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Demarcação histórica da enfermagem na dimensão tecnológica

Nursing value demarcation in a perspective technological

Delimitación histórica de la enfermería en la dimensión tecnológica

Resumos

Trata-se de uma reflexão com o propósito de esboçar uma demarcação histórica da Enfermagem brasileira em construção tecnológica no âmbito de suas práticas profissionais. Historicamente a relação entre a enfermagem e a tecnologia é permeada por períodos de isolamento do sistema cientifico-tecnológico em trabalho mais artesanal e, posteriormente, pela busca desse conhecimento científico. A Enfermagem vem estruturando um corpo de conhecimento, iniciado com o pioneirismo do saber profissional. Em diferentes períodos de construção tecnológica, estão identificados, em linguagem metafórica, como "fases lunares" para a compreensão de tempos de oscilação político-sociais e qualidade da produção. A "crescente" pioneira, seguida da fase "lua nova" com inventos e adaptações de enfermagem e, finalmente, destacada pela tônica da pós-graduação e expansão dos Cursos de Graduação; uma "lua mais plena", possibilitando registros, patentes tecnológicas e desenvolvimento de projetos de pesquisa. A natureza do estudo trouxe questões próprias da evolução do momento tecnológico da enfermagem brasileira.

Arte; Tecnologia; Enfermagem


This paper consists of describing a reflection about historical demarcation of Nursing in Brazil technologically speaking through of its professional practices. Historically the relation between nursing and technology is mediated by phases of isolation of the scientific-technological work, replaced for a manual one, and finally by the search of scientific knowledge. Thus, Nursing has been building a body of knowledge, started with the pioneering professional background. In different periods of technological background, have been identified in metaphorical language such as "moon phases" about understanding of time of political and social instability, at the same time with the quality of production. The growing initial phase, are followed by "of the new moon" with discoveries and adaptations of nursing and finally, a time characterized by the post-graduation and expansion of undergraduate programs; one "complete full moon" allowing records, patents and technological development of research projects. The nature of this study brought its own questions to the evolution of the technological moment of Brazilian nursing

Art; Technology; Nursing


Se trata de una reflexión que tiene el propósito de delinear una demarcación histórica de la Enfermería brasileña en la dimensión tecnológica a través de sus prácticas profesionales. Históricamente, la relación entre la enfermería y la tecnología se caracterizó por muchos períodos de aislamiento del sistema científico/tecnológico, con un trabajo más artesanal, y, más tarde, por la búsqueda de ese conocimiento científico. La enfermería ha construido un cuerpo de conocimientos, que comenzó con la actitud pionera del saber profesional. Los diferentes períodos de construcción tecnológica de la enfermería se pueden identificar, en lenguaje metafórico, como las "fases de la luna", lo que permite comprender los tiempos de oscilación político/sociales y la calidad de la producción. La fase "creciente" corresponde a la etapa pionera, seguida de la fase de "luna nueva" con las invenciones y adaptaciones de la enfermería y, la última fase, destacada por la tónica del postgrado y la expansión de los Cursos de pregrado: "una luna llena", con registros, patentes tecnológicas y desarrollo de proyectos de investigación. Por su naturaleza, ese estudio plantea cuestiones propias de la evolución tecnológica de la enfermería brasileña.

Arte; Tecnología; Enfermería


REFLEXÃO

Demarcação histórica da enfermagem na dimensão tecnológica

Nursing value demarcation in a perspective technological

Delimitación histórica de la enfermería en la dimensión tecnológica

Lygia PaimI; Cleusa Rios MartinsII; Fernanda PaeseIII; Helga Regina BrescianiIV; Giovana Dorneles CallegaroV

IDoutora em Enfermagem. Docente Aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professora da Universidade do Vale do Itajaí. Santa Catarina, Brasil. E-mail: lypaim@matrix.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Docente Aposentada do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Santa Catarina, Brasil. E-mail: cleusarm@hotmail.com

IIIMestranda do PEN/UFSC. Enfermeira da Atenção Básica de Saúde do Município de Florianópolis. Santa Catarina, Brasil. E-mail: fernandanfr09@yahoo.com.br

