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A noção de cuidado de si mesmo e o conceito de autocuidado na enfermagem

La noción del cuidado de sí mismo y el concepto de autocuidado en la enfermería

The notion of care of the self and the concept of self-care in nursing

Resumos

Apesar das enfermeiras chamarem a si mesmas de profissionais do cuidado e acreditarem que a essência da enfermagem é o cuidado, nós sabemos que ainda não está suficientemente claro o que é cuidado, suas características e seus objetivos. Nesse sentido, muitas concepções de cuidado coexistem e têm influenciado as práticas de enfermagem. Essas concepções variam conforme perspectivas teóricofilosóficas e ambientes da prática. Uma dessas concepções que mais tem influenciado a prática de enfermagem brasileira é da teoria de autocuidado de Dorothea Orem. No entanto, mais recentemente, uma outra perspectiva vem emergindo no contexto da enfermagem brasileira; a noção de cuidado de si de Michel Foucault. O principal propósito desse trabalho é analisar criticamente e problematizar a noção de cuidado de si mesmo e o conceito de autocuidado para, num segundo momento, tentar fazer dialogar uma e outra concepção, colocando alguns elementos que consideramos significativos, a fim de estabelecer, se possível, algum tipo de complementaridade.

Autocuidado; Enfermagem; Cuidados de enfermagem


Aunque las enfermeras se denominen a sí mismas como las profesionales del cuidado y consideren este último como la esencia de la enfermería, sabemos que todavía no está suficientemente claro cuál es el significado del concepto de cuidado, cuáles son sus características y sus objetivos. Varias concepciones de cuidado coexisten y vienen influenciando cotidianamente las prácticas de enfermería, las cuales son distintas de acuerdo con la perspectiva teórico filosófica y con el contexto de la práctica. En relación a este punto, una de las teorías de enfermería más influyentes en Brasil es la teoría de autocuidado de Dorotea Orem. Recientemente, otra perspectiva fue surgiendo en el contexto de la enfermería brasileña a partir del concepto cuidado de sí mismo de Michel Foucault. El objetivo de este trabajo es examinar críticamente la noción foucaultiana del cuidado de sí mismo y el concepto de autocuidado de Orem en el contexto de las prácticas de cuidado en enfermería. El principal propósito de este trabajo es analizar críticamente y problematizar la noción de Cuidado de sí mismo y el concepto de Autocuidado para que en un momento se haga dialogar una y otra concepción, colocando algunos de los elementos que consideramos significativos con la finalidad de establecer, si posible, algún tipo de complementariedad.

Autocuidado; Enfermería; Atención de enfermería


Although nurses call themselves care professionals and believe that the essence of nursing is care, we have noticed that it is not yet sufficiently clear what care means; what its characteristics are; its objectives and so on. Thus, many conceptions of care co-exist and have influenced current nursing practices, which vary according to their respective theoretic-philosophical perspectives and practice environments. Based on this, we can say that one of the most influential nursing theories within Brazilian nursing is Dorothea Orem's theory of self-care. However, more recently, another perspective has emerged within the context of Brazilian nursing; Michel Foucault's Care of the self. The main purpose of this paper is to critically examine the Foucault notion of Care of the self and Orem's concept of Self-care in order to establish, if possible, a dialogue between one and the other notion within the context of care practice in Nursing.

Self-care; Nursing; Nursing care


REFLEXÃO

A noção de cuidado de si mesmo e o conceito de autocuidado na enfermagem

The notion of care of the self and the concept of self-care in nursing

La noción del cuidado de sí mismo y el concepto de autocuidado en la enfermería

Maria Bettina Camargo BubI; Carlos MedranoII; Cláudia Duarte da SilvaIII; Solange WinkIV; Per-Erik LissV; Evanguelia Kotzias Atherino dos SantosVI

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do Núcleo de Estudos em Filosofia e Saúde (NEFIS) no PEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

IIDoutorando do PEN/UFSC. Membro do NEFIS. Santa Catarina, Brasil

IIIProfessora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Doutoranda do PEN/UFSC. Membro do NEFIS. Santa Catarina, Brasil

