilaticamente para amenizar os conflitos individuais e familiares decorrentes do nascimento de um bebê.

Para que o processo de nascimento psicológico da família com a chegada do primeiro filho seja encarado como momento de crise (no sentido de transição, mudança), altamente enriquecedor para a vida familiar, algumas condições precisam ser atendidas. A maturidade emocional do casal, condições socioeconômicas favoráveis, adequada assistência à saúde, visando promover e prevenir problemas que poderão agravar a saúde da família em seu desenvolvimento, e as redes de apoio social e familiar, entre outros.1

A inclusão dos homens no processo reprodutivo deve ter como uma de suas metas a construção da equidade de gênero. Os homens sejam adultos ou adolescentes, precisam ser incluídos nos trabalhos desenvolvidos. Há que se abrir oportunidade para discutir, com essa população, questões como as relações de gênero no cotidiano do casal e da família, a distribuição mais eqüitativa de responsabilidades, a negociação da contracepção, os direitos reprodutivos, entre tantas outras, o que pode significar uma contribuição para a constituição de sujeitos mais autônomos, mais solidários e, ao mesmo tempo, mais críticos.15

A reconstrução e implementação de um modelo de atenção menos preconceituoso e estereotipado sobre o masculino e o feminino são fundamentais para a constituição de relações mais igualitárias entre os sexos. Levando em consideração, o importante papel dos profissionais de saúde e educação como agentes multiplicadores, urge discutir estas questões com estes profissionais que trabalham na área para que os programas e as diretrizes já oficializadas possam ser implementados. Cabe ainda ressaltar que a saúde sexual e reprodutiva não pode ser pensada de forma desarticulada das políticas públicas, principalmente aquelas voltadas para a educação, a saúde, o trabalho/profissionalização, a cultura e o lazer.15

Recebido em: 05 de agosto de 2005

Aprovação final: 01 de dezembro de 2005

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    Karina da Silva Tarnowski.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Aceito
      01 Dez 2005
    • Recebido
      05 Ago 2005
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