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Vivência dos trabalhadores de enfermagem frente ao uso dos antiretrovirais após exposição ocupacional a material biológico

Living experience of nursing workers faced with the use of antiretrovirals after occupational exposure to biological material

La vivencia de los trabajadores de la enfermería ante el uso de los antiretrovirais despues de la exposición ocupacional al material biológico

Resumos

Trata-se de uma pesquisa embasada no Modelo de Crenças em Saúde, com abordagem de análise de dados quanti-qualitativa, efetuada por meio de cálculos porcentuais (dados quantitativos) e análise de conteúdo (dados qualitativos). Teve com objetivo analisar as crenças significativas para a adesão ou não dos trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente do trabalho com exposição à material biológico, ao tratamento com anti-retrovirais. Evidenciou-se a necessidade em proporcionar atendimento ao trabalhador acidentado considerando os aspectos físicos e pessoais, bem como emocionais, além da implementação de ações que minimizem a ocorrência de tais injúrias.

Saúde do trabalhador; Anti- retrovirais; Enfermagem; Trabalho


This study is based on the Health Belief Model, using a quanti-qualitative approach by means of percentage calculations as quantitative data, while presenting qualitative data through content analysis. This study aims to analyze significant beliefs among nursing workers who were victims of occupational accidents while exposed to biological material, either adhering to chemoprophylactic treatment or not with antiretroviral medication. This study evidenced and reveals the need to consider physical, personal, and emotional aspects of worker injuries when providing them care and to implement actions that minimize the occurrence of such injures.

Occupational health; Anti-retroviral agents; Nursing; Work


Esta investigación se basa en el Modelo de Creencias en Salud, utilizando el análisis cuanti-cualitativo de los datos mediante cálculos porcentuales (datos cuantitativos) y análisis de contenido (datos cualitativos). La finalidad del estudio fue analizar las creencias significativas para la adhesión o no, de los trabajadores de enfermería que sufrieron accidentes de trabajo con exposición a material biológico, al tratamiento quimioprofilactico con antirretrovirales. El estudio realizado evidenció la necesidad de proveer atención al trabajador accidentado y la implementación de acciones que disminuyan el suceso de tales injurias.

Salud laboral; Agentes antirretrovirales; Enfermería; Trabajo


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Vivência dos trabalhadores de enfermagem frente ao uso dos antiretrovirais após exposição ocupacional a material biológico1 1 Extraído da Dissertação "Adesão dos trabalhadores de enfermagem ao tratamento com os anti-retrovirais pós-exposição ocupacional a material biológico", defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da Universidade de São Paulo (USP), em 2004.

Living experience of nursing workers faced with the use of antiretrovirals after occupational exposure to biological material

La vivencia de los trabajadores de la enfermería ante el uso de los antiretrovirais despues de la exposición ocupacional al material biológico

Giselle Clemente SailerI; Maria Helena P. MarzialeII

IEnfermeira da Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Mestre em Enfermagem pela EERP/USP em 2004

IIDoutora. Professora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP/USP

Endereço Endereço: Giselle Clemente Sailer R. João Domingues de Souza, 182 16.800-000 - Mirandópolis, SP E-mail: gikasailer@hotmail.com

RESUMO

Trata-se de uma pesquisa embasada no Modelo de Crenças em Saúde, com abordagem de análise de dados quanti-qualitativa, efetuada por meio de cálculos porcentuais (dados quantitativos) e análise de conteúdo (dados qualitativos). Teve com objetivo analisar as crenças significativas para a adesão ou não dos trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente do trabalho com exposição à material biológico, ao tratamento com anti-retrovirais. Evidenciou-se a necessidade em proporcionar atendimento ao trabalhador acidentado considerando os aspectos físicos e pessoais, bem como emocionais, além da implementação de ações que minimizem a ocorrência de tais injúrias.

Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Anti- retrovirais. Enfermagem. Trabalho.

