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Experiências dos enfermeiros com o trabalho de gestão em saúde no estado da Paraíba

Nursing experiences with health care management work in Paraíba, Brazil

La experiencia de los enfermeros como gestores de salud en el estado de Paraíba, Brasil

Resumos

A pesquisa teve como objetivo analisar as impressões dos enfermeiros sobre a experiência como gestor em saúde na perspectiva de reconhecer elementos fortalecedores do projeto da Reforma Sanitária. O estudo é exploratório, qualitativo e ancorado na história oral temática. Colaboraram sete enfermeiros que atuavam como gestores em municípios da Paraíba/Brasil. As informações foram analisadas conforme a técnica de análise de conteúdo. Baseados em suas experiências, os colaboradores reconheceram a Estratégia Saúde da Família como reorganizadora da atenção básica e como locus de aprendizagem para a gestão. Também citaram como desafios o despreparo dos trabalhadores para a gestão em saúde e a falta de autonomia financeira, problemas que impactam negativamente as metas instituídas no Pacto de Gestão e retardam o processo da Reforma Sanitária. Os enfermeiros, embora tenham recebido em sua formação conhecimentos na linha taylorista, mostram-se sensíveis ao planejamento de ações sob conceitos como vigilância em saúde, revelando potencial para mudanças.

Gestão em saúde; Sistema Único de Saúde; Enfermagem


The objective of this study was to analyze nursing impressions about their experiences as health care managers within the perspective of recognizing empowering elements of the Brazilian Sanitary Reform project. The study is exploratory, qualitative, and anchored in the oral history thematic. Seven nurses who worked as managers in municipalities of Paraíba, Brazil participated. The information was analyzed according to the content analysis technique. Based on their experiences, the collaborators recognized the Family Health Strategy as a reorganizer for basic care and a locus for management learning. The unpreparedness of workers for health care management and lack of financial autonomy were cited as challenges and seen as problems that negatively impacted the goals established in the Management Pact and retard the Health Reform process. The nurses, although they had received knowledge concerning the Taylorist line in their formal training, showed themselves to be sensitive to planning actions under concepts such as health surveillance, revealing the potential for change.

Health management; Unique Health System; Nursing; Gestión en salud; Sistema Único de Salud; Enfermería


La investigación tuvo como objetivo analizar las impresiones de los enfermeros sobre su experiencia como gestores de salud, en la perspectiva de reconocer elementos fortalecedores del proyecto de Reforma Sanitaria. Es un estudio exploratorio, cualitativo, fundamentado en la historia oral temática. Los participantes del estudio son siete enfermeros que trabajaban como gestores en los municipios del estado de Paraíba, Brasil. Las informaciones se analizaron mediante la técnica de análisis de contenido. Los colaboradores, basados en sus experiencias, reconocieron la Estrategia de Salud de la Familia como reorganizadora de la atención básica y como locus de aprendizaje para la gestión. Citaron como desafíos la falta de preparación de los trabajadores para la gestión de salud y la falta de autonomía financiera, problemas que impactan negativamente las metas instituídas por el Pacto de Gestión y retrasan el proceso de Reforma Sanitaria. Los enfermeros, a pesar de que han recibido en su formación conocimientos de la línea taylorista, se mostraron sensibles a la planificación de acciones según conceptos tales como la vigilancia en salud, revelando potencial para el cambio.


ARTIGO ORIGINAL

Experiências dos enfermeiros com o trabalho de gestão em saúde no estado da Paraíba

Nursing experiences with health care management work in Paraíba, Brazil

La experiencia de los enfermeros como gestores de salud en el estado de Paraíba, Brasil

Anne Jaquelyne Roque BarrêtoI; Lenilde Duarte de SáII; Cesar Cavalcanti da SilvaIII; Sérgio Ribeiro dos SantosIV; Gisetti Corina Gomes BrandãoV

IMestranda do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem na Atenção à Saúde da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora da Escola de Enfermagem e Farmácia (ESENFAR) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e da Faculdade de Enfermagem Nova Esperança. Alagoas, Brasil. E-mail: annejaque@gmail.com

IIDoutora em Enfermagem e Saúde Pública. Professora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB. Paraíba, Brasil. E-mail: lenilde_sa@yahoo.com.br

IIIDoutor em Enfermagem. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Clínica UFPB. Paraíba, Brasil. E-mail: profccs@yahoo.com.br

IVDoutor em Sociologia. Professor Associado do Departamento de Enfermagem Clínica UFPB. Paraíba, Brasil. E-mail: srsantos207@gmail.com

VDoutoranda em Ciências da Saúde do Programa Interinstitucional da USP. Professora Assistente da ESENFAR e da UFAL. Alagoas, Brasil. E-mail: gisettibrandao@ig.com.br

Correspondência Correspondência: Anne Jaquelyne Roque Barrêto Av. Frei Galvão, 12 58067-695 - Gramame, João Pessoa, PB, Brasil E-mail: annejaque@gmail.com

