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Projeto Escola do Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina: uma estratégia de política pública

Proyecto Escuela del Centro de Hematología y Hemoterapia de Santa Catarina: una estrategia de política pública

Santa Catarina Hemotological and Hemotherapy Center School Project: a public policy strategy

Resumos

Este texto discute acerca da Política Nacional do Sangue e Hemoderivados, objetivando publicizar o Projeto Escola e seus desdobramentos, concebido como uma estratégia em consonância a esta política, que determina que de 3 a 5% da população brasileira seja doadora de sangue. Traz à tona a discussão sobre a história da hemoterapia e a legislação que subsidia esta política. O Projeto Escola é desenvolvido por profissionais da Captação de Doadores do Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina, desde 1996, tendo como objetivo conquistar doadores de sangue de forma consciente, responsável e saudável, visando aumentar o número de doadores e a sua fidelização. Há incentivos, por parte do Ministério da Saúde, a programas que contribuam para a conscientização sobre a importância da doação de sangue, o que tem possibilitado uma maior conscientização da população com relação ao exercício da cidadania.

Bancos de sangue; Doadores de sangue; Educação em saúde


El presente artículo discute a cerca de la Política Nacional de la Sangre y Hemoderivados, con el objetivo de divulgar el Proyecto Escuela y sus contribuciones, como una estrategia de acuerdo con esta política, la cual determina que 3 a 5% de la población brasileña sea donadora de sangre. Aborda la historia de la hemoterapia y las leyes que subsidian esta política. Desde 1996, el Proyecto Escuela es desarrollado por los profesionales de la Captación de los Donadores del Centro de Hematología y Hemoterapia de Santa Catarina/Brasil. Su objetivo es el de aumentar el número de donadores de sangre, conscientes, responsables y saludables. El Ministerio de Salud de Brasil ofrece incentivos para programas que contribuyan para la concienciación de la importancia de la donación de la sangre, lo que ha hecho posible una mayor concienciación de la población con respecto al ejercicio de la ciudadanía.

Bancos de sangre; Donadores de sangre; Educación en salud


This study presents the School Project (Projeto Escola) and its resulting divisions as a strategy of the Brazilian National Policy for Blood and Hemoderivatives (Política Nacional do Sangue e Hemoderivados). The objective of this text is to publicize the School Project and its unfoldings by presenting it in consonance with this policy, which determines that 3-5% of the Brazilian population will be blood donors. This brings to the forefront the discussion of the history of hemotherapy and legislation which subsidizes this policy. This project was developed by professionals who have worked with Attracting and Receiving Donors in the Hematological and Hemotherapy Center of Santa Catarina, Brazil since 1996. A specific objective was to consciously attract responsible and healthy donors, seeking to increase the number of donors and their commitment. There are incentives offered by the Brazilian Ministry of Health, as well as programs which contribute towards greater awareness for the importance of blood donation, which have made an increased awareness possible among the population, resulting in a greater exercise of citizenship.

Blood banks; Blood donors; Health education


RELATO DE EXPERIÊNCIA

Projeto Escola do Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina: uma estratégia de política pública

Santa Catarina Hemotological and Hemotherapy Center School Project: a public policy strategy

Proyecto Escuela del Centro de Hematología y Hemoterapia de Santa Catarina: una estrategia de política pública

Rosane Suely May Rodrigues PereimaI; Mariluza Waltrick ArrudaII; Kenya Schmidt ReibnitzIII; Francine Lima GelbckeIV

IAssistente Social do Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (HEMOSC), Florianópolis, SC. Coordenadora do Projeto Escola. Professora substituta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa Educação em Enfermagem e Saúde (EDEN) da UFSC. Santa Catarina, Brasil

IIEnfermeira do HEMOSC em Lages, SC. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade do Planalto Catarinense, Lages, SC. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) na UFSC. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Membro do EDEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

IIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Doutora em Enfermagem. Membro do EDEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

