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O olhar dos usuários de um hospital de ensino: uma análise da qualidade assistencial às gestantes e aos recém-nascidos

The consumers' point of view about a university hospital: an analysis of the quality of the assistance to the pregnant women and newborns

La óptica de los usuarios de un hospital escuela: un análisis sobre la calidad de asistencia a las gestantes y a los recién nacidos

Resumos

A avaliação dos serviços de saúde, subsidiada pela percepção de usuários, vem sendo considerada um importante instrumento do processo de trabalho gerencial. Este estudo objetivou compreender a percepção de usuários de um hospital de ensino, por ocasião do nascimento e da internação de seus filhos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Trata-se de um paper de cunho etnográfico, cuja coleta de dados empregou a entrevista semi-estruturada. Os resultados foram apresentados na forma de narrativa, das quais emergiram doze categorias e os seguintes temas culturais: classificando as experiências vividas, vislumbrando o processo de nascimento, a capacidade de tornarem-se pais e o cuidar e conviver com o filho. Os resultados foram analisados por meio do Método Biográfico Interpretativo e permitiram conhecer a visão dos usuários nas dimensões avaliativas de estrutura, de processo e de resultado, proporcionando aos gerentes, do cenário deste estudo, a revisão de suas práticas assistenciais e administrativas.

Satisfação dos consumidores; Qualidade; Assistência perinatal; Antropologia cultural


The evaluation of health care services, as perceived by the users, is considered to be an important instrument of the management process. The objective of this study is to understand the user's perception of a university hospital, during their children's birth and hospital admission in the intensive care unit. This is an ethnographical study. The data was collected through a semi-structured interview. The results were presented as a narrative and twelve categories and the following cultural themes emerged: classifying the experiences, glimpsing the birth process, the capacity to become parents, and care and living with a child. Findings permitted an understanding of the user's view as relates to the hospital environment, showing positive and negative aspects of this institution. The results were analyzed through the Biographical Interpretative Method. They also showed the need to restructure managerial activities and care according to the evaluation of the structure, process, and result.

Consumer satisfaction; Quality; Perinatal care; Cultural anthropology


La evaluación de los servicios de la salud, subsidiado según la percepción de los usuarios, ha sido considerada como un instrumento importante en el proceso del trabajo gerencial. El estudio tuvo como objetivo comprender la percepción de los usuarios de un hospital escuela, en el momento del nacimiento y de la internación de los hijos en la Unidad de Cuidador Intensivo Neonatal. Es una investigación etnográfica, para la colecta de los datos se empleó la entrevista semi-estructurada. Los resultados fueron presentados de forma narrativa, su análisis fue através del Método Biográfico Interpretativo. De las narrativas surgieron doce categorías y los siguientes temas culturales: clasificando las experiencias vividas, la visión del proceso de nacimiento, la capacidad de ser padres y el cuidar y convivir con el hijo. Los hallazgos permitieron conocer la visión de los usuarios y orientaron las necesidades de una reorganización de las actividades asistenciales y gerenciales en las dimensiones evaluativas de estructura, de proceso y de resultado.

Satisfacción de los consumidores; Calidad; Atención perinatal; Antropología cultural


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

O olhar dos usuários de um hospital de ensino: uma análise da qualidade assistencial às gestantes e aos recém–nascidos

The consumers' point of view about a university hospital: an analysis of the quality of the assistance to the pregnant women and newborns

La óptica de los usuarios de un hospital escuela: un análisis sobre la calidad de asistencia a las gestantes y a los recién nacidos

Daisy M. R. TronchinI; Marta M. MelleiroI; Maria Alice TsunechiroII; Dulce M. R. GualdaIII

IDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP)

IIDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem Materno–Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP

IIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Materno–Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP

Endereço Endereço: Daisy M. R. Tronchin Universidade de São Paulo – USP Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 05.403–000 Cerqueira César, São Paulo, SP. E–mail: daisyrt@usp.br

