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Qualidade de oficinas terapêuticas segundo pacientes

Quality of therapeutic workshops according to patients

La calidad de los talleres terapéuticos según los pacientes

Resumos

Estudo descritivo, de natureza qualitativa, tipo estudo de caso, acerca do discurso dos pacientes sobre qualidade das oficinas terapêuticas em saúde mental. Utilizamos como guias os Indicadores de Qualidade de Projeto, conjunto de técnicas elaboradas e testadas na área educacional, cuja finalidade é avaliar projetos educacionais. Este propiciou atender ao objetivo de apontar as características de qualidade das oficinas terapêuticas, a partir da fala dos pacientes. O estudo baseou-se em conceitos pautados em cidadania, também contemplados na proposta de reabilitação psicossocial que orienta a assistência em saúde mental do Instituto de Psiquiatria do Rio de Janeiro. A análise dos dados foi realizada através da análise de discurso. Nossas reflexões basearam-se nos dados obtidos de 12 entrevistas realizadas em uma oficina terapêutica do Hospital-dia do Instituto de Psiquiatria. Através dos dados percebemos que a participação dos pacientes psiquiátricos nestas oficinas pode estar associada a quatro desejos principais: melhores relações sociais, diminuição de sintomas, ajuda com respeito e alguma remuneração.

Enfermagem psiquiátrica; Saúde mental; Reabilitação; Indicadores de qualidade em assistência à saúde


This is a descriptive, qualitative case study about the speech of patients related to the quality of the therapeutic workshop on mental health. As guidelines we used the Project Quality Indexes, a set of techniques carried out and tested in the field of education, used in evaluating educational projects. Their use favored reaching the goal of the study: to point out the quality characteristics of therapeutic workshops based on patient commentary. The study was based on concepts guided by citizenship and contemplated in the psychosocial rehabilitation proposal that orients mental health care at the Psychiatric Institute in Rio de Janeiro, Brazil. Data was analyzed through speech analysis. Our reflections were based on the data obtained from 12 interviews carried out in a therapeutic workshop of the Psychiatric Institute Day-Hospital. From this data, we have perceived that psychiatric patient participation in these workshops may be associated to four main desires: better social relationships, decreased symptoms, aid with respect, and some remuneration.

Psychiatric nursing; Mental health; Rehabilitation; Quality indicators health care


Es un estudio descriptivo, de naturaleza cualitativa, del tipo estudio de caso, acerca del discurso de los pacientes sobre la calidad de los talleres terapéuticos en salud mental. Utilizamos como guías los Indicadores de Calidad de Proyecto, un conjunto de técnicas elaboradas y probadas en el área educacional, cuya finalidad es evaluar proyectos educacionales. Con ese método se pudo atender nuestro objetivo: señalar las características de calidad de los talleres terapéuticos, a partir de lo que dicen los pacientes. El estudio se apoyó en conceptos basados en la ciudadanía, y también incluidos en la propuesta de rehabilitación psicosocial que orienta la asistencia en salud mental del Instituto de Psiquiatría de Rio de Janeiro. El análisis de los datos se realizó mediante el análisis de discurso. Nuestras reflexiones se basaron en los datos obtenidos en 12 entrevistas realizadas en un taller terapéutico del Hospital-día del Instituto de Psiquiatría. Los datos obtenidos permiten percibir que la participación de los pacientes psiquiátricos en esos talleres puede estar asociada a cuatro deseos principales: mejores relaciones sociales, disminución de síntomas, ayuda con respeto y alguna remuneración.

Enfermería psiquiátrica; Salud mental; Rehabilitación; Indicadores de calidad de la atención de salud


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de oficinas terapêuticas segundo pacientes1 1 Recorte da dissertação "O Refresco da Cabeça: Qualidade de Oficinas Terapêuticas segundo Usuários" apresentada na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2007. Financiada pelo CNPq.

