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Modelo explicativo popular e profissional das mensagens de cartazes utilizados nas campanhas de saúde

Modelo explicativo popular y profesional de los mensajes de los carteles usados en las campañas de salud

Popular and professional explicative model of posters' messages used in health campaigns

Resumos

Estudo de abordagem etnográfica, desenvolvido em 2003, com objetivo de conhecer o modelo explicativo popular e o do profissional de saúde acerca das mensagens propagadas por um cartaz em campanha do Ministério da Saúde. Os informantes compunham distintos grupos de profissionais e usuários de um centro de saúde do município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Para cada um dos grupos, foram aplicadas três questões condutoras durante entrevista individual. Como resultados, obtiveram-se modelos explicativos popular e profissional divergentes no tocante à compreensão da mensagem, às reações/emoções despertadas, às motivações para agir em função do autocuidado e aos elementos dificultadores da compreensão da mensagem veiculada pelo cartaz. Concluiu-se pela necessidade de participação do receptor final na elaboração do conteúdo e da arte dos cartazes utilizados nas campanhas de saúde, assumindo, assim, esse receptor dimensões do processo comunicacional, que serão determinadas pelos fatores culturais, econômicos e sociais, dentre outros.

Relações comunidade-instituição; Educação em saúde; Meios de comunicação


Estudio de abordaje etnográfico realizado en 2003, con el objetivo de conocer el modelo explicativo popular y el del profesional de salud, de los mensajes divulgados en un cartel de una campaña del Ministerio de Salud. Los informantes conformaban distintos grupos de profesionales y usuarios de un centro de salud del municipio de Fortaleza, Ceará, Brasil. Para cada uno de los grupos fueron dadas tres cuestiones conductoras durante la entrevista individual. Como resultados se obtuvieron modelos explicativos popular y profesional divergentes en lo referente a la comprensión del mensaje, a las reacciones/emociones despertadas, a las motivaciones para actuar en función del autocuidado, y a los elementos que dificultan la comprensión del mensaje divulgado en el cartel. Se concluye la necesidad de participación del receptor final en la elaboración del contenido y arte de los carteles utilizados en las campañas de salud, asumiendo ese receptor dimensiones del proceso comunicacional, las cuales son determinadas por los factores culturales, económicos, sociales, entre otros.

Relaciones comunidad-institución; Educación en salud; Medios de comunicación


This is a study of an ethnographic approach, developed in 2003, with the objective to know the popular explicative model and that of the health professional concerning the messages propagated through a poster in a campaign of the Brazilian Health Department. The informers were composed of distinct groups of professionals and users of a health center of the Fortaleza, Ceará, Brazil. For each one of the groups three conducting questions during an individual interview were applied. As results, explicative popular and professional models were obtained, divergent concerning the understanding of the message, the reactions/emotions aroused, the motivations to act as a function of self-care, and the difficult elements of comprehension of the message propagated by the poster. We conclude that there is a need for participation of the final receptor in the elaboration of the content and art of the posters utilized in the health campaigns, assuming as such that this receptor dimensions the communicational process, which will be determined through cultural, economic, and social, among other factors.

Community-institutional relations; Health education; Communications media


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Modelo explicativo popular e profissional das mensagens de cartazes utilizados nas campanhas de saúde

Popular and professional explicative model of posters'messages used in health campaigns

Modelo explicativo popular y profesional de los mensajes de los carteles usados en las campañas de salud

Vânia Lúcia Bezerra OliveiraI; Fátima Luna Pinheiro LandimII; Patrícia Moreira CollaresIII; Rafael Barreto de MesquitaIV; Zélia Maria de Sousa Araújo SantosV

IMestre em Educação em Saúde pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

IIDoutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Adjunto 6 do Mestrado em Educação em Saúde da UNIFOR. Coordenadora do Grupo Temático de Pesquisas Redes e Saúde de Grupos Sociais

IIIAcadêmica do oitavo semestre do curso de Fisioterapia da UNIFOR. Bolsista voluntária no Grupo Temático de Pesquisas sobre Redes e Saúde de Grupos Sociais

IVAcadêmico do sexto semestre do curso de Fisioterapia da UNIFOR. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC). Membro do Grupo Temático de Pesquisas Redes e Saúde de Grupos Sociais