RESUMO

A pesquisa teve como objetivo analisar as impressões dos enfermeiros sobre a experiência como gestor em saúde na perspectiva de reconhecer elementos fortalecedores do projeto da Reforma Sanitária. O estudo é exploratório, qualitativo e ancorado na história oral temática. Colaboraram sete enfermeiros que atuavam como gestores em municípios da Paraíba/Brasil. As informações foram analisadas conforme a técnica de análise de conteúdo. Baseados em suas experiências, os colaboradores reconheceram a Estratégia Saúde da Família como reorganizadora da atenção básica e como locus de aprendizagem para a gestão. Também citaram como desafios o despreparo dos trabalhadores para a gestão em saúde e a falta de autonomia financeira, problemas que impactam negativamente as metas instituídas no Pacto de Gestão e retardam o processo da Reforma Sanitária. Os enfermeiros, embora tenham recebido em sua formação conhecimentos na linha taylorista, mostram-se sensíveis ao planejamento de ações sob conceitos como vigilância em saúde, revelando potencial para mudanças.

Descritores: Gestão em saúde. Sistema Único de Saúde. Enfermagem.

ABSTRACT

The objective of this study was to analyze nursing impressions about their experiences as health care managers within the perspective of recognizing empowering elements of the Brazilian Sanitary Reform project. The study is exploratory, qualitative, and anchored in the oral history thematic. Seven nurses who worked as managers in municipalities of Paraíba, Brazil participated. The information was analyzed according to the content analysis technique. Based on their experiences, the collaborators recognized the Family Health Strategy as a reorganizer for basic care and a locus for management learning. The unpreparedness of workers for health care management and lack of financial autonomy were cited as challenges and seen as problems that negatively impacted the goals established in the Management Pact and retard the Health Reform process. The nurses, although they had received knowledge concerning the Taylorist line in their formal training, showed themselves to be sensitive to planning actions under concepts such as health surveillance, revealing the potential for change.

Descriptors: Health management. Unique Health System. Nursing.

RESÚMEN

La investigación tuvo como objetivo analizar las impresiones de los enfermeros sobre su experiencia como gestores de salud, en la perspectiva de reconocer elementos fortalecedores del proyecto de Reforma Sanitaria. Es un estudio exploratorio, cualitativo, fundamentado en la historia oral temática. Los participantes del estudio son siete enfermeros que trabajaban como gestores en los municipios del estado de Paraíba, Brasil. Las informaciones se analizaron mediante la técnica de análisis de contenido. Los colaboradores, basados en sus experiencias, reconocieron la Estrategia de Salud de la Familia como reorganizadora de la atención básica y como locus de aprendizaje para la gestión. Citaron como desafíos la falta de preparación de los trabajadores para la gestión de salud y la falta de autonomía financiera, problemas que impactan negativamente las metas instituídas por el Pacto de Gestión y retrasan el proceso de Reforma Sanitaria. Los enfermeros, a pesar de que han recibido en su formación conocimientos de la línea taylorista, se mostraron sensibles a la planificación de acciones según conceptos tales como la vigilancia en salud, revelando potencial para el cambio.

Descriptores: Gestión en salud. Sistema Único de Salud. Enfermería.

INTRODUÇÃO

Dentre os atores envolvidos no processo de consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e do avanço da Reforma Sanitária Brasileira como projeto ético-político encontra-se o gestor, figura para a qual se dirige o foco desse estudo, tendo em vista ser o responsável pela execução da política de saúde nos municípios. Tal é a importância dada a esse ator que, em 2006, o Ministério da Saúde (MS) instituiu o Pacto de Gestão que visa atingir metas sanitárias de acordo com os diferentes espaços territoriais. Por este, cabe ao gestor atuar na perspectiva de assegurar a construção de um modelo de atenção em saúde que busque responder aos desafios atuais da gestão e às necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade.1

No estado da Paraíba, antes da criação do SUS, geralmente o profissional médico atuava como gestor, exercendo principalmente a função de secretário de saúde. Depois de sua criação em 1998, mais precisamente, da institucionalização do Programa Saúde da Família (PSF), em 1994, tem-se observado a crescente inserção do enfermeiro nos distintos níveis de gestão no referido estado, o que tem lhe assegurado um importante papel político.

A partir do ano 2000, novas políticas de saúde começaram a surgir para viabilizar a consolidação do SUS. Uma delas se refere à política de Educação Permanente em Saúde (EPS) criada no ano de 2004.2 As discussões promovidas pelo MS sobre a EPS também enfatizavam que as ações em saúde deveriam ser desenvolvidas sob as concepções de gestão participativa, co-gestão, termos que ampliavam politicamente a função de ser gestor em saúde. As mudanças políticas que ocorriam e que eram favoráveis ao desenvolvimento do projeto ético-político da Reforma Sanitária Brasileira e o número expressivo de enfermeiros secretários de saúde na Paraíba, concorreram para a formulação da questão que norteou essa pesquisa: como gestores, os enfermeiros atuavam em consonância com os novos conceitos de gestão apropriados à consolidação do SUS e ao curso da Reforma Sanitária Brasileira?