IVMestre em Enfermagem. Enfermeira do Hospital Governador Celso Ramos da Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina. Santa Catarina, Brasil. E-mail: helgabre@gmail.com

VEnfermeira. Docente da Escola Técnica Pró-Saúde. Santa Catarina, Brasil. E-mail: gikac@bol.com.br

Correspondência Correspondência: Cleusa Rios Martins Caixa Postal 5004 Trindade 88040-970 – Florianópolis, SC, Brasil E-mail: cleusarm@hotmail.com

RESUMO

Trata-se de uma reflexão com o propósito de esboçar uma demarcação histórica da Enfermagem brasileira em construção tecnológica no âmbito de suas práticas profissionais. Historicamente a relação entre a enfermagem e a tecnologia é permeada por períodos de isolamento do sistema cientifico-tecnológico em trabalho mais artesanal e, posteriormente, pela busca desse conhecimento científico. A Enfermagem vem estruturando um corpo de conhecimento, iniciado com o pioneirismo do saber profissional. Em diferentes períodos de construção tecnológica, estão identificados, em linguagem metafórica, como "fases lunares" para a compreensão de tempos de oscilação político-sociais e qualidade da produção. A "crescente" pioneira, seguida da fase "lua nova" com inventos e adaptações de enfermagem e, finalmente, destacada pela tônica da pós-graduação e expansão dos Cursos de Graduação; uma "lua mais plena", possibilitando registros, patentes tecnológicas e desenvolvimento de projetos de pesquisa. A natureza do estudo trouxe questões próprias da evolução do momento tecnológico da enfermagem brasileira.

Descritores: Arte. Tecnologia. Enfermagem.

ABSTRACT

This paper consists of describing a reflection about historical demarcation of Nursing in Brazil technologically speaking through of its professional practices. Historically the relation between nursing and technology is mediated by phases of isolation of the scientific-technological work, replaced for a manual one, and finally by the search of scientific knowledge. Thus, Nursing has been building a body of knowledge, started with the pioneering professional background. In different periods of technological background, have been identified in metaphorical language such as "moon phases" about understanding of time of political and social instability, at the same time with the quality of production. The growing initial phase, are followed by "of the new moon" with discoveries and adaptations of nursing and finally, a time characterized by the post-graduation and expansion of undergraduate programs; one "complete full moon" allowing records, patents and technological development of research projects. The nature of this study brought its own questions to the evolution of the technological moment of Brazilian nursing

Descriptors: Art. Technology. Nursing.

RESUMEN

Se trata de una reflexión que tiene el propósito de delinear una demarcación histórica de la Enfermería brasileña en la dimensión tecnológica a través de sus prácticas profesionales. Históricamente, la relación entre la enfermería y la tecnología se caracterizó por muchos períodos de aislamiento del sistema científico/tecnológico, con un trabajo más artesanal, y, más tarde, por la búsqueda de ese conocimiento científico. La enfermería ha construido un cuerpo de conocimientos, que comenzó con la actitud pionera del saber profesional. Los diferentes períodos de construcción tecnológica de la enfermería se pueden identificar, en lenguaje metafórico, como las "fases de la luna", lo que permite comprender los tiempos de oscilación político/sociales y la calidad de la producción. La fase "creciente" corresponde a la etapa pionera, seguida de la fase de "luna nueva" con las invenciones y adaptaciones de la enfermería y, la última fase, destacada por la tónica del postgrado y la expansión de los Cursos de pregrado: "una luna llena", con registros, patentes tecnológicas y desarrollo de proyectos de investigación. Por su naturaleza, ese estudio plantea cuestiones propias de la evolución tecnológica de la enfermería brasileña.

Descriptores: Arte. Tecnología. Enfermería.

ALGUNS PASSOS PRIMORDIAIS DA ARTE DE ENFERMAGEM EM CONSTRUÇÕES TECNOLÓGICAS PARA O CUIDAR

A história das tecnologias no cenário do cuidar em Enfermagem, por muito tempo, ficou tacitamente consentida como a materialização de idéias criativas do próprio profissional que processava o cuidado ao considerar os requerimentos de improvisação ou adaptações de materiais e modalidades de abordagem que suscitava o novo e, com ele, o prazer de construir forma mais confortável de realização do trabalho, segundo os princípios de tempo, segurança e economia. Neste texto reflexivo, o propósito é esboçar uma preliminar demarcação histórica da caminhada da Enfermagem brasileira em sua construção tecnológica no âmbito de suas práticas profissionais. São, aspectos arqueológicos da enfermagem, caracterizados em alto esforço mental de construção de mais conforto de ação em saúde em cenas e cenários de quase absoluta carência de equipamentos e métodos adequados ao "saber-fazer" em processos e procedimentos de enfermagem.