Quality of therapeutic workshops according to patients

La calidad de los talleres terapéuticos según los pacientes

Rachel de Lyra MonteiroI; Cristina Maria Douat LoyolaII

IMestre em Enfermagem. Enfermeira do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: rkell@uol.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Professor Titular da EEAN/UFRJ. Orientadora da dissertação. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: crisloyola@terra.com.br

Correspondência Correspondência: Rachel de Lyra Monteiro Rua Suzano, 200 casa 73 – Jacarepaguá 22763-195, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: rkell@uol.com.br

RESUMO

Estudo descritivo, de natureza qualitativa, tipo estudo de caso, acerca do discurso dos pacientes sobre qualidade das oficinas terapêuticas em saúde mental. Utilizamos como guias os Indicadores de Qualidade de Projeto, conjunto de técnicas elaboradas e testadas na área educacional, cuja finalidade é avaliar projetos educacionais. Este propiciou atender ao objetivo de apontar as características de qualidade das oficinas terapêuticas, a partir da fala dos pacientes. O estudo baseou-se em conceitos pautados em cidadania, também contemplados na proposta de reabilitação psicossocial que orienta a assistência em saúde mental do Instituto de Psiquiatria do Rio de Janeiro. A análise dos dados foi realizada através da análise de discurso. Nossas reflexões basearam-se nos dados obtidos de 12 entrevistas realizadas em uma oficina terapêutica do Hospital-dia do Instituto de Psiquiatria. Através dos dados percebemos que a participação dos pacientes psiquiátricos nestas oficinas pode estar associada a quatro desejos principais: melhores relações sociais, diminuição de sintomas, ajuda com respeito e alguma remuneração.

Descritores: Enfermagem psiquiátrica. Saúde mental. Reabilitação. Indicadores de qualidade em assistência à saúde.

ABSTRACT

This is a descriptive, qualitative case study about the speech of patients related to the quality of the therapeutic workshop on mental health. As guidelines we used the Project Quality Indexes, a set of techniques carried out and tested in the field of education, used in evaluating educational projects. Their use favored reaching the goal of the study: to point out the quality characteristics of therapeutic workshops based on patient commentary. The study was based on concepts guided by citizenship and contemplated in the psychosocial rehabilitation proposal that orients mental health care at the Psychiatric Institute in Rio de Janeiro, Brazil. Data was analyzed through speech analysis. Our reflections were based on the data obtained from 12 interviews carried out in a therapeutic workshop of the Psychiatric Institute Day-Hospital. From this data, we have perceived that psychiatric patient participation in these workshops may be associated to four main desires: better social relationships, decreased symptoms, aid with respect, and some remuneration.

Descriptors: Psychiatric nursing. Mental health. Rehabilitation. Quality indicators health care.

RESUMEN

Es un estudio descriptivo, de naturaleza cualitativa, del tipo estudio de caso, acerca del discurso de los pacientes sobre la calidad de los talleres terapéuticos en salud mental. Utilizamos como guías los Indicadores de Calidad de Proyecto, un conjunto de técnicas elaboradas y probadas en el área educacional, cuya finalidad es evaluar proyectos educacionales. Con ese método se pudo atender nuestro objetivo: señalar las características de calidad de los talleres terapéuticos, a partir de lo que dicen los pacientes. El estudio se apoyó en conceptos basados en la ciudadanía, y también incluidos en la propuesta de rehabilitación psicosocial que orienta la asistencia en salud mental del Instituto de Psiquiatría de Rio de Janeiro. El análisis de los datos se realizó mediante el análisis de discurso. Nuestras reflexiones se basaron en los datos obtenidos en 12 entrevistas realizadas en un taller terapéutico del Hospital-día del Instituto de Psiquiatría. Los datos obtenidos permiten percibir que la participación de los pacientes psiquiátricos en esos talleres puede estar asociada a cuatro deseos principales: mejores relaciones sociales, disminución de síntomas, ayuda con respeto y alguna remuneración.

Descriptores: Enfermería psiquiátrica. Salud mental. Rehabilitación. Indicadores de calidad de la atención de salud.

INTRODUÇÃO

Este trabalho objetivou apontar as características de qualidade de Oficinas Terapêuticas (OTs), tendo em vista que inexistem dados de análise que permitam afirmar a qualidade com que as mesmas são realizadas no país. A intenção foi dar voz aos pacientes1 para que, na perspectiva e vivência de cada um, fosse possível descobrir as referidas características, possibilitando uma discussão que permita que os dispositivos assistenciais façam sentido e sejam capazes de movimentar a vida dos seus pacientes.