Vale ressaltar que, ao longo da história da profissão, o enfermeiro vem se destacando no cuidado direto ao usuário, nas ações de saúde pública e na administração dos serviços de saúde, principalmente nas de cunho hospitalar.3 O enfermeiro sempre teve como uma de suas atribuições o gerenciamento da assistência, com ações centradas sob o foco da administração, teoricamente orientadas por disciplinas ofertadas no curso de graduação como Administração Aplicada à Enfermagem e Administração Hospitalar, fortemente apoiadas nas concepções da administração clássica, de conotação taylorista, e que respaldavam a atuação da enfermagem preferencialmente no âmbito da cura.

O projeto da Reforma Sanitária Brasileira e o cuidado no SUS requeriam que a formação do enfermeiro fosse sustentada por um corpo de conhecimentos que levasse em consideração os problemas dos brasileiros em suas realidades concretas e históricas, de modo a contemplá-los nos aspectos biológico, psicológico, cultural e social.4 Essa formação deveria assegurar ao enfermeiro uma alta competência na assistência de enfermagem, no âmbito técnico-científico, administrativo e político.4

A gestão democrática e participativa, que passava a ser discutida com mais ênfase no início do ano 2000, deveria ser concretizada por meio da construção de sistemas de co-gestão. Nesse sentido, o método da roda era considerado anti-taylor e um dos eixos de conformação da construção desse tipo de sistema. Significava, portanto, uma nova lógica para distribuição de poder e outro modo de funcionamento para as organizações.5

Tendo em vista o projeto ético-político da Reforma Sanitária Brasileira e as novas políticas que favoreciam ao propósito, como se configuravam as experiências dos enfermeiros que exerciam cargos de gestão no início da década de 2000 na Paraíba? Que impressões apontavam a respeito da gestão? Quais os desafios que encontravam no exercício da função?

Face aos questionamentos acima, este trabalho foi desenvolvido, tendo como objetivo analisar as impressões dos enfermeiros sobre a experiência de ser gestor em saúde na perspectiva de reconhecer elementos favorecedores ao desenvolvimento do projeto ético-político da Reforma Sanitária Brasileira.

METODOLOGIA

O estudo em pauta é do tipo exploratório, de abordagem qualitativa, e para a sua realização fez-se opção pelo método da história oral, modalidade temática.

A história oral, ao se interessar pela oralidade, procura destacar e centrar sua análise na visão e versão que dimanam do interior e do mais profundo da experiência dos atores sociais. Há três modalidades de história oral: história oral de vida, história oral temática e tradição oral.6 A história oral temática busca a verdade de quem presenciou um acontecimento ou que pelo menos dele tenha alguma versão discutível ou contestatória.6 A história oral mantém um compromisso de registro permanente que envolve lembranças, comentários, memórias de fatos e impressões sobre acontecimentos, e, partindo de um assunto específico e preestabelecido, compromete-se com o esclarecimento ou opinião do colaborador sobre algum evento definido.7

Na realização do estudo foram respeitadas as etapas de construção do documento oral, que são: formação da colônia e rede, a entrevista, a transcrição, a textualização, a conferência, o uso e o arquivamento. A colônia deste trabalho foi constituída por 10 enfermeiros que atuavam como coordenadores ou secretários municipais de saúde no estado da Paraíba e que integravam uma turma de 30 alunos, das mais diversas áreas de formação acadêmica, do Curso de Especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde, oferecido pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no período de 2003 a 2004.

A coordenadora do Programa Saúde da Família (PSF) de um município da Zona da Mata Paraibana, por ser, na época, Pleno de Sistema, Sede de Módulo e por ter um sistema local de saúde reconhecido como um dos mais organizados no estado, foi identificada como o ponto zero. A partir de sua posição delimitou-se a rede, usando como critérios de inclusão: ser enfermeiro, estar no momento da coleta de informações atuando como gestor em saúde e aceitar participar do estudo. No período da realização das entrevistas dois enfermeiros não mais se encontravam na função de gestor e um não pode ser entrevistado, ficando a rede, portanto, constituída por sete colaboradores.

Os entrevistados que aceitaram participar do estudo, preferiram aproveitar a vinda às aulas presenciais do curso de especialização (na cidade de João Pessoa). Os encontros entre pesquisador e colaboradores foram realizados no NESC, em horário escolhido pelo colaborador, sendo que o pesquisador teve o cuidado de não realizar as entrevistas no mesmo horário das aulas. Para a coleta de informações foi utilizado um roteiro norteador dividido em duas partes: a primeira, com dados de identificação do profissional e a segunda, com questões relacionadas à experiência e à participação como gestor do SUS.

