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Cuidado de enfermagem as pessoas em condições crônicas: concepção de profissionais de enfermagem recém formados

Cuidado de enfermería a las personas en condición crónica: concepción de los profesionales novatos

Nursing care for chronic patients: novice nurses' conceptions

Resumos

Objetivou-se investigar o conhecimento teórico e prático dos recém graduados em enfermagem quanto ao cuidado às pessoas em condições crônicas. Estudo exploratório realizado através de entrevistas com 31 enfermeiras diplomadas no período de 2000 a 2006. A organização e a análise foram feitas pelo método do Discurso do Sujeito Coletivo com auxílio do software Atlas Ti. Quatro idéias centrais foram identificadas: papel dos profissionais de enfermagem no cuidado às pessoas em condições crônicas; estratégias para o cuidado; preparo específico da enfermeira-enfermeiro para cuidar das pessoas em condições crônicas; aprendizado adquirido nos cursos de enfermagem referente ao cuidado às pessoas em condições crônicas. O conhecimento teórico-prático dos participantes referente às condições crônicas não reflete, na sua íntegra, o profissional com o perfil estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais.

Doenças crônicas; Enfermagem; Prática profissional


Estudio exploratorio cuyo objetivo fue investigar el conocimiento teórico/práctico ostentado por los profesionales de enfermería en el comienzo de la profesión, concerniente al cuidado a las personas en condiciones crónicas. La recolección de los datos fue hecha a través de encuestas semi-estructuradas, realizadas con 31 profesionales de enfermería, graduados en el período de 2004-2006. La organización y el análisis de los datos fue hecha por el modelo del sujeto colectivo y por el software Atlas Ti. Cuatro ideas centrales fueron identificadas: el papel de los profesionales de enfermería en el cuidado a las personas en condiciones crónicas; estrategias para el cuidado; el preparo específico de las enfermeras/enfermeros para cuidar de las personas en condiciones crónicas; el aprendizaje obtenido en los cursos de enfermería en relación al cuidado a las personas en condiciones crónicas. El conocimiento teórico y práctico de los participantes referente a las condiciones crónicas no refleja, en su totalidad, el perfil establecido por las Directrices Curriculares Nacionales.

Enfermedad crónica; Enfermería; Práctica profesional


The purpose of this article is to investigate novice nurses' theoretical and practical knowledge concerning care for patients with chronic conditions. This exploratory study interviewed 31 nurses who graduated between 2000 and 2006. The data analysis was conducted using the Collective Subject Speech Method, using the software Atlas Ti. Four central ideas were identified: the role of nurses in patient care; care strategies; specific nursing education in order to care for patients in chronic conditions; and learning acquired through nursing school education regarding chronic conditions. Nursing theoretical and practical knowledge concerning chronic conditions does not reveal in its entirety the professional nurse profile as established by Brazilian National Curriculum Directives.

Chronic disease; Nursing; Professional practice


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Cuidado de enfermagem as pessoas em condições crônicas: concepção de profissionais de enfermagem recém formados

Nursing care for chronic patients: novice nurses' conceptions

Cuidado de enfermería a las personas en condición crónica: concepción de los profesionales novatos

Mercedes TrentiniI; Denise Guerreiro Vieira da SilvaII; Albertina BonettiIII; Betina Hörner Schlindwein MeirellesIV; Eunice SimãoV; Rita de Cássia Bruno SandovalVI

IDoutora em Enfermagem. Professora Aposentada do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Santa Catarina, Brasil

IIDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN/UFSC). Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Santa Catarina, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Educação Física da UFSC. Santa Catarina, Brasil

IVDoutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Santa Catarina, Brasil

VDoutoranda do PEN/UFSC. Enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Santa Catarina, Brasil

VIMestre em Enfermagem. Enfermeira do Hospital Universitário da UFSC. Santa Catarina, Brasil

Endereço Endereço: Denise Guerreiro Vieira da Silva Rod. Dr. Antonio Moura Gonzaga, 647, casa A19 880300-480 - Rio Tavares, Florianópolis, SC, Brasil E-mail: denise@nfr.ufsc.br