IVProfessora Adjunto do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Doutora em Enfermagem. Membro do Grupo de Pesquisa Práxis: Trabalho, Saúde, Enfermagem e Cidadania da UFSC. Santa Catarina, Brasil

Endereço Endereço: Rosane Suely May Rodrigues Pereima Rua: Fritz Muller, 215 88.080-720 - Coqueiros, Florianópolis, SC, Brasil. Email: rosanepereima@hotmail.com

RESUMO

Este texto discute acerca da Política Nacional do Sangue e Hemoderivados, objetivando publicizar o Projeto Escola e seus desdobramentos, concebido como uma estratégia em consonância a esta política, que determina que de 3 a 5% da população brasileira seja doadora de sangue. Traz à tona a discussão sobre a história da hemoterapia e a legislação que subsidia esta política. O Projeto Escola é desenvolvido por profissionais da Captação de Doadores do Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina, desde 1996, tendo como objetivo conquistar doadores de sangue de forma consciente, responsável e saudável, visando aumentar o número de doadores e a sua fidelização. Há incentivos, por parte do Ministério da Saúde, a programas que contribuam para a conscientização sobre a importância da doação de sangue, o que tem possibilitado uma maior conscientização da população com relação ao exercício da cidadania.

Palavras-chave: Bancos de sangue. Doadores de sangue. Educação em saúde.

ABSTRACT

This study presents the School Project (Projeto Escola) and its resulting divisions as a strategy of the Brazilian National Policy for Blood and Hemoderivatives (Política Nacional do Sangue e Hemoderivados). The objective of this text is to publicize the School Project and its unfoldings by presenting it in consonance with this policy, which determines that 3-5% of the Brazilian population will be blood donors. This brings to the forefront the discussion of the history of hemotherapy and legislation which subsidizes this policy. This project was developed by professionals who have worked with Attracting and Receiving Donors in the Hematological and Hemotherapy Center of Santa Catarina, Brazil since 1996. A specific objective was to consciously attract responsible and healthy donors, seeking to increase the number of donors and their commitment. There are incentives offered by the Brazilian Ministry of Health, as well as programs which contribute towards greater awareness for the importance of blood donation, which have made an increased awareness possible among the population, resulting in a greater exercise of citizenship.

Keywords: Blood banks. Blood donors. Health education.

RESUMEN

El presente artículo discute a cerca de la Política Nacional de la Sangre y Hemoderivados, con el objetivo de divulgar el Proyecto Escuela y sus contribuciones, como una estrategia de acuerdo con esta política, la cual determina que 3 a 5% de la población brasileña sea donadora de sangre. Aborda la historia de la hemoterapia y las leyes que subsidian esta política. Desde 1996, el Proyecto Escuela es desarrollado por los profesionales de la Captación de los Donadores del Centro de Hematología y Hemoterapia de Santa Catarina/Brasil. Su objetivo es el de aumentar el número de donadores de sangre, conscientes, responsables y saludables. El Ministerio de Salud de Brasil ofrece incentivos para programas que contribuyan para la concienciación de la importancia de la donación de la sangre, lo que ha hecho posible una mayor concienciación de la población con respecto al ejercicio de la ciudadanía.

Palabras clave: Bancos de sangre. Donadores de sangre. Educación en salud.

INTRODUÇÃO

O sangue sempre teve papel de destaque na história da humanidade, sendo que na antiguidade era considerado um fluído vital que, além da vida, conferia juventude. Entretanto, foram necessários muitos séculos para que pudesse assumir o importante papel terapêutico que tem na atualidade. Por isso, inicia-se este relato com uma breve retrospectiva histórica da hemoterapia, abordando os principais aspectos da legislação relativa ao sangue e destacando o papel das políticas de saúde no processo de doação desse tecido, com a finalidade de contextualizar a experiência de um projeto que materializa a política de captação de doadores.