VDoutora em Enfermagem pela UFC. Professora Titular do Curso de Enfermagem e do Mestrado em Educação em Saúde da UNIFOR

Endereço Endereço: Vânia Lúcia Bezerra Oliveira R. César Fontenele, 390/Altos 60.455-650 - Parquelândia, Fortaleza, CE E-mail: llunna@terra.com.br

RESUMO

Estudo de abordagem etnográfica, desenvolvido em 2003, com objetivo de conhecer o modelo explicativo popular e o do profissional de saúde acerca das mensagens propagadas por um cartaz em campanha do Ministério da Saúde. Os informantes compunham distintos grupos de profissionais e usuários de um centro de saúde do município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Para cada um dos grupos, foram aplicadas três questões condutoras durante entrevista individual. Como resultados, obtiveram-se modelos explicativos popular e profissional divergentes no tocante à compreensão da mensagem, às reações/emoções despertadas, às motivações para agir em função do autocuidado e aos elementos dificultadores da compreensão da mensagem veiculada pelo cartaz. Concluiu-se pela necessidade de participação do receptor final na elaboração do conteúdo e da arte dos cartazes utilizados nas campanhas de saúde, assumindo, assim, esse receptor dimensões do processo comunicacional, que serão determinadas pelos fatores culturais, econômicos e sociais, dentre outros.

Palavras-chave: Relações comunidade-instituição. Educação em saúde. Meios de comunicação.

ABSTRACT

This is a study of an ethnographic approach, developed in 2003, with the objective to know the popular explicative model and that of the health professional concerning the messages propagated through a poster in a campaign of the Brazilian Health Department. The informers were composed of distinct groups of professionals and users of a health center of the Fortaleza, Ceará, Brazil. For each one of the groups three conducting questions during an individual interview were applied. As results, explicative popular and professional models were obtained, divergent concerning the understanding of the message, the reactions/emotions aroused, the motivations to act as a function of self-care, and the difficult elements of comprehension of the message propagated by the poster. We conclude that there is a need for participation of the final receptor in the elaboration of the content and art of the posters utilized in the health campaigns, assuming as such that this receptor dimensions the communicational process, which will be determined through cultural, economic, and social, among other factors.

Keywords: Community-institutional relations. Health education. Communications media.

RESUMEN

Estudio de abordaje etnográfico realizado en 2003, con el objetivo de conocer el modelo explicativo popular y el del profesional de salud, de los mensajes divulgados en un cartel de una campaña del Ministerio de Salud. Los informantes conformaban distintos grupos de profesionales y usuarios de un centro de salud del municipio de Fortaleza, Ceará, Brasil. Para cada uno de los grupos fueron dadas tres cuestiones conductoras durante la entrevista individual. Como resultados se obtuvieron modelos explicativos popular y profesional divergentes en lo referente a la comprensión del mensaje, a las reacciones/emociones despertadas, a las motivaciones para actuar en función del autocuidado, y a los elementos que dificultan la comprensión del mensaje divulgado en el cartel. Se concluye la necesidad de participación del receptor final en la elaboración del contenido y arte de los carteles utilizados en las campañas de salud, asumiendo ese receptor dimensiones del proceso comunicacional, las cuales son determinadas por los factores culturales, económicos, sociales, entre otros.

Palabras clave: Relaciones comunidad-institución. Educación en salud. Medios de comunicación.

INTRODUÇÃO

A partir da metade dos anos 1980, surgiu grande demanda de debates em torno do binômio saúde-comunicação. No final desta mesma década, a relação foi visivelmente trabalhada por eventos ocorridos em todos os recantos nacionais, desde seminários, textos em jornais, artigos, movimentos de instituições até os relatórios das conferências nacionais de saúde.1

Em termos práticos, na relação saúde-comunicação, a população deve ser esclarecida/informada quanto à necessidade, por exemplo, de acesso aos mecanismos determinantes de (ou que favoreçam) estados ideais de saúde, sendo os meios de comunicação potentes veículos na efetivação desse propósito.