IVProfessora do Curso de Graduação em Enfermagem da FURB. Membro do NEFIS. Santa Catarina, Brasil

VDoutor em Filosofia. Professor do Departamento de Saúde e Sociedade da Universidade de Linköping. Membro do NEFIS. LiU, Suécia

VIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Membro do NEFIS. Santa Catarina, Brasil

Endereço Endereço: Maria Bettina Camargo Bub Caminho dos Açores, 1770 88.050-300 - Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis, SC, Brasil E-mail: vito@unetsul.com.br

RESUMO

Apesar das enfermeiras chamarem a si mesmas de profissionais do cuidado e acreditarem que a essência da enfermagem é o cuidado, nós sabemos que ainda não está suficientemente claro o que é cuidado, suas características e seus objetivos. Nesse sentido, muitas concepções de cuidado coexistem e têm influenciado as práticas de enfermagem. Essas concepções variam conforme perspectivas teóricofilosóficas e ambientes da prática. Uma dessas concepções que mais tem influenciado a prática de enfermagem brasileira é da teoria de autocuidado de Dorothea Orem. No entanto, mais recentemente, uma outra perspectiva vem emergindo no contexto da enfermagem brasileira; a noção de cuidado de si de Michel Foucault. O principal propósito desse trabalho é analisar criticamente e problematizar a noção de cuidado de si mesmo e o conceito de autocuidado para, num segundo momento, tentar fazer dialogar uma e outra concepção, colocando alguns elementos que consideramos significativos, a fim de estabelecer, se possível, algum tipo de complementaridade.

Palavras-chave: Autocuidado. Enfermagem. Cuidados de enfermagem.

ABSTRACT

Although nurses call themselves care professionals and believe that the essence of nursing is care, we have noticed that it is not yet sufficiently clear what care means; what its characteristics are; its objectives and so on. Thus, many conceptions of care co-exist and have influenced current nursing practices, which vary according to their respective theoretic-philosophical perspectives and practice environments. Based on this, we can say that one of the most influential nursing theories within Brazilian nursing is Dorothea Orem's theory of self-care. However, more recently, another perspective has emerged within the context of Brazilian nursing; Michel Foucault's Care of the self. The main purpose of this paper is to critically examine the Foucault notion of Care of the self and Orem's concept of Self-care in order to establish, if possible, a dialogue between one and the other notion within the context of care practice in Nursing.

Keywords: Self-care. Nursing. Nursing care.

RESUMEN

Aunque las enfermeras se denominen a sí mismas como las profesionales del cuidado y consideren este último como la esencia de la enfermería, sabemos que todavía no está suficientemente claro cuál es el significado del concepto de cuidado, cuáles son sus características y sus objetivos. Varias concepciones de cuidado coexisten y vienen influenciando cotidianamente las prácticas de enfermería, las cuales son distintas de acuerdo con la perspectiva teórico filosófica y con el contexto de la práctica. En relación a este punto, una de las teorías de enfermería más influyentes en Brasil es la teoría de autocuidado de Dorotea Orem. Recientemente, otra perspectiva fue surgiendo en el contexto de la enfermería brasileña a partir del concepto cuidado de sí mismo de Michel Foucault. El objetivo de este trabajo es examinar críticamente la noción foucaultiana del cuidado de sí mismo y el concepto de autocuidado de Orem en el contexto de las prácticas de cuidado en enfermería. El principal propósito de este trabajo es analizar críticamente y problematizar la noción de Cuidado de sí mismo y el concepto de Autocuidado para que en un momento se haga dialogar una y otra concepción, colocando algunos de los elementos que consideramos significativos con la finalidad de establecer, si posible, algún tipo de complementariedad.

Palabras clave: Autocuidado. Enfermería. Atención de enfermería.