ASPECTOS HISTÓRICOS RELACIONADOS À HEMOTERAPIA

Pode-se dizer que a história da hemoterapia aconteceu em duas fases: a empírica e a científica. Na fase empírica, a hemoterapia ocupou um espaço entre o científico e o místico. Na Grécia antiga, a retirada do chamado "sangue ruim" era prática freqüente no tratamento das mais diversas doenças. Acredita-se que o conceito de transfusão de sangue não poderia ter surgido antes da descrição do sistema circulatório no corpo, descoberto em 1616, por Willian Harvey. A partir desse momento a hemoterapia começou a chamar a atenção dos estudiosos da saúde para a possibilidade da transfusão.1

Em 1817, James Blundell e John Leacok defendiam a transfusão em animais da mesma espécie. No final do século XIX, apesar dos avanços realizados por Blundell, os transtornos decorrentes da transfusão sangüínea eram significativos. Os problemas relacionados à coagulação do sangue e de reações transfusionais estimularam a utilização de leite de animais como substituto do sangue, porém devido às reações adversas e o aparecimento da solução salina em 1884, foi suspenso o uso do leite como substituto do sangue.1

A fase científica se desenvolve no início do século XX, contudo, neste período ainda eram realizadas transfusões empiricamente, ou seja, sem a realização dos exames prévios de compatibilidade,1 por meio de técnicas rudimentares, diretamente do doador para o organismo do receptor, historicamente conhecida "doação braço a braço".2

Com os avanços da medicina transfusional, em 1901, Karl Landsteiner descobriu os grupos sangüíneos ABO e em 1907 foi realizada a primeira transfusão precedida de exame de compatibilidade entre esses grupos. Nos anos subseqüentes, foi descoberto o fator RH; desenvolveram-se as soluções anticoagulantes e preservantes do sangue; ocorreu a descoberta de outros grupos sanguíneos; foram inventadas as bolsas de sangue e a medicina transfusional foi reconhecida como especialidade médica. Os historiadores consideram como determinantes para o desenvolvimento da medicina transfusional no século XX, as duas guerras mundiais, as guerras da Coréia e do Vietnã e, mais recentemente, a epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).1 Em 1983, foi publicada a primeira descrição de caso suspeito de transmissão do vírus da AIDS por transfusão de sangue, o qual foi confirmado em 1984.

"[...] a AIDS determinou nesta situação histórica a ‘politização do sangue' e os limites da pressão pela mobilização da sociedade civil, tanto para a redefinição das Políticas Nacional e Estadual de Sangue, como para a reorganização da Política Nacional de Saúde".3:308 A ocorrência de casos de AIDS transfusional fez com que inúmeros bancos de sangue fossem fechados e condições mínimas de funcionamento exigidas. Determinou, assim, um aprimoramento da política nacional de sangue e hemoderivados.

ASPECTOS RELATIVOS À LEGISLAÇÃO E POLÍTICA NACIONAL DE SANGUE E HEMODERIVADOS

No contexto brasileiro na década de 40, foram criados os primeiros bancos de sangue: o do Hospital Fernandes Figueiredo, no Rio de Janeiro, em 1941 e o da Prefeitura do Distrito Federal, em 1945. Dando segmento a essa trajetória, em 1949 foi criada a Associação dos Doadores Voluntários de Sangue do Rio de Janeiro, que mais tarde passou a atuar em âmbito nacional.1

No ano de 1950 foi instituída a primeira Lei Federal Nº 1.075, de 27/03/1950 que tratava do sangue.4 Essa legislação incentivou a doação, pois determinava que todo funcionário público, civil ou militar, que doasse "voluntariamente" o sangue, teria o seu dia de trabalho abonado. Contudo, os serviços de sangue não eram fiscalizados, permitindo aos bancos de sangue privados, tornar o sangue um produto lucrativo, havendo doação voluntária e doação remunerada.

A partir da década de 60 foi necessário investir nos recursos humanos, pois novas técnicas de conservação e fracionamento do sangue foram criadas e oportunamente surgiram as indústrias de hemoderivados, visando obter lucro com o sangue. O sangue nesta época era muitas vezes contrabandeado, principalmente nos países que não permitiam seu comércio.