Considerando os aspectos éticos, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CCS/UFPB). Foram respeitados todos os direitos reservados contidos na Resolução nº 196/96 e no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Antes da entrevista, uma vez informados, todos os colaboradores assinaram o referido documento. Para assegurar o anonimato foi a eles solicitado a escolha um nome fictício. O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética do CCS/UFPB, conforme protocolo nº 191/2003.

Após a transcrição, os textos foram entregues aos depoentes para sua validação, que posteriormente, deram a autorização para utilizá-los na pesquisa, mediante assinatura da carta de cessão.

Para a análise do material empírico utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo modalidade temática.8 O percurso analítico se fez pela sequência dos seguintes passos: pré-análise e constituição do corpus. Para as fases de exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação foram ouvidas as sete entrevistas, refeitas as transcrições e elaboradas as transcriações do material gravado. No processo foram observadas a exaustividade, homogeneidade, representatividade e pertinência dos conteúdos; além da realização de leituras flutuante e longitudinal. A primeira feita pelo entrevistador e a segunda também por mais outro pesquisador, seguida da discussão sobre a coerência e a pertinência do conteúdo dos discursos; leitura transversa e início de codificação com base nas unidades de registro e formulação de pré-hipóteses e codificação.

Para o alcance do objetivo proposto, da análise prévia das falas obtidas nas entrevistas com os enfermeiros que atuavam no campo da gestão, foram destacadas as unidades de registro. As unidades de registro conformaram os seguintes núcleos de sentido: Impressões sobre o papel do enfermeiro como gestor e Dificuldades encontradas pelos enfermeiros no papel de gestor em saúde. Em seguida, procurou-se articular os conteúdos convergentes e divergentes e que se repetiam, recortando os extratos das falas, em cada um dos núcleos de sentido identificados. A discussão dos núcleos de sentido permitiu eleger como unidade temática central - Experiências dos enfermeiros com o trabalho de gestão em saúde no estado da Paraíba

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Impressões sobre o papel do enfermeiro como gestor

No que tange à experiência de trabalho anterior dos colaboradores, pode-se observar que, dentre os sete, seis mencionaram ter iniciado a vida profissional no âmbito hospitalar.

[...] Nunca gostei de hospital, atuei depois de terminar o curso, mas não gostei. Gostaria de ter atuado em centro cirúrgico, mas não deu certo, não fiquei. Comecei a trabalhar em posto de saúde, enfermeira do trabalho, depois comecei no PACS no município de Riacho de Santo Antonio, lá implantei o PSF [...] (Ídina).

[...] Comecei na área hospitalar em obstetrícia, mas sempre sentia que estava me faltando alguma coisa, apesar de que eu sou apaixonada por crianças, mas eu queria me envolver mais, porque chegava no âmbito do hospital e eu percebia que era uma falha na atenção básica [...] (Josi).

Essa característica é ratificada pela história da enfermagem, a qual evidencia que o sistema nigthingaleano e a hegemonia do modelo médico-assistencial privatista tem o hospital como principal espaço de trabalho. No sistema nigthingaleano, criado por Florence Nigthingale no final do século XIX, vale ressaltar, a formação do enfermeiro passou a ser realizada com ênfase nas técnicas, em que a habilidade manual, a capacidade de memorização, a postura e a mecânica corporal no desenvolvimento das técnicas eram imprescindíveis, além do capricho, da organização e da perfeição.9

No campo da administração, os conhecimentos repassados eram centrados na empresa hospitalar e teoricamente respaldados pelas teorias de Taylor e Fayol. Reconhece-se que, assumir a gerência nos moldes tayloristas mantém o enfermeiro distante das necessidades específicas da clientela, impedindo-o de interferir efetivamente, além de não lhe permitir uma visão global do setor saúde.4 Na formação profissional do enfermeiro, para a Reforma Sanitária e para o SUS, devem constar vários modelos de administração, complementados com disciplinas sobre planejamento, economia, entre outras, qualificando-o para exercer com propriedade o cuidado em saúde.4

A consolidação do SUS no dialético movimento da Reforma Sanitária Brasileira requer profissional qualificado para desenvolver processos de trabalhos no que tange à compreensão de atuar em um sistema norteado pela perspectiva da saúde coletiva, da gestão de coletivos e da gestão participativa.

Em relação à concepção dos enfermeiros sobre gestão, os depoentes destacaram a autonomia e a qualificação como fatores positivos à tomada de decisão. Foram enfáticos em afirmar que a função de gestor requer compromisso de trabalhar com a finalidade de melhorar o cuidado prestado aos usuários e que a tomada de decisão é potencializada quando o secretário de saúde " ou integrantes de equipes gestoras " tem governabilidade para resolver os problemas locais. Foi relatado que, para tal, é preciso ter o apoio dos seus pares nas instâncias estadual e federal e, principalmente, do gestor municipal, para ter essa autonomia e pleno gerenciamento de suas ações: [...] Se o Secretário de Saúde não tiver uma cumplicidade com o prefeito, se ele, o prefeito, não acreditar nos seus serviços, se você não tiver realmente o poder de convencer que ali é que é o certo, que o recurso tem que ser usado daquela forma, que é naquela trilha que ele tem que ir primeiro, a atenção não caminha [...] (Ídina).