INTRODUÇÃO

Embora os enfermeiros e enfermeiras se autodenominem profissionais do cuidado e o considerem a essência da enfermagem, temos percebido que ainda não há clareza suficiente acerca do que é cuidado, quais são suas características e suas finalidades. Desse modo, várias concepções de cuidado têm coexistido e influenciado a prática de enfermagem na atualidade, variando conforme a perspectiva teórico-filosófica e o cenário da prática. Esta coexistência, este convívio, determina práticas, técnicas e formas de intervenção.

Neste sentido, uma das teorias de enfermagem mais influentes na enfermagem brasileira é a teoria do autocuidado.1-4 Porém, mais recentemente, uma outra perspectiva tem surgido no discurso da enfermagem brasileira, a do cuidado de si mesmo.5-7

Nem sempre o sentido e o significado de cada uma delas tem sido suficientemente esclarecido. Mesmo assim, elas continuam sendo utilizadas para levar pesquisas adiante, construir modelos de atendimento, de organização e de gerenciamento.

Por ser o cuidado um conceito central para o desenvolvimento dos variados campos de pesquisa e intervenção na enfermagem consideramos de vital importância fazer da reflexão e da problematização sobre este conceito um exercício constante.

No caso do conceito de autocuidado, ele se apresenta como sendo fonte de inspiração para a elaboração de trabalhos de pesquisa e de relatos de experiência baseados no pensamento da sua autora. Este pensamento está presente e serve como eixo norteador para uma vasta produção cientifica e orientação para a organização e práticas da enfermagem em muitos e diferenciados tipos de intervenções.8-11

A outra concepção que pretendemos analisar, e que aparece conquistando um espaço acadêmico e institucional cada vez maior para a compreensão das práticas e do trabalho da enfermagem, é o conceito de cuidado de si. Este conceito, embora apareça muito menos nos trabalhos acadêmicos, vem sendo utilizado para compreender o sujeito e as relações que estabelece com os outros a partir do eixo poder-saber-verdade.12

A partir dessas considerações, surge em nós a questão de saber de que modo o conceito de autocuidado e a noção de cuidado de si influenciam a prática de enfermagem. Para responder a tal questionamento propomos em primeiro lugar problematizar a noção de cuidado de si mesmo e o conceito de autocuidado, tendo como perspectiva a prática do cuidado em enfermagem para, num segundo momento, tentar fazer dialogar uma e outra concepção, colocando alguns elementos que consideramos significativos para poder estabelecer, se possível, algum tipo de complementaridade.

O CUIDADO DE SI MESMO

O tema do Cuidado de si mesmo foi abordado de forma específica durante o curso ministrado no Collège de France nos anos de 1981 e 1982, e publicado no Brasil sob o nome de "A hermenêutica do sujeito".5

Para poder fazer uma aproximação a este tema é importante não esquecer que o pensamento de seu autor, no momento da sua produção, está atravessado por dois conceitos que organizam sua obra, o de biopoder e o de biopolítica.

Por biopoder deve entender-se a estatização da vida biológica. É dizer a apropriação por parte do Estado das formas possíveis de viver e de morrer. Produz-se um esvaziamento da subjetividade e do direito sobre o próprio corpo, que é tomado como formando parte de uma noção que nasce a partir do século XVII, que é a de população. Viver entra no campo do controle do saber e das intervenções do poder.6

A biopolítica tem como objeto o corpo múltiplo, a população. Estuda os fenômenos de massa em longo prazo, tentando prevenir e estimar estatísticas, perseguindo o equilíbrio da população e sua regulamentação. É a relação de poder entre o Estado e o sujeito – enquanto pertencente a uma categoria maior: população. É a maneira de racionalizar os problemas com os quais o governo tem de se confrontar em relação a uma população: natalidade, mortalidade, morbidade, saúde, higiene.7

Os trabalhos que um sujeito realiza vincula-dos ao cuidado de si aparecem como uma fórmula com a qual resistir aos embates e processos de (des)subjetivação por parte do Estado através das biopolíticas.