Os problemas graves ocorridos no Brasil nesta década preocuparam a Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo que, em 1969, destacou uma missão chefiada pelo Professor Pierri Cazal, da França, experiente em questões do sangue, para avaliação dos serviços de hemoterapia. Ao chegar ao Brasil, Cazal visitou vários serviços hemoterápicos considerados de baixa qualificação técnico-científica, nos quais 70% dos doadores eram remunerados, indicando a necessidade de reformulação das políticas relacionadas com a hemoterapia nacional.1

Ainda na década de 60, foi criada a Associação Brasileira de Doadores Voluntários (ABDVS) e foi instituído o dia 25 de novembro como o Dia Nacional do Doador de sangue, através do decreto Lei Nº 53988, de 30/06/1964.5 Em 1965, foi criada a Comissão Nacional de Hemoterapia (CNH), responsável por grande parte da legislação do setor hemoterápico, em vigor até hoje e, também, as bases da Política Nacional de Sangue, por meio da Lei nº 4.701, de 28/06/65.6-7

No final da década de 60, mais de 50% dos pacientes hemofílicos estavam contaminados com hepatite B. Com a introdução dos testes no início de 1970, houve diminuição dos casos de hepatite pós transfusional.1

Ao final da década de 70, o controle dos serviços era realizado quase que totalmente pelos bancos privados, nos quais ainda predominava a doação remunerada. Não se faziam exames sorológicos para detectar doenças transmitidas pelo sangue, sendo que pouco progresso aconteceu neste período.

O aparecimento da AIDS no início dos anos 80 e a descoberta da sua possível transmissão por transfusão de sangue, e a ausência de testes laboratoriais que permitissem sua detecção, fizeram com que a identificação dos candidatos à doação e, principalmente, a Triagem Clínica, assumissem papel preponderante no processo de doação e na determinação da segurança das transfusões.

A pressão da sociedade civil foi de fundamental importância para que as políticas de saúde do sangue despertassem a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, o Comitê Pacto de Sangue e o Tribunal Henfil, em São Paulo, os quais foram exemplos de luta, exigindo medidas imediatas para que se eliminasse o descontrole do sangue no Brasil.

Seguindo as diretrizes do Plano Nacional de Sangue e Hemoderivados (PLANASHE), atualmente denominada como Coordenação de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde (COSAH), em 20 de julho de 1987, foi criado em Santa Catarina o Centro de Hematologia e Hemoterapia (HEMOSC), através do Decreto-Lei Estadual n° 272, com o objetivo principal de prestar atendimento hemoterápico de qualidade à população da região, bem como dar assistência aos pacientes portadores de doenças hematológicas (hemofilia e hemoglobinopatias).8 Em 1989, sua área e quadro funcional foram ampliados, embasados no Decreto-Lei n° 3015, criando o Sistema Estadual de Hematologia e Hemoterapia, com o objetivo de promover a interiorização das ações relativas ao uso do sangue para fins terapêuticos: incentivo à doação voluntária do sangue; medidas de proteção à saúde do doador e à do receptor; adoção de medidas para disciplinar a coleta e para promover o controle de qualidade; melhoramento das condições de estocagem e distribuição dos hemocomponentes; bem como promover o desenvolvimento de conhecimento científico e tecnológico na área.7,9

Na década de 90, o HEMOSC de Florianópolis passou a ser o Hemocentro Coordenador, tendo como unidades auxiliares os Hemocentros Regionais, localizados em cinco municípios pólo: Lages, Joaçaba, Chapecó, Criciúma e Joinvile, formando a Hemorrede Pública de Santa Catarina.

Atualmente, no Brasil, existe uma rede de serviços públicos orientada a partir das normatizações estabelecidas pela Gerência Geral de Sangue, outros Tecidos, Células e Órgãos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Com uma história tão conturbada na hemoterapia mundial e também brasileira, diante da busca constante pela qualidade dos serviços hemoterápicos, no Brasil, somente em 1993 a legislação passou a ser mais rigorosa, com a Portaria Nº 1376/93,10 que determinou as normas técnicas para coleta, processamento e distribuição do sangue e da Portaria Nº 121/95,11 que expressou a necessidade de cumprir as etapas do controle de qualidade do sangue. Neste sentido, diversos exames sorológicos foram introduzidos gradativamente na análise do sangue humano para doação.

