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Uma tentativa de humanizar a relação da equipe de enfermagem com a família de pacientes internados na uti

Un esfuerzo por humanizar la relación entre el equipo de enfermería con la familia de los pacientes en la unidad de cuidados intensivos

An attempt to humanize the relationship of the nursing staff with the family of patients in the unit of intensive therapy

Resumos

A internação na Unidade de Terapia Intensiva e a situação vivida pelo paciente estende o sofrimento deste momento à família, tanto pelos possíveis riscos presentes, como pelo distanciamento do seu familiar. O objetivo desse relato é compartilhar experiências e conhecimentos construídos na relação com pacientes, familiares e equipe de enfermagem, de modo a demonstrar a relevância da humanização do cuidado na Unidade de Terapia Intensiva, contemplando o reconhecimento da individualidade do paciente e de sua família, bem como, a humanização dos próprios trabalhadores, utilizando as etapas propostas por Travelbee para a construção de um processo de interação interpessoal. Tais vivências permitiram reconhecer o significado da interação estabelecida com a equipe de enfermagem, pacientes e familiares; possibilitou a expressão dos sentimentos dos envolvidos na relação, o resgate da sensibilidade e da habilidade para observar e a avaliação das ações de enfermagem.

Serviço hospitalar de enfermagem; Unidades de terapia intensiva; Relações profissional-família


El internamiento en la Unidad de Cuidados Intensivos y la situación vivida por el paciente extiende el sufrimiento durante este momento a la familia, tanto por los posibles riesgos presentes, cuanto por la distancia de su grupo familiar. El objetivo de este relato es de compartir las experiencias y los conocimientos construidos en la relación con los pacientes, la familia y el equipo de enfermería de manera de demostrar la relevancia de la humanización del cuidado en la Unidad de Cuidados Intensivos, el qual contempla el reconocimiento de la individualidad del paciente y de su familia, asi como, la humanización de los propios trabajadores. Nosotros usamos las fases propuestas por Travelbee para la construcción de un proceso de interacción interpersonal. Las reflexiones acerca de estas vivencias nos permitieron reconocer el significado de la interacción entre el equipo de enfermería, los pacientes y los miembros de la familia; facilitando la expresión de los sentimientos involucrados en la relación, también, el rescate de la sensibilidad y la habilidad para observar y la evaluación de las acciones de la enfermería.

Servicio de enfermería en hospital; Unidades de terapia intensiva; Relaciones profesional-familia


The internment in the Unit of Intensive Therapy and the situation lived by the patient extends the suffering of this moment to the family, so much for the possible present risks as for his/her family members' distance. The objective of this experiment summary is to share experiences and knowledge built in the relationship with patients, family and nursing staff, in way to demonstrate the relevance of the humanization of the care in Unit of Intensive Therapy, contemplating the recognition of the patient's individuality and his/her family, as well as, the own workers' humanization. We used the stages proposed by Travelbee for the construction of a process of interpersonal interaction. The reflections on those existences allowed us to recognize the meaning of the interaction set with the nursing staff, patients and family members; it facilitated the expression of the feelings of the ones involved in the relationship, retrieving the sensibility and the ability to observe and the evaluation of the nursing actions.

Nursing service, hospital; Intensive care units; Professional-family relations


ARTIGO ORIGINAL

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Uma tentativa de humanizar a relação da equipe de enfermagem com a família de pacientes internados na uti

An attempt to humanize the relationship of the nursing staff with the family of patients in the unit of intensive therapy

Un esfuerzo por humanizar la relación entre el equipo de enfermería con la familia de los pacientes en la unidad de cuidados intensivos

Rosemary Silva da SilveiraI; Valéria Lerch LunardiII; Wilson Danilo Lunardi FilhoIII; Adriane M. Netto de OliveiraIV

IEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).Professora do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde (NEPES) e do Grupo de Pesquisa em Tecnologias Convergentes Assistenciais em Saúde e Enfermagem (GIATE)

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem da FURG. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Membro do NEPES

IIIEnfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor do Departamento de Enfermagem da FURG. Membro do NEPES

IVEnfermeira. Doutoranda em Enfermagem da UFSC. Professora Departamento de Enfermagem da FURG. Bolsista da CAPES

Endereço Endereço: Rosemary Silva da Silveira R. Lino Neves, 677 96202-600 Salgado Filho, Rio Grande, RG. E-mail: anacarol@mikrus.com.br

RESUMO

A internação na Unidade de Terapia Intensiva e a situação vivida pelo paciente estende o sofrimento deste momento à família, tanto pelos possíveis riscos presentes, como pelo distanciamento do seu familiar. O objetivo desse relato é compartilhar experiências e conhecimentos construídos na relação com pacientes, familiares e equipe de enfermagem, de modo a demonstrar a relevância da humanização do cuidado na Unidade de Terapia Intensiva, contemplando o reconhecimento da individualidade do paciente e de sua família, bem como, a humanização dos próprios trabalhadores, utilizando as etapas propostas por Travelbee para a construção de um processo de interação interpessoal. Tais vivências permitiram reconhecer o significado da interação estabelecida com a equipe de enfermagem, pacientes e familiares; possibilitou a expressão dos sentimentos dos envolvidos na relação, o resgate da sensibilidade e da habilidade para observar e a avaliação das ações de enfermagem.

Palavras-chave: Serviço hospitalar de enfermagem. Unidades de terapia intensiva. Relações profissional-família.

ABSTRACT

The internment in the Unit of Intensive Therapy and the situation lived by the patient extends the suffering of this moment to the family, so much for the possible present risks as for his/her family members' distance. The objective of this experiment summary is to share experiences and knowledge built in the relationship with patients, family and nursing staff, in way to demonstrate the relevance of the humanization of the care in Unit of Intensive Therapy, contemplating the recognition of the patient's individuality and his/her family, as well as, the own workers' humanization. We used the stages proposed by Travelbee for the construction of a process of interpersonal interaction. The reflections on those existences allowed us to recognize the meaning of the interaction set with the nursing staff, patients and family members; it facilitated the expression of the feelings of the ones involved in the relationship, retrieving the sensibility and the ability to observe and the evaluation of the nursing actions.

Keywords: Nursing service, hospital. Intensive care units. Professional-family relations.

RESUMEN

El internamiento en la Unidad de Cuidados Intensivos y la situación vivida por el paciente extiende el sufrimiento durante este momento a la familia, tanto por los posibles riesgos presentes, cuanto por la distancia de su grupo familiar. El objetivo de este relato es de compartir las experiencias y los conocimientos construidos en la relación con los pacientes, la familia y el equipo de enfermería de manera de demostrar la relevancia de la humanización del cuidado en la Unidad de Cuidados Intensivos, el qual contempla el reconocimiento de la individualidad del paciente y de su familia, asi como, la humanización de los propios trabajadores. Nosotros usamos las fases propuestas por Travelbee para la construcción de un proceso de interacción interpersonal. Las reflexiones acerca de estas vivencias nos permitieron reconocer el significado de la interacción entre el equipo de enfermería, los pacientes y los miembros de la familia; facilitando la expresión de los sentimientos involucrados en la relación, también, el rescate de la sensibilidad y la habilidad para observar y la evaluación de las acciones de la enfermería.

Palabras clave: Servicio de enfermería en hospital. Unidades de terapia intensiva. Relaciones profesional-familia.