RESUMO

Objetivou-se investigar o conhecimento teórico e prático dos recém graduados em enfermagem quanto ao cuidado às pessoas em condições crônicas. Estudo exploratório realizado através de entrevistas com 31 enfermeiras diplomadas no período de 2000 a 2006. A organização e a análise foram feitas pelo método do Discurso do Sujeito Coletivo com auxílio do software Atlas Ti. Quatro idéias centrais foram identificadas: papel dos profissionais de enfermagem no cuidado às pessoas em condições crônicas; estratégias para o cuidado; preparo específico da enfermeira-enfermeiro para cuidar das pessoas em condições crônicas; aprendizado adquirido nos cursos de enfermagem referente ao cuidado às pessoas em condições crônicas. O conhecimento teórico-prático dos participantes referente às condições crônicas não reflete, na sua íntegra, o profissional com o perfil estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais.

Palavras-chave: Doenças crônicas. Enfermagem. Prática profissional.

ABSTRACT

The purpose of this article is to investigate novice nurses' theoretical and practical knowledge concerning care for patients with chronic conditions. This exploratory study interviewed 31 nurses who graduated between 2000 and 2006. The data analysis was conducted using the Collective Subject Speech Method, using the software Atlas Ti. Four central ideas were identified: the role of nurses in patient care; care strategies; specific nursing education in order to care for patients in chronic conditions; and learning acquired through nursing school education regarding chronic conditions. Nursing theoretical and practical knowledge concerning chronic conditions does not reveal in its entirety the professional nurse profile as established by Brazilian National Curriculum Directives.

Keywords: Chronic disease. Nursing. Professional practice.

RESUMEN

Estudio exploratorio cuyo objetivo fue investigar el conocimiento teórico/práctico ostentado por los profesionales de enfermería en el comienzo de la profesión, concerniente al cuidado a las personas en condiciones crónicas. La recolección de los datos fue hecha a través de encuestas semi-estructuradas, realizadas con 31 profesionales de enfermería, graduados en el período de 2004-2006. La organización y el análisis de los datos fue hecha por el modelo del sujeto colectivo y por el software Atlas Ti. Cuatro ideas centrales fueron identificadas: el papel de los profesionales de enfermería en el cuidado a las personas en condiciones crónicas; estrategias para el cuidado; el preparo específico de las enfermeras/enfermeros para cuidar de las personas en condiciones crónicas; el aprendizaje obtenido en los cursos de enfermería en relación al cuidado a las personas en condiciones crónicas. El conocimiento teórico y práctico de los participantes referente a las condiciones crónicas no refleja, en su totalidad, el perfil establecido por las Directrices Curriculares Nacionales.

Palabras clave: Enfermedad crónica. Enfermería. Práctica profesional.

INTRODUÇÃO

O presente estudo está ancorado no cenário das condições crônicas de saúde e no perfil do egresso de graduação em enfermagem. A evidência epidemiológica dos últimos anos mostra que as condições crônicas representam expressiva magnitude. As condições crônicas vão além das doenças crônicas (diabetes, hipertensão, câncer, doenças respiratórias entre outras), para abarcar também as condições transmissíveis persistentes como a tuberculose, Aids, hanseníase, hepatites virais, ainda incluindo os distúrbios mentais de longa duração e as deficiências físicas ou estruturais contínuas.1

A Organização Mundial da Saúde vem propondo desde 2003, o modelo de atenção denominado "Cuidados inovadores para as condições crônicas". O Brasil ainda apresenta um perfil de doenças fortemente marcado por determinantes socioeconômicos e ambientais, mas já se enfrenta situações nas quais as intervenções médico-sanitárias e a mudança dos estilos de vida afetam os níveis de saúde da população.2

Em todo mundo, as taxas de fecundidade diminuem, as populações envelhecem e as expectativas de vida aumentam. Acrescidos a estes fatores, os padrões de consumo alimentar e comportamento não saudáveis vão se impondo e incrementam o aparecimento das condições crônicas.