As ações de todos os profissionais que atuam na área da hemoterapia devem estar voltadas ao cumprimento das determinações do Ministério da Saúde, norteadas pela Resolução da Diretoria Colegiada, RDC Nº. 153 de 14 de julho 2004, a qual determina o Regulamento Técnico para os procedimentos hemoterápicos.12 Este regulamento prevê os seguintes procedimentos: a coleta, o processamento, a testagem, o armazenamento, o transporte, o controle de qualidade e o uso humano do sangue e seus componentes, obtidos do sangue venoso, do cordão umbilical, da placenta e da medula óssea. Estas determinações visam atender às necessidades da população, através da distribuição de sangue seguro.

Em relação ao doador, a legislação preconiza diferentes aspectos, sendo que a doação de sangue deve ser voluntária, anônima, altruísta e não remunerada, direta ou indiretamente. Por anonimato de doação entende-se a garantia de que nem os receptores saibam de qual doador veio o sangue que ele recebeu, nem os doadores saibam o nome do paciente que foi transfundido com componentes obtidos a partir da doação, exceto em situações tecnicamente justificadas.12

O sigilo das informações prestadas pelo doador antes, durante e depois do processo de doação de sangue deve ser absolutamente preservado. Todo candidato à doação de sangue deve assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, na qual declara expressamente consentir em doar o seu sangue para utilização em qualquer paciente que dele necessite e consentir, também, na realização de todos os testes de laboratório exigidos pelas leis e normas técnicas vigentes. O doador deve, ainda, consentir que seu nome seja incorporado a um arquivo de doadores potenciais, se for o caso. A legislação determina, também, a obrigatoriedade da entrega ao candidato à doação, de material informativo sobre as condições básicas para a doação e sobre as doenças transmissíveis pelo sangue. Além dessas informações, esse material deve também mostrar ao candidato a importância de suas respostas na triagem clínica e os riscos de transmissão de enfermidades infecciosas pela transfusão de sangue e componentes.12

Na Resolução Nº 153 preconizam-se, ainda, critérios relativos a vários fatores que visam à proteção do doador, entre os quais citamos: idade, freqüência e intervalo entre as doações, doenças atuais ou anteriores, medicamentos, peso, sinais vitais, gravidez, jejum e alimentação, alcoolismo, alergia e atividades; e critérios que visam à proteção do receptor, como por exemplo, aspecto geral, temperatura, imunizações e vacinações, local de punção venosa, transfusões, doenças infecciosas, enfermidades virais, malária, doadores com risco acrescido para AIDS, doença de Chagas, Doença de Crentzfeldt-Jakab, enfermidades bacterianas, estilo de vida, cirurgias, entre outros.12 Na resolução ainda constam as principais causas de inaptidão definitiva para doação de sangue, as principais causas de inaptidão temporária para doação de sangue e principais medicamentos, doenças infecciosas, cirurgias e vacinas e sua relação com a doação de sangue.12

O descumprimento das normas estabelecidas nessa Resolução constitui infração sanitária, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei Nº 6.437, de 20 de agosto de 1977. O serviço de hemoterapia deve estabelecer um programa de controle de qualidade interno e participar de programas de controle de qualidade externos, para assegurar que as normas e os procedimentos sejam apropriadamente executados.13

A CAPTAÇÃO DE DOADORES COMO POLÍTICA DE ESTADO

Historicamente, a doação de sangue tem sido acompanhada de mitos, preconceitos e tabus. Mesmo com todas as facilidades de informação e comunicação da atualidade, ainda existe muito folclore, gerando desconhecimento e equívocos sobre a doação de sangue.