Fato a se considerar, entretanto, é a tendência de as pessoas associarem a palavra comunicação, meramente, aos meios televisivos ou ao rádio – à propaganda publicitária, portanto. Esquecem essas pessoas de que todo ato, toda elaboração humana é munida de potencial comunicativo.2 Desse modo, pensando os espaços institucionais, a forma como os locus são organizados, assim como a maneira de vestir, agir e portar-se dos profissionais já informa muita coisa, antes mesmo de estes abordarem a sua clientela. É no contexto dessa lógica que pode ser utilizado o cartaz, nas campanhas de saúde. Por meio de sua estética, o cartaz reúne valores vindos de seu conteúdo funcional.3

A respeito dos cartazes, constata-se que o seu conteúdo é definido em função do que se quer transmitir e do receptor que se busca atingir. Ao pensar o papel do cartaz, vislumbra-se, portanto, a influência no modo de pensar e de agir do receptor em relação a determinado assunto ou problema.3 O comportamento final do indivíduo, contudo, será, em muito, influenciado pela sua capacidade (e a forma) de compreensão; essa forma, por sua vez, é influenciada pelos fatores socioculturais em geral, bem como pelo componente imaginário e, portanto, subjetivo da compreensão humana.4

A capacidade de compreensão, auxiliada pelo imaginário, pode determinar diferentes leituras da mensagem de um cartaz – a exemplo de qualquer outra forma de comunicação – até quando consideramos única população alvo. Diante de tal reflexão, entende-se que, no contexto das campanhas, a proclamada interface comunicação-saúde pode apresentar-se ora como valiosa facilitadora, ora como obstáculo à adoção de práticas individuais e coletivas, compatíveis com as necessidades de prevenção das doenças e de recuperação da saúde.

Quando se fala da existência de variações de leituras/interpretações acerca de determinada realidade, reporta-se, também, à existência de modos diferentes de explicar e reproduzir essa realidade: são os "modelos explicativos" estudados pela ciência da Antropologia.5 Esses modelos são normalmente diferentes para profissionais de saúde e a população leiga em geral.

Mesmo quando profissionais e usuários do serviço de saúde provêm de mesmo contexto sociocultural, podem manifestar compreensão diferenciada acerca dos problemas, fenômenos mórbidos, dos modos de vida saudável, porque fazem uso de modelos explicativos diferentes; ou seja, os profissionais de saúde formam subgrupo cultural, cujo sistema de referência, determinante das crenças, dos valores e comportamentos, seus conceitos e teorias, reflete a formação ou a atuação destes nos serviços de saúde. De outro lado, o modelo explicativo popular é elaborado sobre a experiência concreta, a partir das vivências das pessoas e experiências acumuladas por sofrerem dos fenômenos mórbidos.5 Deste modo, uma frase ou a arte de um cartaz pode assumir diferentes significados para profissionais e usuários do serviço de saúde.

Diante disto, ressalta-se a necessidade de explorar para conhecer como as pessoas pensam e percebem o mundo, sob pena de, não o fazendo, poder enfrentar sérias dificuldades para se trabalhar campanhas de saúde junto a populações especificas. Os Explanatory Models (EM) surgem como a possibilidade de explorar esse mundo subjetivo, avaliando diferenças entre os modelos "médicos" e "não médicos", bem como os problemas de comunicação e de interação, que surgem em função dos (des)encontros dos dois modelos culturais durante as atividades clínicas, educativas, preventivas ou de pesquisa.5

Tais modelos têm a pretensão de apropriarem-se dos sistemas de signos, significados e ações (palavras que têm na teoria da recepção grande afinidade), visando precisamente ao conhecimento sistemático das maneiras de pensar e de agir de populações sobre as quais se quer intervir. Os comportamentos concretos de indivíduos servem de ponto de partida para os estudos nesse campo, que tentam identificar as razões conceituais subjacentes, não só aos comportamentos, como também os diferentes fatores que intervêm na concretização destas lógicas em situações particulares; e, por essa mesma via, remontam ao universo de percepções e representações.4

Do exposto, nada mais coerente do que, nas campanhas de saúde que focam temas e população específicos, ponderar acerca do fato de a efetividade de qualquer proposta depender da extensão em que a população aceita e participa desse programa; compreende, portanto. Essa ponderação passa pela necessidade de conhecimento prévio dos modos particulares de pensar e agir da população relativamente à saúde, cabendo aos profissionais a habilidade de integração desse conhecimento.