A alteração da morbi-mortalidade nos países ricos, ocorreu com a chamada transição epidemiológica. Já nos países em desenvolvimento, ou países pobres, ocorre uma dupla carga de doenças, isto é, a persistência concomitante das doenças transmissíveis e carenciais e o aumento das condições crônicas.2 A tendência do envelhecimento da população, se é uma conquista a ser celebrada, vem acompanhada de mudanças importantes nos padrões de morbi-mortalidade e na necessidade de serviços de saúde.3

As condições crônicas são consideradas de longa duração e, exigem que as pessoas reorganizem seu cotidiano, de forma a procurar novos modos de se relacionarem com a vida. No entanto, a maioria das condições crônicas pode ser prevenida. Neste sentido, o Ministério da Saúde tem colocado como prioridade, na agenda do Sistema Único de Saúde (SUS), a implementação de uma política para a prevenção e promoção da saúde da população.4

O cenário do sistema de saúde do Brasil carrega um leque de desafios não só para os setores macro-políticos, mas também para os meso e micro-políticos. Inclui-se aqui o atual sistema de saúde público e o privado, tanto o assistencial quanto o educacional. Entre as principais estratégias, em níveis meso e micro-políticos, para minimizar o surgimento das condições crônicas, destacam-se a detecção precoce da vulnerabilidade das pessoas e a promoção e educação no sentido de incentivar práticas saudáveis de viver. Para tanto, os profissionais de saúde necessitam de novos métodos de trabalho, baseados no modelo de trabalhar "com" e "para" os usuários.5

Estudo realizado com enfermeiras atuantes em unidades básicas de saúde, mostrou a existência de contraste acentuado entre os princípios do SUS e a prática cotidiana nos serviços de saúde.6 Isto revela que há um descompasso entre a teoria e a prática nos setores de saúde, uma vez que a política de saúde deveria ser compreendida e assumida pelas instituições e, principalmente, pelos profissionais da saúde, pois cabe a eles uma boa parte da responsabilidade nesta implementação. É importante destacar que um número significativo de enfermeiros vem assumindo a função gerencial em Unidades Básicas de Saúde. Assim sendo, esse profissional de saúde desenvolve ações técnicas e políticas, modificando seu processo de trabalho para o atendimento das necessidades geradas na saúde.7

Os currículos de graduação dos profissionais da saúde do país deverão apresentar coerência com a situação epidemiológica vigente no país e com a agenda do SUS. Para isto deverão enfrentar o desafio de direcionar, simultaneamente, conteúdos para a prevenção de doenças e a promoção da saúde que contemplem as condições crônicas, além das agudas, considerando o cenário brasileiro.

Em 2001, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Graduação em Enfermagem, pela Resolução Nº 03/2001 - Conselho Nacional de Educação,8 que orientam sobre a reestruturação curricular, incluindo a definição sobre o perfil do egresso, qual seja: "Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano".8:1

A concepção deste perfil, já era considerada no direcionamento da maioria dos cursos de enfermagem, mesmo antes de sua publicação. No contexto interno da profissão, a idéia de mudanças na educação formal de enfermagem emergiu já nas décadas de 80 e 90 do século XX, impulsionada pelas mudanças das condições de saúde do país que clamavam por um atendimento integral, por ações de promoção e prevenção, as quais foram garantidas pela Constituição Brasileira e na organização do SUS.9

Considerando essas mudanças, tanto no cenário epidemiológico e no modelo de atenção à saúde e perfil do egresso do curso de enfermagem, emergiu a idéia deste estudo, que teve o objetivo de investigar o conhecimento teórico e prático dos profissionais de enfermagem recém graduados, em relação ao cuidado às pessoas em condições crônicas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo de natureza exploratória. Participaram da pesquisa 31 sujeitos que preencheram os seguintes critérios: a) diplomados em cursos de graduação em enfermagem de um estado da Região Sul do Brasil, no período de 2000 a 2006; b) atuantes nas instituições de saúde da região; c) dispostos a participar do estudo e a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os sujeitos foram identificados pela busca ativa nas instituições de saúde. Os incluídos no estudo eram formados em três diferentes instituições do referido estado, sendo que mais de 90% eram profissionais do sexo feminino. Os dados foram coletados de setembro a dezembro de 2006, sendo que as informações foram obtidas por entrevistas semi-estruturadas, com questões abertas e fechadas.