ABSTRACT

This study is based on the Health Belief Model, using a quanti-qualitative approach by means of percentage calculations as quantitative data, while presenting qualitative data through content analysis. This study aims to analyze significant beliefs among nursing workers who were victims of occupational accidents while exposed to biological material, either adhering to chemoprophylactic treatment or not with antiretroviral medication. This study evidenced and reveals the need to consider physical, personal, and emotional aspects of worker injuries when providing them care and to implement actions that minimize the occurrence of such injures.

Keywords: Occupational health. Anti-retroviral agents. Nursing. Work.

RESUMEN

Esta investigación se basa en el Modelo de Creencias en Salud, utilizando el análisis cuanti-cualitativo de los datos mediante cálculos porcentuales (datos cuantitativos) y análisis de contenido (datos cualitativos). La finalidad del estudio fue analizar las creencias significativas para la adhesión o no, de los trabajadores de enfermería que sufrieron accidentes de trabajo con exposición a material biológico, al tratamiento quimioprofilactico con antirretrovirales. El estudio realizado evidenció la necesidad de proveer atención al trabajador accidentado y la implementación de acciones que disminuyan el suceso de tales injurias.

Palabras clave: Salud laboral. Agentes antirretrovirales. Enfermería. Trabajo.

INTRODUÇÃO

Os acidentes do trabalho com exposição à material biológico entre os trabalhadores da área de saúde têm sido considerados fator preocupante, não só pelos prejuízos que acarretam às instituições como aos próprios trabalhadores.

A exposição ocupacional é caracterizada pelo contato direto com fluídos potencialmente contaminados e pode acontecer de três modos distintos: por inoculação percutânea, também chamada de parenteral; pelo contato direto com membranas mucosas e contato direto com pele não-íntegra, isto é, cortada, arranhada ou afetada por dermatites ou solução de continuidade.1

A inoculação parenteral é responsável pela maioria das exposições ocupacionais, sendo mais conhecidas a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e as Hepatites dos tipos B e C.

O risco de infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), após exposição ocupacional de profissionais da saúde à material biológico é de cerca de 0,3 %, previsão que associada à ausência de informações com relação a este risco e às características epidemiológicas do vírus, indica a necessidade do estabelecimento de recomendações e condutas a serem seguidas.

Embora o risco de infecção apresente-se em níveis baixos, deve-se dar atenção especial a esta possibilidade devido à letalidade da AIDS, doença crônica causada pelo vírus HIV, que leva à perda gradativa da imunidade celular, cuja conseqüência é o aparecimento de infecções oportunistas.1

O primeiro caso de transmissão ocupacional da infecção pelo HIV foi documentado em 1984, na Inglaterra, quando uma enfermeira sofreu um acidente pérfuro-cortante e 13 dias após começou a apresentar sintomas de infecção aguda causados por esse vírus tendo no 49º dia o seu exame para HIV revelado positivo,3 fato que desencadeou pânico entre os profissionais da saúde, motivando discussões e estudos sobre essa temática, o que possibilitou avanços na área da saúde ocupacional e nas práticas de controle da infecção hospitalar.2

No Brasil, o primeiro caso foi notificado em 1997, referindo-se à uma auxiliar de enfermagem contaminada pelo vírus HIV, com confirmação de AIDS, devido a um acidente de trabalho com material pérfuro-cortante ocorrido em 1994, em São Paulo.3

Desde o início da epidemia da AIDS, em 1981, até 2002, há registros, em todo mundo, de 106 casos confirmados e em torno de 238 casos prováveis de contaminação pelo HIV entre profissionais de saúde, totalizando 344 casos.4

Além do risco da transmissão do vírus HIV, o acidente de trabalho causado por exposição a material biológico é preocupante também pela possibilidade de transmissão dos vírus da Hepatite B - vírus HBV(6 a 30%) e Hepatite C - vírus HCV( 0,4 a 1,8%).2

Além das infecções, os acidentes com exposição a material biológico afetam psicológica e emocionalmente o trabalhador acidentado devido à espera dos resultados dos testes sorológicos e a possibilidade de soroconversão.