RESUMO

A avaliação dos serviços de saúde, subsidiada pela percepção de usuários, vem sendo considerada um importante instrumento do processo de trabalho gerencial. Este estudo objetivou compreender a percepção de usuários de um hospital de ensino, por ocasião do nascimento e da internação de seus filhos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Trata–se de um paper de cunho etnográfico, cuja coleta de dados empregou a entrevista semi–estruturada. Os resultados foram apresentados na forma de narrativa, das quais emergiram doze categorias e os seguintes temas culturais: classificando as experiências vividas, vislumbrando o processo de nascimento, a capacidade de tornarem–se pais e o cuidar e conviver com o filho. Os resultados foram analisados por meio do Método Biográfico Interpretativo e permitiram conhecer a visão dos usuários nas dimensões avaliativas de estrutura, de processo e de resultado, proporcionando aos gerentes, do cenário deste estudo, a revisão de suas práticas assistenciais e administrativas.

Palavras–chave: Satisfação dos consumidores. Qualidade. Assistência perinatal. Antropologia cultural.

ABSTRACT

The evaluation of health care services, as perceived by the users, is considered to be an important instrument of the management process. The objective of this study is to understand the user's perception of a university hospital, during their children's birth and hospital admission in the intensive care unit. This is an ethnographical study. The data was collected through a semi–structured interview. The results were presented as a narrative and twelve categories and the following cultural themes emerged: classifying the experiences, glimpsing the birth process, the capacity to become parents, and care and living with a child. Findings permitted an understanding of the user's view as relates to the hospital environment, showing positive and negative aspects of this institution. The results were analyzed through the Biographical Interpretative Method. They also showed the need to restructure managerial activities and care according to the evaluation of the structure, process, and result.

Keywords: Consumer satisfaction. Quality. Perinatal care. Cultural anthropology.

RESUMEN

La evaluación de los servicios de la salud, subsidiado según la percepción de los usuarios, ha sido considerada como un instrumento importante en el proceso del trabajo gerencial. El estudio tuvo como objetivo comprender la percepción de los usuarios de un hospital escuela, en el momento del nacimiento y de la internación de los hijos en la Unidad de Cuidador Intensivo Neonatal. Es una investigación etnográfica, para la colecta de los datos se empleó la entrevista semi–estructurada. Los resultados fueron presentados de forma narrativa, su análisis fue através del Método Biográfico Interpretativo. De las narrativas surgieron doce categorías y los siguientes temas culturales: clasificando las experiencias vividas, la visión del proceso de nacimiento, la capacidad de ser padres y el cuidar y convivir con el hijo. Los hallazgos permitieron conocer la visión de los usuarios y orientaron las necesidades de una reorganización de las actividades asistenciales y gerenciales en las dimensiones evaluativas de estructura, de proceso y de resultado.

Palabras clave: Satisfacción de los consumidores. Calidad. Atención perinatal. Antropología cultural.

INTRODUÇÃO

A avaliação dos serviços de saúde, subsidiada pela percepção de usuários, vem sendo considerada um importante instrumento do processo de trabalho gerencial, na medida em que possibilita, aos gerentes desses serviços, repensar o atendimento prestado e, desse modo, satisfazer as expectativas desses usuários.

Sob essa ótica, tornou–se imprescindível, nas últimas décadas, que os gerentes dos serviços de saúde passassem a se preocupar com o desenvolvimento de estratégias capazes de proporcionar a compreensão das necessidades de seus usuários e a empregar uma política de gestão da qualidade. Portanto, cabe salientar, que a qualidade nesses serviços está intrinsecamente relacionada à satisfação da clientela assistida.

Assim, conhecer o grau de satisfação dos usuários, suas impressões e opiniões relacionadas ao atendimento em saúde, constitui–se em uma relevante ferramenta de gestão a ser utilizada no planejamento e no aprimoramento da qualidade das ações de saúde.1

O usuário é tido como o centro do processo de qualidade, uma vez que o básico, na área de saúde, é reconhecer que nada fará sentido se não se identificar para quem às atividades serão realizadas.2

A partir da percepção do usuário, pode–se obter um conjunto de conceitos e atitudes relacionados ao atendimento recebido, os quais por proporcionarem a reorganização das ações de saúde, representam uma das formas para se avaliar a qualidade dos serviços.3

"A satisfação do usuário é uma maneira de se avaliar a qualidade do serviço e do atendimento, cujas informações podem servir para analisar a estrutura, o processo ou o resultado. Além disso, satisfazer o usuário deixa implícita a possibilidade de seu retorno ao serviço quando necessitar de atendimento médico e disseminação de seu agrado para a comunidade, garantindo demanda crescente".4:16

O atendimento das necessidades e expectativas dos usuários dizem respeito, ainda, ao processo de determinação da extensão com o qual as metas e os objetivos institucionais estão sendo alcançados e de como esse processo técnico–administrativo pode fornecer subsídios para uma tomada de decisão.