INTRODUZINDO A TEMÁTICA

A necessidade de internar um familiar em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) tanto pode provocar sentimentos de esperança, alívio, conforto, como de temor e insegurança, dentre outros. Assim, o objetivo desse texto é relatar e compartilhar experiências e conhecimentos construídos na relação com pacientes, familiares e equipe de enfermagem, demonstrando tanto a relevância da humanização do cuidado na UTI, contemplando o reconhecimento da individualidade do paciente e de sua família como seres humanos, como a humanização dos próprios trabalhadores que ali atuam, a partir de alguns pressupostos.1

Assim como outros autores,2-4 a necessidade de humanização do cuidado prestado nos fez buscar um respaldo teórico interacionista para subsidiar o modo de nos relacionarmos com o paciente e sua família, considerando os seguintes pressupostos: a interação entre a equipe de enfermagem, paciente e família é fundamental para um cuidado efetivo; a equipe precisa considerar as necessidades da família diante de situações estressantes; o estabelecimento do plano de cuidados à família deve ser construído juntamente com esse grupo, continuamente validado, avaliado e reavaliado; a interação da equipe de enfermagem com os familiares e o paciente precisa ser estabelecida através do diálogo e da busca dos significados que as experiências de doença geram em cada pessoa; a afetividade proporcionada entre familiares e paciente é fundamental para a sua recuperação e é mais eficaz do que qualquer relação profissional; a comunicação sob suas diferentes formas é o principal meio para favorecer a interação entre a equipe de enfermagem, familiares e pacientes.1

METODOLOGIA

A partir de nossa experiência profissional com a equipe de enfermagem, familiares e pacientes internados em situação crítica na UTI , utilizamos as etapas propostas pela Teoria da Relação Interpessoal,1 para facilitar o relacionamento entre a equipe de enfermagem e a família, auxiliando seu enfrentamento e a compreensão desta vivência. Inicialmente, utilizamos a observação, como um instrumento para detectar as necessidades da família frente à situação de doença e de internação, o que nos possibilitou, também, realizar algumas intervenções, considerando os significados atribuídos pela família à experiência de dor e sofrimento daquele momento.

Posteriormente, realizamos a interpretação dos significados e valores expressos pela família durante a interação. Implementamos a tomada de decisões e ações de modo conjunto, enfermeira e a família, a partir de objetivos comuns, estabelecidos durante a interação interpessoal. Neste processo, concomitantemente, implementamos a avaliação das ações, de modo a confirmar ou não o alcance dos objetivos e, se necessário, (re)definir ações tanto para atingi-los, como para aprimorar a qualidade do cuidado prestado.

Entendemos como fundamental, em um processo de interação, o compromisso emocional dos profissionais com aqueles que requerem ajuda, reconhecendo e considerando relevantes suas manifestações de sofrimento, medo, angústia, desespero, entre outros sentimentos. Descrevemos algumas experiências que demonstram a importância e a necessidade da enfermeira desenvolver a capacidade de enfrentar diferentes situações que emergem da sua prática em um ambiente de UTI, contribuindo, de um modo mais efetivo, para a equipe de enfermagem, o paciente e familiares trilharem caminhos que possam reduzir o sofrimento.

PREPARANDO-SE PARA ESTABELECER O CONTATO INICIAL COM FAMILIARES DE PACIENTES CRÍTICOS

A admissão de um paciente na UTI comumente requer uma rápida intervenção, já que o paciente apresenta alto risco de instabilidade de um ou mais sistemas fisiológicos, com possíveis riscos à saúde, cuja vida pode encontrar-se no limite com a morte. Em decorrência da premência de um fazer tecnológico imediato, muitas vezes, torna-se difícil um contato inicial com os familiares, o que contribui para o entendimento da UTI como um local em que predomina a frieza e a atuação desumana e distante. A partir da nossa experiência, entretanto, consideramos que a interação com as famílias necessita se dar desde o momento da internação do familiar doente, proporcionando-lhes atenção, oportunidade de dialogar e de esclarecer dúvidas.2

Um dos aspectos fundamentais frente à necessidade de internação em UTI é o significado desta situação para o paciente, para seus familiares e para a própria equipe cuidadora, já que, na maioria das vezes, representa um momento de grande ansiedade tanto para o próprio paciente como para seus familiares. A família, inicialmente e de modo freqüente, encontra-se fragilizada e angustiada frente à possibilidade da morte, dificultando ainda mais o enfrentamento desta situação pela enfermagem. Por isso, é necessário que a equipe fique atenta aos acontecimentos à sua volta, ao que está ocorrendo com os familiares de pacientes internados na UTI, a suas diferentes manifestações, pois não é possível planejar, implementar e avaliar as ações de enfermagem que contemplem a humanização de sua relação com estas famílias sem ser um observador hábil. A observação é um instrumento indispensável quando pretendemos construir uma relação interpessoal com o outro. 1