O conflito de sentir-se entre a vida e a morte, vivenciado pela pessoa contaminada no próprio ambiente de trabalho, é um sentimento avassalador para o profissional da saúde.5

O conhecimento necessário para o enfrentamento desta condição junto à epidemia da AIDS está centrado em ações que visem constante construção da dinâmica social na qual vivemos, exigindo ações contínuas.6

Para controle dos riscos de acidentes com exposição a material biológico há necessidade de se identificar a sua freqüência e em que situações eles ocorrem, para que se estabeleçam e implementem medidas de prevenção, porém, para que isso aconteça, é necessário os registros dos acidentes.7

Quando os acidentes ocorrem, algumas condutas devem ser tomadas. Todos os acidentes com risco de infecção devem ser considerados como "emergência médica", uma vez que a prioridade dada às profilaxias anti-retrovirais (ARV) no início, pode diminuir acentuadamente o risco da soroconversão. No caso do HIV recomenda-se que elas se iniciem de 2 a 72 horas após o acidente .8

Em 1996, os Center for Disease Control and Prevention em Atlanta, Estados Unidos, fez a primeira recomendação referente ao uso dos anti-retrovirais para profilaxia pós-exposição ocupacional ao HIV, aos profissionais de saúde. No Brasil, a quimioprofilaxia pós- exposição ocupacional foi preconizada em 1999 e a medicação é gratuitamente fornecida pelo Governo Estadual.8

Esse tratamento, assim como todos os tratamentos medicamentosos, costuma ser prejudicado pela falta de adesão do paciente ao regime terapêutico proposto, devido omissões propositais; erros nas doses e entre os intervalos da administração do medicamento; acréscimo de drogas não prescritas ou suspensão prematura da terapia, sem o consentimento médico.9

Os usuários da medicação anti-retroviral enfrentam vários fatores que podem impedir, dificultar ou mesmo provocar a utilização inadequada desses medicamentos para a terapêutica indicada, e dentre eles, é importante salientar, estão os efeitos colaterais.9

Vitimada por acidente com material pérfuro-cortante, sendo submetida ao tratamento quimioprofilático com ARV, não conseguindo completar o tratamento e observando que vários colegas de trabalho enfrentam o mesmo problema, motivamo-nos a realizar esta pesquisa, com a finalidade de conhecermos as crenças que influenciam os trabalhadores de enfermagem a aderirem ao tratamento pós-exposição com anti-retrovirais.

OBJETIVOS

- Identificar as características dos trabalhadores de enfermagem da unidade de tratamento de doenças infecciosas de um hospital universitário.

- Identificar os trabalhadores de enfermagem vitimados por exposição ocupacional a material biológico.

- Identificar, dentre os trabalhadores de enfermagem que sofreram acidentes do trabalho com material biológico, aqueles que receberam indicação de tratamento profilático com anti-retrovirais.

- Analisar as crenças consideradas importantes para os trabalhadores, que os auxiliaram ou não a optar pelo tratamento quimioprofilático.

PERCURSO METODOLÓGICO

Característica da investigação

Trata-se de um estudo exploratório de caráter retrospectivo, e com base na abordagem metodológica quanti-qualitativa, buscou-se respostas às indagações que faz-se sobre a prática profissional, em relação à adesão ou não do trabalhador de enfermagem ao tratamento com anti-retrovirais, após exposição ocupacional.