Não é equivocado, pois, asseverar que o estudo do caráter e do sentido que assumem na cultura de determinada população as expressões e as artes apresentadas nos cartazes de campanhas é extremamente valioso para a efetividade dessas promoções publicitárias institucionais, bem como de quaisquer outras formas de intervenções planejadas.

Pesquisas antropológicas demonstram, por exemplo, como o artifício visual é um poderoso veículo de comunicação sobre valores sociais, morais e étnicos, constituindo um código socialmente aceito e compreendido. Somente se os cartazes estiverem totalmente integrados ao imaginário social é que atingirão sua finalidade, veiculando, por símbolos e signos, as mensagens que se quer passar para os grupos receptores. A imagem no cartaz, além do estímulo, assume significados culturais. Pensando esses significados relacionados com o cuidado em saúde individual e coletiva, há que se ponderar acerca de varias questões, destacando-se, merecidamente, o comportamento humano como produto da mensagem veiculada.5-8

Diante do exposto, objetivou-se: conhecer o modelo explicativo popular e do profissional de saúde, acerca da mensagem (visual e escrita), tendo como suporte um cartaz elaborado pelo Ministério da Saúde e usado em campanha de prevenção das DSTs/AIDS pela Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo, que adota a visão sociocultural da comunicação visual e escrita dos cartazes, aliando, para tanto, a abordagem etnográfica de identificação e análise de dados.5

Uma vez conhecida a grande influência que os universos social e cultural exercem sobre a elaboração dos modelos explicativos, nada mais coerente do que a opção de buscar apoio em método de investigação adequado aos estudos da percepção de realidades particulares, ao tempo em que não se perde a visão mais holística das relações sociais, como os que permitem a abordagem etnográfica.

A fase de campo da pesquisa decorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2003, em uma unidade de referência no atendimento básico em saúde, localizada no Município de Fortaleza, Ceará, Brasil.

Participaram como informantes da pesquisa oito pessoas, sendo quatro profissionais de saúde e quatro representantes dos usuários do serviço. Dos profissionais, um era médico e três eram enfermeiros. Para escolha dos profissionais levou-se em consideração apenas a vinculação direta deles com atividades relacionadas ao tema DST/AIDS.

Os representantes dos usuários foram selecionados considerando-se uma equiparação quantitativa com o número de informantes do grupo de profissionais. Participaram dois homens e duas mulheres dentre aqueles que, na ocasião da coleta de dados, compareceram ao serviço em busca de atendimento relacionado à problemática retrocitada.

O fato de envolver, no processo investigativo, grupos distintos de informantes, porém equiparados quantitativamente, é não só uma exigência do referencial, como também, mostrou ser de grande importância no momento de organizar os dados e discutir os modelos explicativos.

Para coletar os modelos explicativos, utilizou-se a técnica da entrevista, por meio de três questões geradoras. Aos profissionais de saúde aplicou-se: qual a mensagem que o cartaz transmite para a população? Neste cartaz, o que funciona como elemento motivador para agir em função da prevenção contra as DSTs/AIDS? Considerando a frase, e a arte do cartaz, o que pode funcionar como elemento dificultador do entendimento da mensagem que a campanha tenciona transferir?

Essas mesmas questões foram aplicadas aos representantes dos usuários, com o cuidado de direcioná-las para esse grupo. Durante o procedimento de entrevista, cada informante mantinha sob suas vistas o cartaz que continha a frase sexo é com camisinha. Então só olha e baba baby, e utilizava critério gráfico pautado em foto de uma jovem e linda cantora do sudeste do país, em pose sensual, segurando um preservativo.

A escolha do cartaz obedeceu às seguintes motivações: a atualidade e relevância da temática de campanha; a peça gráfica havia sido produzida por empresa contratada pelo Ministério da Saúde e distribuída para ser utilizada em campanha de prevenção das DSTs/AIDS nas diversas localidades do país; a Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza usou o cartaz em campanha durante o período de desenvolvimento da pesquisa.