Assim, resgatando a dimensão do ato de perceber, quando emoções e sentimentos estão presentes, a nossa preocupação procura centrar-se na interpretação de valores e significados atribuídos pelos familiares do paciente à situação de internação na UTI, podendo ajudá-los a identificar suas necessidades. Entretanto, antes de ajudarmos a família e o paciente, consideramos importante que cada membro da equipe de enfermagem reconheça suas próprias necessidades, limitações e potencialidades para poder compreender o outro. Cuidar das pessoas implica, primeiramente, percebermo-nos e compreendermos nossos próprios sentimentos, bem como trilhar caminhos que nos levem ao enfrentamento de nossas dificuldades como pessoas e profissionais que cuidam. Tal atitude nos libera para termos disponibilidade interna ao interagir com as pessoas, facilitando a construção desta relação e promovendo nosso interesse pelo sofrimento do outro.

Nesta perspectiva, procedemos à sistematização de algumas informações que entendemos como imprescindíveis aos familiares, contribuindo para a redução da ansiedade relacionada à internação.6 As orientações realizadas à família de pacientes internados na UTI, preferentemente já na internação, significam não apenas um elemento importante para o cuidado prestado, como também, um avanço no estabelecimento da relação interpessoal entre a equipe de enfermagem e o grupo familiar, possibilitando uma comunicação mais efetiva e o compartilhar de significados emergentes diante da situação estressante de ter um familiar na UTI. Conviver cotidianamente com pacientes e familiares nesta situação foi de fundamental importância para a compreensão da necessidade de realizarmos orientações mais sistemáticas sobre este ambiente e, também, para que a equipe de enfermagem disponibilizasse seu tempo para ajudar os familiares a conviverem e enfrentarem a situação de doença e internação de um dos seus membros.

Apesar das tentativas de mudança, a fim de tornar o atendimento mais humanizado e a UTI como um espaço em que pode haver sensibilidade, compreensão e aproximação entre as pessoas, percebemos que temos muito ainda a fazer para assegurar relações mais humanas, pois neste ambiente ainda é freqüente o espaço da ausência, em que prevalece o avanço tecnológico e a impessoalidade. A humanização do cuidado não pode estar presente somente nos discursos dos profissionais que se dedicam a esta atividade; todas ações que compõem este cuidado necessitam estar impreganadas de humanização. Nossas observações nos levam a acreditar na importância da manutenção, sempre que possível, da relação entre paciente e família, a qual tem um significado infinitamente maior para a sua recuperação, do que a possível relação estabelecida por ele com qualquer profissional da equipe.

A EXPRESSÃO DE VALORES E SIGNIFICADOS COMO FUNDAMENTAIS PARA ESTABELECER A RELAÇÃO PESSOA-PESSOA

A relação terapêutica ou relação pessoa-a-pessoa constitui uma meta a ser alcançada como resultado de interações planejadas entre dois seres humanos: a enfermeira e a pessoa que requer ajuda, as quais, neste processo, desenvolvem uma capacidade crescente para estabelecer uma relação interpessoal.1 Uma relação pessoa a pessoa não acontece simplesmente: a enfermeira e a outra pessoa planejam-na deliberada e conscientemente. Uma relação nessa modalidade é mais que somente falar com uma pessoa, por um período determinado, a cada dia, ou apresentar uma série de interações com ela. Uma das características de uma relação terapêutica é que, ambas, a enfermeira e a pessoa que requer ajuda transformam ou modificam seu comportamento e aprendem como resultado deste processo interativo.