As melhores idéias para aprimorar processos organizacionais são provenientes dos usuários que dependem dos produtos e dos serviços da instituição. A razão é simples: qualidade, no sentido moderno, é definida como a satisfação das necessidades dos usuários. Quem melhor do que o usuário para nos dizer o que é necessário e como estamos nos saindo?5

A avaliação dos serviços de saúde envolve a coleta sistemática de informação sobre as atividades, características e resultados dos programas, recursos humanos e produtos à disposição de pessoas específicas, para reduzir incertezas, aumentar a efetividade e tomar decisões em relação ao o quê esses programas estão realizando e qual o seu impacto em uma determinada realidade.6

Nessa perspectiva, a avaliação é considerada uma função de gestão destinada a auxiliar o processo de tomada de decisão, visando torná–lo o mais racional e efetivo. Para tanto, é necessário que se defina, claramente, o para quê se está fazendo a avaliação, ou seja, que se tenha claro que a avaliação deverá ser feita tendo como beneficiário final o usuário do serviço ou programa e não unicamente quem a solicitou.7

Com o propósito de atender à demanda dos usuários, os serviços de saúde devem ser avaliados, periodicamente, procurando–se responder às seguintes questões: a infra–estrutura existente atende às necessidades dos usuários? Os processos estão ocorrendo de maneira adequada? Os resultados obtidos são bons? Os usuários estão satisfeitos? 1

As respostas a essas indagações revelam que a qualidade da assistência não se constitui num atributo abstrato e, sim que é construída por meio da avaliação da tríade estrutura–processo–resultados, a partir do referencial teórico–sistêmico.8

– Estrutura: implica nas características relativamente estáveis das instituições, tais como: a área física, os recursos humanos, materiais e financeiros e o modelo organizacional.

– Processo: refere–se ao conjunto de atividades desenvolvidas na produção de bens e serviços, e no setor saúde, nas relações estabelecidas entre os profissionais e os usuários, desde a busca pela assistência, incluindo o diagnóstico e o tratamento.

– Resultado: é a obtenção das características desejáveis dos produtos ou serviços, retratando os efeitos da assistência à saúde do usuário, bem como as mudanças relacionadas com o conhecimento e comportamento das pessoas.

No que se refere à saúde da mulher e do recém–nascido (RN), constata–se que os elevados índices de morbimortalidade materna e neonatal, que a peregrinação das gestantes para o atendimento ao parto e que a ausência de programas e ações de saúde pertinentes ao ciclo gravídico–puerperal são freqüentemente citados como fontes desencadeadoras da necessidade de avaliações dos serviços de saúde.

Diante do exposto, este trabalho tem por finalidade conhecer a percepção dos usuários de um serviço de saúde materno–infantil, em um hospital de ensino, acreditando–se que esse olhar possa contribuir para a reorganização das atividades assistenciais e administrativas dessa instituição, uma vez que esse entendimento permitirá a visualização de um cenário mais realista para a tomada de decisão por parte dos gerentes desse serviço.

Por conseguinte, este estudo se propõe a realizar uma articulação entre os componentes avaliativos de estrutura, de processo e de resultado, derivados do modelo donabediano, frente à percepção de usuários.

OBJETIVO

Compreender a percepção de usuários de um hospital de ensino, por ocasião do nascimento e da internação de seus filhos, acerca da qualidade assistencial.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata–se de um paper pautado em duas teses de doutorado, as quais apresentam as seguintes similaridades: o referencial teórico–metodológico — a antropologia cultural e a etnografia; o local e os participantes do estudo — usuários de um hospital de ensino; e a análise dos dados por meio do Método Biográfico Interpretativo.9,10

Os achados desses estudos detêm elementos passíveis de serem analisados no âmbito qualitativo, no que tange à avaliação da qualidade assistencial, pautado em aspectos que envolvem as dimensões avaliativas de estrutura, de processo e de resultado do modelo donabediano.