Nas vivências diárias em OTs, podemos observar que nem sempre o que aproxima os pacientes deste espaço é a atividade-fim proposta. As situações que asseguram a presença dos pacientes variam desde ajuda mútua, local de trocas, até poder dispor de um local para relaxa,2 aqui entendido como local para aliviar as tensões do dia-a-dia. Há ganhos e demandas dos pacientes que perpassam pela necessidade de uma possível inserção nas brechas do social. O objetivo de uma oficina pode ser, por exemplo, um produto de arte e o ganho valorizado pelo paciente; e a reunião informal que antecede a oficina, por ser um ambiente não oficializado de encontros possíveis.

As OTs são as maiores organizadoras da rede de apoio destinada aos pacientes que necessitam de tratamento em saúde mental. É válido considerar que se hoje, no Brasil, existem cerca de 1.200 Centros de Atenção Psicossocial, cada um com quatro OTs semanais e pelo menos cinco pacientes, serão aproximadamente 24.000 pessoas assistidas. Embora simplificado, é um cálculo que permite dimensionar a necessidade de realização de oficinas com qualidade e, nesse sentido, é nosso objetivo auxiliar nesta discussão tão atual.

Para alcance e/ou aproximação das características de qualidade, utilizamos como guia os Indicadores de Qualidade de Projetos (IQPs), propostos pelo fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), juntamente com a equipe de educadores dessa mesma Organização Não-Governamental localizada em Belo Horizonte-MG.* * Rocha S. Indicadores de Qualidade de Projeto: "Agentes Comunitários de Educação". Curvelo (MG): Mimeo; 2002. À época, o desafio era avaliar projetos de educação baseados em doze macro-indicadores: harmonia, eficiência, protagonismo, dinamismo, felicidade, estética, oportunidade, transformação, criatividade, cooperação, coerência e apropriação. Os macro-indicadores originaram-se de micro-indicadores extraídos dos objetivos dos projetos do CPCD. Os micro-indicadores foram alcançados quando a equipe de educadores, em suas discussões, procurava chegar ao palpável do subjetivo. Por exemplo, indicadores de auto-estima:** ** Rocha S. Projeto "Bornal de jogos" Brincando também se ensina. Relatório 2000. Araçuaí (MG): Mimeo; 2000. o cuidado com o corpo (cabelos penteados, constância de banhos, uso de batom), com as roupas e objetos pessoais, as pequenas vaidades e a busca da melhor estética. Estes eram dados que podiam ser visualizados no dia-a-dia de cada criança ou jovem que participava das atividades por eles realizadas; dessa forma, a auto-estima passava a adquirir caráter palpável, com maior chance de mensuração.

Assim como a auto-estima, todos os objetivos específicos dos projetos do CPCD, como cidadania, aprendizagem, participação e socialização, passaram por esse processo de "busca do palpável". Diante do acúmulo de experiências e dessas reflexões, a equipe de educadores conseguiu chegar aos macro-indicadores que, por consenso da mesma equipe, deram origem aos doze indicadores de qualidade acima descritos.

O IQP, por ser uma tecnologia registrada pelo Banco de Tecnologia Social do Banco do Brasil S/A, foi a metodologia escolhida para orientar a realização desse trabalho, visto que pode ajudar a refletir acerca dos projetos desenvolvidos para a saúde mental e a identificar se atendem às necessidades de tratamento dos pacientes psiquiátricos, além de não se tratar de instrumentos padronizados e normativos, como escalas e questionários fechados, que restringem os dados e não permitem absorver mais informações.