Entre os primeiros números da revista oficial da Associação Brasileira de Enfermagem há referências a alguns trabalhos de pioneiras em situações marcantes por tais improvisações. Embora entendidas como inerentes ao cuidado, essas iniciativas foram correspondentemente tomadas como "pequenas-grandes-coisas" e construídas para resolver determinada micro-questão, adquirindo, quase sempre, sentido efêmero, sem amparo de pesquisas científicas oficialmente reconhecidas por Órgãos do Estado; ainda que esses novos saberes fossem considerados mais que "modos de fazer" o cuidado, adquiriam valorização ética e técnica respeitáveis à educação e a prática profissional vigente.1

Essas considerações são uma parte da História da Enfermagem Brasileira, de relevância e que poderá vir a ser objeto de pesquisa. O esforço tecnológico inicial da Enfermagem traz consigo algumas revelações do caminho percorrido desde as pioneiras da Enfermagem nightingaleana no Brasil. Ali, já se concretizavam padronizações de Procedimentos de enfermagem. Desde cedo estes aparatos tecnológicos eram universalizados por convenção, como manuais de técnicas, feitos com estudos esmeradamente testados na experiência em laboratórios do cuidado de enfermagem. Tais laboratórios eram chamados à época, salas de técnicas, onde estudantes e professores praticavam os modos de melhor fazer o cuidado, segundo os princípios científicos e a importância da Arte de Enfermagem. Acreditava-se que a Arte de Enfermagem era marcada pelo lidar com o desafio de processar e produzir o conforto da pessoa que seria cuidada.

O clássico desses manuais no Brasil se constitui um marco técnico-científico, desde os anos 50 do século XX e foi escrito pela Profa Elvira de Felice Souza. Esta autora em seu pioneirismo inaugurou de modo especialmente nobre, esta fase da techné na Enfermagem brasileira.2 Outros manuais sucederam a este livro, com características de atualidades em linguagem e formas, o que reforça o interesse de honrar esta fase histórica e cumprir a evolução do cuidado de enfermagem. O alcance foi não só de novos desdobramentos e nomenclaturas de material, mas também a inserção no mundo da investigação científica e suas decorrências tecnológicas. As replicagens de procedimentos técnicos no campo do ensino-aprendizagem e das práticas, de modo padronizado, circulavam entre as "Enfermeiras-Ananéri", no sentido da linguagem e da concepção dada em publicação produzida na Escola Anna Nery nos anos 80 do século XX.3

As tecnologias nascentes da enfermagem, na primeira metade do século XX, no Brasil, se expressaram distinguidamente na atuação profissional em Saúde Pública. Embora já se configurasse uma extrema racionalidade e busca intencional de ciência no sentido estrito, os enfermeiros à época, mostravam uma ebulição inventiva tomada como necessária, sobremodo voltadas à enfermagem em sua tradição metodológica do ensino e da prática de assistir a pessoas e famílias, destacadamente pelos processos e avanços técnicos na Visita Domiciliar (VD). Ainda que o desenho da visitação fosse padronizado previsto objetivamente, o encontro no domicílio sugeria muitas adequações das técnicas em processos e equipamentos na "maleta da visitadora" pela consideração às necessidades específicas de cada situação domiciliar. Tais situações inspiravam o uso de forças criativas convergentes a inventividades para a resolução das questões que se apresentavam e persecução aos objetivos da VD.