O cenário e os participantes

O cenário da pesquisa foi o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU–USP), órgão complementar da Universidade de São Paulo, cuja missão é o desenvolvimento do ensino e da pesquisa e a prestação de assistência multidisciplinar integral e de média complexidade à comunidade de sua área de abrangência. Constituíram–se nos cenários focalizados, as unidades de Centro–Obstétrico, de Alojamento Conjunto, de Berçário e da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).

Participaram dos estudos seis gestantes–usuárias do HU–USP e seis casais, pais de recém–nascidos prematuros de muito baixo peso (RNP/MBP), egressos da UTIN.

As gestantes foram convidadas a participar dessa investigação durante uma visita que realizaram ao HU–USP, por volta da 28ª semana de gestação, a qual visa iniciar o processo de acolhimento dessas mulheres e desmistificar aspectos negativos referentes ao ambiente hospitalar. Essas gestantes eram provenientes das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região do Distrito de Saúde do Butantã, do município de São Paulo.

A seleção dos casais ocorreu mediante a relação dos RNP/MBP egressos da UTIN no triênio 1999 a 2001, fornecida pelo Centro de Processamento de Dados do HU–USP, onde se verificou quais sujeitos atendiam ao primeiro critério de inclusão: a criança deveria ter realizado ou estar em seguimento ambulatorial no HU–USP. A seguir foram feitos contatos telefônicos com os pais no intuito de identificar aqueles que se enquadravam no segundo critério: residirem com o filho. Aos que atenderam aos critérios e manifestaram interesse em participar foi agendado um encontro, no ambulatório neonatal do HU–USP para que fossem elucidados os objetivos do estudo.

Assim, em ambas as investigações, no momento do convite para integrar os estudos, os participantes foram esclarecidos acerca dos objetivos, dos procedimentos metodológicos e foram entregues e assinados individualmente os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

Cada participante foi identificado com um nome fictício, o qual encontra–se descrito no final de cada fala. Salienta–se, ainda, que esses nomes foram acordados entre os participantes e as pesquisadoras por ocasião da legitimação das entrevistas.

A coleta dos dados

Para coletar os dados, após os estudos serem aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HU–USP, foi empregada a técnica de entrevista semi–estruturada gravada, sendo as entrevistas realizadas no período de janeiro a julho de 2002 e o diário de campo, como estratégia complementar.

As questões norteadoras para as entrevistas com as gestantes–usuárias foram: como foi para você ter visitado o hospital antes do parto? O que lhe chamou a atenção quando entrou em contato com as pessoas/locais/equipamentos do hospital? Como foi sua experiência no hospital?

Na entrevista com os pais abordou–se as seguintes questões: conte–me como foi para você ter um filho prematuro internado na UTIN; Fale–me sobre a sua vida, desde que o bebê nasceu e como é seu dia–a–dia com ele; Descreva–me alguns fatos marcantes na sua vida com seu filho.

Para transformar as entrevistas em textos escritos utilizou–se, inicialmente, a transcrição. Nessa etapa, o conteúdo gravado foi reproduzido fielmente, transformando–se, dessa forma, a linguagem oral em narrativas.

A partir da transcrição, ocorreu a textualização, etapa na qual as perguntas foram incorporadas ao texto. Finalmente, se deu a transcriação, ordenando–se os parágrafos, retirando–se ou acrescentando–se palavras e frases.11

Concluídos os textos, agendou–se um segundo encontro com os participantes para a conferência e legitimação das narrativas, ocasião em que foram propostos os nomes fictícios dos mesmos no sentido de garantir o anonimato.

O processo de análise e de interpretação dos dados

Os dados gerados com base nas narrativas e nas descrições do diário de campo constituíram–se no conteúdo de análise.