Durante os procedimentos de análise, seguindo-se as transcrições das falas, organizou-se o corpus das entrevistas, de maneira a respeitar os distintos grupos de informantes. Em seguida, revisaram-se as entrevistas em busca de identificar padrões de semelhanças e, também, as divergências entre as respostas obtidas. Os padrões identificados foram permitindo uma aproximação qualitativa com os modelos explicativos popular e do profissional de saúde acerca da mensagem veiculada pelo cartaz trabalhado.4 Em função dos modelos, dispuseram-se sentenças contendo comentários interpretativos, que se apóiam em construtos teóricos com potencial explicativo/preditivo.

A pesquisa configura parte de um projeto maior, desenvolvido desde o ano de 2001 por componentes do Grupo Temático Redes e Saúde dos Grupos Sociais, que integrou o Grupo Família, Ensino e Pesquisa e Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnologia (FAMEP/CNPq) do Programa de Pós-Graduação e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFC e aprovado sob protocolo de número 42/01, por obedecer, em tudo, às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho Nacional de Saúde, Resolução Nº 196/96. A anuência de participação dos informantes foi registrada em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.9

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Modelo explicativo do profissional de saúde

Ao serem analisadas as respostas dadas pelos profissionais quando aplicada questão acerca de qual mensagem o cartaz transmitia para a população, obteve-se como resposta o que transpareceu ser consenso entre os entrevistados, ou seja, a resposta de que o cartaz situa uma escolha necessária para os pacientes sexualmente ativos: usar camisinha e fazer sexo ou não usar e ficar sem fazer sexo. É o que evidenciam as falas a seguir: [...] passa a mensagem de que os pacientes devem usar a camisinha ou então não devem fazer sexo... (p1);

[...] uma explicação para o paciente, porque ele vai saber realmente que fazer sexo é uma coisa essencial, desde que se previna... (p2).

É importante perceber nesses discursos: como se fosse a transmissão das DSTs/AIDS, e a necessidade de buscar se proteger, conseqüentemente, um problema que só afetasse os seus pacientes, os profissionais apresentaram uma tendência a proferir discursos dos quais se excluíam como fazendo parte da população, portanto, também alvo das mensagens de sensibilização do cartaz. Acreditavam esses informantes, mesmo que de forma inconsciente, ser a mensagem do cartaz destinada apenas aos seus pacientes, e tendiam, portanto, a não se incluírem no grupo dos que necessitavam realizar a referida escolha.

Houve profissional que admitiu possível efeito reverso relacionado à imagem da jovem cantora retratada no cartaz: [...] eu acho que estimula o sexo numa faixa etária mais precoce. Tem nem dúvida. A moça diz que você já cresceu. Você quem? A imagem dela tá associada ao público mais jovem (p3).

Em parte, concorda-se com o pensamento expresso por esse participante, quando é possível reconhecer que, do mesmo modo que o jornal, o cinema, a televisão, o cartaz tem papel preponderante na determinação de comportamento e formação de opinião. O seu conteúdo funcional e estético pode comportar uma área difusa de aspirações e desejos, mobilizada a partir das expectativas da sociedade de massa.3

Há que se certificar, porém, do fato de pronunciamentos como aquele não retratar mero (pré)juízo de valores, por parte de profissionais que pouco detém de conhecimento acerca do universo de capacidades e das representações sociais; a forma de as pessoas conceberem a vida, o trabalho, a saúde, o reconhecimento das coisas.6

Do questionamento feito sobre o que, na arte gráfica do cartaz, funcionava como elemento motivador para agir em decorrência da prevenção, obtiveram-se os seguintes discursos, provenientes de dois dos profissionais de saúde: [...] quando um artista famoso dá um conselho à população, muitos leigos acreditam que aquela informação é de grande utilidade. O fato de uma artista famosa também usar camisinha, [...] eu acho que isto desperta muito a população (p1);

[...] em geral, as pessoas públicas são exemplos para a população, que tende a seguir modelos de pessoas de sucesso. Então, ela está defendendo uma situação que seria ideal para toda mulher: exigir proteção durante o sexo (p2).

Para outros dois profissionais, o cartaz não tinha funcionalidade dentro do propósito de motivar as pessoas a agir de forma preventiva contra as DSTs/AIDS: [...] a motivação de dizer que eu vou me prevenir, porque ela tá dizendo isso, não existe não. Tem nada disso, não. Ou seja, a propaganda que era evitar a DST, eu não tô vendo quase nenhuma. Nesse cartaz aí, não! (p3);

[...] no meu modo de ver, mostrando só a camisinha, não quer dizer nada. É só o retrato de uma mulher bonita. Simplesmente. Pra quem é fã dela, fica com o retrato em casa (p4).