Reconhecer informações significativas não é uma tarefa fácil; mais difícil, ainda, é interpretar o significado do que é observado, escutado, percebido na relação entre enfermeira, equipe de enfermagem, pacientes e familiares. Neste sentido, é preciso considerar as dificuldades apresentadas pelos pacientes e seus familiares, seus temores, o medo do desconhecido, da finitude da vida, de não poder assegurar o sustento da família, a falta de coragem para enfrentar as situações decorrentes da doença ou da possível incapacitação que esta pode provocar. Em um processo em que predomina a relação terapêutica, não basta apenas reconhecer tais dificuldades; mais do que isso, é preciso assegurar-lhes o direito de não serem abandonados, comunicando que estamos ali, também, para ajudá-los e que podem usufruir de nossa disponibilidade e apoio.

"A enfermeira precisa comprometer-se emocionalmente se pretende estabelecer uma relação com o paciente ou qualquer outro ser humano. O compromisso emocional é a capacidade para transcender-se a si mesma e interessar-se por outra pessoa, sem que este interesse lhe prejudique. O envolvimento é necessário e conscientemente definido" 1:42. Para este comprometimento, entendemos como necessário o reconhecimento e a aceitação de nós mesmos como pessoas distintas, com a capacidade de perceber os outros como únicos, o que requer conhecimento, introspecção e autodisciplina, franqueza e liberdade para revelar-nos como seres humanos com emoções e sentimentos.

Em uma relação terapêutica, pacientes e familiares devem ser respeitados em sua individualidade, direitos e valores.1 O paciente precisa ser reconhecido como integrante de uma família; por isso, algumas considerações e cuidados devem ser centrados na família, propiciando um clima acolhedor e de proximidade. Essa interação necessita envolver a equipe de enfermagem, o paciente e a família, considerando os aspectos físicos, emocionais, éticos, espirituais e sociais do cuidar.

Neste processo de compreensão do que pode interferir no cuidado dos pacientes ou até mesmo no desempenho profissional da equipe de enfermagem, destacamos a presença do familiar que, em determinados momentos, até pode ser considerada negativa, principalmente, quando este se encontra bastante angustiado, amedrontado, comunicando seus temores para o paciente. Essas atitudes tornam-se claras ao observamos, por exemplo, familiares descobrindo o paciente, manifestando curiosidade, surpresa ou pânico frente ao quadro que encontram. Tal postura, no entanto, ocorre, com freqüência, quando não conseguimos interagir com os familiares, previamente à sua visita.

É preciso valorizar a presença da família no cuidado prestado, principalmente quando ela vivencia a internação de um familiar na UTI. Mesmo a família encontrando-se em um estado de fragilidade emocional ou de crise, continua ocupando um papel de destaque para o paciente, contribuindo para que se sinta protegido, mais seguro, amado e significativo para o seu grupo familiar; tais sentimentos, na maioria das vezes, o estimulam a lutar pela vida. Daí, nossa percepção da relevância da presença da família na UTI, seja para conversar com o paciente, tocá-lo ou simplesmente observá-lo, mesmo quando este se encontra inconsciente. Entretanto, a possibilidade de construir outros paradigmas, requer sensibilidade, disponibilidade para aprender o novo, capacidade para reconhecer a si mesmo e depois tentar conhecer o outro e, principalmente, a crença de que os significados e afetos presentes na relação familiar são insubstituíveis para a melhora e recuperação do paciente.

Buscando reconhecer a necessidade de afeto e aproximação que os pacientes manifestam na relação com seus familiares, observamos um fato significativo e, concomitantemente, ambivalente; ou seja, algumas vezes mostram-se muito frágeis, amedrontados e carentes; em outras, parecem não desejar a aproximação de seus familiares, possivelmente pelo temor de virem a sofrer ainda mais quando estes se afastam. A equipe de enfermagem precisa estar atenta às experiências da sua prática cotidiana, estar aberta a novas possibilidades, envolvendo a família como participante ativa no processo de enfrentamento da doença. A família tem se mostrado responsável por vários aspectos positivos relacionados à recuperação de seu familiar internado em uma UTI, satisfazendo muitas das sua necessidades, além de contribuir com informações significativas a respeito do paciente, o que tem favorecido a tomada de decisões quanto à realização de procedimentos necessários.