Entende-se, por autonomia, a "capacidade do sujeito de lidar com sua rede de dependências em um processo de co-constituição de maior capacidade dos sujeitos de compreenderem e agirem sobre si mesmos e sobre o contexto conforme objetivos democraticamente estabelecidos".10:670

Além de mencionarem a necessidade de se ter autonomia mínima necessária para um desempenho adequado de suas funções, os entrevistados também apontaram para o compromisso do gestor em atuar em favor de mudanças e ter vontade política para buscá-las, mesmo diante de adversidades: [...] Acho que quando uma pessoa realmente quer, muita coisa pode acontecer, independente do município ser grande ou ser pequeno. Quando você busca você consegue mudar. Isso independe de ser no hospital ou num município, enquanto enfermeira numa clínica médica, numa clínica obstétrica ou numa gestão, porque o diferencial está na dedicação de cada pessoa [...] (Beatriz).

Não se pode esquecer, diante desses depoimentos, que os enfermeiros apontaram alguns conhecimentos para desempenho profícuo da função: [...] Olha, a minha concepção sobre gestão é quando o gestor precisa conhecer minuciosamente o município na sua área geográfica, nas suas dificuldades sociais, econômicas, culturais para que você realmente possa desenvolver um trabalho, com planejamento das ações, de educação, de prevenção, de promoção e reabilitação da saúde. Então nós temos que partir [...] do básico, do elementar e de saber quem são, como são, como vivem, de que vivem, de que adoecem, de que morrem, para poder começar a tratar e traçar estratégias de ação, de monitoramento, e de avaliação[...] (Josi).

O trabalho de gestão/gerência assume dimensões importantes junto ao processo de trabalho em saúde que são o comprometimento com a tarefa organizacional e o trabalho de envolver todos os recursos humanos nessa tarefa, ou seja, fazer com que cada um desempenhe seu papel, mas que assuma um compromisso conjunto de produzir um serviço de saúde, que satisfaça às necessidades da população.11 Dessa forma, é necessário que o gestor seja estratégico nas suas ações, não só no sentido da descentralização dos serviços, mas a partir de sua realidade, com base em indicadores, para que possa visualizar as necessidades de seu território e construir o planejamento em saúde, priorizando ações e serviços. Para tanto, é de capital importância que os gestores em saúde conheçam o seu território de atuação, bem como tenham apropriação de conceitos como vigilância e promoção da saúde, planejamento estratégico, integralidade, entre outros.

Outra habilidade a ser considerada para o trabalho da gestão é o modo como se estabelecem as relações entre gestores e trabalhadores de saúde. A gestão/gerência deve fazer uso de tecnologias leves e "[...] considerar os profissionais de saúde e os usuários como atores em potencial na produção das ações de saúde, inclusive compreendendo-os como autônomos e co-responsáveis do trabalho em saúde".12:43 O gestor também deve ser hábil para compor consensos e alianças socialmente construídas, se contrapondo à racionalidade gerencial burocratizada, normativa e tradicional.5

O território representa muito mais que uma área geográfica, porém é caracterizado por perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político e social, e expressa um território em permanente construção. Esse conhecimento sobre a base territorial é um passo para a caracterização da população e de seus problemas de saúde. Assim, se faz necessário que o gestor realmente conheça a realidade de seu território, para que ele possa desenvolver as ações gerenciais de modo a contemplar os princípios do SUS.12

Para além dos conceitos técnicos que possibilitam o modo de operar políticas de saúde, se faz necessário que o gestor em saúde reconheça, como norteador da sua prática, o conceito ampliado de saúde e que este seja entendido como sinônimo de qualidade de vida de seus munícipes, tendo como objetivos a prevenção e a promoção da saúde da população sob sua responsabilidade. A promoção da saúde visa a assegurar a igualdade de oportunidades e proporcionar os meios que permitam toda pessoa assegurar plenamente o seu potencial de saúde. Os indivíduos e as comunidades devem ter oportunidades de conhecer e controlar os fatores determinantes de sua saúde. Ambientes favoráveis, acesso à informação, habilidades para viver melhor, bem como oportunidades para fazer escolhas saudáveis, estão entre os principais elementos capacitantes.13

Também se observou nos depoimentos a preocupação com os planejamentos das ações, diante das necessidades locais, o que traz uma aproximação da concepção de Planejamento Estratégico Situacional. Esse tipo de planejamento refere que o ser humano pode mudar a sua realidade quando há uma força agindo sobre ele, existindo várias explicações para os problemas locais que precisam ser consideradas para explicar essa realidade.14

Outro aspecto elencado pelos depoentes diz respeito à percepção do enfermeiro sobre o papel do gestor. Observou-se que os enfermeiros fazem uma reflexão do cargo com a sua formação profissional: eu vejo o enfermeiro hoje no cargo de gestão como uma grande ascensão e eu coloco sempre que essa ascensão deve-se principalmente à implantação do Programa dos Agentes Comunitários de Saúde, em 1991, porque começou a haver uma nova valorização do mesmo. Começou a se perceber que o enfermeiro é capaz de administrar, de desenvolver suas tarefas e ações, e modificar a realidade local de onde ele chega atuando. Então ele sozinho, juntamente com a equipe, consegue fazer isso [...] (Barbosa).