Esta investigação encontra-se embasada no Modelo de Crenças em Saúde (MCS), que busca explicar o comportamento humano no processo saúde doença, partindo do pressuposto que para o indivíduo expressar comportamentos em relação a determinada doença, ele necessita acreditar que seja suscetível a ela, e que sua ocorrência deva trazer seriedade para alguma atividade de sua vida, pois uma ação particular, poderá ser-lhe benéfica e reduzir sua suscetibilidade, como também a seriedade da doença.10 Assim, as crenças do individuo, em relação ao comportamento preventivo, são demonstradas por quatro dimensões (variáveis): suscetibilidade percebida, seriedade percebida, benefícios e barreiras percebidas.

Local do estudo

Para realização do estudo, selecionamos a Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas (UETDI) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP. Trabalhadores de enfermagem lotados na UETDI, foram selecionados como população deste estudo, excluindo os que estavam afastados por licenças ou férias, durante o período estabelecido para a coleta dos dados e aqueles que aceitaram participar do estudo. Assim, o mesmo contou com uma população de 41 trabalhadores.

Os dados foram coletados, no período de novembro a dezembro 2003, por meio de procedimentos que incluíam duas etapas. Na primeira etapa, com a finalidade de identificar os trabalhadores da UETDI que haviam sofrido exposição ocupacional a material biológico, aplicou-se um formulário contendo perguntas abertas e fechadas, onde constatou-se que 20 trabalhadores de enfermagem haviam sofrido exposição ocupacional a material biológico enquanto executavam suas atividades laborais na UETDI,e destes 17 receberam indicação para o uso dos ARV. Na segunda etapa, utilizou-se um formulário, contendo as questões norteadoras que subsidiaram a análise qualitativa das informações. Este formulário foi respondido somente pelos trabalhadores vitimados que receberam tratamento profilático com ARV, os quais registraram as informações por escrito (totalizando 17 trabalhadores de enfermagem).

Procedimentos éticos

O projeto de pesquisa foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sendo aprovado de acordo com o processo HCRP Nº 6960/2001, e ainda, assinado o termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos participantes deste estudo.

Análise e interpretação dos dados

Efetuou-se a análise dos dados quantitativos por meio de estatística descritiva, com o objetivo de caracterizar a população do estudo.

Pelos dados obtidos no formulário das questões norteadoras, identificou-se as unidades temáticas e efetuada a análise de conteúdo das informações relevantes aos profissionais de enfermagem que sofreram acidente ocupacional com fluídos corpóreos e que necessitaram dos anti-retrovirais, como medida profilática à transmissão do HIV.11 A seguir, analisamos essas categorias por meio do Modelo de Crenças em Saúde.

Executou-se os seguintes passos, para a análise e interpretação dos dados coletados:

- pré-análise: efetuou-se leitura flutuante das respostas emitidas pelos trabalhadores de enfermagem às questões norteadoras, respondidas pelos 17 sujeitos investigados, garantindo a regra de representatividade e assegurando a pertinência da fonte de informação e do objetivo de análise;

- exploração do material: diante das informações escritas obtidas junto aos trabalhadores, classificou-se os conteúdos e sua freqüência, agrupando-os nas categorias pré-estabelecidas pelo MCS levando em conta os conteúdos comuns; posteriormente, encontrou-se as unidades temáticas pertinentes.

RESULTADOS

Participaram do estudo 41 trabalhadores de enfermagem, sendo 29 (70,74%) auxiliares de enfermagem, 10 (24,39%) enfermeiros e 2 (4,87%) técnicos de enfermagem.

Quanto aos dados quantitativos a população apresentou predominantemente as seguintes características: 48,78% dos trabalhadores possuíam idades entre 30 e 39 anos; 82,93% eram do sexo feminino; 43,9% casados; 63,41% católicos; 48,78% possuíam grau de instrução de nível superior; 70,74% pertenciam a categoria auxiliar de enfermagem; 56,10% atuavam na instituição em tempo compreendido entre 5 a 9 anos; 65,85% dos trabalhadores atuavam no período diurno; 65,85% possuíam outro vínculo empregatício, além do trabalho na unidade estudada.