A pensar nas narrações das enfermeiras que coordenavam trabalhos de Saúde Pública, muitos cuidados de saúde com os cidadãos atendidos se davam também os deslocando de suas casas até um local de referência comunitária, onde se davam palestras e outras atividades de Educação em Saúde, mesmo nas práticas em cidades e lugarejos, os mais interioranos.4

Documentos históricos relativos ao trabalho das enfermeiras na Aeronáutica na Força Expedicionária Brasileira, ou mesmo as expedições de atenção de enfermagem nas secas do Nordeste, foram movimentos contendo tipicidades da força criativa de novos processos e produtos. Esta construção, neste trabalho, está demarcando historicamente um período de iniciativas e criações nascentes de dispositivos de enfermagem ainda tendo a dominância do padrão "Enfermeira-Ananeri".3

Assim, à conta dos relatos publicados no final dos anos 50, por exemplo, é possível olhar que de modo empírico, alguns materiais e novos processos foram sendo construídos. A maior parte deles foram gestados no interior do trabalho mesmo da enfermagem, sem pretensões de decorrerem de projetos de pesquisa científica. Era, quase sempre, uma criação no porte de uma intencionalidade pedagógica, dentro da proposta técnico-científica. Além disso, criavam-se soluções de enfermagem de modo mais isolado da ciência na Universidade, tanto fisicamente como também nas relações com outros estudiosos; enfim, a enfermagem não tinha intimidade com os preceitos da investigação científica como hoje, em sua definida autonomia para a investigação e prática profissional.

O passar desses anos, prenhes de inovações desse caráter, trouxe no mundo inteiro similar esforço, o que foi discutido no sentido político-social como "tecnologia apropriada". A Organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde reconheceram e fomentaram, as iniciativas voltadas a esse tipo de tecnologia. O que era típico nas denominadas inovações e adaptações tecnológicas dessa natureza eram as suas qualidades de serem social e economicamente apropriadas (mais sucesso, menos custo). Contudo, a crítica sobre elas se fez densa, ao afirmá-las como tecnologia da pobreza. A coincidência, no Brasil, com as primeiras experiências desse tipo de tecnologia, encontrou-se com as prévias à construção dos Projetos ao Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, a Atenção Primária de Saúde (APS) que se valeria dessa ebulição construtiva, foi se ressentindo com a crítica de que APS ou mesmo a atenção ao primeiro nível de saúde não poderia ser confundida com "atenção menor", "atenção inferior", "atenção à pobreza", etc. Esta era uma coincidente repercussão das duas novidades: o primeiro nível de atenção à saúde (entrada no sistema) e a tecnologia apropriada. Ambos que seriam um campo de riqueza cultural tecnológica se caminhassem juntos, afastam-se e a Atenção Básica de Saúde consubstanciada no SUS, a partir do final da década de 80 no século passado, vem se considerando com uma fisionomia ainda indefinida, pois faz encaminhamentos a outros níveis de atenção em que predominam tecnologias moderadas e duras.5

MARCO TRANSITIVO DA TECNOLOGIA DE CUIDAR EM ENFERMAGEM

Quando dizemos fisionomia tecnológica indefinida, queremos ressaltar que falta um arrojo e um apoio mais determinado e concentrado nas tecnologias leves, ou seja, naquelas em que mesmo invisíveis são desencadeadoras e principais responsabilizadas pela humanização do cuidado, porquanto lidam com a subjetividade nas relações entre profissionais e usuários nos serviços de saúde. Assim, o acolhimento, o vínculo, a escuta sensível, o cuidado culturalmente congruente, e tantas expressões e manifestações de cenas e cenários da saúde, tomam seu lugar apropriado e requerem o olhar de prazer e alegria no interior dos serviços de saúde. No entanto, ao considerarmos o acolhimento uma tecnologia assistencial que pressupõe a mudança de relação profissional/usuário e sua rede social, retorna com a perspectiva de que para acolher é necessário ser acolhido, utilizando a reorganização do próprio processo de trabalho, ainda, centrado no modelo biomédico. O ser acolhido precisa sentir-se confortável e amparado pela instituição de saúde para, assim, o mesmo manter sua autonomia e oportunidade de expressão.6

O crescente envolvimento de profissionais assistenciais em capacitações ligadas à educação permanente; as tendências de abordagem e as linhas e grupos de pesquisa em definição de maior clareza desde 1990, reúnem condições de avanço à valoração da discussão teórica da enfermagem no contexto da saúde, diferindo do isolamento anterior em seus estudos e práticas.