A expressão "cuidado de si mesmo" é usada por seu autor para referenciar e traduzir uma noção complexa e rica que os gregos utilizavam para designar uma série de atitudes ligadas ao cuidado de si mesmo, ao fato de ocupar-se e de preocuparse consigo que é a de epiméleia heautoû.5 Uma das primeiras tarefas que ele encara é a de separar esta noção de epiméleia heautoû, de uma outra noção cara ao pensamento ocidental que é a de gnôthi seautón – conhece-te a ti mesmo. A epiméleia heautoû é, antes de tudo, uma atitude ligada ao exercício da política. Isto é, um certo modo de encarar as coisas, de estar no mundo, de praticar ações, de ter relações com o outro; uma certa forma de olhar para si mesmo; de ações que são exercidas de si para consigo pelas quais nos assumimos, nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos transfiguramos.5

Isto significa, por um lado, poder construir uma cultura de si que consiga testar a capacidade de um indivíduo se manter independente em relação ao mundo exterior e, por outro, um indivíduo poder ter um objetivo espiritual, ou seja, poder produzir uma certa transfiguração de si mesmo enquanto sujeito de conhecimentos verdadeiros.5

O termo epimeléia não designa simplesmente uma preocupação, mas todo um conjunto de ocupações; trata-se de epimeléia quando se fala para designar as atividades do dono-de-casa, a tarefa do príncipe que vela por seus súditos, os cuidados que se deve ter para com um doente ou para com um ferido, ou ainda, as obrigações que se pres-tam aos deuses ou aos mortos. Igualmente, em relação a si mesmo, a epimeléia implica um labor. Um dos pontos mais importantes da atividade de cuidado de si é que ela não constitui um exercício de solidão, mas uma verdadeira prática social que freqüentemente tomou forma em estruturas mais ou menos institucionalizadas.7

Epimeléia heautou, resumidamente, é:

- cuidar da própria alma, aprender a viver, é poder ter a possibilidade e o dever de ocupar-se de si;

- uma verdadeira prática social, o cuidado de si aparece intrinsecamente ligado a um serviço de alma que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas;7

- uma correlação estreita com o pensamento e a prática médica. A melhoria, ou aperfeiçoamento da alma que se busca na filosofia, a paidéia que esta deve assegurar, é tingida cada vez mais com as cores médicas. Formar-se e cuidar-se são atividades solidárias. Essa aproximação entre medicina e moral faz que o indivíduo se reconheça como doente, como indivíduo que sofre certos males e que deve fazê-los cuidar, seja por si mesmo, ou por alguém que para isto tem competência;7

- uma prática, ao mesmo tempo pessoal e social onde o conhecimento de si ocupa evidentemente um lugar considerável. Na verdade toda uma arte do conhecimento de si foi desenvolvida com receitas precisas, com formas especificas de exame e exercícios codificados como: a) procedimentos de provação e renúncia (por exemplo, abstinência); b) exame de consciência;

- as práticas do cuidado de si têm como objetivo comum o da conversão a si a partir do princípio do bem, que deve ser procurado no próprio sujeito. Poderíamos resumir este ponto na fórmula de poder pertencer a si, ser "seu".7

Tudo isto se inscreve dentro do projeto genealógico; quer dizer, conduzir uma análise de documentos a partir de uma questão presente. Qual é esta questão? A do sujeito moderno, a da sua relação com o saber e com a verdade. "Cuidado de si mesmo" supõe uma relação particular com a verdade e com o saber, mas também com a ação.

Durante um bom tempo da produção intelectual do autor, o sujeito pôde ser pensado como um produto passivo, efeito das diferentes técnicas de dominação, mas, a partir de 1980 começa ser pensado como alguém com autonomia relativa.5 O sujeito emerge segundo essa idéia, no entrecruzamento dos determinantes históricos e técnicas de dominação e uma técnica de si.

Essa oposição entre as duas técnicas deixa lugar a uma primeira conclusão: o cuidado de si mesmo se opõe a qualquer tipo de sujeição, sendo esse cuidado "[...] uma análise daquilo que aceitamos, rejeitamos, daquilo que queremos mudar em nós mesmos e em nossa atualidade".5:638 Trata-se de um sujeito de ação reta ligada a uma verdade que não é necessariamente conhecimento verdadeiro.