Diante das declarações, constata-se que o conteúdo funcional do cartaz, que se volta para favorecer práticas preventivas ou de proteção da saúde, é objeto da resistência dos profissionais ou que, pelo menos, as falas são sugestivas de que, na prática, os trabalhadores da saúde se encontram incrédulos em relação ao fato de que mudanças significativas podem ocorrer na população sob a motivação do cartaz.

O cartaz passou a fazer parte da vida social, incorporado como um mecanismo auxiliar de comunicações institucionais com fins motivacionais.3 A mensagem, entretanto, de sua elaboração até atingir o objetivo final, repousa numa série de repertórios socioculturais: existe o lado de quem divulga, e tem a necessidade de instituir uma prática; e o outro, do receptor e da imagem ideal que ele constrói, a partir de valores acumulados e da experimentação da vida. Pensar o cartaz relacionado à saúde e ao comportamento humano, isolado desses elementos, é divagar em abstracionismos.

No tocante aos elementos dificultadores do entendimento da população acerca da mensagem veiculada, um profissional chama atenção para a frase presente no cartaz: [...] a mensagem é de confusão: "sexo é só com camisinha ou então só olha e baba". Por que sexo não é só com camisinha, com camisinha é só a penetração, mas sexo é muito mais coisas (p2).

Outro profissional de saúde referiu como se tratando de elemento dificultador a própria arte do cartaz. Este declara: [...] associa o uso da camisinha ao crescimento... mas também não é amadurecimento, porque mostra uma menina, né? E olha só a alegria desse horror de camisinha que tá ai... Eu não gostei! Sinceramente, é uma mensagem fraquinha, estimula o sexo, não o uso da camisinha (p3).

Déficits cognitivos e os determinantes econômicos, culturais e educacionais também foram referidos pelos participantes como empecilhos ao bom entendimento da mensagem do cartaz: [...] o QI do povo ainda é muito baixo. Ainda se isso fosse pra uma pessoa de cultura mais elevada... Mas pra nossa população semi-alfabetizada... Eles vão dizer: é muito bonitinha, muito gostosinha. E só. (p2);

[...] não adianta fazer cartaz com "use camisinha". Quem é que tem condições de comprar camisinha? Só as pessoas mais esclarecidas, as menos esclarecidas não têm condição porque acham que não pegam a doença. Porque pensam assim? Por causa da cultura (p3).

Há, nos discursos, uma tendência de negar à pessoa comum a possibilidade de comporta-se positivamente em relação à prevenção das DSTs/AIDS. Considerando o que faz refletir esses discursos, é importante reconhecer que parte do insucesso alcançado pelas campanhas educativas, como também nos treinamentos dos profissionais, decorre do fato de já se partir de uma concepção em que o receptor da mensagem é aquele que nada sabe, e, portanto, nada pode fazer em relação ao tema focalizado, necessitando de permanente tutoria.10

Também é fato que a palavra cultura, utilizada nos discursos, como conceito analítico, não é fácil de entender de modo claro e não controverso, porque o termo pode significar, antes de qualquer coisa pejorativa, uma infinidade de outras, a depender da referência usada por quem fala: modos e hábitos, conhecimento empírico, instrução formal etc.11

Se, contudo, o termo "cultura" é empregado pelos informantes para designar conhecimento, saber, há que se fazer uma crítica à posição ocupada do modelo biomédico, que, em detrimento do saber popular, historicamente em nossa sociedade assume para si a tarefa de nesta incutir normas e padrões de comportamento, noções adequadas de higiene e mudanças de hábitos. O cartaz seria, por fim, apenas a extensão de um discurso hegemônico: mude seus hábitos, deixe de fumar, coma mais verduras, faça sexo seguro...4-6

Por um motivo ou por outro não se deve subestimar os saberes prévios de qualquer interlocutor da mensagem que se intenta transmitir; como se fosse este "folha em branco", na qual o profissional de saúde deve imprimir regras de comportamento ideal, preparando-o para assumir atitude de mera peça da engrenagem nas campanhas e nunca um todo participante.12

Modelo explicativo popular

Ao apresentar o mesmo cartaz a uma informante, representante dos usuários do serviço de saúde, e questionar dela o que este lhe transmitia, obteve-se o seguinte comentário: [...] pra mim não transmite nada. Não tem brilho nenhum, eu não iria perder tempo com isso... Nem olho. Passo direto... (u1).