Identificou-se que dos 41 sujeitos pesquisados, 21 (51%) não sofreram acidente ocupacional na unidade estudada e 20 (49%) foram acometidos por exposição ocupacional a material biológico. No que se refere à quantidade de acidentes com exposição a material biológico, ocorridos entre os trabalhadores de enfermagem: 9 (45%) trabalhadores mencionaram um acidente, 7 (35%) foram vitimados duas vezes, 02 (10%) tiveram três acidentes, 01(5%) quatro vezes e 01(5%) foi acometido por cinco episódios acidentais, sendo portanto 38 acidentes sofridos por 20 trabalhadores.

Na Figura 1, apresentamos o número de acidentes onde os trabalhadores de enfermagem receberam indicação da quimioprofilaxia pós-exposição ocupacional ao HIV, ocorridas na Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas.


A Figura 1 mostra que em 35 (92%) acidentes devido à exposição ocupacional os trabalhadores receberam, após avaliação médica, indicação de tratamento quimioprofilático com ARV, não sendo indicado o referido tipo de tratamento medicamentoso para 3 (8%) acidentes apenas.

Vários estudos mostram a indicação de anti-retrovirais, dentre os quais destaca-se um estudo que constatou que houve indicação dos anti-retrovirais em 43,75% dos acidentes com exposição aos líquidos corporais humanos;12 outro que ao comparar a conduta médica quanto a indicação dos ARVs nos anos de 2000 e 2001, verificou um percentual de 51,2% e 37,2% respectivamente a estes anos.13

Destacou-se que na unidade estudada todos os pacientes internados são portadores do HIV, com raras exceções (quando ainda não foi confirmada a sorologia), fato que deve ser considerado pelos trabalhadores de enfermagem, quando ignoram a recomendação para o uso dos anti-retrovirais.

A recomendação dos ARV aos profissionais da saúde teve inicio nos EUA, em 1993, após a recomendação dos CDC. No Brasil, esta recomendação data de 1999 e partiu do Ministério da Saúde e Secretária de Estado da Saúde de São Paulo.

Dos 35 casos de acidentes ocorridos entre os trabalhadores, constatou-se que 12 (34,30%) deles realizaram tratamento com anti-retrovirais, durante todo o período indicado, ou seja, 28 dias; em 15 (42,85%) casos, o tratamento ocorreu de forma incompleta e 8 (22,85%) acidentados não forneceram informações.

Os resultados referem-se às informações emitidas pelos 17 trabalhadores que, após exposição ocupacional a material biológico, receberam indicação de tratamento profilático com os ARV, os quais foram responsáveis por 35 acidentes desta natureza.

Analisando esses acidentes, constatou-se que, em 12 (34,30%) deles, os trabalhadores de enfermagem efetuaram o tratamento com ARV no período de 28 a 30 dias (tempo considerado como adesão ao tratamento recomendado); em 15(42,85%) casos o tratamento foi interrompido (não-adesão) e em 08 (22,85%) outros, os profissionais não informaram a respeito. Assim, dos 27 acidentes informados, constatou-se que 12 (34,30%) trabalhadores aderiram ao tratamento com ARV e 15 (42,85%) não aderiram.

Diante das informações contidas no formulário 2, classificou-se os conteúdos quanto à freqüência e se agrupou por categoria, com base em conteúdos comuns. Posteriormente, associou-se as categorias em temas, levando em conta as crenças segundo o Modelo de Crenças em Saúde, quais sejam: suscetibilidade percebida, seriedade percebida, benefícios e barreiras percebidas.10

Após várias leituras das informações registradas nas categorias, obteve-se cinco indicadores ou temas: percepção do risco de infecção; comportamento vivenciado pelo acidentado; percepção de mudança após o acidente; experiência positiva com o uso dos anti-retrovirais e experiência negativa com o uso dos anti-retrovirais. A seguir, apresenta-se as categorias, unidades temáticas e de registro, bem como discute-se os referidos temas.10

Categoria - Suscetibilidade percebida

Na unidade temática: Percepção do risco de infecção, as unidades de registro extraídas das informações fornecidas pelos profissionais de enfermagem pesquisados, foram:

o risco existe principalmente nesta clínica (A1).