FAVORECENDO A TOMADA DE DECISÕES E AÇÕES NA RELAÇÃO COM OS FAMILIARES DE PACIENTES INTERNADOS NA UTI

Ao tomarmos decisões, como enfermeiras, observamos, desenvolvemos interpretações acerca do significado da informação, executamos, coordenamos os cuidados de enfermagem e avaliamos a qualidade da assistência prestada ao paciente e sua família, exigindo não só habilidade da equipe de enfermagem, mas a integração da equipe multidisciplinar, a fim de prestarmos um cuidado eficaz.

As dificuldades evidenciadas pelos pacientes e familiares podem ser modificadas à medida que a relação progride. Por isso, consideramos importante obter a percepção da família sobre a nova situação que vivencia em sua vida, ou seja, a experiência de doença e internação.

A emersão da sensibilidade na relação que estabelecemos entre a equipe, com a família e o paciente significa a possibilidade de efetivar um cuidado com dignidade, solidariedade, procurando compreender os medos dos pacientes, dos familiares e, com isso, diminuir sua ansiedade, seu sofrimento, sua dor e angústia. Assim, consideramos como importante, como já referido, favorecer a presença do familiar na UTI, sempre que possível, quando constituir-se em um desejo do paciente, em horários pré-estabelecidos para visita ou não.

Em relação aos familiares, precisamos falar o provável, tornando-os cientes da gravidade da situação, através de informações precisas, certificando-nos da clareza de seu entendimento e buscando encorajá-los na sua tomada de decisões. É necessário manter uma atitude humanizada, dispensando atenção ao paciente, amigos e familiares, criando um ambiente em que as relações interpessoais tornam-se possíveis. Precisamos estar numa posição de questionar nossas ações e a dos outros, aprender a tolerar, aceitar e enfrentar ansiedades, desenvolver a capacidade de lidar com receios, medos, perdas, com frustrações que podem emergir da relação construída entre a equipe, com os pacientes e com os familiares.

REPENSANDO AS AÇÕES DA ENFERMAGEM

Acreditamos que, quando a interação e a comunicação estabelecidas são consideradas como necessidade da equipe cuidadora, possibilitam a aproximação entre os envolvidos na relação, a qual é manifestada através do afeto e de palavras que se constituem em estímulos verbais. A comunicação é um dos principais meios para favorecer as interações entre a equipe, pacientes e familiares. Porém, essa interação não ocorre ao acaso; necessita ser conscientemente planejada pela equipe de enfermagem, a partir das observações realizadas, das necessidades evidenciadas e das interpretações dos significados atribuídos pelo paciente e seus familiares a sua nova situação de vida.

Destacamos a relevância da presença da equipe de enfermagem junto ao paciente e familiares, da empatia, da interação, da cooperação da equipe multidisciplinar e do uso da tecnologia como um instrumento que pode proporcionar um cuidado mais humanizado. Daí a importância de questionarmos nossa prática cotidianamente e buscarmos aperfeiçoá-la. A disponibilidade, por exemplo, de um monitor cardíaco que verifique a pressão arterial, a saturação de oxigênio, a freqüência cardíaca e a temperatura, contribui, também, para disponibilizarmos um período de tempo maior para permanecermos junto ao paciente e seus familiares.2

É gratificante nos sentirmos úteis e sabermos que temos a possibilidade de amenizar o sofrimento das pessoas, a partir do reconhecimento das particularidades da sua existência, experenciada em um momento de internação na UTI. Reconhecer a singularidade do paciente e dos seus familiares, nesse momento particular da sua vida, requer respeitarmos profundamente sua condição humana, incluindo-se, aí, seus sentimentos diante do desconhecido. Assim, é necessário um preparo contínuo como profissionais que cuidam e, até mesmo, deixar emergir nossa sensibilidade, estabelecendo a empatia, como a capacidade de fazermos um exercício, colocando-nos na situação do outro, procurando enxergar sua visão do mundo. Quando adotamos esse modo de agir, ampliamos nossa receptividade e disponibilidade para escutar, tocar, dialogar e, até mesmo, se necessário, abraçar.