Ao pensar as adaptações e inventos, como substitutivos em situações de carências de materiais e equipamentos, mínimos à implementação de cuidados de enfermagem nos anos pós-ditadura, a chegada da redemocratização das políticas públicas de educação, de saúde e de ciência e tecnologia, foram abertas a novas leituras críticas da realidade, no sentido de mostrar e transformar os desmandos próprios daquele período político-militar. Tais leituras se davam, a exemplo da crítica de não-participação do usuário, dos desvios, tais como, a aderência à medicalização e o excedente de maquinário ou tecnologia pesada, agravadas pela importação e alto custo; e mais, o alijamento de tecnologias apropriadas ou simplificadas sob alegações preconceituosas de "tecnologias da pobreza"; por sua vez, os avanços em estudos qualitativos e, sobremodo, uma nova razão-sensível foi sendo apreendida e com ela, a relativização ocupando o lugar diferente da extrema razão e compondo um outro espaço de compreensão na atenção à saúde.

Na enfermagem houve certo aumento da lucidez de sua condição de exercício profissional emancipatório, e uma força político-participativa mostrou-se mais expressiva e coordenada em seus espaços organizativos. Esse clima de redemocratização no interior da enfermagem e na sua inserção nos movimentos político-sociais do país trouxe novos conceitos e práticas, incrementados à reflexão e estudos investigativos da atualidade temática, entre elas, os temas tangentes a tecnologias no processo de trabalho de enfermagem; assim, entre 1980 e 1989 houve uma riqueza de explicitação de conflitos da profissão com possibilidades de transformações antes nunca vistas.7

Um dos marcos decisivos à valoração das tecnologias em enfermagem foi desencadeado, com a pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq intitulada Inventos e Adaptações Tecnológicas de Enfermagem, e levada a efeito na Universidade Federal de Santa Catarina. O objetivo desse projeto foi reconhecer qual o saber subjacente aos inventos e adaptações feitos pelos profissionais de enfermagem para a utilização nos cuidados que lhes são próprios no cenário vivo do seu trabalho cotidiano. Nos limites do projeto foram mapeados 32 inventos, em catálogo intitulado "Enfermagem: Verbo Criar", expostos à sociedade em diversos eventos científicos. No relatório de pesquisa foi apontado o saber identificado como um saber tecnológico, de natureza destacadamente humanizadora, refletindo a ousadia de criar (alguns com protótipo de esboço artesanal), de baixo-custo e impregnado de expressividade emocional do inventor.8 Eram em sua maioria, dispositivos e equipamentos, que construíam mais conforto a quem cuidava, e a quem era cuidado. Os produtos colecionados pelo citado estudo foram confeccionados após uma idéia primeira solitária e posterior reflexão cognitiva solidária, entre colegas, consubstanciando um saber-fazer mais próximo da arte e que se mostrava invertido do processo científico estrito de construções tecnológicas. Contudo, muitos deles foram revisados nessa ótica, por incentivo do Projeto de Pesquisa e, alguns deles, em torno de um quarto do total, foram registrados e ou patenteados, em processo regular no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Uma visualização dos produtos catalogados pelo referido projeto foram reagrupados nominalmente sob a categoria relativa a patentes e registros, arrolados no Quadro 1, a seguir.