O risco é aumentado quando existe uma porta de entrada (A10).

O risco é aumentado pelo acidente com pérfuro-cortante (A4).

[...] tenho dúvidas sobre a existência do risco (A6).

O risco é maior quando a carga viral é alta e o paciente vai a óbito logo (A12).

O tema percepção do risco de infecção, nos fez perceber que os trabalhadores de enfermagem sentem-se expostos ao risco da infecção, principalmente devido ao tipo de clientes atendidos na unidade estudada. A percepção de suscetibilidade, segundo o MCS é identificada quando o indivíduo acredita que um problema de saúde ou uma determinada situação pode afetá-lo particularmente.10 Um trabalhador de enfermagem informou ter dúvidas sobre o risco, evidenciando também a crença de suscetibilidade, embora de forma negativa, pois de acordo com sua percepção, o risco não está bem definido.

Em estudo com aplicação do MCS na prevenção dos acidentes ocupacionais com agulha, citam que, apesar dos trabalhadores mostrarem-se estimulados a adotar a recomendação do não reencape de agulhas, não puderam verificar a influência dessa variável no comportamento individual, pois a suscetibilidade foi mensurada em um número pequeno de itens, não tendo validade e confiabilidade.5

A seguir, apresenta-se as informações extraídas das respostas emitidas pelos trabalhadores de enfermagem referentes à categoria "seriedade percebida", relacionada ao tem "comportamento vivenciado pelo acidentado".

Categoria - Seriedade percebida

Na unidade temática: Comportamento vivenciado pelo acidentado, as unidades de registro extraídas das informações fornecidas pelos profissionais de enfermagem pesquisados, foram:

[...] fiquei muito chateada, me sentindo inferior aos outros (A10).

[...] fiquei muito abalada emocionalmente, entrei em pânico (A2).

[...] preocupação por estar na condição de mãe (A11).

[...] optei por não pensar no assunto (A4).

[...] tive preocupação com o contato sexual com meu marido (A17).

[...] talvez necessitasse de licença-saúde, pois a falta de apetite deixa a pessoa frágil e é preciso estar bem para trabalhar aqui (A 14).

[...] quando procurei ajuda não houve mão amiga (A 13).

[...] me senti como se minha vida passasse em minha mente em fração de segundos (A16).

Nos relatos, a crença sobre a seriedade da doença ficou evidente, uma vez que no MCS a referida variável é definida pela percepção do grau de seriedade que uma determinada doença tem sobre o funcionamento fisiológico, mental, psicológico e social. O grau de seriedade pode ser mensurado pelo nível de motivação emocional criado por uma doença, bem como pelo tipo de dificuldade que o indivíduo tem para identificar certa condição de saúde.14

Nas informações emitidas pelos trabalhadores, identifica-se a existência da crença "seriedade percebida", evidenciada pela preocupação com o perigo e medo de adquirir uma doença como a AIDS.

O temor pela contaminação do HIV normalmente não está embasado em evidências científicas sobre a doença e, sim, nos valores e crenças de cada indivíduo.13

Na unidade temática: Percepção de mudança após o acidente, as unidades de registro identificadas foram:

[...] valorizo muito meus dias ao ver o sofrimento do paciente com AIDS (A11).

[...] agora me valorizo mais (A16).

[...] faço as tarefas com mais calma (A17).

[...] procuro ficar tranqüila ao cuidar do paciente (A2).

[...] tenho maior atenção nas atividade (A10).

Depois do acidente me preocupo mais em usar EPIs (A9).

Continuo trabalhando da mesma forma como antes (A2).