Com a institucionalização do SUS em 1988, foi iniciado um movimento para a descentralização e regionalização dos serviços de saúde com o intuito de garantir a efetivação deste sistema. O conceito ampliado de saúde foi decisivo para que os serviços passassem a visualizar não só o indivíduo, mas o ambiente, a família e o coletivo. No início da década de 1990, com o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), houve um crescente mercado de trabalho para os enfermeiros, sendo os mesmos responsáveis pelo trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

Na fala da colaboradora Barbosa observa-se que o PACS, do ponto de vista da prática, proporcionou ao enfermeiro aprendizado para que pudesse desenvolver habilidades para o exercício da função de gestor, fato que, sem dúvida, veio a somar para ação de protagonista em outra estratégia de consolidação do SUS: o PSF, implantado 1994.

O PSF, hoje conhecido como Estratégia Saúde da Família (ESF), trouxe ao enfermeiro a perspectiva de integrar-se ao desenvolvimento de ações de promoção e de prevenção de acordo com o informe da atenção básica: prestar assistência, seja em âmbito individual ou coletivo; educação na formação de enfermeiros e auxiliares de enfermagem, capacitação de ACS e desenvolvimento de processos de educação permanente dos profissionais de saúde, além de atividades comunitárias de educação para saúde; gerência de unidades, programas de saúde, projetos governamentais, não-governamentais e/ou de ação comunitária; organização de serviços e planejamento em saúde, elaboração, coordenação e execução de projetos de intervenção e impacto no setor saúde; gestão de sistemas de saúde, notadamente na qualidade de secretários municipais de saúde; assessoria, consultoria e auditoria em instituições de saúde; pesquisa: produção científica na área de saúde e correlatas, além de atividades de docência na graduação e pós-graduação de profissionais de saúde.15

Assim, é notório nos depoimentos que a ascensão profissional dos enfermeiros se deve, principalmente, à criação do SUS e, mais precisamente, às estratégias de consolidação surgidas na década de 1990, notadamente o PACS e o PSF. Observa-se que sua valorização é dada pela sua capacidade de gerenciamento, sendo reconhecida em todos os níveis de gestão do SUS no âmbito dos municípios. Destaca-se ainda a visão de trabalhar com o conhecimento do território, o que concorre para o fortalecimento de um processo de trabalho, como gestor, centrado no planejamento estratégico, bem como na disposição para efetuar mudanças4, aspectos esses relevantes e necessários à continuidade da Reforma Sanitária Brasileira e ao fortalecimento do SUS.

Dificuldades encontradas pelos enfermeiros no papel de gestor em saúde

As maiores dificuldades citadas pelos enfermeiros que atuavam como gestores foram as de ordem financeira e a qualidade dos recursos humanos. A respeito do aspecto financeiro: [...] A principal dificuldade que enfrentamos é o poder de decisão que hoje nós gestores não temos a autonomia de gestão, digo nós não temos a autonomia totalmente, principalmente relacionado ao financeiro [...] (Ferreira).

O financiamento do setor saúde é um problema que atravessa contextos históricos e continua desafiando gestores e trabalhadores da saúde no Brasil. No final da primeira década de 2000, embora avanços tenham sido alcançados em relação ao financiamento da saúde no Brasil, a exemplo da Emenda Constitucional nº 29, que define a contribuição financeira de cada esfera de governo para o setor saúde e a Portaria GM/MS nº 699 que redefine a transferência de recursos federais destinadas ao custeio de ações e serviços de saúde em blocos de financiamento16, ainda persiste o subfinanciamento da setor.

Os trabalhadores da saúde são vistos pelos enfermeiros gestores como despreparados para atuarem no SUS, principalmente quando se reconhece a importância do cuidado humanizado: [...] Sabemos que na saúde, infelizmente, temos essa defasagem de profissionais na saúde coletiva, de profissionais voltados ao pronto atendimento e o não humanizado. Ainda é aquela questão de atender e não se envolver, não saber como vive o paciente, se ele come [...]. Então existe essa deficiência cultural, econômica, de recursos humanos qualificados, que precisamos ter para poder ter um atendimento mais humanizado. Para isso é preciso sensibilizar, qualificar e saber melhor das pessoas dentro da problemática [...] (Josi).