FINALIZANDO...

A família pode contribuir muito para a recuperação do paciente, mas para que isso aconteça, ela precisa ser orientada sobre as rotinas da UTI e sobre o que está acontecendo com o seu familiar, necessitando sentir-se acolhida, respeitada e, também, cuidada. Por isso, é importante permitir sua presença, assegurar-lhe de que estamos ali para lhe ajudar a enfrentar esse momento difícil. Assim, consideramos necessário e fundamental a priorização do tempo, de modo a estabelecermos uma relação terapêutica com os pacientes e seus familiares.

Acreditamos que será difícil proporcionar um cuidado humanizado ao paciente crítico e seus familiares, enquanto não priorizarmos a comunicação e o relacionamento terapêuticos como a essência deste tipo de cuidado. Não podemos negar que também somos seres humanos com sentimentos, capazes de amar, de chorar, de entristecer-nos e buscar a contínua compreensão do processo de viver, adoecer e morrer.

Consideramos relevante esse trabalho, pois nos possibilitou aprender a valorizar alguns elementos internos e inerentes a qualquer pessoa, dentre eles, a sensibilidade, a afetividade, a capacidade de empatia e envolvimento emocional, como instrumentos a serem utilizados na relação pessoa a pessoa. Descobrimos, também, que somos capazes de transmitir segurança ao outro, pela simples presença junto ao paciente e/ou ao seu familiar. Dessa maneira, conseguimos demonstrar-lhes nosso interesse genuíno por sua situação de vida e o nosso envolvimento no processo de cuidar.

Por isso, consideramos como imprescindível que a equipe de enfermagem designe um espaço para refletir sobre a importância da família como participante ativa no cuidado prestado aos pacientes e como potencializadora na recuperação da sua saúde. Essa experiência vem mostrando que a equipe de enfermagem, em especial a enfermeira, precisa observar a si mesma, refletir sobre o seu vivido, pensar intuitivamente, permitindo-se aprender a ser receptiva e atenta aos estímulos transmitidos pelas pessoas que estão a sua volta, de modo a satisfazer muitas das necessidades físicas, emocionais, espirituais e sociais do paciente e de seus familiares.

Recebido em: 05 de agosto de 2005

Aprovação final: 10 de novembro de 2005

  • 1 Travelbee J. Intervencion en enfermeria psiquiatrica. Colombia: Carvajal; 1979.
  • 2 Gonçalves MX. AIDS: uma contribuição da enfermagem à compreensão da vulnerabilidade feminina a partir do discurso de mulheres soropositivas [dissertação]. Florianópolis (SC): Pós-Graduação em Enfermagem/UFSC; 2000.
  • 3 Lipinski JM. A assistência de enfermagem à mulher que provocou aborto discutida por enfermeiras em busca de uma assistência humanizada [dissertação]. Florianópolis (SC): Pós-Graduação em Enfermagem/UFSC; 2000.
  • 4 Fonseca AD. Assistência de Enfermagem a mulheres internadas por complicações associadas ao aborto provocado [dissertação]. Florianópolis (SC): Pós-Graduação em Enfermagem/UFSC; 1996.
  • 5 Silveira RS, Lunardi VL. A enfermagem cuidando de quem vivencia o processo de morrer. Texto Contexto Enferm. 2001 Set-Dez; 10(3):170-85.
  • 6 Silveira RS. Manual de ajuda à família de pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva, elaborado a partir de vivências profissionais com pacientes críticos e seus familiares. Rio Grande(RS): Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr; 2001.
  • Endereço:

    Rosemary Silva da Silveira
    R. Lino Neves, 677
    96202-600 Salgado Filho, Rio Grande, RG.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Aceito
      10 Nov 2005
    • Recebido
      05 Ago 2005
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