No Brasil, muito ainda precisa ser feito para desmistificar preconceitos e tabus em relação a esse tema e, então, mudar essa cultura. Uma das formas de operar essa mudança consiste em realizar um trabalho que conscientize e sensibilize os jovens para a doação de sangue como ato de cidadania, solidariedade e preservação da vida humana.

A Captação de Doadores tem papel fundamental na educação da população para a doação de sangue. Tem a missão de conquistar doadores de sangue, buscando a sua fidelização, assim como de socializar informações, já que não existe um substituto para o sangue.

Foi com a intenção de contribuir para a transformação da cultura sobre a doação de sangue, inicialmente na Grande Florianópolis e, posteriormente em todo o Estado, que foi criado o Projeto Escola do HEMOSC.

O Projeto Escola foi iniciado e posto em prática em 1996, por profissionais do Setor de Captação de Doadores do HEMOSC de Florianópolis, como uma estratégia de política pública a fim de conquistar jovens doadores de sangue e, dessa forma, aumentar o número de doadores. O Setor de Captação de Doadores é responsável por diversos programas e projetos visando conscientizar a população para a doação e sensibiliza-la quanto ao ato de doar.14

Conforme o artigo 196 da Constituição Federal de 1988,15 a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo a elaboração e execução de políticas sociais que diminuam o risco de doenças e que facilitem o acesso igualitário e universal às ações e serviços de saúde. Porém, conforme a Lei Orgânica da Saúde, Nº 8.080/90,16 o dever do Estado não exime que as pessoas e a sociedade do comprometimento com a saúde. Sendo assim, profissionais da Captação de Doadores desenvolvem o seu trabalho com a finalidade de contribuir para a segurança das transfusões e, dessa forma, para a saúde coletiva, através de ações sócio-educativas junto à comunidade, de modo a conscientizá-la de sua responsabilidade para com essa questão.

O projeto foi iniciado na rede pública e privada de ensino da Grande Florianópolis, com a participação de 5 escolas, abrangendo 500 alunos. Naquela época, o setor de Captação identificou que apenas 30% das doações eram voluntárias, além de enfrentar a existência de mitos, preconceitos e tabus sobre a doação de sangue, justificando a necessidade de um projeto voltado à educação em saúde.

Educação, neste projeto, é entendida como algo além do ensinar, uma vez que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção".11:25 Desta forma, a elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados a esse processo que consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. "A conscientização implica [...] que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica".17:26 Todavia, como assinala o autor, a conscientização não existe sem a ação-reflexão, ou seja, sem a práxis. É através desta que o homem se coloca no mundo ou o transforma. É também pela práxis que o homem se constrói e chega a ser sujeito de suas ações, palavras, fazendo-se presente no mundo, enfim tomando consciência de sua historicidade. Sendo assim, Freire chama a atenção para o compromisso histórico do homem, como um ser situado no mundo: nesse sentido, quanto mais refletir sobre sua realidade, mais irá se conscientizar e, conseqüentemente mais se compromissará consigo e com a sociedade.17

Adotando essa abordagem sociocultural e acreditando na importância do engajamento do "ser no mundo", o Projeto Escola assumiu o compromisso de socializar os conhecimentos relativos à doação de sangue com a comunidade da qual faz parte. Porém, não tem a intenção de que esses conhecimentos sejam "captados", ao contrário, que sejam discutidos, amadurecidos e que, pela reflexão constante, as pessoas criem seus próprios conceitos, desmistificando tabus, mitos e o próprio folclore relacionado à doação de sangue.14

Apesar do fácil acesso às informações, muitos conceitos ainda são distorcidos, causando equívocos. É possível que isso se deva ao fato de que o sangue, ao longo da história, teve sempre forte apelo emocional, carregando consigo significados opostos ou extremos: o de vida, pois permite o provimento de substâncias vitais a todos os órgãos e o de morte, quando ocorre a sua falta. Neste contexto, o projeto vem contribuindo para a mudança de cultura da população catarinense, objetivando "formar" futuros doadores e/ou multiplicadores da doação de sangue.