Com base no depoimento acima, percebe-se a preocupação com a falta de preparo de profissionais para atuar na perspectiva da saúde coletiva. A relação entre a formação de enfermeiros e as ações desempenhadas na ESF revela que os profissionais consideram, em sua maioria, ter sido insuficiente o suporte teórico e experiência prática para o embasamento de ações e procedimentos inerentes ao trabalho em unidades de saúde da família.17

Deste 2004, sob a concepção da EPS, o MS, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, desenvolve ações articuladas com o Ministério da Educação de modo a produzir propostas que sejam efetivas no campo da qualificação dos trabalhadores de saúde. Nessa perspectiva, o MS vem atuando com algumas estratégias e, dentre elas, duas se destacam: a primeira concerne a ressignificação dos projetos político-pedagógicos dos cursos da área da saúde, para que as universidades do país possam formar profissionais capacitados para atuar na construção de um novo modelo de atenção à saúde, projeto esse que vem sendo conhecido como Pró-Saúde; a segunda é voltada para os profissionais que já atuam em serviço no sentido de que possam se qualificar nas modalidades de especialista/residente em saúde da família, saúde da comunidade e em gestão de sistemas de saúde.18

Com relação à qualificação dos gestores, o MS e órgãos afins apontam algumas ações nessa direção, a exemplo dos cursos de especialização de gestores do SUS, ofertados no país, bem como os cursos de aperfeiçoamento à distância denominados de Curso Nacional de Qualificação dos Gestores do SUS. Criado em 2009, o referido programa tem o objetivo de qualificar mais de sete mil equipes gestoras em todo país. Essas ações têm o intuito de instrumentalizar gestores e equipes gestoras na ruptura de paradigmas para mudança das práticas gerenciais de modo a constituir um modelo de saúde centrado no usuário e nos princípios doutrinários e organizativos do sistema de saúde do Brasil.19

Os projetos de formação, tanto para a graduação como para os cursos de pós-graduações e aperfeiçoamento, tem a EPS como sustentáculo teórico. Notadamente, a EPS promove intervenção estratégica capaz de ressignificar o processo de trabalho em saúde a partir da reflexão da realidade local, de modo a colaborar para mudança das práticas técnicas e sociais20. Nesse sentido se faz necessário o "fortalecimento entre o ensino e serviço, no sentido de dar sustentação à formação gerencial do enfermeiro numa perspectiva transformadora, e buscar novos cenários para a formação, como as Unidades de Saúde da Família" e Secretarias de Saúde.21:256

Nos relatos foi evidenciada a preocupação dos enfermeiros em garantir, mediante a função de gestor, um trabalho sintonizado com os princípios do SUS: [...] Quando a gente assume e você tem a visão desses princípios do SUS. Eu acho que seria muita ousadia dizer que fazemos cumpri-los na sua integralidade. Mas tentamos fazer isso. É descentralizar, é universalizar, fazer com que você veja a população não de forma isolada, aquele tem um problema então ele deverá ter um benefício, mas não. A equidade é o que você deverá ter como importante, porque você deverá fazer a distribuição das necessidades com muita justiça como o próprio princípio diz [...] (Barbosa).

Os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade da atenção constituem um conceito tríplice do ideário da Reforma Sanitária. Entende-se por integralidade das ações quando o usuário é assistido em toda a sua totalidade, a partir de sua necessidade, em uma relação articulada complementar e dialética, em que cada profissional, cada equipe, cada instituição de saúde tem responsabilidade na produção do cuidado a esse usuário, seja de maneira focalizada ou ampliada.22

No que se refere à equidade das ações, é necessário que se aplique o princípio da justiça. As condições sócio-econômicas das pessoas envolvidas deverão ser consideradas, assim como suas singularidades. Portanto, o tratamento deverá ser diferenciado de modo a reduzir as desigualdades sociais existentes no país, ou seja, quem tem menos recursos sociais e financeiros tem prioridade de atendimento na rede pública de saúde.23

Nos depoimentos averiguou-se que há um consenso sobre a ESF como estratégia de reorganização da Atenção Básica. Os gestores enfatizaram que, após a sua implantação, houve mudanças significativas nos indicadores de saúde local. Porém, mencionaram que esse sucesso está diretamente ligado ao perfil do profissional que está atuando no programa, e isso depende de como ele desenvolve suas atividades, podendo, ao mesmo tempo, ser um facilitador, como também ser um entrave ao desenvolvimento das ações de saúde em nível local: [...] A saúde da família realmente tem esse paradigma e ele pode ser seu aliado na Atenção Básica assim como ele pode ser o seu vilão. Porque quando você não encontra profissional com o perfil de acordo com que a proposta coloca, que o saúde da família se propõe você não caminha você só faz criar um elefante branco, uma expectativa. [...] Porque se você não tiver a sorte de encontrar profissionais certos, no local certo você não caminha (Ídina).