REFERENCIAL TEÓRICO

Com a finalidade de embasar esta pesquisa, aproximamos Saraceno e Corin que defendem a idéia de trazer ao centro da cena o sujeito e as maneiras que tornam possível sua maior inserção no meio social.3-4,1 Os citados teóricos foram colocados a dialogar, já que seus pensamentos são importantes para o processo de inserção do paciente mental na sociedade, e porque suas particularidades precisavam ser relativizadas. Neste momento, falaremos do termo entretenimento, rejeitado por Saraceno3 e de um conceito trazido por Corin1 através de uma visão um pouco mais ampla: a de afastamento positivo. O primeiro critica atividades que se restrinjam à função de divertimento ou distração, acreditando que essas atividades não são produtoras de autonomia, nem reabilitam o sujeito adoecido.4 Por outro lado, Corin1 demonstra a porosidade que existe na relação dos pacientes com as possibilidades de Reabilitação Psicossocial para manter-se fora da internação, e derruba a idéia de que um paciente de alta hospitalar teria relações sociais mais ricas e prazerosas. Esclarece que o mundo externo ao hospital pode ser mais árido de relações do que aquelas que se tem com o médico ou a enfermeira da internação, no entanto, isso não quer dizer que é melhor para o paciente ficar lá dentro. A realidade mostra que os pacientes não querem a perda da liberdade por estarem internados, nem ficar entretidos, mas também não desejam atividades plenas de produtividade que os levem à exaustão.

Neste novo modelo de atenção à Saúde Mental, entende-se que as OTs não devem visar apenas a ocupação e o entretenimento; e sim, promover a reinserção social por meio de ações que envolvam o trabalho, a criação de um produto, a geração de renda e a autonomia do sujeito, para não resultar em nova institucionalização que crie outros crônicos.

O entretenimento possui sentido contrário ao que se espera da reabilitação. Seu significado engloba palavras como diversão, passatempo, recreação, manter, conservar e distrair, cujos sentidos são opostos ao de um investimento ativo para reabilitar, que implica em favorecer mudanças de atitude, de sistemas, inclusive a desospitalização, para deixar o conservador e instaurar o inovador. Recreação, distração e passatempo são termos aprisionantes, quando entendidos na perspectiva de uma letargia paralisante de viver, que impossibilita outras vivências criativas. Portanto, há necessidade de fazer com que os espaços terapêuticos não sejam tão rígidos, com tantas normas a serem cumpridas, possibilitando que o trabalho e a atividade estejam inseridos em momentos prazerosos e tenham natureza lúdica também. É preciso refletir a respeito da desconstrução de uma suposta seriedade, necessária e exercida em dispositivos terapêuticos, uma vez que as relações que os pacientes estabelecem com as situações são mais frouxas do que se espera;1 todos participam das relações, porém, não são absorvidos totalmente pela atividade, isto é, freqüentam-na quando têm vontade e dão de si o que é possível. Sendo assim, as OTs não devem exercer uma perseguição implacável sobre o paciente, evitando que ele tenha a sensação de ser obrigado a fazer algo que não deseja.

O conceito de afastamento positivo prevê a aproximação ao social por meio da bricolage, que é a junção de pequenas partes de adesão possível, tornando relativos os termos aumentar, poder e contratualidade. Pensando dessa maneira, os pacientes retiram das várias situações que vivenciam, apenas as partes que são passíveis de interesse, uma forma encontrada de se sentirem incluídos no meio social, valendo-se das brechas ou de pequenas coisas e pontos mais fugazes de adesão. Ademais, os pacientes privilegiam habitar os espaços urbano e público, tais como os pequenos centros de compra das ruas da cidade, por serem locais que se prestam a uma freqüência ao mesmo tempo solitária e inserida, uma maneira de cada um permanecer à margem sem se sentir um excluído. São espaços dentro e fora, configurando um mundo meio afastado onde pode haver uma reconexão com eles mesmos a fim de caminharem no próprio ritmo.1

Essa é uma estratégia desenvolvida pelos sujeitos para participarem do laço social, tornando-o menos doloroso e invasivo para si, colocando um freio no ritmo que a sociedade comanda, ritmo esse que o "doente" não consegue dar conta, vivenciando frustrações que acabam levando a crises e a possíveis posteriores internações. Porém, estar fora também não é bom, pois o paciente passa a encarar novamente a situação da exclusão. Dessa forma, ficar no dentro/fora é a posição assumida por ele para criar laços, sem que para isso precise sofrer demais por eles.