Os dados foram organizados de acordo com o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).10 A abordagem do DSC é uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal. Este método está baseado no pressuposto de que o pensamento de uma coletividade é o conjunto de representações ou estoque de discursos ou de matrizes geradas nas práticas discursivas presentes numa dada formação social, num dado momento histórico, do qual as pessoas que vivem nessa sociedade lançam mão para pensar ou expressar seus pensamentos sobre os temas em questão nesta sociedade.11

Este método consta de quatro figuras metodológicas: Ancoragem (AC), Idéias Centrais (ICs), Expressões Chave (ECHs) e o DSC. Ancoragem - é a articulação do discurso ao referencial teórico ou à corrente filosófica em que está alicerçado. Portanto, um discurso ancorado é aquele que expressa, claramente, tendências e ou conceitos de uma determinada teoria e ou ideologia. IC - é a descrição de uma ou mais afirmações que representa o essencial do conteúdo discursivo explícito pelos sujeitos em seus depoimentos.11 ECHs - são trechos extraídos das falas literais dos sujeitos. DSC - é a descrição de um discurso que representa a junção das falas essenciais relacionadas a cada idéia central de cada participante, elaborado de tal forma como se fosse discurso de uma só pessoa. A análise dos dados foi efetuada com o auxílio do software Atlas Ti, que permitiu a organização dos dados de forma a extrair as ICs e as ECHs. A partir dessas idéias e expressões foram constituídos os DSCs.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, Projeto Nº 231/06 e atendeu os dispositivos da Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.12

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados são apresentados de acordo com os dois focos que emergiram no discurso dos profissionais recém formados: 1) a prática do cuidado e 2) a construção do conhecimento.

Das informações obtidas neste estudo foram extraídas quatro ICs: o papel dos profissionais de enfermagem no cuidado às pessoas em condições crônicas; as estratégias para o cuidado; o preparo específico do enfermeira-enfermeiro para cuidar das pessoas em condições crônicas; o aprendizado adquirido nos cursos de enfermagem referente ao cuidado às pessoas em condições crônicas. Estas idéias centrais deram origem a cinco DSCs.

A prática do cuidado

Os destaques pontuados como principal papel a ser desempenhado pela enfermagem com as pessoas com doenças crônicas, foram: educação em saúde como orientação e criação de estratégias de cuidado.

IC 1 - O papel de enfermeiras-enfermeiros no cuidado às pessoas em condições crônicas

DSC 1 - Educação em Saúde como orientação: a enfermagem é responsável pelo processo educativo, educação em saúde e monitoração das doenças. Acompanha a progressão da doença. O nosso papel é mais incentivar, para a pessoa não desistir do tratamento, para não botar a perder tudo aquilo que já conseguiu. O principal papel é educativo, na orientação, na satisfação de certas dúvidas. Já que a pessoa tem a doença, então ela deve aprender a conviver com ela da melhor forma. A doença crônica é um processo longo, precisa de educação para que as pessoas consigam superar algumas dificuldades do viver com a mesma. Aquele que é diabético e hipertenso, seria mais o controle da patologia que ele tem, cuidado com a medicação, toda essa parte de orientação. A enfermeira tem papel fundamental em auxiliar o paciente no controle dessas patologias, isto é, com a prescrição de cuidados específicos para cada patologia. Geralmente as pessoas têm pouca informação a respeito de doenças crônicas, a gente vê que profissionais da saúde prescrevem, mas não alertam o paciente. Já observei em unidades de internação hospitalar que oferecem açúcar para o paciente diabético no lugar de adoçante, ele toma, porque ele não tem a mínima noção, principalmente, no começo do diabetes.