A ESF, desde sua implantação, tem demonstrado um alto grau de normatividade na implementação de suas ações. O formato das equipes, as funções de cada profissional, o cadastro das famílias, o levantamento dos problemas de saúde existentes no território e os modos de fazer o programa são regulados pelo MS.24 Vale salientar que o trabalho da equipe de Saúde da Família deve ter como base o vínculo, a responsabilização e o acolhimento de modo a contemplar as necessidades de saúde vigentes da população de sua área adstrita. No entanto, embora se observe melhoria de indicadores de saúde, são frequentes as queixas feitas pelos usuários sobre o atendimento na ESF. Serviços assistenciais de média e alta complexidade não estão acessíveis. Estes, cada vez mais congestionados, reprimem ofertas e demandas,25 expõem as fragilidades do sistema e desafiam os gestores.

A mudança das práticas dos trabalhadores de saúde é um fator essencial para organização de serviços voltados para as necessidades de saúde da população. Esse constitui um dos grandes desafios dos gestores que atuam para a efetividade do SUS. Além desse desafio, outro se relaciona com a baixa capacidade de gestão existente, em alguns casos, nos níveis municipais e estaduais os quais favorecem a utilização de recursos financeiros, que são escassos, feita de forma irracional e que não contempla as reais necessidades de atenção à saúde da população local. Faltam elementos para a tarefa concreta de planejar e gerir diretamente uma rede complexa, bem como a política de pessoal, a incorporação de avaliação à gestão e usá-la para subordinação aos objetivos e metas do sistema.24

Aos problemas destacados, acresce-se o fato de que os gestores enfrentam o acentuado rodízio dos profissionais de saúde nos municípios, o que concorre para a incipiente formação de vínculos entre a Equipe de Saúde da Família e usuários, bem como para a fragilização do processo de trabalho condizente com os princípios do SUS.

Outro problema relevante, e praticamente não mencionado pelos enfermeiros que atuam como gestores, diz respeito às ações voltadas à avaliação em saúde. A avaliação em saúde é reconhecida como uma prática voltada a transformações, uma vez que tem "o sentido de se incorporar à rotina das organizações de saúde, acompanhando todo o processo de planejamento e gestão de políticas e programas".26:706 Além do mais, poucos gestores têm definido um modelo de gestão e muitos não têm conseguido atuar na perspectiva da co-gestão, bem como incentivar a prática da participação popular, ação necessária para a processual garantia da saúde como um direito, da redução da corrupção que afeta as políticas sociais, dentre elas a saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os enfermeiros entrevistados se veem diante de novos elementos, acrescidos ao seu processo de trabalho, e além de terem atuado no PACS e na ESF, sem qualificação específica, assumiram a gestão no campo da saúde coletiva, trazendo como conhecimento a administração aprendida nos moldes taylorista e centrada no âmbito hospitalar. Mesmo assim, ressaltam a satisfação pelo reconhecimento advindo da função de gestor e da possibilidade de colaborar para a mudança da assistência à saúde prestada à população.

Apesar da formação centrada na cura e com conteúdos de organização na linha taylorista, os enfermeiros que atuavam como gestores na Paraíba mencionaram aspectos que estão sintonizados como o processo de consolidação do SUS e com o projeto ético-político da Reforma Sanitária Brasileira, revelando aproximação ao conceito de vigilância em saúde. Como exemplos podem ser citados: a consciência mostrada sobre o território, tendo em vista o planejamento das ações em saúde; o reconhecimento da ESF como reorganizadora dos serviços de atenção básica e a falta de trabalhadores qualificados para atuação no SUS, este último considerado como um dos principais gargalos da maior política de inclusão brasileira - o SUS.

É importante destacar que o aprendizado obtido pelos enfermeiros na atuação no PACS e PSF foi determinante para eles atuarem como gestores de algum modo sintonizados com o propósito da Reforma Sanitária Brasileira e da conquista permanente da saúde como direito, suprindo desse modo lacunas do processo de formação. Por outro lado, consta-se que, como gestores, ainda não incorporaram em seus discursos a importância da avaliação como elemento essencial para o planejamento das ações, tampouco a participação popular na perspectiva de potencializar o fortalecimento do SUS.

Os depoimentos fornecidos pelos enfermeiros, baseados em suas experiências, revelam peculiaridades do trabalho do enfermeiro como gestor. Os desafios citados não são restritos ao setor saúde da Paraíba e, sim, comuns ao cenário brasileiro. São problemas que devem ser enfrentados nacionalmente como a falta de autonomia, no que tange ao aspecto financeiro, ao despreparo dos recursos humanos para atuar como gestores, a rotatividade dos profissionais na ESF, problema esses que impactam negativamente o que se encontra instituído no Pacto de Gestão e, consequentemente, retardam o processo do projeto ético-político da Reforma Sanitária no Brasil.

Recebido em: 18 de agosto de 2009

Aprovação final: 30 de março de 2010

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      30 Mar 2010
    • Recebido
      18 Ago 2009
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