Até o ano de 2006, mais de 150 escolas foram envolvidas ao projeto, com a participação de 65.500 jovens, somente na Grande Florianópolis. O projeto também é desenvolvido, igualmente pelos profissionais dos hemocentros regionais da hemorrede pública estadual, compreendendo um número ainda maior de alunos participantes no Estado.

A operacionalização do projeto se dá por meio de palestras sobre a doação de sangue, como atividade central, nas quais se levam aos alunos informações diversas que abrangem o tema. Desenvolvem-se desdobramentos pedagógicos como produções textuais, trabalhos artísticos, gincanas com o envolvimento da comunidade escolar, além de visitas de alunos ao HEMOSC.

Esta experiência nos permitiu corroborar que "é preciso sempre partir do reconhecimento da realidade, da situação específica, da temporalidade e dos sujeitos envolvidos em cada situação [...] essa postura extrapola as relações pedagógicas e acaba por incorporar-se na forma de estarmos no mundo, quer seja no mundo do trabalho, quer seja no mundo da educação".18:32

Em 2003, percebeu-se a necessidade de tornar as atividades mais atraentes ao aluno, planejando-se o projeto "Arte na Doação" como um dos desdobramentos do Projeto Escola e foi planejado em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Sangue e Hemoderivados, que preconiza que 3 a 5% da população brasileira, doe sangue.

O projeto "Arte na Doação" foi idealizado e elaborado por duas assistentes sociais do Setor de Captação de Doadores, com a participação de um ator de teatro. Após diversas reuniões e discussões sobre a nova proposta de trabalho, construiu-se, então, o roteiro do teatro de bonecos. A peça traz a problematização de uma situação de necessidade de transfusão sangüínea, possibilitando aos espectadores a vivência, tanto da necessidade quanto da alegria da doação e do despertar da consciência sobre a importância desse gesto.

Este projeto foi encaminhado ao Ministério da Saúde, a fim de se obter recursos para a sua operacionalização e, em 2005, o recurso foi disponibilizado ao HEMOSC, iniciando sua implantação em 2006.

O cenário e os cinco bonecos protagonistas da peça foram confeccionados pelo próprio ator, ficando também a sonoplastia igualmente sob a sua responsabilidade. Às profissionais da Captação de Doadores do HEMOSC, coube a organização e acompanhamento das apresentações, sendo realizadas 20 em escolas na Grande Florianópolis e 20 apresentações em escolas nos municípios onde se localizam os hemocentros regionais, ou seja, nas cidades de Joinville, Criciúma, Lages, Joaçaba e Chapecó.

Foi realizado um trabalho de edição da filmagem de uma das apresentações, com o registro das falas de alunos e professores, além da participação do ator e da coordenadora do projeto.

Com o objetivo de investigar o impacto do Projeto Escola no público envolvido, realizou-se, em 2006, uma pesquisa no banco de dados do sistema informatizado do HEMOSC de Florianópolis. Foi investigado, em uma amostra de 20% do total de alunos de 7ª séries participantes do projeto no ano de 1998, o percentual de jovens que se tornaram doadores de sangue. Então, constatou-se que, dos 1.474 alunos pesquisados, 172, ou seja, 11,66 %, efetivaram a doação de sangue. Vale ressaltar que muitos compareceram pela primeira vez ao HEMOSC no ano de 2003, quando a maioria completava 18 anos, sendo um dado relevante se comparado ao índice da população doadora de sangue brasileira.