O sujeito de "cuidado de si mesmo" deve tornar-se sujeito de verdade. É a partir dessa noção de sujeito, como alguém que exerce uma técnica de cuidado de si, que se opõe a qualquer tipo de sujeição, que a noção de cuidado de si tem sido tratada na enfermagem.

O AUTOCUIDADO

De acordo com a Teoria de Enfermagem do Déficit de Autocuidado os seres humanos distinguem-se dos outros seres vivos por sua capacidade de refletir sobre si mesmos e seu ambiente, simbolizar o que vivenciam e utilizar criações simbólicas no pensamento, na comunicação para fazer coisas que são benéficas para si mesmos e para os outros.1

Essa teoria é constituída por três construtos teóricos – autocuidado, déficit de autocuidado e sistema de enfermagem. O autocuidado descreve e explica a prática de cuidados executados pela pessoa portadora de uma necessidade para manter a saúde e o bem-estar. O déficit de autocuidado constitui a essência da Teoria Geral do Déficit de Auto-Cuidado por delinear a necessidade da assistência de enfermagem. E, por último, o sistema de enfermagem descreve e explica como as pessoas são ajudadas por meio da enfermagem.

A partir dessa perspectiva, a saúde é um estado de totalidade ou integridade que inclui o corpo, as reações emocionais, o desenvolvimento mental, as atitudes e as razões; é um estado de integridade e inteireza que os indivíduos avaliam constantemente. É a forma pela qual uma pessoa manifesta sua existência, seu processo de vir a ser. Vir a ser pessoa é uma tarefa processual, enquanto coexistência com outros. Envolve comunicação com mundo, ações, o exercício do desejo humano de saber, de busca da verdade e de fazer o bem a si mesmo e aos outros. Autocuidado é um dos aspectos do viver saudável. É a realização de ações dirigidas a si mesmo ou ao ambiente, a fim de regular o próprio funcionamento de acordo com seus interesses na vida; funcionamento integrado e bem-estar.2

A ações de autocuidado constituem a prática de atividades que os indivíduos desempenham de forma deliberada em seu próprio benefício com o propósito de manter a vida, a saúde e o bem-estar. Essas ações são voluntárias e intencionais, envolvem a tomada de decisões, e têm o propósito de contribuir de forma específica para a integridade estrutural, o funcionamento e o desenvolvimento humano. Constituem a capacidade humana ou o poder de engajar-se no autocuidado. Essas ações afetadas por fatores básicos, tais como idade, sexo, estado de desenvolvimento e de saúde, orientação sócio-cultural, fatores do sistema de atendimento à saúde – modalidades de diagnóstico e de tratamento, fatores familiares, padrões da vida, como por exemplo, engajamento regular em atividades, fatores ambientais, adequação e disponibilidade de recursos.

Habitualmente, os adultos cuidam-se voluntariamente. Os bebês, as crianças, os idosos, os enfermos e os deficientes necessitam de cuidado ou assistência completa nas atividades de autocuidado.2 As ações de autocuidado têm certos propósitos a serem alcançados, denominados de requisitos de autocuidado, os quais foram classificados em universais, de desenvolvimento e de desvio de saúde. Os requisitos universais são comuns a todos os seres humanos, como por exemplo, a manutenção de um suprimento suficiente de ar, água e alimentos; provisão de cuidados associados com os processos de eliminação; manutenção do equilíbrio entre atividade e repouso, entre outros. Os requisitos de desenvolvimento são tanto expressões especializadas de requisitos universais de autocuidado particularizadas por processos de desenvolvimento quanto novos requisitos, derivados de uma condição – gestação, ou associados a algum evento na vida da pessoa, como por exemplo, a perda de um parente. Finalmente, os requisitos no desvio de saúde são exigidos em condições de doença, lesão ou como conseqüência de medidas médicas para diagnosticar ou corrigir uma condição.1

Enfermagem é um serviço de cuidado especializado e um método de ajuda no qual cuidar é compreendido como uma seqüência de ações que, se implementadas, vão superar ou compensar limitações na saúde de pessoas engajadas em ações reguladoras funcionais e de desenvolvimento.