As informações mostram o quanto à presença da variável "seriedade percebida" ocorreu, caracterizada pelo apego à vida diante da ameaça vivenciada. O relato destacado a seguir traduz a referida variável de crença: valorizo muito meus dias ao ver o sofrimento do paciente com AIDS (A11).

Em estudo sobre a sexualidade e a mulher portadora do HIV, a autora descreve que as pessoas precisam assegurar o valor de viver para acreditarem que a vida tem significado, para tanto, precisam sentir-se necessárias e amadas.14

A suscetibilidade e a seriedade à doença na clínica estudada são marcantes, por ser uma unidade que presta assistência aos portadores do HIV/AIDS. Desse modo, quando o trabalhador sente-se vulnerável a um determinado risco, torna-se mais propenso a adotar comportamentos que diminuem a possibilidade do mesmo.

Categoria - Benefícios percebidos

Na unidade temática: Experiência positiva com o uso dos anti-retrovirais, as unidades de registro foram:

[...] por acreditar na proteção (A5).

[...] não tive nenhum efeito colateral (A4).

[...] por acatar ordem médica (A8).

[...] determinação, esforço em usar (A15).

[...] não por mim, mas estava grávida na época do acidente (A11).

Ao analisar os recortes das informações obtidas, identificamos como benefício percebido: o uso dos anti-retrovirais após exposição ocupacional a material biológico, fazendo os trabalhadores realizarem o tratamento completo, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.8 Neste caso, houve adesão total ao tratamento, mesmo diante de dificuldades, seja porque os acidentados acreditaram na proteção conferida pelo ARV ou mesmo por determinação pessoal.

Considera-se que os indivíduos com doenças agudas aderem melhor ao tratamento do que aqueles com doenças crônicas, provavelmente pela motivação da rápida recuperação. Embora a AIDS hoje seja vista como uma doença crônica, o tratamento medicamentoso no caso dos acidentes ocupacionais é temporário, e esse critério talvez possa influenciar na adesão ao tratamento.15

Assim, no estudo ora realizado, constatou-se que o uso do ARV foi considerado como benéfico pelos trabalhadores que concluíram o tratamento, pois relaciona-se subjetivamente à redução da suscetibilidade e seriedade que a AIDS impõe.

Categoria - Barreiras percebidas

Na unidade temática: Experiência negativa com o uso dos anti-retrovirais, as unidades de registro foram:

[...] não agüentei os efeitos colaterais (A15).

[...] muito difícil usar os ARVs (A17).

[...] terrível (tive fortes dores no estomago) (A 16).

[...] exigia regularidade de horários (A2).

Pelos conteúdos abstraídos, pode-se verificar que os trabalhadores possuíam crenças que destacavam as barreiras para adesão ao tratamento com os ARVs, expressas por informações relativas à presença dos efeitos colaterais, à exigência de regularidade de horários, até influenciando-os a não usarem mais tais medicamentos. Os resultados encontrados corraboram com o estudo onde a interrupção da quimioprofilaxia contra o HIV apresentou percentuais de até 43% na população de trabalhadores acidentados.16

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exposição ocupacional a material biológico é um problema enfrentado rotineiramente nos serviços de enfermagem, principalmente quanto ao diagnóstico dos fatores associados à sua ocorrência, bem como às conseqüências que trazem aos trabalhadores e às instituições.

Os resultados desta pesquisa permite-nos considerar que dos 41 trabalhadores de enfermagem pesquisados, 20 (49%) foram acometidos por acidentes de trabalho com exposição a material biológico, no exercício de suas atividades laborais na unidade que assiste basicamente pacientes portadores do vírus HIV.

Diante do elevado número de acidentes do trabalho com exposição a material biológico infectado pelo vírus HIV, nesta investigação, consideramos que medidas preventivas mais eficazes que as adotadas até o momento na unidade, devam ser implementadas.