MÉTODO

Estudo descritivo, de natureza qualitativa,5 do tipo estudo de caso, realizado em uma OT do Hospital-dia do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Rio de Janeiro (IPUB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisa autorizada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa deste Instituto, sob o Nº 00100249000-07, e atende a Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.6

Contamos com a participação de 12 participantes, que representavam a totalidade de pacientes envolvidos na OT do estudo. Optamos por não divulgar informações e características da oficina referida, pois estaríamos favorecendo o reconhecimento dos sujeitos e contrariando o consentimento livre e esclarecido, que primava por manter o sigilo dos participantes. Vale lembrar que os princípios éticos, o sigilo e o anonimato foram preservados durante toda a pesquisa, o que facilitou a livre expressão de idéias, opiniões e assertativas acerca da temática. Por intermédio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi garantida a autorização para a divulgação das respostas dos sujeitos da pesquisa.

A coleta os dados, se deu durante os encontros na oficina e o instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista desenvolvido a partir da descrição dos Norteadores de Qualidade. Estes foram definidos a partir do resultado de discussões e reflexões dos componentes do Laboratório de Pesquisa em Enfermagem Psiquiátrica e conceitos de Reabilitação Psicossocial.

Tendo os IQPs como guia e com base na Reabilitação Psicossocial, utilizamos os 12 Norteadores de Qualidade considerados importantes para que, na concepção dos pacientes, as oficinas obtenham o carimbo de qualidade. Esta descrição a priori, contém a adequação do que seriam os IQPs para a SM, configurando o que se convencionou chamar de Norteadores de Qualidade de Oficinas Terapêuticas (NQOTs), tendo em vista a aproximação proposta.

Na realização da descrição dos NQOTs, foram mantidos os mesmos nomes dos indicadores utilizados pelo CPCD, com a intenção de facilitar o entendimento do leitor, sendo eles: apropriação, coerência, cooperação, criatividade, dinamismo, eficiência, estética, felicidade, harmonia, oportunidade, protagonismo e transformação.

Para a criação do instrumento, pensamos em perguntas que abrangessem cada norteador descrito, sendo composto de quantas perguntas fossem necessárias para nos aproximarmos ao máximo do que os pacientes consideram como Aspectos de Qualidade para a Oficinas Terapêuticas (AQOTs). A esse respeito, esclarecemos que a entrevista foi composta por perguntas variadas. Elas tinham a missão de ampliar as possibilidades de respostas provenientes dos usuários e ainda nos situar um pouco mais em relação aos seus pensamentos.

A descrição dos dados deu-se após a transcrição das entrevistas gravadas, originando os AQOTs que nos ajudaram a visualizar sob o ponto de vista dos pacientes, o que amplia suas possibilidades de trocas de bens, afetos e mensagens. Os aspectos de qualidade representam os pontos mais valorizados pelos pacientes e que mais se repetiam em cada norteador avaliado nas entrevistas. Com olhar atento a esses dados, notamos que podíamos agrupá-los em três categorias, sendo elas: estrutura da oficina, manejo do coordenador e desenvolvimento dos pacientes, que representavam as Características de Qualidade das Oficinas Terapêuticas para usuários, que se pretendia encontrar.

Para a análise dos dados, utilizamos a análise de discurso que busca certas regularidades do uso da língua em sua relação com a exterioridade,7-8 permitindo maior aproximação com a realidade.

CARACTERÍSTICAS DE QUALIDADE DE OFICINAS TERAPÊUTICAS SEGUNDO PACIENTES: OS PANINHOS DA VIDA

Como já mencionado, a observação mais atenta dos aspectos valorizados permitiu notar que todos estavam sempre relacionados com a estrutura da oficina, o manejo do coordenador e o desenvolvimento dos pacientes, o que tornou pertinente trabalhar com enfoque nesse tripé, e também porque, na perspectiva dos entrevistados, uma oficina de qualidade deve privilegiar cada um desses fatores, ressaltados freqüentemente pelos pacientes. A composição de cada pilar do tripé é a seguinte.

