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Pesquisa qualitativa em saúde: desafios atuais e futuros

EDITORIAL

Pesquisa qualitativa em saúde: desafios atuais e futuros

Dr. Francisco J. Mercado-Martinez

Médico, Doutor em Ciências Sociais. Professor Investigador da Univerisade de Guadalajara - México. Coordenador do Programa de Investigação e Pesquisa em Avaliação Qualitativa em Saúde - PROGIECS. Membro do Sistema Nacional de Investigação do México

Durante os últimos anos constata-se a aceitação crescente e generalizada da Pesquisa Qualitativa em Saúde (PQS) na maioria dos países da América Latina, particularmente no Brasil. Prova disto, são as publicações sobre o tema na Revista Texto & Contexto Enfermagem. Mas, de forma paralela à referida aceitação, uma série de apontamentos críticos tem sido feito sobre alguns problemas e desafíos enfrentados por esta mesma produção. A partir de um trabalho de revisão publicado recentemente1, faço aquí referência a três assuntos que se encontram no centro do debate sobre as contribuições e desafios que enfrenta a pesquisa qualitativa latino americana na área da saúde. São eles: a perspectiva teórica, o impacto da produção e as suas propostas.

Sua fundamentação teórica - A adoção radical e a dependência de posturas pragmáticas e empíricas, sobretudo da Teoria Fundamentada, parece ser uma constante da PQS produzida na região. Esse predomínio é constatado de várias formas: por ser o referencial mais empregado, seus autores representativos os mais citados (Strauss, Glasser, Corbin, etc.) assim como, os seu método e estratégia de análise os mais utilizados, além do uso de programas computacionais sustentados na mesma metodología como o Atlas-ti ou o Nud+ist. O assunto, a principio não deveria ser objeto de crítica alguma, no entanto, a forma como vem sendo utilizado na região resultou não apenas em uma produção pouco preocupada com a teoria, como também ao desconhecimento ou negação de outras perspectivas amplamente utilizadas nos países latino americanos, tais como aquelas inseridas nos paradigmas críticos e ativistas, inclusive o interpretativista. Em uma região caracterizada pela persistência da desigualdade social, processos crescentes de exclusão social, tais como as vozes de grandes setores sociais cuja exclusão no campo da saúde ocorre por motivos econômicos, políticos ou sociais, a hegemonia da Teoría Fundamentada e outras posturas pragmáticas parece constituir mais uma limitação do que um avanço, por seu desinteresse histórico nas condições e circunstâncias que rodeiam a vida da população estudada, entre muitas outras coisas.

O impacto da produção gerada - Até o momento não se conta com estudo na região sobre o impacto da investigação qualitativa nos sistemas, na organização e nas práticas de saúde. Entretanto, se dispõem de algumas evidências sobre tal impacto na academia, particularmente através do número de vezes que os trabalhos têm sido citados por outros pesquisadores. A partir dos achados do mesmo trabalho de revisão mencionado, trata-se de um impacto desigual e marginal. Marginal em termos de que a pesquisa qualitativa em saúde produzida na região é pouco citada. E desigual porque os trabalhos mais citados são aqueles publicados em revistas de alto impacto, em inglês, e em colaboração com acadêmicos dos países desenvolvidos. Necessita-se de outros trabalhos de revisão que possam constatar se tal situação ocorre em todos os países ou apenas nos centros de alta produtividade na região. Entretanto, diversos indícios parecem apoiar estes mesmos resultados. De fato, um assunto que parece fortalecer esta tendência são as políticas científicas na região, sobretudo as dos países como Brasil, Colombia y México, já que tendem a incentivar este tipo de produção, principalmente a de alto impacto, publicada na língua inglesa e nas revistas anglosaxonicas2. Múltiplos problemas de fundo aparecem frente a uma situação desta natureza; basta mencionar dois deles. Por um lado encontra-se o fato de que a maioria das PQS da região são publicadas em espanhol ou em português, em revistas de pouco ou nenhum impacto e em formato de livro. E por outro, muitos trabalhos realizados na região não são de interesse para as revistas anglosaxônicas, não apenas porque se trata de temas locais, mas também porque não existe contribuição teórica, tal como foi destacado no parágrafos anteriores.

Em que sentido existe uma contribuição original da pesquisa qualitativa na área da saúde? O tema não tem sido objeto de debate; mas as evidências disponíveis indicam que tal contribuição não tem sido oriundas das propostas que emanam dos trabalhos publicados. Segundo a revisão mencionada, os estudos qualitativos de maneira geral terminam fazendo propostas de sentido comum; entre outras coisas, utilizar os resultados encontrados, educar os profissionais da saúde e a população ou seguir investigando mais o tema em questão. Estas propostas não diferem das derivadas de estudos sustentados por outras metodologias, além de que parecem perder o potencial que historicamente tem caracterizado os estudos etnográficos, fenomenológicos ou etnometodológicos, para mencionar somente três deles. O assunto se reveste de importância não só por questões acadêmicas. Em uma região que se caracteriza por impulsar reformas sanitárias de caráter transformador, a pesquisa qualitativa poderia oferecer elementos novos não só para apoiá-las, mas também para ampliar e fortalecer sua consolidação.3

  • 1. Mercado-Martinez FJ, Diaz BA, Tejada-Tayabas LM, Ascencio-Mera C. Investigacion cualitativa en salud: una revisión crítica de la producción bibliográfica en Mexico. Salud Publica Mex. 2011; 53(6):534-41.
  • 2. Mercado-Martinez FJ, Robles L. Los usos de la investigación cualitativa en salud: algo mas alla de la difusión de los resultados? Invest. Educ Enferm. 2008 Sep; 26(Supl2):48-59.
  • 3. Bosi MLM, Mercado-Martinez FJ. Modelos avaliativos e reforma sanitária Brasileira: enfoque qualitativo-participativo. Rev Saúde Pública [online]. 2010 Jun [cited 2011 Nov 23]; 44(3):566-70. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102010000300022&lng=en

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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