O DSC 1 está ancorado em um modo tradicional de perceber a educação em saúde. Tal fato é expresso nas falas pela recorrência das palavras orientar, informar e ensinar. A educação em saúde tradicional está alicerçada no modelo biologista que tem por meta a mudança de comportamento e conduta dos pacientes, de forma a colocar seu organismo em funcionamento. Além de demandar informação e orientação centradas somente no conhecimento profissional, esse modelo caracteriza-se como diretivo, autoritário e prescritivo.13 Os modelos de enfrentamento adotados pelos sistemas de saúde, centrados unicamente na atenção médica, não têm perspectivas de equacionar os problemas relacionados às condições crônicas de forma efetiva.4,14-15

O modelo de educação em saúde que promove o empoderamento das pessoas está centrado não só no conhecimento profissional, mas também no conhecimento e nas experiências dos usuários e valoriza, sobretudo, a participação ativa das pessoas no controle de sua saúde. Esta visão de educação em saúde deriva da conhecida 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa-Canadá, cujos resultados foram sintetizados na Carta de Ottawa, em 1986. Esta concepção de promoção da saúde é a que embasa o perfil do profissional de enfermagem incluso nas DCNs que estabelece a capacidade de "atuar, (...) como promotor da saúde integral do ser humano".8:1 De acordo com o DSC 1 anteriormente apresentado parece que esses profissionais não assimilaram suficientemente o peso dos conceitos: promoção da saúde e integralidade.

A promoção da saúde, segundo a Conferência de Otawa, inclui: a) a construção de políticas públicas saudáveis; b) a criação de ambientes favoráveis que exigem a criação de condições de trabalho e lazer seguras, satisfatórias e prazerosas; c) o reforço da ação comunitária que tem como eixo impulsor o empoderamento; d) o desenvolvimento de competências pessoais que apóiam o desenvolvimento individual e comunitário mediante educação para a saúde, divulgação de informação e ajuda à população no desenvolvimento das competências para uma vida saudável; e e) a reorientação dos serviços de saúde propondo a responsabilidade compartilhada entre os usuários, os profissionais da saúde e outros segmentos da comunidade, bem como o desenvolvimento da pesquisa em saúde, na renovação da educação da população e no ensino dos profissionais da saúde.16-17

A Reforma Sanitária Brasileira, que deu origem ao SUS, foi conduzida em consonância com a direção filosófica da Conferência de Ottawa sobre a promoção da saúde. O SUS sustenta princípios entre os quais consta o da integralidade, que compreende a superação da dicotomia entre o preventivo e o curativo. Além disso, implica na acessibilidade do cidadão a todos os níveis de complexidade dos serviços e ações de saúde existentes, de forma ordenada e integrada na relação interinstitucional.

Voltando ao perfil do egresso, o que seria promover a saúde integral das pessoas em condições crônicas? É entendido que implicaria em direcionar ações articuladas para todas as dimensões do cidadão (biológica, social, emocional, ambiental e espiritual), visando superar a dicotomia entre educação em saúde, orientação, informação, prevenção, tratamento clínico, além de garantir o consumo de todos os recursos de saúde disponíveis para controlar a doença e usufruir da vida com qualidade. Resumindo, o cuidado integral a pessoas em condições crônicas implica em atuação intersetorial, interdisciplinar, intra-profissional e entre os profissionais e a população, visando o desencadeamento de ações articuladas em grupos específicos, com vistas a promover capacitações e estilos de vida saudáveis.

IC 2 - Estratégias para o cuidado

DSC 2 - Participação em grupos para melhorar a qualidade de vida: a gente tem que partir para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Criar um programa especial de cuidado, já que tem a doença e a gente não consegue mais prevenir, então que eles consigam manter uma qualidade de vida melhor, aprendendo a conviver com a doença. Estimular os pacientes a participarem de grupos, em postos de saúde, no Programa de Saúde da Família, em relação ao diabetes e outras patologias. Deve-se levar em conta a questão da humanização. E aqueles que não sofrem de condição crônica pode-se fazer um trabalho de prevenção no caso das futuras gerações. Com certeza, o papel do enfermeiro na saúde coletiva é atuar na prevenção, tem que trabalhar a prevenção e, preferencialmente, em grupos.