Assim como foram solicitados recursos, foi também enviado ao Ministério da Saúde o relatório das atividades, destacando que os dados estatísticos do Hemocentro de Florianópolis apresentam um índice de doadores satisfatório em relação aos demais hemocentros do Brasil, com 3,06% da população doadora, quando, aproximadamente, 2% da população brasileira é doadora de sangue. O hemocentro de Florianópolis tem apresentado, nos últimos anos, grande parte das doações efetivadas por jovens entre 18 e 25 anos, opondo-se aos dados da pesquisa "Perfil do Doador de Sangue Brasileiro",19 realizada conjuntamente pela ANVISA e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cujo resultado apresenta a idade dos não doadores entre 20 e 24 anos. Cabe ainda ressaltar que a adesão ao projeto e continuidade nele por parte das escolas, as próprias doações efetivadas por jovens que participaram do Projeto Escola em anos anteriores e o índice de 70% de doações voluntárias reforçam a credibilidade ao trabalho desenvolvido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo no século XXI, ainda é necessária a doação de sangue, e de forma consciente, responsável e saudável, pois não há um substituto para esse tecido. Nesse sentido, apesar da evolução técnico-científica, ainda torna-se substancial a efetivação de políticas públicas voltadas à doação de sangue a fim de facilitar o suprimento dos estoques e de contribuir para a melhoria da qualidade do sangue a ser transfundido.

Acredita-se que por meio da informação, educação em saúde e conscientização, e considerando a educação como um valioso instrumento de transformação social, busca-se tornar o jovem um doador de sangue e co-responsável pelo processo da doação.

O Projeto Escola é uma estratégia de política pública que vem sendo desenvolvida junto à população escolar, contribuindo positivamente para a transformação da cultura sobre a doação de sangue. Vem contribuindo, igualmente, para o aumento da população jovem doadora de sangue. Esse projeto parte de um trabalho desenvolvido pelo Setor de Captação de Doadores do HEMOSC que, mais do que atender aos preceitos da PNSH, contribui na formação do cidadão consciente de seu papel na sociedade.

O Projeto Arte na Doação, como um dos desdobramentos do Projeto Escola, desenvolvido no segundo semestre de 2006, atingiu 6.300 alunos de 29 escolas do Estado. Cabe ressaltar que esse projeto foi idealizado com o objetivo de sensibilizar de forma lúdica os jovens – futuros doadores de sangue. Foi executado de acordo com as diretrizes que norteiam a Política Nacional do Sangue e Hemoderivados, buscando atingir a meta do Ministério da Saúde de conquistar doadores de sangue e fidelizá-los.

Por meio deste relato de experiência, reafirma-se a importância da informação, da conscientização e da educação, pois somente assim os seres humanos terão possibilidade de se tornarem co-responsáveis no processo doação de sangue. Assim, torna-se necessária a continuidade do Projeto Escola junto à comunidade escolar, como uma estratégia positiva de política pública, com o objetivo de desmistificar preconceitos e tabus sobre a doação, assim como conquistar doadores conscientes, responsáveis e saudáveis, além de buscar fidelizá-los.

A responsabilidade só existe quando nos damos conta das conseqüências de nossos atos.14 Portanto, um dos objetivos que norteiam o projeto é tornar o jovem co-responsável pela doação de sangue, na medida em que dispõe de conhecimentos sobre o tema e desenvolve a consciência da importância desse ato.

Enfim, o Projeto Escola busca a conquista de doadores cidadãos, responsáveis, conscientes e saudáveis, contribuindo para a segurança e a qualidade do sangue a ser transfundido, através de um processo de educação em saúde, especialmente por ser o sangue essencial à manutenção da vida e, ainda, por não existir uma substância que possa substituí-lo em sua totalidade.

Recebido em: 12 de fevereiro de 2007

Aprovação final em: 20 de julho de 2007

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  • 4 Brasil. Lei No 1.075, de 27 de março de 1950. Dispõe sobre a doação voluntária de sangue Diário Oficial da União, 12 Mar 1950.
  • 5
    Brasil. Decreto No 53988, de 30 de junho de 1964. Institui o Dia Nacional do Doador Voluntário de Sangue. Diário Oficial da União, 1 Jul 1964.
  • 6 Brasil. Lei No 4701, de 28 de junho de 1965. Dispõe sobre o exercício da atividade hemoterápica no Brasil e dá outras providências. Diário Oficial da União, 01 Jul 1965.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      20 Jul 2007
    • Recebido
      12 Fev 2007
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