Estrutura da oficina

Os pacientes desejam ter tempo suficiente para que possam "trabalhar" com mais tranqüilidade e capricho na atividade realizada na oficina. O tempo foi avaliado como insuficiente e, por vezes, associado com a ocorrência de problemas (como erros na produção) decorrentes da pressa para terminar um trabalho. Não houve queixas de falta de material, mas os pacientes mostraram a necessidade de uma maior disponibilidade de materiais diversificados para a oficina, permitindo-lhes melhores opções para a criação. Ao longo do estudo, percebemos que a atividade rotineira exercida em oficinas que envolvem produção, recebe certa crítica. Isto ocorre porque os pacientes primam por inovações, não só de materiais, mas de eventos no dia-a-dia da atividade. Um exemplo seria a participação de pessoas que conhecem técnicas diferentes, que ofereçam novas práticas, ou seja, maior troca de experiências e saberes.

Fica visível que os pacientes observam as condições do local onde se inserem, e demonstram que desejam participar dos trabalhos em um lugar bonito, que seja confortável e tenha instalações apropriadas. Eles deixam entrever que compreendem as dificuldades que o serviço público apresenta, no entanto, parecem não estar mais dispostos a ficar com o que sobra, demonstrando que querem habitar o centro da cena.1 Almejam um pouco mais de atenção e sentem-se desvalorizados com as constantes improvisações a que são submetidos pelos serviços. Diante desta reflexão, acreditamos que já é hora de pensar o "louco" como cidadão, e não como paciente.

Outro ponto observado é que, quando a atividade realizada em uma OT tiver alguma finalidade financeira gerando renda para os pacientes, é preciso pensar em uma quantia considerada justa para remunerar cada um dos sujeitos envolvidos. Na oficina em questão, os pacientes têm satisfação em trabalhar por saberem que, ao final de cada mês, vão receber uma quantia em dinheiro. Porém, alguns se queixam de que o dinheiro é pouco e que gostariam de receber mais. Diante dessa demanda, é válido pensar em maneiras de discutir tal porcentagem, mesmo que para isso sejam criadas parcerias com a iniciativa privada, como eles mesmos sugeriram. Entendemos que o paciente não deseja uma renda qualquer, mas uma quantia considerada suficiente para se sentir investido de poder contratual, que o permita participar das trocas sociais.9 Uma vez que, possuir uma fonte de renda pode traduzir maior autonomia, aqui entendida como a capacidade de criar normas e ordens para sua vida.10

Manejo do orientador

Na maioria das vezes, os pacientes participam das atividades terapêuticas para buscar melhorias na difícil tarefa que é viver em sociedade. Assim, no mínimo, esperam encontrar um local que os acolha, permitindo que tenham uma vivência diferenciada daquela que já experimentaram, com frustrações e negações. Os dados obtidos evidenciaram que nenhum paciente participa das atividades de forma involuntária; estão na oficina para atender aos próprios objetivos, que podem ser passar de um estado a outro melhor10 ou, simplesmente, conviver com pessoas que os aceitam e compreendem. Diante deste fato, o coordenador do grupo possui um importante papel na luta diária dos pacientes. Para eles, a figura do coordenador da OT deve representar a de um orientador, um incentivador, aquele que faz do grupo um sucesso, ou seja, de quem é capaz de operar esta mudança no plano real ou simbólico.

No entendimento dos pacientes, não são poucas as obrigações do coordenador e lhe são atribuídas funções como: orientar o grupo para o bom desempenho da atividade, possibilitar o aumento do número de acordos entre os mesmos por meio de reuniões, ou seja, oferecer um espaço onde eles possam colocar seus pensamentos e reflexões acerca de algum tema específico, ou mesmo quanto a experiências pessoais; incentivar discussões de forma a mantê-los em plena negociação, com isso diminuindo aos poucos a introspecção que alguns podem apresentar, e excluir a possibilidade de existência de uma pseudo-harmonia, levando o sujeito a anular o próprio pensamento e seus desejos para evitar possíveis mal-estares com os colegas. Portanto, o coordenador precisa estar preparado para trabalhar com um grupo de pessoas cujo objetivo é a superação dos próprios obstáculos. Lembrando que nesse jogo de se restabelecer é importante privilegiar o potencial de recuperação das pessoas, colocando-as no centro das intervenções.1,4 Os pacientes esperam contar com uma pessoa que conduza a atividade de forma responsável, para que o tempo investido tenha algum sentido e não seja só um passatempo em suas vidas.3