Percebe-se no DSC 2 que há profissionais com uma visão mais ampliada de saúde e cuidado, no sentido de colocarem o cliente mais partícipe do processo de cuidado. Não está claramente determinada qual a modalidade de abordagem utilizada e nem a ancoragem da proposta de "criação de um programa especial de cuidado". Há uma nuance de que a enfermagem realiza sua prática aplicando os princípios do SUS, ao mencionarem o Programa de Saúde da Família (PSF), atualmente citado como Estratégia da Saúde da Família (ESF), que têm como diretriz a reorganização das ações na atenção básica e, por sua vez, deve ser o primeiro vínculo do usuário com o sistema de saúde.18

A família é considerada uma força básica de cuidado e, portanto, é de extrema importância no bem-estar das pessoas, incluindo aquelas em condições crônicas, pois constitui o espaço onde os integrantes podem contar com apoio. O PSF elegeu a família como o principal objeto das ações de saúde oferecidas no ambiente onde vive. Dados de pesquisas têm mostrado que famílias com integrantes em condições crônicas têm enfrentado dificuldades em relação ao cuidado por falta de conhecimento sobre aqueles a serem realizados nos domicílios.19-20 Além disso, as famílias revelaram ter dificuldades de acesso aos serviços de saúde por falta de construção/reativação da unidade básica de saúde no bairro, acusaram também vias de acesso rodoviário precárias e, por fim, expressaram necessidade de apoio emocional para enfrentar os percalços de conviver com um familiar com doença crônica degenerativa em fase final.19 Esta situação mostra que o cuidado precisa integrar ações dos profissionais, das famílias e dos políticos.

As condições crônicas requerem estratégias de cuidado especiais, que ajudem as pessoas e suas famílias a se capacitarem para o auto-gerenciamento de suas condições de saúde. O tratamento médico é necessário, mas não se mostra suficiente para obter bons resultados. As pessoas precisam participar do cuidado de forma ativa, aprendendo a interagir entre si, com as organizações, com os profissionais de saúde e com o meio ambiente. O cuidado profissional precisa ser direcionado para proporcionar oportunidades para este aprendizado.21

Apesar do avanço das condições crônicas, no perfil epidemiológico atual, os sistemas de saúde não estão estruturados para enfrentá-las. Ainda é marcante uma cultura organizacional, e também a valorização pelo cidadão voltada para o cuidado em situações de urgência e emergência.

O modelo de atenção às condições crônicas precisa abranger tanto o âmbito interno do setor de saúde, visando a prevenção e a promoção da saúde, quanto no âmbito externo, estabelecendo parcerias com setores de várias áreas do saber com o objetivo de induzir mudanças sociais, econômicas e ambientais que favoreçam a redução dessas doenças. O conjunto das ações tem como princípios norteadores, entre outros, o acesso às práticas e oportunidades de viver saudável e a promoção da autonomia na conquista do direito à saúde e à qualidade de vida.4

Construção do conhecimento

De acordo com a visão dos participantes do estudo, o conhecimento referente às condições crônicas deve ser construído através da inserção social do profissional; em sua formação profissional em nível de graduação e especializações; e na prática clínica.

IC 3 - O preparo específico da enfermeira-enfermeiro para cuidar das pessoas em condições crônicas

DSC 3 - A inserção social é necessária para a enfermeira-enfermeiro conhecer seu local de prática: acho que tem que se inserir com as pessoas, tem que conhecer o ambiente aonde vai trabalhar. Qual a região que quero trabalhar? Tenho que conhecer toda a questão cultural daquela localização, das pessoas que estão inseridas nesse grupo. A influência do sistema geográfico e climático são todos os fatores sócio-econômicos-culturais que vão te fortalecer. Não é só a questão prática, técnica e científica, da ciência, mas de toda parte psicossocial do indivíduo. Acho também que ele tem que se especializar, tem que buscar conhecimento específico. Se é a área que vou querer trabalhar por opção, acho que vou ter que buscar maior conhecimento.

O DSC 3 mostra profissionais com uma visão ampla do cuidado com consciência de que necessitam conhecer o contexto social, cultural e econômico das pessoas com quem vão interagir durante o cuidado. A partir disso, os profissionais tendem a responder positivamente a alguns aspectos do perfil desejado do egresso mostrando: "[...] ser capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes". 8:3

IC 4 - O aprendizado adquirido nos cursos de enfermagem referente ao cuidado às pessoas em condições crônicas

DSC 4 - Aprendi o cuidado às pessoas em condições crônicas na prática clínica: eu acho que na escola não teve uma abordagem direta sobre o cuidado à pessoa com doença crônica, mas em cada estágio que passei pelas problemáticas, seja na clínica médica ou clínica cirúrgica, aprendi a lidar com pacientes crônicos. Na minha formação acadêmica não aprendi muito, eu aprendi mais mesmo pela prática, minha prática me ensinou a assistência a pessoas em condições crônicas, porque na faculdade a gente tem uma pincelada e tal, mas é mais o dia a dia mesmo. No estágio a gente vê os pacientes que ficam internados por um período. A gente, às vezes, vem pro campo e vê que tem outras doenças crônicas.