A leitura minuciosa das narrativas teve como finalidade captar a presença dos aspectos significativos contidos nas falas dos participantes para extrair as categorias culturais de análise, investigando–se os significados com o objetivo de revelar as características essenciais e recorrentes ao fenômeno estudado.12

Dessa análise, foram construídas categorias e subcategorias que culminaram nos temas culturais e para compreendê–los foram adotados os conceitos do Método Biográfico Interpretativo. Esse método atribui grande importância às interpretações que as pessoas fazem de sua própria experiência e é considerado uma via de acesso ao vivido subjetivo, tendo por finalidade capturar as vozes, as emoções e as ações dos indivíduos e, nessa perspectiva, examinar como as experiências pessoais são percebidas, organizadas e construídas.12

OS RESULTADOS E SUA INTERFACE COM O MODELO DONABEDIANO

Das narrativas construídas nas duas investigações, extraíram–se as seguintes categorias culturais: o começo da vida: uma trajetória de eventos significativos, o pré–parto: esperando o momento do nascimento, os sentimentos gerados pela sala de parto, o parto antecipado, o berçário: uma extensão do hábitat intra–uterino, a vida no berçário, o alojamento conjunto e a sensação de estar livre de riscos, a singularidade da internação do filho prematuro na UTIN, a repercussão da visita ao HU–USP, resgatando o valor da visita e da assistência recebida, o acolher do filho no domicílio, a religiosidade, os eventos marcantes e as transformações na vida dos pais.

Dessas categorias emergiram os temas culturais, a saber: classificando as experiências vividas, vislumbrando o processo de nascimento, a capacidade de tornarem–se pais e o cuidar e conviver com o filho.

A partir desse contexto, as pesquisadoras buscaram a aproximação do conteúdo analisado com o modelo avaliativo em saúde, considerando as variáveis de estrutura, de processo e de resultado descritas anteriormente.1

A dimensão de estrutura

A dimensão avaliativa de estrutura foi identificada nos depoimentos dos participantes no que tange aos aspectos relativos à área física e infra–estrutura da instituição, à comunicação visual e à presença de recursos humanos para o seguimento ambulatorial.

O acesso ao hospital envolvendo a entrada e a recepção foram apontadas, ora numa tentativa de registrar as mudanças ocorridas na área física e na comunicação visual, ora para expressar os aspectos considerados positivos ou negativos do local. Os sinais indicativos, as placas e as portas foram, reiteradamente, apontados pelas gestantes, e algumas alegaram que entrar em contato com essa nova situação possibilitou transpor obstáculos. Essa condição pôde ser constatada nas falas de Ametista e Cristal: [...] na entrada do hospital vi algumas mudanças, como as placas indicando o nome do hospital e os seus setores. Uma dessas placas me chamou bastante a atenção, foi a placa que fica no corredor de entrada, que é o setor de internação da obstetrícia [...]. Eles chamam de Setor 2. Esse setor teve um significado importante para mim, porque na hora que as dores do parto começarem é ali que serei examinada, então para mim significava uma marca, uma marca entre o hospital e o mundo lá fora (Ametista).

Outra coisa que achei importante nessa visita é que vou saber aonde devo ir quando chegar, não vou ficar perdida e vou ensinar o meu marido onde fica cada setor. Gostei, também, de ter conhecido algumas pessoas, algumas enfermeiras, que espero que estejam no dia em que eu internar, porque assim já não é todo mundo estranho e isso facilita muito [...] (Cristal).

Os símbolos, enquanto elementos da cultura, são realidades físicas ou sensoriais que os indivíduos utilizam, atribuindo–lhes valores e significados específicos. Podem ser constituídos por palavras, sinais sensoriais, valores, crenças ou objetos materiais, os quais virão representar uma determinada situação, passível de interpretação.13

Os significados podem ser armazenados por meio de símbolos, os quais dramatizados em rituais e relatados em mitos, parecem resumir tudo o que se conhece sobre a forma como é o mundo, a qualidade de vida emocional que ele suporta e como deve comportar–se quem está nele. O poder peculiar dos símbolos provém de sua suposta capacidade de identificar o fato com o valor no seu nível mais fundamental, de dar sentido à realidade.14

A sala de pré–parto me impressionou porque não tem janela, eu achei muito apertada e eu me sinto mal em lugar pequeno e abafado [...] (Safira).

Confesso que fiquei um pouco assustada com a sala de pré–parto, achei o local meio sinistro [...]. Fechado, mas era ali que ficaria em trabalho de parto (Jade).