Do exposto, conclui-se que a informação, quando é mental ou afetivamente classificada como desconfortável ao indivíduo receptor, tende a ser ignorada; ao contrário, quando é considerada agradável, ela tende a ser incorporada.1-2 Reportando-se ao referencial do modelo explicativo popular, são esses processos que governam a percepção, rotulação, explicação e valorização de quem experimenta o desconforto psicológico – processo imbuído de complicados nexos familiares, sociais e culturais.4-5

Não obstante a resposta dada pelo informante anterior, os demais conseguem traduzir em discursos a compreensão obtida acerca da mensagem veiculada pelo cartaz a eles apresentado. Diverge essa compreensão da expectativa formalizada por alguns dos profissionais de saúde. É o que se constata nas falas a seguir: [...] a mensagem é a de que você tem que usar camisinha e prevenir contra doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, né? A Kelly Key com a camisinha, mostrando, diz que você tem que brincar com cuidado (u3);

[...] bem, ela tá transmitindo que tem que usar camisinha, ou então vai ficar só na vontade, e babá baby (u2).

Para dois outros usuários, há uma mensagem que alerta para mudança de comportamento e para a tomada de atitude por parte da mulher em relação a sua sexualidade: [...] alerta para a questão da responsabilidade da mulher com relação a si mesma. Ela mostra o preservativo sem se sentir culpada. É a independência da mulher e uma imposição: se não houver proteção, não vai haver sexo(u4);

[...] ela está passando, de uma certa forma para as mulheres, que a prevenção dos DST/AIDS está nas mãos das mulheres. No cartaz a Kelly Key, uma figura pública, bonita, sensual, independente, cuidando da própria sexualidade. Ela enfrentou problemas pessoais, separação, e assumiu o papel de homem, pelo fato de não ter sido largada, mas de ter largado o companheiro. É uma inversão de papéis... Vemos uma mulher veiculando uma mensagem, dizendo claramente que ela é independente, que vai cuidar da própria segurança e da sua própria sexualidade, dizendo que proteção é para ela também fazer (u1).

Esses discursos fazem refletir acerca do momento histórico vivenciado com a emancipação feminina, assunto para o qual os profissionais de saúde pareceram não atentar. Também há o fato de todas as sociedades humanas dividirem suas populações em duas categorias sociais: masculina e feminina.10 Quando se considera a grandiosidade do Brasil em termos territoriais, deve-se ponderar a idéia de que em algumas regiões, e também localidades, as culturas de gênero podem diferir tanto umas das outras que necessitaria adaptar o cartaz a todo um contexto, para que a mensagem pudesse alcançar sua finalidade social.

É no campo das motivações para agir, despertadas pelo cartaz, que se vai captar dos usuários falas que vão ao encontro da percepção sustentada por alguns dos profissionais que responderam à entrevista. Para alguns daqueles, a imagem de uma moça bonita, em pose sensual, pode mesmo induzir a pensar primeiramente em sexo: [...] desperta sentimento de satisfação, já que é uma mulher atraente. Quando olha, primeiro a gente pensa em sexo. [...] é mulher bonita, né? (u4).

As respostas, todavia, não se limitaram a traduzir o primeiro impulso provocado pela arte gráfica, elas evoluem para evidenciar uma compreensão acurada da mensagem do cartaz: [...] a Kelly Key é bastante conhecida no Brasil, uma mulher atraente, deixa os homens doidos... Tá preocupada com que o homem se previna contra a AIDS. [...] a imagem mostra que o homem deve usar camisinha na hora do sexo (u1);

[...] desperta em mim desejo de sexo e de usar camisinha na hora da transa. Tá mostrando duas camisinhas bastante grandes, pra pessoa não fazer besteira na hora (u2);

[...] justamente com uma mulher atraente você só pensa na hora da transa, mas não pensa nas conseqüências. Mas aqui a ilustração mostra várias camisinhas justamente pra você se preocupar em não pegar essas doenças sexualmente transmissíveis, né? (u3).