Os resultados encontrados possibilitaram considerar, em relação às crenças dos trabalhadores diante da necessidade do tratamento com ARV apoiados no referencial Modelo de Crenças em Saúde, que na categoria "suscetibilidade percebida", sob o tema: percepção do risco para a infecção, os trabalhadores expressaram comportamentos indicativos de que sejam suscetíveis a AIDS, evidenciado pelo risco da infecção pelo HIV. Entretanto, um trabalhador referiu não se sentir susceptível, indicando dúvidas sobre a existência do risco, e ainda que não acreditava na ameaça, por isso achava que não tinha motivos para se prevenir.

Na categoria "seriedade percebida", os comportamentos vivenciados pelo acidentado, a culpa e o temor pela transmissão do HIV estiveram presentes nos relatos dos trabalhadores, devido ao impacto da aquisição de uma possível soroconversão de uma doença letal.

Quanto à percepção de mudança de atitude após o acidente, encontrado também na categoria "seriedade percebida", os trabalhadores expressaram maior cautela nas atividades diárias, caracterizada pelo apego à vida diante da ameaça vivenciada, pois nesse momento são motivados a reavaliar comportamentos e atitudes na promoção de maior segurança nas atividades laborais.

Na categoria "benefícios percebidos", no tema: experiência positiva com o uso dos anti-retrovirais, constatou-se que os trabalhadores sentiram-se beneficiados em completarem o tratamento profilático, pela proteção conferida por tais medicamentos.

A percepção do risco de infecção foi a principal variável para a adesão do trabalhador ao tratamento, entretanto o apego a vida e manutenção da saúde também contribuíram para a mesma. Embora a adesão ao tratamento tenha ocorrido em 34,28% das indicações a quimioprofilaxia.

Na categoria "barreiras percebidas" identificou-se o tema experiência negativa com o uso dos anti-retrovirais. Os trabalhadores consideraram a exigência de regularidade nos horários para administração dos medicamentos, os vários efeitos colaterais como barreira para completarem o tratamento, sendo impeditivos para a tomada de ação.

Para os trabalhadores, essas foram barreiras que impediram a adesão dos profissionais de enfermagem à quimioprofilaxia. Dado importante uma vez que, em 42,85% das indicações de anti-retrovirais o tratamento não foi completo.

Diante do exposto, elegeu-se as seguintes medidas de intervenção: estabelecer ações conjuntas entre a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), a Comissão de Prevenção de Acidentes (CIPA) e o Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) para promoção de ações preventivas; fornecer materiais com dispositivos de segurança que possibilitem a promoção da assistência com qualidade e segurança, tanto para o trabalhador quanto para os clientes; estimular a adesão a quimioprofilaxia, com orientações no momento do acidente e durante todo o período de tratamento.

Esta pesquisa mostrou a necessidade de intervenção na situação de trabalho estudada, com propósito de reduzir os riscos de acidentes do trabalho, através de ações baseadas nas mudanças no processo de trabalho da unidade.

Embora existam adoções de estratégias preventivas à ocorrência dos acidentes com exposição a material biológico na unidade, elas precisam ser reavaliadas, sobretudo, pelo número de trabalhadores vitimados e pelas peculiaridades do ambiente envolto por situações estressantes: dor, sofrimento, morte de paciente e a prestação de assistência a portadores do HIV.

A contribuição deste estudo está centrada nos subsídios que oferece para adequações da prática de trabalho e para a realização de novas pesquisas, uma vez que a adesão ao tratamento quimioprofilático é considerada extremamente complexa e um dos principais temas discutidos nas instituições nacionais e internacionais.

Recebido em: 01 de agosto de 2006.

Aprovação final: 28 de dezembro de 2006.

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    Extraído da Dissertação "Adesão dos trabalhadores de enfermagem ao tratamento com os anti-retrovirais pós-exposição ocupacional a material biológico", defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da Universidade de São Paulo (USP), em 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2006
    • Aceito
      28 Dez 2006
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