A despedida do século XX trouxe mais clareza de que a relativização da razão se faz no cultivo de novas sensibilidades. A Enfermagem trilhou esse "sentir expandido" com discrição,9 porém com muita propriedade vinculada ao estudo do seu saber-fazer; a revelação desse teor aproximativo e de visibilidade para diferentes sensibilidades prometidas pela energia de tecnologias leves vem se mostrando apropriadamente confortável ao conhecimento da enfermagem. A aproximação educacional com Freire em sua paixão quanto aos saberes, escuta sensível, conceitos que vem conferindo propriedade cognitiva aos interesses tecnológicos do cuidar em enfermagem.10 O sentido de busca do saber subjacente aos espaços das relações no interior do trabalho em saúde e a inserção da enfermagem em estudos desse âmbito de inclusão das subjetividades têm sido objeto de pesquisa e consequentes possibilidades de mudanças qualificativas das práticas de enfermagem nos serviços de saúde. Entre muitos estudos contemporâneos, vale citar a tendência das pesquisas sobre acolhimento, receptividade aos acompanhantes e outros estudos de humanização em Saúde, os quais interpretam o espaço das relações e a presença profissional da Enfermagem. Para ilustrar tal tendência de abordagem tecnológica aderente à prática de cuidar, o estudo de Nascimento feito com imersão da pesquisadora na prática assistencial constitui-se uma possível exemplaridade do que ora trata.11 Tal pesquisa explicita como novo conhecimento a compreensão no espaço de relações em Unidade de Terapia Intensiva, para a construção de tecnologias de acolhimento aos familiares. Esta face contém nova sensibilidade e expõe a fisionomia humana como extensão tecnológica, o que desmistifica a visão dual e em superação, qual seja, conceber a sociedade humana e sua historia em cisão com os seus aparatos técnicos e suas tecnologias. Os estudos apontam a profundidade da noção de que o corpo humano possivelmente parece ser reconstruído a cada inovação tecnológica.9 Portanto, a idéia de que os humanos sofrem "desumanização tecnológica" traz subjacente morosidade em considerar a importância de pensar os efeitos estéticos de construção de novas sensibilidades pela expansão da percepção trazida justamente com essas inovações tecnológicas.

FISIONOMIA TECNOLÓGICA DO SENSÍVEL SABER-CUIDAR EM ENFERMAGEM

No século XXI em que vivemos, pela percepção da tecnologia em geral, temos nos dado conta do tempo e da velocidade com que é instigada a nossa existência e sua concretude em nossos corpos. A vida e arte fazem dueto; enquanto tempo e tecnologia energisa com sua orquestração. A Enfermagem como arte em trajeto conforme argumentado no final do ano 1999, ainda se mostra com invisibilidade, porém está eivada de arte escondida na intimidade profissional de seus saberes-fazeres tecnológico.12 Ao olhar, no mesmo sentido dessa busca de novas sensibilidades harmonizadas às tecnologias, a enfermagem vem se propondo ao estudo de amplidão nas condições de libertação, autonomia, emancipação de pessoas e grupos na saúde e na sociedade em geral. Esta estética do sentido de liberdade humana não vem descolada da arte da vida, dos desejos, dos sonhos, da solidariedade e dos infinitos gestos e atitudes de beleza do mundo humano. As tecnologias mais recentemente estudadas pelas investigações científicas de enfermagem têm produzido novos teorizações e processos mais que novos produtos. Os processos são representações à noção de arte e esta traz consigo estilos variados e multiformes de expressão nas relações de subjetividades que se mostram estranhadas em nossos humanos corpos.

É objeto de reflexão a quantidade e qualidade de pesquisas cujo objeto de estudo tem forte aderência à arte da política do vir-a-ser exercida em ritmo crescente de participação em saúde, de relações pedagógicas emancipatórias, de compromisso social com a dignificação da autonomia humana. Esta questão bioética é sensível à natureza humana das tecnologias que vêm sendo construídas no campo científico da enfermagem. Uma construção em que o trabalho da enfermagem tem conectividade com o corpo de quem cuida do emprego das tecnologias em quem é cuidado.

Não foi por acaso que houve pesquisa objetivando a caracterização do saber produzido pela enfermagem. Era preciso evidenciar tais saberes para encontrar suas possibilidades emancipatórias buscando construir indicadores de avaliação dessas tecnologias.13 Com esta tese, fica traduzida nesta pesquisa a confirmação de que a tecnologia emancipatória é uma possibilidade para a práxis de enfermagem na construção de sujeitos que sejam co-partícipes no processo de cuidar em saúde.

De modo convergente a essa cosmovisão das tecnologias e teorias científicas mais contemporâneas, também foi repensada a ecologia e pluralizada em três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana, propondo deste modo, a reinvenção possível nas maneiras de ser, na interioridade dos casais, da família, do trabalho e da cidade.14

Os avanços tecnológicos de saúde são voltados à vida e assim, a arte se mostra bem próxima.9 O que se considera é a arte nos revelando os aspectos humanos das tecnologias. A resistência a ver essa humanização tecnológica vem limitando o nosso trabalho cotidiano a ponto de vulnerabilizar, em comprometimento, o fluxo da história humana.