O ambiente nos estabelecimentos de saúde é entendido como o espaço fisicamente determinado e especializado para o desenvolvimento das atividades e é caracterizado por dimensões e instalações diferenciadas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, dispõe sobre o Regulamento Técnico para Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de saúde.15 Nesse sentido, cabe aos gestores cientes desse documento implementar as recomendações, por ocasião do planejamento e da elaboração de projetos arquitetônicos nos estabelecimentos de saúde.

A adequação da área física dos setores do hospital é, também, um dos fatores relevantes quando se pretende a humanização da assistência à mulher no ciclo gravídico–puerperal. O ambiente acolhedor, confortável e silencioso contribui para o relaxamento psicofísico da parturiente, do acompanhante e da equipe de profissionais, podendo indicar a qualidade da assistência.16

A dimensão de processo

Em relação à dimensão de processo observou–se que foram salientados a dinâmica de trabalho desenvolvida pelos profissionais e, também, o grau de envolvimento demonstrado por essa equipe na assistência prestada.

A internação na área obstétrica do HU–USP se dá mediante a apresentação do formulário de encaminhamento da UBS, da Carteira da Gestante ou por meio de um comprovante de residência. Observou–se que as participantes emitiram opiniões acerca do serviço desde o primeiro contato, retratado aqui pela chegada à recepção como pôde ser verificado nas falas a seguir.

Da recepção do hospital, eu já gostei [...]. Embora tenha recebido algumas informações desencontradas nesse setor... Acho que as meninas deviam ser melhor treinadas, acho que elas devem sempre dar a informação correta, para que a gente não perca tempo (Pérola).

[...] Era o lugar que a gente devia fazer a nossa internação, assim que a gente chegasse em trabalho de parto. Fiquei ali vendo o atendimento e o que me chamou a atenção foi que só tinha uma moça atendendo todas aquelas pessoas que estavam ali na fila esperando. Isso eu achei ruim [...] (Cristal).

Um conjunto de ações é desenvolvido no setor de recepção e internação dos estabelecimentos de saúde implicando em normas, registros de informações, enfim uma série de procedimentos compõem o processo de internação hospitalar. Contudo, a capacitação dos recursos humanos, o relacionamento interpessoal e a dimensão comunicativa constituem–se em elementos indispensáveis para a consecução da qualidade.

Para todas as mulheres, mães de RNP/MBP, que participaram da investigação, foi necessária a internação hospitalar no período de gestação em razão de intercorrências que desencadeavam risco iminente para o feto ou para elas. Essa etapa foi marcada pela assistência recebida, a qual está expressa nos relatos de Cecília e Francimeire.

As enfermeiras vinham medir o quanto o coraçãozinho dela estava batendo, vinham ver como eu estava, perguntavam do nenê [...] (Cecília).

Antes do nascimento dela eu fui internada pela pressão alta... Então fui para a USP. Chegando lá internei, tomei remédio, mas não conseguiram controlar minha pressão, tive febre e me deu convulsão (Francimeire).

Ainda, constituindo a dimensão de processo, as gestantes e os pais dos recém–nascidos referiram–se ao berçário como um local de extrema importância, caracterizando–o como um ambiente acolhedor, capaz de recuperar a saúde das crianças e aprender o cuidado, sentindo–se integrantes e parceiros da equipe de saúde.

Fiquei no berçário vendo como as enfermeiras cuidam deles, nesse momento a gente comentou que é como se elas estivessem cuidando dos nossos bebês e foi muito bom ver como elas cuidam bem, porque logo, logo os nossos bebês estarão com elas e isso deixa a gente menos preocupada (Cristal).

O banho dela no começo, em casa era do jeito que aprendi no berçário, com as auxiliares, eu dei dois banhos antes dela vir pra casa. Elas falavam que era pra lavar bem devagar, usar algodão pra lavar a cabeça, o rosto, as orelhas, os pés, então, cada parte tinha que lavar bem devagarzinho, eu fazia como aprendi no hospital (Fátima).

Para os pais, a sensação de tocar o filho e poder cuidar significou que estavam participando efetivamente dos cuidados prestados à criança e, assim, aproximaram–se cada vez mais da maneira como seria o cuidado no domicílio, diminuindo a ansiedade e o medo.