Os usuários deixaram claro não só ter compreendido a mensagem do cartaz, como o fato de esta visar a motivação de mudanças de comportamento de risco e tomadas de atitude em relação a assumir a própria sexualidade, contrariamente ao que imaginaram os profissionais de saúde. Mesmo quando revela o usuário ser estimulado ao sexo pela figura da mulher bonita no cartaz, segue-se às declarações a ressalva de haver necessidade do uso de preservativo para esse fim.

Questionados acerca dos elementos dificultadores do entendimento da mensagem do cartaz, os usuários responderam: [...] aqui tá claro. A pessoa tem que usar a camisinha. Agora, nem todo mundo usa um pouco de consciência. Se a pessoa tiver consciência vai usar e tem mais segurança... (u2);

[...] dificuldade nenhuma. Acho que mesmo uma pessoa que não saiba ler nada, dá pra entender pelo o cartaz aqui cheio de desenho de camisinha... É pra ser usada na hora de você fazer sexo, e se prevenir (u3).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar a pesquisa, é nítido o fato de que os modelos explicativos popular e profissional divergem em questões que merecem ser consideradas.

Enquanto o cartaz foi criticado pelos profissionais, que consideraram a peça pouco atrativa e com insuficiente conteúdo, incompreensível e nada objetivo, de seu lado, os usuários revelam ter compreendido a mensagem, evidenciando discursos até certo ponto atuais e politizados.

A motivação provocada pelo cartaz no sentido de agir em função da prevenção das morbidades e proteção da saúde foi fracamente considerada pelos profissionais de saúde. Nem as figuras usadas para compor a peça gráfica, tampouco, foram avaliadas como elementos que pudessem implicar a motivação desejada, ou seja, que as pessoas agissem em função de se prevenir contra as DSTs/AIDS; pelo contrário, manifestou-se resistência à aceitação de que o cartaz pudesse ser compreendido pela população em geral, e crítica ao "bom gosto" do cartaz.

Contraditoriamente, os usuários teceram elogios à arte do cartaz, fazendo menção ao fato de que, mesmo aqueles que não soubessem ler, poderiam interpretar de forma satisfatória a mensagem veiculada.

Ao divergir nos discursos, evidencia-se o fosso entre os imaginários profissional e dos usuários do serviço de saúde. Conclui-se que, mesmo para o profissional contextualizado, o cartaz como estratégia de convencimento é objeto dos vieses de compreensão que a subjetividade permite empreender por parte de cada um. Isso porque, semelhante ao que ocorre com o mecanismo de compreensão do processo saúde-doença, a compreensão da mensagem de um cartaz é resultado da interação complexa de múltiplos fatores. A mensagem, assim como na enfermidade, chega até ao usuário por meio de suas experiências e experimentação dos espaços/acontecimentos sociais, que dotam de sentido todo o mundo ao seu redor. Cada sujeito em particular vai considerar a relação entre os sentidos individuais e o contexto cultural mais amplo onde se encontra, tecendo sua rede de significados.

Como implicações desses achados para a prática, destaque-se o fato de que, se a doença se correlaciona ou é causada por alterações biológicas e/ou psicológicas, e a enfermidade situa-se no domínio da linguagem e do significado – e, por isso, constitui-se em uma experiência humana – o mesmo se pode dizer dos cartazes. O conteúdo das campanhas de saúde deve observar a mesma visão multidisciplinar da saúde e da enfermidade, considerando a importância concedida às crenças a aos significados socioculturais de profissionais e usuários.

Não se considera que os cartazes sejam gastos inúteis, ao contrário, defendem-se a necessidade destes e um lugar para tal artifício na sociedade contemporânea. É forçoso admitir, no entanto, a necessidade de refletir sobre os modos de elaboração e utilização; estes devem considerar – além da finalidade social – não só o ponto de vista dos produtores, mas também o dos profissionais e da população a que se destinam.

Recebido em: 16/11/2006.

Aprovação final: 02/05/2007.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      02 Maio 2007
    • Recebido
      16 Nov 2006
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