O desenho da dimensão tecnológica informatizada em enfermagem vem confirmando que a mente humana vem se ampliando crescentemente e este é o curso que tem levado a própria enfermagem a alcançar estágios de inserção tecnológica antes apenas tomados como ficção. O uso da tecnologia informatizada seja no ensino do cuidar ou nas práticas mesmo de enfermagem inscrevem-se com projetos tecnológicos. Um destaque desses estudos e pesquisas de enfermagem revela que o enfermeiro quando mobilizado concebe, produz e gere tecnologia informatizada, comprovando sua tese no campo do ensino de reanimação cárdio-respiratória em Enfermagem.15-17

PONDERANDO E BUSCANDO NOVOS PENSARES

As fases da construção tecnológica no olhar da Enfermagem ao trabalho vivo, metaforicamente correspondem às fases cíclicas lunares, pois cumprem circuitos na dinâmica, segundo várias influências: crescente, cheia, minguante e nova. Nesta reflexão, a fase crescente, veio com a efervescência dos artefatos, confeccionados de modo manual, em trabalho solitário e solidário - solitário, porquanto isolado, individualizado de livre-opção dadas às carências dos materiais no Serviço de Enfermagem; assim buscava fazer acréscimos e enriquecimento da proposta intrínseca da enfermagem, no que diz respeito a dispor de maior conforto a quem recebe e participa do cuidado de saúde. Esta fase que passou de minguante, ou seja, sem luminosidade da valorização, de registros, de produção, com ausência de profissionais de enfermagem, chegou a crescente, dando partida com o pioneirismo de enfermeiras no sistema nightingaleano. A tônica era os inventos de processos e produtos técnicos sem articulações com correspondentes sistemas científicos externos de apoio à profissão. Este tempo de fase pioneira crescente, porém, a criação tecnológica na profissão se prolongou visivelmente, com este mesmo caráter predominante manual e isolado. Passado o élan do pioneirismo, houve minguante movimento de mudança até a chegada do período de 1970 a 1980 quando foram politicamente abertas as oportunidades de exames para titulações em Livre Docência e Cursos de Mestrado, bem como a expansão do número de Cursos de Graduação em Enfermagem nas Universidades Federais. Estes avanços numéricos e qualitativos repercutiram em evoluções políticas e científicas, fazendo com que as pesquisas de enfermagem tivessem lugar junto aos sistemas de apoio científico e tecnológico do país. Portanto, mais de meio século nessa fase, significou certo descaminho pelo circunstancial distanciamento da força de apoio em políticas públicas de pesquisa e de pós-graduação, o que se traduz historicamente num período de fase minguante até ir entrando crescentemente numa "cheia", uma lua mais plena, com a presença de registros, patentes no INPI, e desenvolvimento de projetos de pesquisa e tecnologias de enfermagem, apoiados pelo CNPq. Os inventos e as adaptações tecnológicas nesta fase lunar expandida já incluíam as pesquisas e teses de pós-graduação com publicações de maior luminosidade em ampla difusão do conhecimento de enfermagem.

Diante das reflexões suscitadas nas breves rememorações de aspectos históricos da enfermagem no campo da sua produção tecnológica emergem algumas questões que nos levam de volta ao começo deste trabalho. Muitas perguntas de implicação cientifica estão em aberto e para elas, há a pertinência da dúvida que requer qualificadas investigações cientificas e validações tecnológicas nas práticas profissionais.

A dimensão "tecnologia da informatização" trará ganho de tempo possibilitando novas sensibilidades no cuidar em enfermagem?

Seria este tempo tecnológico indício de uma retomada da explicitação da arte subjacente ao trabalho da enfermagem?

Qual a futuridade do cuidar em enfermagem quando são pensadas as tecnologias integradas as mesmas como extensões do próprio humano-cuidador?

Recebido em: 15 de dezembro de 2008

Aprovação final: 25 de agosto de 2009

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  • Correspondência:

    Cleusa Rios Martins
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Recebido
      15 Dez 2008
    • Aceito
      25 Ago 2009
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