DSC 5 - Na graduação tive uma formação básica: eu tive muito pouco assim, eu tive um trabalho muito breve com relação a pacientes crônicos, conhecimentos muito básicos, então não tive muito conhecimento. As doenças crônicas mais ressaltadas foram: diabetes, hipertensão, insuficiência renal, Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas, as básicas. Só que hoje, tu tens toda uma mudança do cenário sobre incidência e epidemiologia de doenças. O curso não deu conhecimento suficiente, mas pelo menos deu as ferramentas necessárias para a gente saber onde buscar o conhecimento e isso aí já nos ajuda bastante.

Os discursos relacionados a IC 4, evidenciam que os cursos de graduação em enfermagem ainda privilegiam o enfoque preventivo quando se trata de condições crônicas. Por outro lado, a prevenção citada nos discursos parece estar ancorada no modelo biologista que valoriza a verticalidade das ações no sentido prescritivo. Como observado no DSC 4, o cuidado está pensado numa perspectiva hospitalar, onde o foco é o tratamento de complicações da doença, o que não pode ser considerado um conhecimento generalista visando a promoção da saúde, a qual requer um cuidado integral, prolongado e contínuo.

Os discursos dos participantes deste estudo evidenciam deficiências teóricas relativas ao perfil do egresso estabelecido pelas DCNs, ao expressarem concepções muito genéricas sobre o cuidado às pessoas em condições crônicas.

O aprendizado referente às condições crônicas, segundo os discursos, aconteceu de modo mais expressivo no campo da prática. "Aprender a Fazer" consiste de um dos quatro pilares da educação indicados pela Unesco e é definido como sendo parte da aquisição da formação profissional; ao contrário de simplesmente fazer, o "aprender a fazer" implica em obter capacidade de comunicação, interação social, liderança, entre outras.21 Tratando-se de cursos de graduação, o aprendizado relativo às doenças crônicas não pode estar apenas ancorado no "aprender a fazer" mas, precisa também agregar o "aprender a ser crítico". Ter senso crítico implica em possuir a capacidade de analisar e discutir situações de modo a não aceitar opiniões preestabelecidas automaticamente.22-23 O profissional de enfermagem crítico precisa ter um conhecimento consistente acerca da realidade em saúde. Deste modo, para ser crítico no campo das condições crônicas, o profissional precisa conhecer as questões conceituais, políticas, as tradições, os paradoxos, as práticas e a sua rede de significados.

CONCLUSÕES

Os resultados indicam que o conhecimento teórico-prático dos participantes deste estudo referente ao cuidado às pessoas em condições crônicas não reflete, na sua íntegra, o profissional com o perfil estabelecido pelas DCNs, nas quais fica evidente a exigência de qualificar enfermeiras-enfermeiros generalistas com bases sólidas e direcionadas para uma consciência crítico-reflexiva.

Os cursos de graduação em enfermagem não podem ignorar que o país vem passando por uma transição epidemiológica, que se caracteriza pelo aumento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis e que estas, atualmente, representam a maior carga de doenças no Brasil. Portanto, o profissional de enfermagem deverá estar preparado para conhecer e intervir sobre as condições crônicas.

Assim, a educação, neste campo, estaria situada dentro da proposta das DCNs, no que se refere à capacidade de modificar as situações de saúde-doença, dominantes no perfil epidemiológico nacional, incluindo tanto a promoção da saúde de pessoas já em condição crônica quanto na prevenção dessas doenças, agindo precocemente nas famílias e nas escolas de ensino fundamental e médio.

Recebido em: 10 de abril de 2008

Aprovação final: 31 de outubro de 2008

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      31 Out 2008
    • Recebido
      10 Abr 2008
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