De acordo com a Teoria do Autocuidado há cinco métodos de ajuda através dos quais uma pessoa pode compensar ou superar a dependência de ações alheias – sua dependência para o autocuidado. Métodos estes que as enfermeiras empregam com pessoas dependentes de cuidados: (1) agir ou fazer pelo outro; (2) guiar ou direcionar; (3) prover suporte físico ou psicológico; (4) proporcionar e manter um ambiente que dê suporte ao desenvolvimento pessoal; (5) ensinar.1

DISCUSSÃO

A primeira coisa que não devemos deixar escapar nessa análise é o fato de que a noção de cuidado de si implica na reconstrução dessas práticas desde os primórdios da cultura ocidental. Nela é estabelecido o vínculo e explicitado o caráter político dessas práticas. Práticas que foram determinando as diferentes possibilidades de subjetivação no decorrer da história. O cuidado de si nasce como um conjunto de práticas políticas e tem como propósito também produzir acontecimentos políticos.

No caso da teoria do autocuidado, o conceito foi especialmente desenvolvido para estabelecer um sistema que pudesse organizar as práticas de enfermagem na sua especificidade. As conseqüências filosóficas e também políticas presentes no conceito de autocuidado, mesmo não tão explícitas ou evidentes, respondem a uma outra lógica, diferente a foucaultiana. Esta marca na origem, de uma e outra, também responde a forma de construção dessas noções e do modo como elas estão atreladas a duas expressões que respondem a duas concepções de sujeito, e do modo pelo qual se relacionam com a saúde e a doença, e com a liberdade.

Um dos problemas com os quais podemos nos deparar é a utilização de termos que têm similitude, mas que têm significados muito diferentes. Tomando como, exemplo só algum deles, como o de ajuda ou beneficio, que aparecem tanto no conceito de autocuidado quanto na noção de cuidado de si, poderíamos pensar as conseqüências e possibilidades de cada uma das noções a partir de um exemplo ficcional.

Propomos uma curta narrativa, uma ficção, tão verdadeira como a própria realidade e que faz parte do cotidiano nos serviços de saúde. Imaginemos um menino de uns sete anos, diagnosticado como hiperativo, e medicado com ritalina para que os sintomas que ele apresenta permitam a normalização de seu comportamento. Essa nossa criança, segundo o conceito de autocuidado, pela idade e características sintomáticas estaria necessitada de cuidados por parte de um outro capaz de assistí-lo, como por exemplo, na tomada do medicamento na dose e momento certo. Um problema surge quando esta criança que, além de participar do cotidiano escolar e que também pratica esportes por própria vontade e escolha, cada vez que deve competir em algum tipo de campeonato ou evento de importância, pede para a sua mãe não medicá-lo na proximidade do evento porque ele "se apaga". "Apagado", não consegue render e produzir tanto quanto ele deseja.

Como devemos avaliar e conduzir nossa prática e orientação frente a um pedido deste tipo?

Conforme analisemos ou tomemos posição, de acordo com a noção de cuidado de si, poderíamos dizer que nossa criança se conduz conforme essas práticas. No entanto, se pelo contrário, pensamos essa situação desde as concepções da teoria do autocuidado deveríamos confirmar a dificuldade ou ausência de possibilidades dessas ações por parte de uma criança. Quais são ou seriam os benefícios e a ajuda, no caso de permitir-lhe o exercício de práticas de cuidado de si ou de exercer o autocuidado a partir de ações de enfermagem? A resposta ou as respostas é da ordem da ética e cada uma dessas formas de pensar o problema do cuidado requer um posicionamento por parte do profissional da área da saúde.