Necessidades dos pacientes

De acordo com os dados obtidos e com a separação proposta, dentro desta categoria poderia haver outra classificação, que abordaria três necessidades bastante enfocadas pelos pacientes: necessidade de um lugar prazeroso, melhoria da qualidade de vida e das relações sociais. Na primeira classificação, obtivemos a associação dos seguintes dados: capacidade de acalmar e transmitir tranqüilidade, distração, felicidade, satisfação, diálogo, possibilidade de exercitar a criatividade e bem-estar. É necessário pensar melhor a esse respeito, pois estamos sendo alertados de que eles desejam atividades mais flexíveis que permitam, além do trabalho, momentos de lazer, e talvez um espaço com menos regras a serem seguidas. É nesse encontro de falas dos pacientes, e de certa contradição conceitual entre reabilitação psicossocial e entretenimento, que se torna instigante colocar os estudiosos em conversa.1,3-4

Passando à necessidade de melhoria da qualidade de vida, percebemos que este é um dos principais ou um dos maiores motivos para fazer com que os pacientes psiquiátricos participem de espaços terapêuticos. As oficinas podem favorecer a remissão parcial dos sintomas, e isto significa aqui 'parecer menos doente'. E até mesmo a remissão do sintoma, que terá como conseqüência direta a diminuição das internações, narrado pelos pacientes como um momento indesejado.

A melhoria da auto-estima também pode estar associada ao fato de se sentirem mais seguros e com mais controle dos seus atos; modificação de atitudes; reconhecimento pelo outro, uma vez que passam a ter o valor de uma pessoa considerada sadia, pois suas limitações não são tão ressaltadas pelo grupo e suas falas são mais valorizadas. Seus trabalhos são reconhecidos pelo que são, e não por pena, por ter sido feito por um paciente psiquiátrico, o que para eles, significa reconhecimento profissional. Ainda nesse campo, foi incluída a superação de limites cotidianos, quando expressam, por exemplo, os ganhos que obtêm na vida a partir de pequenas melhorias, a superação da estagnação para tornarem-se mais ativos (referem-se à saída do ócio), à maior tolerância por saberem que precisam respeitar a diferença dos outros, e ainda, controlarem seus impulsos. Em relação a esta classificação, com base nas falas dos pacientes, podemos dizer que desejam expandir seus leques de relacionamento. A interação com o outro, o fato de conseguirem manter ou estabelecer novas interações, deixa-os satisfeitos, o que pode estar transparecendo carência de contatos, oriunda talvez da falta de suporte familiar ou do preconceito que ainda vivenciam em sociedade.

A liberdade de ações e pensamentos diz respeito ao desejo que os sujeitos têm de colocar em prática o que pensam, e de decidir sobre o que consideram fundamental para si, sem interferência de terceiros, e também a possibilidade de ter seus anseios atingidos. Outros fatores valorizados estão relacionados com o respeito que sentem ao terem suas falas consideradas pelos profissionais, assim como seus desejos de ação quando querem fazer algo que talvez fuja ao convencional.

Ainda que só tenha aparecido em um Norteador de Qualidade, a união do grupo também é um dado relevante, já que os pacientes não conseguem mantê-la, seja porque as pessoas não desejam um vínculo mais estreito com eles, ou porque eles próprios praticam o afastamento positivo como estratégia de permanecer no laço social.1 Em muitas ocasiões, preferem manter-se em locais nos quais não precisam participar ativamente do que acontece ao seu redor, conservando alguma solidão, ainda que acompanhada.

Outra vantagem adquirida por alguns no desempenho da atividade terapêutica, é a melhora nas relações interpessoais, muitas vezes associada ao aumento da tolerância e do controle dos impulsos que dificultavam os relacionamentos. Dessa forma, a tolerância também se apresenta como uma Característica de Qualidade que as oficinas precisam contemplar. Além disso, percebemos que os sujeitos esperam que a atividade terapêutica sofra atualizações, não fique estagnada, para que eles tenham acesso a novas maneiras de trabalhar, aprendendo práticas antes desconhecidas, tendo assim oportunidades ampliadas e suas atividades diversificadas.