Também fiz Mamãe Canguru um bom tempo, isso foi muito importante [...]. É a coisa mais importante que tem lá no Berçário [...]. Eu e a Hera e a Ana e o Bruno inauguramos a sala da Mamãe Canguru, tiramos foto com todo mundo (Sílvia).

No entanto, algumas dificuldades foram encontradas e relatadas pelos usuários, especialmente nos primeiros dias de internação do recém–nascido no berçário:

o tempo que o Zeus ficou no berçário foi difícil [...]. Eu via todas mães amamentando e eu não podia amamentar, não podia pegar no colo [...]. Ele tinha que ficar na incubadora, somente no décimo dia de vida é que tive o prazer de pegar meu filho no colo [...]. Só que algumas vezes eu chegava lá e elas já tinham dado o banho, mesmo quando as enfermeiras deixavam escrito [...]. Eu não gostava quando isso acontecia (Vera).

No período de internação e no seguimento de puericultura, os usuários defrontaram–se, ainda, com situações de imposição dos profissionais de saúde, como explicitado no depoimento, a seguir:

certa vez o médico que cuidava dela na UTI falou pra mim: você tem que ter leite, o seu bebê precisa do seu leite, é ele que vai salvar a vida dele [...]. Eu entrava em desespero, não conseguia ter leite ou o leite não conseguia ser fabricado [...]. ficava na máquina elétrica, na bombinha de plástico e nada [...]. Era aquele pinguinho de leite, sofri muito, nesse lado também por não ter leite (Maria Heloísa).

A internação na UTIN imprimiu marcas profundas nos pais, independente do período de permanência hospitalar ou do tempo transcorrido da experiência, eles precisaram enfrentar os riscos, superar as barreiras e obter a esperança de vida imposta pelas condições de saúde do filho e pelo aparato tecnológico empregado.

A primeira vez que cheguei pra ver ela na UTI, entrei, lavei as mãos, coloquei o avental e fui até onde ela ficava [...]. Então, uma das enfermeiras veio e perguntou: você, veio para ver seu bebê? Eu vim ver a minha filhinha que nasceu e está internada aqui, falei o nome da minha esposa [...]. Mas, nesse primeiro dia, não deu porque os médicos estavam tentando passar aquele fiozinho dentro da veia dela eu acabei olhando pelo vidro (Antonio).

A confiança dos usuários em relação ao processo e a equipe de saúde tornou–se crescente, tanto pela eficácia dos procedimentos realizados, quanto pela sensação de segurança transmitida por esses profissionais com esclarecimentos, informações, atenção, acolhida e convívio diário.

A dimensão de resultado

Os resultados possuem características que propiciam a reflexão dos efeitos de todos os insumos do cuidado, podendo servir de indicador para a avaliação indireta da qualidade, tanto da estrutura quanto do processo.1

As narrativas dos participantes retratam e avaliam o resultado das ações no contexto intra e extra hospitalar e demonstram que estes tiveram suas expectativas atendidas no plano da assistência prestada.

Hoje eu vejo que ter falado da entrada do hospital, das paredes rachadas foi um detalhe tão pequeno, porque o importante foi ter sido bem atendida [...]. O que me adiantaria se o hospital fosse lindo, bem decorado, só que a enfermeira, que tivesse cuidando de mim e da minha filha, fosse estúpida, o médico me tratasse mal, não me dessem remédio na hora certa [...]. Então não iria adiantar nada [...] (Pérola).

Falando ainda da assistência que nós recebemos, tenho a dizer que o pessoal do HU dá muita atenção pras crianças. Acho mesmo que tem que dar muita atenção, eu nem me importo de esperar pra ser atendida, porque hospital é assim mesmo, tem que esperar a sua vez (Fátima).

Muitas particularidades em relação ao cotidiano dos usuários foram mencionadas visando à assistência à saúde. Ao vivenciarem as situações positivas e negativas, durante a internação e no seguimento ambulatorial, tornaram–se capazes de avaliar o serviço e com isso emitir o grau de satisfação quanto à assistência recebida.