A biopolítica e o biopoder estão presentes de forma muito crua e lacerante neste exemplo que propomos. Há uma necessária desconstrução a ser realizada para que o cuidado não se transforme em objeto ou instrumento de políticas que fazem das práticas em saúde um seqüestro da subjetividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa idéia está longe de esgotar a compreensão de cuidado de si e do autocuidado. Muito pelo contrário, nossa intenção foi realizar uma primeira aproximação com o cuidado de si mesmo e o autocuidado com o propósito de compreender como estas duas noções se vinculam e influenciam a enfermagem.

Nesse sentido, o cuidado de si mesmo é uma atitude ligada ao exercício da política, a certo modo de encarar as coisas, de estar no mundo, de relacionar-se com o outro e consigo mesmo; de agir de si para consigo, de modificar-se, purificarse, se transformar, e transfigurar-se. Esta forma de cuidar-se remete o sujeito à reflexão sobre seu modo de ser e agir, conferindo ao cuidado de si, além de uma dimensão política, uma noção da ética como estética da existência.

Por outro lado, o autocuidado é vinculado à saúde humana, embora esteja referido ao exercício do desejo humano de saber, de busca da verdade e de fazer o bem a si mesmo e aos outros. Esse fato também confere ao autocuidado uma dimensão ética, mesmo que vinculado fortemente a um dos aspectos do viver saudável.

O autocuidado é a realização de ações dirigidas a si mesmo ou ao ambiente a fim de regular o próprio funcionamento de acordo com seus interesses na vida, funcionamento integrado e bem-estar.2 As ações de autocuidado constituem a prática de atividades que os indivíduos desempenham de forma deliberada em seu próprio benefício com o propósito de manter a vida, a saúde e o bem-estar.

Recebido em: 10/01/2007

Autor convidado

  • 1 Orem DE. Nursing: concepts of practice. St Louis (USA): Mosby Year Book Inc.; 1985.
  • 2 Orem DE. Nursing: concepts of practice. 4th ed. St Louis (USA): Mosby Year Book Inc.; 1991.
  • 3 Orem DE. Nursing: concepts of practice. 6th ed. St Louis (USA): Mosby Inc.; 2001.
  • 4 George J. Teorias de enfermagem: dos fundamentos à prática profissional. 4a. ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2000.
  • 5 Foucault M. Hermenêutica do sujeito. São Paulo (SP): Martins Fontes; 2004.
  • 6 Foucault M. História da sexualidade 2: o cuidado de si. Rio de Janeiro (RJ): Graal; 1988.
  • 7 Foucault M. Em defesa da sociedade. São Paulo (SP): Martins Fontes; 2002.
  • 8 Gonçalves LHT, Schier J. "Grupo Aqui e Agora": uma tecnologia leve de ação socioeducativa de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 Abr-Jun; 14 (2): 271-9.
  • 9 Cade NV. A teoria do déficit de autocuidado de Orem aplicada em hipertensas. Rev. Latino-American. Enferm. 2001 Maio; 9 (3): 43-50.
  • 10 Goldmeier S, Castro I. A teoria do autocuidado no manejo dos fatores de risco (obesidade, hipertensão e tabagismo) em pacientes pós-infarto agudo do miocárdio. AMRIGS. 2005 Jul-Set; 49 (3): 137-206.
  • 11 Bastos DS, Borenstein MS. Identificando os déficits de autocuidado de clientes hipertensos de um centro municipal de saúde. Texto Contexto Enferm. 2004 Jan-Mar; 13 (1): 92-9.
  • 12 Soares NV, Lunardi VL. Communication, the information as a possibility for reducing the asymmetry between the health professional and the client. In: Proceedings of the 8th Brazilian Nursing Communication Symposium [Proceedings online]; 2002 May 02-03; São Paulo, Brasil. São Paulo (SP): USP/EERP; 2002 [cited 2007 May 31]. Available from: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000052002000100027&lng=en&nrm=van
  • 13 Lunardi V. A governabilidade na enfermagem: do poder pastoral ao cuidado de si [tese]. Florianópolis (SC): UFSC/PEN; 1997.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2007
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