Diante do exposto, visualizamos que a utilização de metodologias que sejam capazes de traduzir e dar visibilidade à assistência prestada, em serviços de saúde mental, e às necessidades dos pacientes, propicia oportunidades de modificações relacionadas com os acertos e erros da prática cotidiana, favorecendo um melhor cuidado aos pacientes. Dessa forma, releva-se a importância de se considerar não só o paciente, mas também sua interação com os serviços, com as equipes, enfim, com toda a rede social.3,11

O Centro da cena

Podemos afirmar que o método qualitativo auxiliou-nos a extrair, dos depoimentos dos sujeitos, dados de caráter subjetivo que não seriam obtidos com o emprego de outro tipo de abordagem. A pesquisa serviu para nos aproximar daquilo que os pacientes consideram como uma Oficina Terapeutica de Qualidade; mas essa é apenas uma aproximação possível, dentre outras. Aqui não se pretende a generalização das oficinas terapêuticas, mas apresentar o resultado de questões instigantes na aproximação conceitual sobre reabilitação psicossocial, suas leituras e críticas a envolver o processo de reabilitar versus entreter versus afastamento positivo. O uso dos IQPs, como linha guia para construir NQOT, foi fundamental para iniciar uma conversa com os pacientes e provocar a perspectiva de cada um acerca do significado de qualidade de uma OT. Num dado momento metodológico, foi necessário produzir uma adaptação generosa para a realidade das condições de Saúde Mental, utilizando-as como um guia de qualidade das coisas da vida, acrescentando "vida aos anos", o que tornou viável a pesquisa. O referencial teórico utilizado permitiu colocar para dialogar os conceitos de reabilitação psicossocial, entretenimento e afastamento positivo à princípio, radicalmente conflitantes, porém, ao longo da análise dos dados empíricos, mostrando-se capazes de produzir brechas de relativização uns nos outros. Esta interlocução teórica ajudou-nos a perceber melhor que os pacientes utilizam um pouco de cada teoria para estar na vida e fora da internação, realizando afastamento positivo para se manter no meio social, sem que isso represente a marca de uma participação menor ou inferior. Na franja de sobreposição dos três conceitos, pudemos visualizar a essência da narrativa dos pacientes: eles querem alguma ajuda, mas com muito respeito; querem ser valorizados e aumentar as suas opções de relacionamentos pessoais; o dinheiro é importante, mas não é o fundamental. É preciso que os sintomas diminuam, que se pareça menos louco do que se é, que o lado de fora desenhe e force a aparência de uma figura melhor do que aquela que se guarda por dentro. O sintoma mais prejudicial a envolver todas as relações e a tornar a doença transparente, no âmbito do convívio social, é a ansiedade. E vale notar que este sintoma não é o prejuízo maior das psicoses, na perspectiva das multinacionais dos laboratórios que, na maioria das vezes, objetivam eliminar os delírios, as alucinações e se for possível, os sintomas assim ditos negativos da esquizofrenia. Indaga-se, então: é possível ensinar a ganhar dinheiro, diminuindo a ansiedade e ampliando relações, e tudo isso contando com a presença de um coordenador que opere a mágica deste convívio? Pela narrativa dos doze pacientes entrevistados, este é o centro da cena. Oficinas terapêuticas podem desenvolver "motes" diferentes, mas devem cuidar para não abandonar a cena, sob pena de se distraírem em outro jogo. Os pacientes lançaram o desejo e suas regras. Vamos a eles!

Recebido em: 4 de setembro de 2008

Aprovação final: 11 de agosto de 2009

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  • **
    Rocha S. Projeto "Bornal de jogos" Brincando também se ensina. Relatório 2000. Araçuaí (MG): Mimeo;
    2000.
  • 1
    Recorte da dissertação "O Refresco da Cabeça: Qualidade de Oficinas Terapêuticas segundo Usuários" apresentada na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2007. Financiada pelo CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      11 Ago 2009
    • Recebido
      04 Set 2008
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