Sob esse mesmo olhar, os depoimentos a seguir demonstram a importância da interface pais e equipe de profissionais da saúde do HU–USP e outros serviços da Universidade de São Paulo, o que marcou significativamente a vida dos indivíduos.

É certo, como eu digo, ela nasceu prematura, mas lá na USP, cuidaram muito bem dela, e hoje ela é uma pessoa saudável. Graças a Deus e a todo mundo! Todos que conheceram ela e sabem o que ela passou, falam que ela é uma pessoa que chama a atenção por ter lutado tanto pra conseguir viver (Antonio).

[...] Se a Hígia tivesse nascido em outro hospital, como muitos que eu conheço por aí, até mesmo em um particular [...]. Ela dificilmente sobreviveria. Por isso eu acredito que foi Deus quem colocou o HU no nosso caminho porque os problemas que ela teve, tenho certeza que em outro hospital, ela não sobreviveria e quanto à assistência depois que ela saiu, foi muito boa tanto é que até hoje ela continua passando lá (Plínio).

As dimensões de processo e de resultado são consideradas as mais complexas para se avaliar, uma vez que no componente de processo estão envolvidas todas as atividades da equipe de saúde e da terapêutica, além de depender diretamente dos aspectos éticos e da capacitação dos recursos humanos. Quanto à avaliação de resultados, a complexidade reside primeiro no fato de se definir indicadores apropriados para mensuração e, segundo, na presença de fatores psicológicos e socioeconômicos que poderão interferir nos resultados.17

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu, por meio da abordagem qualitativa e do modelo donabediano, compreender a trajetória dos participantes do estudo no processo de nascimento e de internação de seus filhos. Constatou–se, também, que o compartilhar dessas experiências favoreceu a construção cultural de como esses usuários vivenciaram todo o processo, transformando–se em referenciais de avaliação para outros cenários.

A etnografia possibilitou, ainda, adentrar ao contexto sociocultural e interagir com os usuários, conhecer sua percepção sobre o intra e o extra hospitalar, seus valores e suas crenças. Foi relevante perceber que diante do sofrimento vivido, especialmente, no período de internação das crianças na UTIN, que esses pais tornaram–se capazes de reorganizar suas vidas, através do crescimento pessoal e da luta constante empregada no cuidado do filho.

Os participantes descreveram e comentaram acerca do modo de atuação dos profissionais, da eficácia dos procedimentos em saúde, das rotinas de operação e funcionamento das diferentes unidades do hospital. O reconhecimento dos recursos tecnológicos, a esperança e a confiança nos profissionais de saúde, bem como na instituição constituíram–se em elementos que impulsionaram os usuários na superação e no enfrentamento dos obstáculos. Assim, toda forma de participação dos usuários no processo de avaliação dos serviços de saúde é fundamental, destacando–se a comunicação com a equipe de saúde, as orientações e o acolhimento.

Assim, torna–se fundamental que os profissionais envolvidos na assistência materno–infantil reflitam acerca do conceito pleno de saúde, o qual envolve um olhar abrangente para o contexto cultural, histórico e antropológico, onde estão inseridos os usuários que se querem ver protagonistas do processo saúde–doença.18

Por conseguinte, é imprescindível que a comunicação e o relacionamento humano sejam valorizados e empregados como um instrumento básico na assistência, pois acreditamos que essa seja uma das maneiras capazes de despertar a sensibilidade, compreender o outro e integrar o trabalho de equipe e, sobretudo, constituírem–se em elementos indicativos para a avaliação em saúde nas dimensões de processo e resultado.

Considera–se oportuno refletir que uma das melhores estratégias a ser empregada na avaliação da qualidade dos serviços de saúde requer a seleção de um conjunto de indicadores, representativos das dimensões de estrutura, processo e resultado, que possibilite instituir programas e ações que garantam a qualidade da assistência aos usuários.

Recebido em: 02 de fevereiro de 2006.

Aprovação final: 12 de junho de 2006.

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  • 2 Malik AM. Qualidade em serviços de saúde nos setores público e privado. Cad. FUNDAP. 1996 JanAbr; 19 (1): 724.
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  • Endereço:

    Daisy M. R. Tronchin
    Universidade de São Paulo – USP
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Recebido
      02 Fev 2006
    • Aceito
      12 Jul 2006
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